Há 60 anos do “suicídio” de Vargas e dez dias do “acidente” de Campos: Duas mortes e um único responsável!
No dia 24 de agosto de 1954 era anunciado o falecimento do
então presidente Getúlio Vargas, dando um tiro no próprio peito em seu quarto
no Palácio do Catete localizado no Rio de Janeiro. Talvez o episódio mais
marcante da história política brasileira, a morte de Vargas ocorreu em meio a
uma profunda crise do regime vigente que refletia as contradições do projeto
nacional-desenvolvimentista de seu governo. Um ano antes de sua morte a
continuidade da política de estímulo à industrialização, uma das principais
características do Varguismo, começou a sofrer limitações, exigindo a ampliação
de investimentos estatais e o aumento das importações de equipamentos e
máquinas (bens de capital), o que provocava um enorme déficit na balança
comercial do país. O mesmo ocorria com a balança de pagamentos das contas
correntes devido à sangria das divisas nacionais, promovida pelo crescimento
das remessas ilegais de lucros pelas empresas estrangeiras que atuavam no país.
Esse quadro tornava-se ainda mais grave com a queda dos preços do café no
mercado mundial (principal commoditie para exportação no período), contribuindo
para o declínio da receita externa, o que reacendeu a disputa feroz entre as
diferentes frações da burguesia nacional pelas divisas em dólar e pelo controle
do Estado burguês a fim de preservar seus interesses comerciais. Foi esse o “pano
de fundo” fundamental da crise política que abalou profundamente o país nos
anos 50 e levou ao “suicídio” induzido do “caudilho nacionalista” em agosto de
1954, sob a pressão direta do imperialismo ianque ávido pela “troca” do chefe
de estado brasileiro. Sessenta anos depois a mesma Casa Branca, ocupada
obviamente por outro presidente, está sedenta por outra “troca” no Brasil e
para isto não pouparia seus “esforços” já fartamente conhecidos pelos seus “adversários”
internacionais. O suspeito “acidente” que vitimou Campos e sua candidatura ao
Planalto , assim como o “suicídio” de Vargas, serviram como uma “luva” aos
interesses de Washington, ainda que em situações históricas distintas. Getúlio e Campos não eram inimigos
viscerais do Pentágono, o primeiro chegou a alinhar o Brasil ao lado do
imperialismo ianque na grande Guerra Mundial, o segundo prometia a Wall Street
a tão desejada “autonomia” do Banco Central brasileiro, porém cada um deles
estava no lugar e na hora errada segundo a ótica dos EUA. Vargas insistia em
manter no governo seu “modelo” de substituição das importações e
Campos persistia em permanecer com sua candidatura “atolada” favorecendo
assim a continuidade da quarta gestão petista consecutiva, elemento considerado
inaceitável pelo governo dos EUA. Se hoje não paira a menor dúvida que o
“Cerco ao Catete” foi uma
operação política montada desde a Casa Branca, tendo como “operadores” nacionais os ultrarreacionários da UDN, também é certo que a
responsabilidade pela queda do jato de Campos (que sequer tem propriedade
conhecida até o momento) está relacionada diretamente aos interesses das
corporações financeiras no país.
Sob forte pressão da oposição burguesa pró-imperialista (a mesma articulação golpista de 64) Vargas para preservar seu governo, tentou em primeiro lugar amenizar a crise política atendendo as exigências de determinados setores burgueses em disputa. Liberou as importações, a entrada e saída de capital e, ao mesmo tempo, aumentou o crédito para a indústria com módicas taxas de juros. Essas medidas, entretanto, além de não saciarem a fome dos bandos capitalistas por consumir os recursos estatais, provocaram o crescimento da inflação, que em 1952 já chegava a 20%, elevando o custo de vida das massas trabalhadoras. Como resposta, e contra a vontade das direções burocráticas sindicais, em março de 1953, cerca 300 mil operários entraram em greve, em São Paulo, ameaçando ruir as bases do pacto populista sobre o qual se sustentava o governo. Diante do ascenso das massas como novo elemento da crise política e após a tentativa do governo de recuperar suas bases eleitorais junto ao proletariado com a concessão do aumento de 100% do salário mínimo, a burguesia industrial retirou o seu já hesitante apoio a Vargas, unindo-se à tradicional oposição Udenista na preparação de uma saída golpista. Isolado de todas as facções da classe dominante a que tanto havia servido durante anos, o velho caudilho percebia enfim que seu projeto de um capitalismo “nacional e autônomo” não passava de uma “utopia”, uma ilusão política com a qual até as massas trabalhadoras não tinham nenhuma identidade de classe e logo romperiam se continuassem avançando em suas lutas independentes. Em 1954, não havia nenhum interesse do governo Vargas em romper com domínio do imperialismo ianque que, passada a II Guerra Mundial, procurava intensificar sua dominação sobre os países semicoloniais em contraposição à expansão da influência da URSS. Para as frações da burguesia nacional, incluindo o segmento industrial, o nacionalismo Varguista era importante apenas enquanto instrumento de controle político e ideológico do proletariado. Na verdade, o próprio Vargas fazia da política nacionalista (controle das remessas de lucros das empresas estrangeiras, monopólio da estatal do petróleo e das fontes de energia elétrica, etc.) um instrumento para utilizar o apoio das massas trabalhadoras como elemento de barganha com o imperialismo.
A “república do Galeão”, uma referência a base militar da
aeronáutica no Rio, logo se transformou em centro político da oposição
reacionária contra Getúlio, que se utilizou de uma farsa montada para
incriminar o Catete no episódio que culminou com a morte de um major da
aeronáutica. O jornalista Carlos Lacerda, “comandante em chefe” das forças mais
conservadoras do país, representava o braço civil de uma articulação da alta
cúpula militar golpista diretamente ligada ao Pentágono. Se o “atentado da Rua
Tonelero”, como ficou conhecido o embuste que matou o major Vaz e feriu o pé de
Lacerda, acertou mortalmente o governo Vargas, poderíamos dizer o mesmo do tiro
no próprio peito que o presidente foi levado a dar em relação à oposição pró-imperialista.
O suicídio de Vargas retardou por dez anos o golpe militar que só aconteceria
em 1964. As nebulosas condições em que aconteceu o suspeito “acidente” do jato
de Campos muito se assemelham a farsa da rua Tonelero, ou seja, uma “morte
provocada” que serviu diretamente aos planos golpistas no país. No caso de
Vargas a intensa mobilização de massas ocorrida com o anúncio de seu suicídio
político, talvez a maior de toda a história do Rio de Janeiro, acabou por
retardar o golpe planejado pela direita, já com fato da morte de Campos ainda é
muito cedo para vaticinar a vitória da reação (como equivocadamente muitos
pensam que é irreversível), desta vez disfarçada sob o manto da “fraude verde”
Marina.
A grave crise política que culminou no suicídio de Getúlio
Vargas, evidenciou claramente a inviabilidade história para um desenvolvimento
capitalista autônomo do imperialismo nas semicolônias e que a única saída
realmente independente do proletariado para quebrar a dominação do capital
financeiro é a alternativa da revolução
socialista. Hoje, porém, diante da investida neocolonialista do imperialismo na
América Latina como parte de sua ofensiva neoliberal reacionária em todo o
mundo, iniciada após a queda dos Estados operários do Leste europeu e da URSS,
o engodo do neodesenvolvimentismo burguês volta a ser apresentado como uma
saída política para os trabalhadores. Nesta questão programática podemos
afirmar que tanto o PT, PDT (que reivindica o legado de Vargas) como o PSB (pelo
menos sua ala não fisiológica) fazem o mesmo discurso distracionista da centro-esquerda
burguesa em nosso continente latino-americano, com a única diferença que desta
vez os “socialistas” emprestaram sua legenda para uma legítima representante da
Casa Branca tentar ocupar o Planalto.