sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015


Uma polêmica com o revisionismo sobre o caráter da gestão Tsipras: O Syriza encabeça um governo “socializante” em disputa ou uma gerência burguesa de “esquerda” a serviço da Troika?

Às vésperas do governo comandado pelo primeiro-ministro Alexis Tsipras, dirigente do Syriza, completar um mês podemos estabelecer um balanço inicial das medidas adotadas até aqui e das perspectivas estratégicas de seu mandato “gerencial” na Grécia. Como não se trata de um governo tradicional da burguesia mas de uma gerência socialdemocrata de “esquerda” eleito com amplo apoio popular, o Syriza tomou inicialmente algumas medidas baseadas na sua demagogia “anti-austeridade”: anunciou a renegociação da dívida como prioridade, o aumento do salário mínimo para 751 euros, a reincorporação dos empregados estatais demitidos ilegalmente, fornecimento gratuito de eletricidade para 300.000 famílias, uma reforma fiscal e um freio nas privatizações em curso para “revisar” suas condições. Estas iniciativas foram saudadas pela esquerda reformista e os revisionistas do trotskismo como “grandes vitórias” sendo supostamente provas incontestes de que o governo Tsipras deve ser apoiado “criticamente” ou pelo menos respaldadas todas as suas medidas anti-austeridades, pois este seria um governo “socializante” em disputa! Nada mais falso do que essa caracterização que supostamente se apresenta como “preliminar”, tais primeiras medidas do Syriza são completamente insuficientes, não representam nenhum enfrentamento frontal com a Troika e, muito menos, uma ruptura revolucionária com o capitalismo. Ao contrário, esses paliativos foram tomados para ganhar tempo frente a sua base social, enquanto Tsipras e o ministro das Finanças, Ministro das Finanças, Yanis Varoufakis, fizeram um giro pelo Europa a fim de fechar um “pacto social” com outros países da UE. Em seu lava-pés, o novo governo grego começou a negociação de sua dívida com várias concessões. Para acalmar os investidores, deixou de falar em “cancelamento parcial” da dívida para defender uma “reestruturação” dos pagamentos, com novos títulos a mais longo prazo e atados ao crescimento. Foi declarar que vai seguir pagando, mas solicitando condições menos asfixiantes, proposta que foi negada pela Alemanha (seu maior credor) sendo Merkel apoiada pelo francês Hollande (PS). A solicitação de Atenas se limitou a reivindicar um “programa ponte” até maio que lhe permita um respiro para seguir negociando enquanto implementa suas primeiras medidas. Mas a resposta do BCE foi direta: não aceitar os títulos gregos como garantia por financiamento para novos empréstimos depois do dia 28 de fevereiro, quando vence o programa de resgate. Em resumo, o imperialismo europeu (não) está “pagando para ver” até onde vai o plano anti-austeridade do Syriza, que agora está solicitando uma “conferência da dívida europeia” como mais uma medida distracionista para camuflar sua completa impotência de enfrentar o imperialismo europeu! A composição do governo é outro sinal do rumo escolhido pelo Syriza. Selou um pacto com o direitista e xenófobo Gregos Independentes (ANEL), cujo dirigente, Panos Kamenos, é nada menos que ministro da Defesa. Como podemos observar trata-se de um governo de colaboração de classes que deve ser combatido pela vanguarda classista grega e mundial. Como denunciou o KKE no comunicado “Sobre a perigosa e enganosa campanha da chamada 'solidariedade com o povo grego’” em que alerta “No momento em que as discussões e reuniões do novo governo SYRIZA-ANEL desenrolam-se a nível internacional, antes do início das negociações oficiais com os ‘parceiros e prestamistas europeus’, está a ser promovida por certas forças no exterior uma ‘campanha de solidariedade com o povo grego e o governo de esquerda’. Entretanto, se alguém examinasse as condições reais e os fatos de um modo objetivo perceberia que o que está no centro das negociações é o seguinte: como é que o povo continuará a pagar o alto preço pela dívida que ele não criou; como é que a competitividade dos grupos de negócios será reforçada; como prosseguirão as ‘reformas’ (as quais, como enfatizou o primeiro-ministro Tsipras durante a sua reunião com o presidente francês Hollande em 4/Fev, são objetivos do governo, ninguém está a impor-lhes); e quão prontamente o dinheiro será assegurado para a recuperação do capital”. Desde a LBI convocamos as organizações revolucionárias a nível mundial a somar-se na denúncia feita pelo KKE e a desmascarar a farsa montada pelo governo Syriza. A tarefa dos Marxistas-Leninistas neste momento crucial da luta de classe na Grécia é combater as ilusões dos explorados na nova gerência socialdemocrata e organizar desde as bases operárias e populares a luta direta contra a política de colaboração de classes do Syriza e não o contrário, como desgraçadamente fazem o integrantes da família revisionista pelo mundo, semeando falsas expectativas no governo burguês sob o comando de Alexis Tsipras.

As “provas” que se trata de um governo burguês de “esquerda” portanto por voz dos capitalistas não param por aí. A nova gerência grega votou a favor das sanções da UE contra a Rússia, as mesmas sanções que o governo da Nova Democracia apoiava e, além disso, também assegurou que a cooperação da Grécia com Israel continuará. A ruptura com a União Europeia, instituição imperialista que comanda o saque do país, está descartada pois nunca foi bandeira programática do Syriza. O pagamento da dívida externa, que representa 177% do PIB grego e estrangula sua economia, continuará porque Tsipras declarou que “respeitará todos os compromissos”. Mas tal “renegociação” ocorrerá, segundo disse Tsipras quando apresentou o seu gabinete, “com os sócios, para uma solução que beneficie a todos”, pois “aqui não há vencedores nem vencidos, somos o governo de todos os gregos e como tal trabalharemos”. A história da luta de classes demonstra que isso não é possível no marco do regime capitalista. Não existe mediação: governa-se para o povo trabalhador em ruptura com as instituições burguesas e estimulando organismos de duplo poder para derrubar o regime político ou para a Troika e a burguesia grega como vem fazendo o Syriza.

Como o KKE é uma força política de tradições stalinistas, os revisionistas do trotskismo tentam desqualificá-lo para justificar seu apoio (incondicional ou “crítico”) a gestão burguesa do Syriza. Desde o PTS até a CMI de Allan Woods seguem este caminho. No artigo da Tendência Comunista do Syriza, o grupo irmão da Esquerda Marxista do PT afirma: “A liderança do KKE é o principal responsável pelo fato de que um governo autônomo de Esquerda não tenha sido logrado. Numa altura em que as massas trabalhadoras deslocam-se maciçamente à esquerda no front eleitoral, dando uma maioria – inclusive maioria absoluta nos centros urbanos – aos partidos que vêm da Esquerda e da tradição comunista, a liderança do KKE se recusou a tirar proveito deste mandato para trazer à existência um governo que poderia governar em favor dos interesses da classe trabalhadora. Dessa forma, comportou-se como um moderno Pôncio Pilatos, não apresentando demandas programáticas elementares que serviriam para revelar às massas populares a superioridade das ideias comunistas. Com esta abordagem sectária, essa liderança não somente não ‘desmascarou’ a liderança de SYRIZA, como também, em vez disto, lhe deu a desculpa política para se aproximar dos supostos ‘aliados’ do campo político burguês". Mas a política de “pressionar o governo à esquerda” para amarrar o movimento de massas a esta gestão burguesa como vem defendendo os revisionistas deve ser combatida, como corretamente vem fazendo o KKE. Em contraposição aos confucionistas da CMI e afins o partido comunista grego afirma: “Relembramos que a coligação governamental SYRIZA-ANEL deixou claro que haverá um novo programa, em acordo com os prestamistas; que todos os compromissos para com os ‘predadores dos mercados’ serão observados, o que significa que o povo pagará pelos empréstimos; que isto trabalhará para a salvação do ‘nosso lar europeu comum’, isto é, a UE, a qual é uma união imperialista. Este governo honrará suas ‘obrigações’ para com a OTAN. Quando o SYRIZA e seus aliados no exterior falam acerca do ‘fim da austeridade’, na realidade estão a falar acerca do apoio ao capital e da continuação de uma ‘vida frugal’ para o povo, algo que o novo ministro das Finanças Y. Varoufakis considerou ser necessário. Os trabalhadores continuarão a viver na pobreza, com direitos e necessidades degradadas, mesmo se as escassas medidas para gerir a pobreza extrema, as quais foram prometidas pelo governo de coligação SYRIZA-ANEL, forem implementadas. Os trabalhadores de outros países em caso algum devem tornar-se apoiantes de negociações que são alheias aos interesses dos trabalhadores gregos. Isto é uma campanha que está a ser orquestrada pelo ‘Partido de Esquerda Europeu’ e outros destroços da luta de classe, como o PC dos EUA. Os trabalhadores em outros países devem posicionar-se em solidariedade com o movimento popular e trabalhista com orientação de classe, o qual está clamar a que os trabalhadores e extratos populares lutem para recuperar todas as perdas que sofreram durante o período da crise, a salvaguardar seus direitos atuais e a satisfação das suas necessidades e para criar as pré-condições para uma mudança da classe que está no poder”. Apesar desta posição correta do KKE que caracteriza o novo governo grego como “burguês e capitalista”, o PCB em nota política afirma “O Partido Comunista da Grécia – KKE, que obteve expressiva votação e se mantém extremamente forte e organizado, decidiu não participar do novo governo e manter-se na oposição, pela esquerda. As razões para esse posicionamento devem-se não apenas ao caráter conciliador do programa do Syriza, mas, também, pela aliança firmada entre Syrisa e Gregos Independentes. No entanto, a direção do KKE anunciou que o partido não se furtará de apoiar, no Parlamento, as propostas e medidas do governo que apontem para a melhoria das condições de vida dos trabalhadores gregos, e que os comunistas se manterão na luta, nas ruas, nas greves e em todas as mobilizações, buscando fazer avançar o caminho da construção revolucionária do Socialismo”. A própria CMI também anuncia que “A liderança do KKE não descartou votar a favor do que fosse favorável ao trabalhador e as medidas contra a austeridade serão submetidas a voto no parlamento. Na verdade, o KKE foi obrigado a aceitar publicamente isto. Neste sentido, a liderança de SYRIZA poderia apelar ao KKE – não no abstrato, mas sobre questões específicas e dentro de prazos acordados mutuamente – para emitir um voto de confiança ao governo de SYRIZA, por exemplo sobre todas as medidas em favor dos trabalhadores contidas no programa de Tessalônica, em conjunto com outras medidas fundamentais que o KKE estava a propor”. Esta política de um suposto “governo em disputa” também é reivindicada por grupos no interior do PSOL como a RPR (tendência interna do PSOL alinhada ao PCO) que assevera: “Óbvio que a tarefa da esquerda revolucionária é fazer a revolução, sem se contentar com etapismos, com pequenas ou grandes reformas por dentro do sistema; mas nenhum revolucionário de verdade vai deixar de lutar pelos direitos mais elementares da classe trabalhadora. Todas as medidas populares desse governo eleito já são conquistas da classe trabalhadora grega. E a esquerda revolucionária tem de defende-las. Os trabalhadores gregos optaram por uma experiência com o Syriza, e precisamos entender essa opção, respeitá-la, deixar que ela aconteça. A frente popular deverá ser superada adiante, mas que seja superada a esquerda, e não esmagada por um golpe direitista ou coisa que o valha”. Seria a utilização da tática de “exigências e denúncias” prostituída pelo morenismo para capitular a governos de frente popular, recorrendo sendo ao espantalho do golpe da direita!

Estes "grupos" até admitem caracterizar a gerência socialdemocrata de “esquerda” encabeçada pelo Syriza como um governo burguês de frente popular, mas negam-se a fazer da denúncia deste o eixo central para que a vanguarda e as massas superem suas ilusões. Optam pela política de “exigências” à frente popular, alegando que esse governo é encabeçado por um partido de massas. Por fim justificam sua política de “aconselhar” e pedir “mudanças de rumo” do governo Tsipras como sendo a orientação utilizada pelo Partido Bolchevique em fevereiro de 1917 na Rússia, sintetizada na fórmula “Fora os ministros burgueses do governo Kerensky”. Se o governo Syriza não se assemelha a Allende (onde era possível adotar esta política), o que dizer das diferenças com Kerensky, que ascendeu ao governo russo através da Revolução de Fevereiro de 1917, na qualidade de representante dos soviets, ainda controlados pelos mencheviques? Se o governo de Syriza corresponde a uma “frente popular atípica” como utilizar a mesma orientação voltada a governos paridos de revoluções (Kerensky) ou de processos eleitorais com profundos choques com o imperialismo (Allende)? A política dos revisionistas é na verdade uma capitulação vergonhosa ao governo Syriza, com requintes de justificativa “teórica” no bolchevismo. Syriza, Kerensky e Allende têm em comum o fato de serem governos de colaboração de classes. O governo Syriza, porém, não é produto de nenhuma “Revolução de Fevereiro”, tampouco existe dualidade de poderes na Grécia como existiu no Chile e na Rússia de 1917. O Syriza não dirige soviets e, muito menos, seu governo está assentado sobre a mobilização de cordões de operários industriais armados como a UP no Chile. Ao invés de combater o governo Tsipras para derrotá-lo pela via da ação direta das massas e de apresentá-lo como inimigo de classe dos trabalhadores, estes grupos tentam corrigi-lo, pressionando-o a “mudar de rumo” visando a democratização do regime político burguês.

Desde a LBI não compartilhamos com esta política capituladora e convocamos a KKE e a PAME (organização sindical controlada pelos comunistas) a trilhar nas ruas a oposição operária ao novo governo, impondo pela mobilização direta o enfrentamento com o imperialismo e os patrões. Nesse sentido a verdadeira frente política anticapitalista deve ter o KKE em sua vanguarda de massas e não o governo do Syriza como defendem os revisionistas do trotskismo, cabendo aos genuínos leninistas intervir neste processo para que os ativistas combativos e militantes que se proclamem classistas superem no curso da luta política e ideológica os limites da posição do stalinismo, que nesse momento encontra-se sem dúvida à esquerda dos revisionistas do trotskismo! Os Bolcheviques Leninistas colocam todos seus esforços na tarefa de intervir ativa e pacientemente sobre as lutas que virão para elevar o nível de consciência dos setores mais radicalizados, a fim de fazê-la avançar da resistência defensiva atual para a disputa pela conquista do poder político contra seus algozes sociais-democratas, superando a criminosa influência política que a centro-esquerda reformista e seus satélites revisionistas exercem sobre o proletariado. A materialização deste longo e paciente processo de evolução da consciência dos trabalhadores é a construção de um partido internacionalista e revolucionário que lute por derrotar a União Europeia imperialista e o criminoso mito da “democratização” do modo de produção capitalista.