24 DE AGOSTO DE 1954: A MORTE DE VARGAS E O OCASO DO
NACIONAL-DESENVOLVIMENTISMO
Neste 24 de agosto completa-se 63 anos do suicídio de
Getúlio Vargas. Episódio marcante da história política brasileira, a morte de
Vargas ocorreu em meio a uma profunda crise que refletia as contradições do
projeto desenvolvimentista de seu governo. Em 1953, a continuidade da política
de estímulo à industrialização, uma das principais características do
varguismo, começou a sofrer limitações, exigindo a ampliação de investimentos e
o aumento das importações de equipamentos e máquinas, o que provocava déficit
na balança comercial do país. O mesmo ocorria com a balança de pagamentos,
devido à sangria das riquezas nacionais, promovida pelo crescimento das
remessas ilegais de lucros pelas empresas estrangeiras que atuavam no país.
Esse quadro tornava-se ainda mais grave com a queda dos preços do café no
mercado mundial (principal commoditie para exportação no período), contribuindo
para o declínio da receita externa, o que reacendeu a disputa feroz entre as
diferentes frações da burguesia nacional pelas divisas em dólar e pelo controle
do Estado burguês a fim de preservar seus interesses comerciais. Foi esse o
“pano de fundo” fundamental da crise política que abalou profundamente o país
nos anos 50 e levou ao “suicídio” induzido do “caudilho nacionalista” em agosto
de 1954, sob a pressão direta do imperialismo ianque ávido pela “troca” do
chefe de estado brasileiro. A principal força de oposição a Vargas era a União
Democrática Nacional (UDN), que expressava os interesses das oligarquias
agroexportadoras descontentes com as restrições às importações e à política de
controle e confisco cambial, mecanismos que transferiam recurso do setor
agrário-exportador para o setor industrial. A UDN também agrupava os estratos
superiores da classe média, que temiam a esquerdização e o comunismo. O capital
imperialista, que desejava utilizar as divisas do país para a conversão e a
emissão de lucros para o exterior, era o aliado mais importante desse partido.
O governo Vargas, por sua vez, tinha como base de sustentação o chamado pacto
populista, uma espécie de aliança entre a burguesia industrial e as massas
trabalhadoras das cidades, incluindo também as facções das oligarquias
regionais atreladas ao Estado desde 1930 e setores nacionalistas das Forças
Armadas, todos unidos em torno de uma ideologia nacionalista que apresentava o
desenvolvimento industrial capitalista como meio de realização de interesses
comuns da burguesia e do proletariado. Fazendo um paralelo como os dias atuais,
paradoxalmente o governo Dilma sofreu um golpe parlamentar há um ano atrás, em agosto
de 2016. Tal como Getulío, Dilma foi impotente diante a direita e da pressão do
imperialismo, porém diametralmente oposta ao velho culdilho, a “gerentona
petista” não protagonizou nenhum ato de coragem pessoal e resistência política
simbólica, ao contrário, o PT tenta voltar a Presidência da República com Lula
em 2018 reeditando a mesma política de pacto das elites, reaproximando-se das oligarquias agrárias e dos setores da burguesia nacional que sustentaram as gestões anteriores da Frente Popular,
como vimos nas recentes caravanas do petista pelo Nordeste, abraçado com
figuras reacionárias como Renan Calheiros e Jackson Barreto, inclusive já
convidando para ser vice de sua chapa o empresário Josué Gomes da Silva, presidente da
Coteminas e filho do falecido burguês José Alencar.
A burguesia industrial, embora fosse a fração da classe
dominante mais diretamente subvencionada pelo Estado, não tinha uma estratégia
claramente definida do processo de industrialização. Apesar do significativo
crescimento da indústria, que no início da década de 50 já representava 22% da
produção nacional, sua expansão dependia da importação de bens de capital.
Sentindo-se impotente frente ao capital imperialista, esse setor estava de fato
mais interessado em auferir lucros imediatos que na consolidação de uma
infra-estrutura econômica capaz de viabilizar um desenvolvimento capitalista
independente. O apoio da burguesia industrial ao nacionalismo varguista,
portando, estava condicionado à capacidade do governo de manter os incentivos
ao crescimento da indústria e o controle político e ideológico sobre as massas
trabalhadoras urbanas.
Sob forte pressão da oposição burguesa, Vargas tentou, em
primeiro lugar, amenizar a crise política atendendo as exigências de todas as
facções burguesas em disputa. Liberou as importações, a entrada e saída de
capital e, ao mesmo tempo, aumentou o crédito para a indústria com módicas
taxas de juros. Essas medidas, entretanto, além de não saciarem a fome dos
bandos capitalistas por consumir os recursos estatais, provocaram o crescimento
da inflação, que em 1952 já chegara a 20%, elevando o custo de vida das massas
trabalhadoras. Como resposta, e contra a vontade das direções sindicais, em
março de 1953, cerca 300 mil operários entraram em greve, em São Paulo,
ameaçando ruir as bases do pacto populista sobre o qual se sustentava o
governo. Diante da ascensão das massas como novo elemento da crise e após a
tentativa de Getúlio de recuperar suas bases eleitorais junto ao proletariado
com a concessão do aumento de 100% do salário mínimo, a burguesia industrial
retirou o seu já hesitante apoio ao governo, unindo-se à tradicional oposição
udenista e ao imperialismo na preparação de uma saída golpista. Isolado de
todas as facções da classe dominante a que tanto havia servido durante anos, o
velho caudilho percebia enfim que seu projeto de um capitalismo autônomo não
passava de uma utopia, uma ilusão com a qual até as massas trabalhadoras, com
as quais não tinha nenhuma identidade de classe, logo romperiam se continuassem
avançando em suas lutas. Em 1954, não havia nenhum interesse do governo Vargas
em romper com domínio do imperialismo que, passada a II Guerra Mundial, procurava
intensificar sua exploração sobre os países semicoloniais. Para as frações da
burguesia nacional, incluindo a burguesia industrial, o nacionalismo varguista
era importante apenas enquanto instrumento de controle político e ideológico do
proletariado. Na verdade, o próprio Vargas fazia da política nacionalista
(controle da remessas de lucros da empresas estrangeiras, monopólio da estatal
do petróleo e das fontes de energia elétrica, etc.) e utilizava o apoio das
massas trabalhadoras como instrumentos de barganha com o imperialismo. Prova
disso, foi a última ação de Getúlio que, ao cometer suicídio, provocou uma
reação popular que adiou por dez anos o golpe patrocinado pelo imperialismo
para aprofundar seu domínio na economia nacional.
A grave crise política que culminou no suicídio de Getúlio
Vargas, evidenciou claramente a inviabilidade história para um desenvolvimento
capitalista autônomo do imperialismo nas semicolônias e que a única saída
realmente independente do proletariado para quebrar a dominação do capital
financeiro é a alternativa da revolução socialista. Hoje, porém, diante da
investida neocolonialista do imperialismo na América Latina como parte de sua
ofensiva neoliberal reacionária em todo o mundo, iniciada após a queda dos
Estados operários do Leste europeu e da URSS, o engodo do neodesenvolvimentismo
burguês volta a ser apresentado como uma saída política para os trabalhadores.
Nesta questão programática podemos afirmar que tanto o PT como o PDT (que
reivindica o legado de Vargas) fazem o mesmo discurso distracionista da
centro-esquerda burguesa em nosso continente latino-americano. Na atual etapa
histórica de reação ideológica e ausência de referência marxista, mesmo entre
os setores mais combativos da classe operária, a tarefa da vanguarda consciente
é combater essa política nefasta, cuja única finalidade, como já demonstrou o
populismo varguista, é embotar a consciência de classe do proletariado e
impedir que as massas exploradas encontrem o caminho da revolução proletária e
o socialismo.
Muitos dos apoiadores de Lula o comparam a Getúlio Vargas e
veem similitudes entre as circunstâncias políticas e históricas que cercaram o
impeachment da “gerentona” petista com as que levaram ao suicídio de Getúlio
Vargas e ao fim de seu governo em 1954. O que liga esses dois fatos históricos
além da ofensiva golpista da direita é a impotência das direções nacionalistas
burguesas e frente populistas. O que uniu Dilma e Getúlio em decadência foi a
ausência de qualquer enfrentamento com o imperialismo e a busca de um acordo
através de concessões atrás de concessões, política que acabou pavimentando a
derrota de ambos. Hoje, 63 anos depois do suicídio de Vargas e há um ano do
golpe institucional contra Dilma, é o povo brasileiro que está pagando em vida e
com grande sacrifício o arrocho salarial, demissões, privatizações e corte de
direitos e os ataques covardes do governo Temer contra conquistas sociais e
trabalhistas que sobreviveram desde o chamado varguismo, como a CLT. Nossa
tarefa é resistir pela via da ação direta da classe operária sem ilusões nas
direções nacionalistas burguesas e frente populistas, como deseja o PT ao
apresentar Lula como o “novo Getúlio” para as eleições presidências de 2018,
quando na verdade o Lulismo vem avalizando plenamente o ajuste neoliberal em
curso, apostando o circo eleitoral fraudado como única saída para voltar a
gerência do Estado burguês.