segunda-feira, 25 de março de 2013


Desaparecimento do POR (argentino): Uma crônica do revisionismo anunciado

O principal dirigente do POR argentino, Fernando Armas, acaba de ser expulso da organização que fundou em 1988, quando rompeu com o Partido Obrero de Jorge Altamira. Sua exclusão do POR foi produto de uma reação política empírica dos outros membros do Comitê Central às posições abertamente revisionistas de Armas, que há tempos vinha defendendo uma linha política cada vez socialdemocrata e, no último período, contestando a própria concepção leninista de partido. A tendência à dissolução e adaptação programática acabou por aproximar do POR novos arrivistas hostis ao leninismo, que tiveram em Fernando Armas seu porta-voz e principal representante no interior da corrente. O resultado deste processo foi um choque aberto com os outros membros do CC inclusive noticiada nas páginas do Jornal “Masas”, já que Armas buscava através de sua influência política pessoal sufocar os que ainda defendiam, mesmo que formalmente e de forma defensiva, a manutenção do programa e da própria organização. A profundidade da crise instalada no POR argentino desgraçadamente deve levar ao desaparecimento político da própria corrente porista do cenário político argentino. Para além dos aspectos “internos e prosaicos” que levaram à expulsão de Fernando Armas, a direção da LBI que estabeleceu uma jornada de discussões programáticas com o POR argentino no final da década de 90, compreende que as raízes desta crise são a pressão política, social e ideológica sobre as organizações que se reivindicam leninistas, uma força destruidora que se agigantou com a ofensiva do imperialismo e da democracia burguesa sobre a esquerda após a liquidação contrarrevolucionário da URSS e do Mudo de Berlim e que vem “socialdemocratizando” grupos que capitulam a esta onda de reação democrática.

Um “mérito” de Fernando Armas é que ele costuma ser direto em seu revisionismo, deixando claro o distanciamento do genuíno marxismo revolucionário. Segundo seu próprio relato, descrito nas teses políticas fundacionais de seu novo grupo, Socialismo Revolucionário, “A nova camada de militantes que se somou nestes anos ampliou a influencia em um setor das massas... Porém esta ‘nova militância’, não se somou em termos ortodoxos que marcam nossos estatutos. A fronteira partidária foi permeável (por sorte e por decisão unânime e coletiva!) a penetração de novos companheiros e ‘novas’ ideias, que começaram a questionar o esquema clássico de ‘partido-programa’, iniciando-se uma revisão crítica tanto das Pautas Programáticas, da caracterização do período histórico e da linha política, assim como da concepção de partido... Notadamente, os camaradas que declamam defender a ortodoxia de ditas pautas e estatutos, toleraram passivamente essas novas incorporações, não trazendo absolutamente ninguém para a organização. Não só isso: aproveitando de uma ‘maioria’ completamente circunstancial no Comitê Central eleito a quase 7 anos, adotaram em 28 de janeiro de 2013 uma resolução EXPULSIVA da maioria dos membros da organização, maioria que se orientava claramente a uma revisão crítica de aspectos importantes das Pautas Programáticas”. (Site Masas, Tesis Política para el XV Congreso del CC-POR, Bases para la fundación de “SOCIALISMO REVOLUCIONARIO”, 11/03/2013). Em resumo, Armas e sua área de influência “partidária”, composta por elementos avessos ao leninismo, resolveram fazer uma ofensiva para “rever” (leia-se romper) simplesmente com todo o programa do POR e sua concepção de partido formalmente leninista, em nome da penetração de “novas ideias”, sem dúvida adeptas de “novos conceitos” como “partido sem chefes, democrático e de base”, “aberto às massas e flexível”. Já sabemos, como marxistas revolucionários, só pelo linguajar “modernoso” e antibolchevique, que se trata justamente de jogar na “lata do lixo” os pilares de uma organização revolucionária comunista (centralismo democrático, partido de combate e de quadros, hierarquia de cima para baixo, direção profissional), aliando a tudo isto uma linha política cada vez mais social-democrata, tanto que o POR argentino apoiou quase acriticamente a FIT (frente eleitoral entre os principais membros da família revisionista: PO, IS, PTS) nas eleições passadas, apoiou o 20N, ou seja, um “paro nacional” que consolidou a ampla aliança entre a direita argentina, a burocracia sindical mafiosa e os revisionistas do trotskismo e vinha adotando posições internacionais pró-imperialistas (“revolução árabe”) muito próximas do morenismo e seus representantes oficiais e oficiosos na Argentina.

Fernando Armas rompeu com o PO de Altamira e fundou o POR argentino em 1988 pela via de um processo de aproximação com o POR boliviano dirigido por Guillermo Lora. Cerca de dez anos depois, rompeu com o lorismo e seu “Comitê de Enlace” que incluía também a TPOR do Brasil questionando a antimarxista definição da “excepcionalidade boliviana” sob um verniz pretensamente ultraesquerdista. Estabeleceu empiricamente uma crítica correta a muitos desvios “nacionais trotskistas” do POR boliviano, mas nunca incorporou um verdadeiro programa leninista proletário a organização. Em novembro de 1998, a direção da LBI travou pessoalmente uma jornada de discussões com Fernando Armas, abordando temas como concepção de partido e perspectivas de reconstrução da Quarta Internacional, caracterização da etapa mundial e sua relação com os processos contrarrevolucionários nos antigos Estados operários do Leste Europeu e da URSS, defensismo revolucionário nos Estados operários burocratizados, a discussão sobre a tática de Frente Única Anti-imperialista e a posição revolucionária frente à greve das polícias no Brasil. Já naquela época verificamos uma clara tendência de Fernando Armas a contestar a concepção leninista de partido, ainda que formalmente a reivindicasse. No folheto que lançamos intitulado “Balanço das Jornadas de Discussões entre a LBI e o POR argentino” (Novembro 1998) já alertávamos para esta tendência: “Apesar do processo crítico que o POR argentino vem desenvolvendo à concepção liberal de partido do lorismo ser progressivo, o núcleo argentino ainda guarda graves vícios provenientes de uma convivência de 10 longos anos com o modelo antileninista de organização porista. Em seu VIII congresso, realizado em junho/98, ainda reivindicava do POR boliviano em geral, e de Guillermo Lora em particular, as lições e ensinamentos sobre a concepção leninista de partido. Essas ‘lições e ensinamentos’ para a LBI são opostas a uma genuína concepção leninista de partido. Como um dos muitos exemplos dessa herança, temos o fato do POR argentino ter uma posição de apoio à greve dos policiais de Mendonza, um dos aparatos repressivos mais brutais da Argentina (apoio que a LBI rechaça contundentemente e que foi um dos pontos de debates da jornada) e, ainda assim, seus militantes daquela província lançaram um boletim conjunto com o PTS contra a greve policial, caracterizando-a corretamente como reacionária e denunciando as correntes que a apoiam como colaboradoras de assassinos. A existência dessa duplicidade na linha política pública revela um nível de frouxidão militante e uma ausência de centralização política inconcebível para uma organização que se reivindica leninista e uma confusão com relação ao próprio programa da corrente, ainda mais quando diz respeito a uma posição de tamanha importância, que envolve o apoio ou não às reacionárias reivindicações de melhor capacidade operativa e repressiva para as forças do Estado burguês, responsáveis por assassinar os setores explorados da população e combater militarmente as greves operárias. Mesmo sendo principista a posição da regional do POR de Mendonza contra a greve policial e bastante próxima da que a LBI adotou no Brasil, inclusive em dura polêmica com a TPOR, o que sem dúvidas constitui-se em um avanço político, há uma questão prévia a ser discutida, que é justamente porque chegou-se ao ponto de adotar-se posições públicas tão díspares em uma mesma corrente frente a um fato tão importante no cenário político argentino. Para a LBI, essa ‘possibilidade’ está relacionada à própria estrutura empírica e laxa de partido herdada do lorismo que ainda permanece no POR argentino. A manutenção dessa vertente organizativa liberal no POR argentino e avessa ao próprio centralismo se expressa em que no próprio jornal Masas se publicam diversas matérias que não veiculam as posições do partido, mas de militantes individuais, artigos que após sua publicação são criticados como incorretos pelos próprios dirigentes da corrente. O mais grave, além da própria posição antimarxista, é o fato de que, mesmo discordando dela, a direção do POR optou por publicá-la para não chocar-se politicamente com esse militante, em uma conduta inaceitável que, além de uma séria concessão política, reflete um partido regido por acordos de conveniência, ainda mais quando se compreende que o jornal de uma organização que se reclama revolucionária é uma ferramenta central de orientação política para as massas e não uma revista de debates onde se coloca o que bem se entende. Essas condutas revelam um questionamento prático do conceito de Lenin de que o jornal é porta-voz do partido e que uma posição tomada publicamente acarreta de forma obrigatória responsabilidade junto ao movimento de massas para o conjunto da organização. Essa ausência de critérios ainda remanescentes no POR argentino acabam por assemelhar-se da concepção lorista de que acima do partido estão as produções acadêmicas e literárias de seus dirigentes, sem qualquer controle partidário, voltadas a acomodar seus anseios intelectuais e, por isso mesmo, são toleradas pacificamente para não trazer à tona uma verdadeira discussão do caráter pequeno-burguês do partido”.

Frente a essas críticas, o POR argentino não chegou sequer a participar da Jornada Internacional de Debates pela Reconstrução da IV Internacional, convocada pela LBI, LRP (EUA) e o próprio partido de Armas para o ano seguinte, em 1999. Por sua vez a LBI também não aceitou as concessões que Armas estava fazendo a um “grupo” menchevique e simpatizante da frente popular que o POR buscava se aproximar no Brasil. Hoje, ele e seu Socialismo Revolucionário “revisa” (na verdade rechaça) não só o leninismo, mas a própria “pauta programática” que reivindicou há mais de dez anos. Como agora diz Armas: “Construtores de um Partido Operário Revolucionário, desprende-se de toda esta Tese Política que as condições históricas e políticas impossibilitam em curto-médio prazo a viabilidade da construção de tal tipo de partido. Por isso (e também para evitar qualquer disputa sobre ‘nomes, emblemas e honras’, facilitando que os ‘ortodoxos’ vão até as últimas consequências com seu dogma)... O SOCIALISMO CIENTÍFICO E REVOLUCIONARIO demonstrou ao longo de décadas de existência que somente uma abordagem profundamente crítica de sua própria existência o revitalizou” (Site Masas, Reivindicamos críticamente al CC-POR-fundamos SOCIALISMO REVOLUCIONARIO, 16/02/13). As palavras falam por si mesmas...

De nossa parte, a direção da LBI segue no combate pela construção do partido operário, revolucionário e internacionalista, sendo fiel à tarefa de reconstruir a Quarta Internacional. Esperamos sinceramente que os camaradas que se mantiveram no POR argentino façam um sério e rigoroso balanço político do processo político que culminou com a expulsão de Fernando Armas, já que seu revisionismo na condição de principal dirigente da corrente se arrastou por vários anos como uma crônica anunciada, muitas vezes com a tolerância dos que hoje o criticam. A LBI, já no final dos anos 90, alertava que seria necessária uma profunda superação da linha política em curso e da própria concepção de partido em vigor, que oscilava entre a defesa do leninismo e do menchevismo. Agora, mais do que nunca, quando Fernando Armas assumiu com todas as letras seu programa antibolchevique “socialista”, é hora dos camaradas que permaneceram no Comitê Central superar os limites programáticos vigentes até hoje no próprio POR argentino, caso contrário se corre o sério risco da corrente desaparecer por completo, sucumbindo pela sua fragilidade a pressão devastadora contrarrevolucionária da época da pós-soviética!