O OUTRO 11 DE SETEMBRO: 42 ANOS DO GOLPE NO CHILE, ABSTRAIR
AS LIÇÕES DA TRÁGICA EXPERIÊNCIA DA “VIA PACÍFICA AO SOCIALISMO”. REVISIONISTAS
DE HOJE AINDA INSISTEM NA SENDA PARLAMENTAR COMO EIXO CENTRAL DE INTERVENÇÃO DO
MOVIMENTO OPERÁRIO
Há exatamente 42 anos, em 11 de Setembro de 1973, no mesmo
Chile que elegeu novamente um presidente membro do Partido Socialista (Michelle
Bachelet) que já governou o país de 2006 a 2010, era desferido um golpe de
corte fascista patrocinado diretamente pelo imperialismo ianque (em uma
operação direta da CIA) contra Salvador Allende, dirigente máximo do PS. A ofensiva da
contrarrevolução ganhou terreno e desferiu sua investida fatal nesta data
trágica para o proletariado mundial como produto direto da política de
colaboração de classes do governo da Unidade Popular encabeçado por Salvador
Allende. A UP correspondeu às características clássicas de uma frente popular,
onde a burguesia em crise extrema e sob a pressão do ascenso popular faz
concessões e entrega as linhas gerenciais do Estado burguês a partidos reformistas de massas (PS e PC)
para que estes controlem o movimento operário nos marcos do regime político
burguês, orientação conhecida como “via pacífica ao socialismo”. Como herdeiro
político desta orientação reformista, nas últimas eleições presidenciais, o PC
seguiu a candidatura burguesa do PS, integrando a “Concertación”, uma coalizão
de centro-esquerda que englobou o PS, a Democracia Cristã e o Partido pela
Democracia. Esta conduta demonstra que
os neostalinistas chilenos não conseguiram abstrair as trágicas lições da
grande derrota de 73. Por outro lado os revisionistas do trotskismo, que dizem
criticar a chamada “via pacífica ao socialismo”, ainda hoje insistem na via
parlamentar como eixo central de intervenção da “esquerda” e do movimento
operário, demonstrando que também são reféns da estratégia reformista de
alterar o caráter de classe das apodrecidas instituições do regime político
bastardo democratizante, patrocinando trágicas ilusões entre os trabalhadores,
senda contrarrevolucionária que leva nos nossos dias, assim como ocorreu no
passado, a derrotas sangrentas para o proletariado latino-americano. No Brasil
alguns falsários da esquerda "chapa branca" insistem em comparar o
governo nacionalista burguês de Allende com a gerência neoliberal de Dilma
Rousseff. Em comum mesmo aos dois períodos históricos somente a política
seguidista dos reformistas, que em nome do "combate à direita"
abdicam da tarefa de preparar a independência de classe do proletariado frente
as diversas variantes políticas das classes dominantes. Com esta estratégia
desastrosa os reformistas abriram caminho para o desfecho golpista, apesar de
terem "jurado" que lutariam contra o fascismo até a morte.
A vitória eleitoral de Allende e da UP em 1970 ocorreu
quando as massas estavam em uma mobilização ascendente que ameaçava destruir o
Estado burguês. O aniquilamento eleitoral da direita (Partido Nacional), a
derrota do democrata-cristão Eduardo Frei — em condições de divisão da
burguesia — era uma expressão aberta de que estava na ordem do dia para as
massas chilenas a luta por construir um governo operário e camponês. Para sair
dessa encruzilhada, que a própria evolução da luta de classes impunha, os
partidos frentepopulistas se aliaram com a burguesia, o exército e o clero com
o objetivo de preservar a ordem capitalista. Essa tarefa era impossível sem
desorganizar as massas e derrotá-las. Esta foi a função política que veio a ter
o governo da UP: organizar a derrota pacífica dos trabalhadores e, portanto,
pavimentar o caminho para o seu esmagamento sangrento. No programa da UP, a
conquista do poder deveria ocorrer a partir de mecanismos institucionais
existentes através de um processo gradual, progressivo e pacífico, ou seja,
rechaçava a tarefa de armar as massas para pôr abaixo o Estado burguês em um
enfrentamento direto com a burguesia nacional e o imperialismo. As reacionárias
instituições e estruturas capitalistas deveriam ser transformadas
paulatinamente sem a necessidade de organismos de poder popular e soviéticos
que superassem e destruíssem a estrutura jurídica, política e econômica que
mantinha de pé o regime burguês. Essa utopia reacionária pregava que a ordem
capitalista deveria ser transformada a partir da institucionalidade montada
para mantê-la, a passagem do poder de uma classe para outra deveria ocorrer sem
que se abrisse um processo revolucionário para sua conquista. Cumprindo esse
objetivo, Allende promulgou uma lei que dava poderes ao Exército para fazer apreensões
de armas sem aviso prévio. Esta medida estava dirigida às fábricas ocupadas e
aos partidos de esquerda, em especial o MIR (Movimento de Esquerda
Revolucionário) que possuía um contingente de mais de 16 mil homens armados,
que compunham a própria UP. Ao mesmo tempo em que exigia o desarmamento dos
cordões industriais, em meio à maior crise militar de seu governo, nomeou
Augusto Pinochet como chefe das FFAA. A cúpula da coalizão governista
apoiava-se nestes organismos de base exclusivamente para pressionar a direita e
buscar uma solução negociada para a crise, conferindo-lhe funções de
colaboração com o governo. Ademais, o próprio Allende e o PC se manifestam
contra os organismos de base, taxando-os de esquerdistas e desestabilizadores
do quadro jurídico-político e institucional. Dado o peso e a influência da UP
no movimento operário e popular (CUT e sindicatos) e a ausência de um partido
revolucionário que dirigisse esses setores mais conscientes, a vanguarda
classista que se aglutinava em torno dos organismos de base não conseguiu se
contrapor frontalmente ao governo e às instituições do Estado burguês que,
naquele momento, eram apresentadas pelo PC e o PS como estando a serviço dos
interesses dos explorados. Em consequência dessa política criminosa, um dos
momentos de maior radicalização das massas foi desprezado e seu ímpeto contido,
como forma de garantir a estratégia política reformista. Alçada ao poder para
conter e desviar o avanço das massas trabalhadoras do campo e da cidade,
criando a ilusão de uma “via pacífica para o socialismo”, a frente popular foi
derrubada em um momento em que a classe dominante e o imperialismo conseguiram
organizar a contraofensiva auxiliados pela política da UP de desarmar o
proletariado e pactuar com os setores “constitucionalistas” da burguesia (DC) e
das FFAA. Como bem sintetizou Trotsky: “a política conciliadora das Frentes
Populares condena a classe operária à impotência e abre caminho para o
fascismo” (Programa de Transição, 1938).
No auge dessa crise, ocorre o golpe militar em setembro de
1973. Os trabalhadores resistiram heroicamente, as FFAA bombardearam as
fábricas ocupadas e os rendidos foram sumariamente fuzilados. As ilusões de
Allende que, horas antes de sua derrubada, chamava as massas a confiarem nos
militares “patriotas” foram cúmplices do massacre, ainda que o
“presidente-companheiro” tenha pagado com sua própria vida por elas. Com o
golpe militar, o exército sequestrou e assassinou mais de 8 mil militantes e
provocou o exílio e o cárcere de outros milhares. As Forças Armadas
bombardearam bairros populares, fuzilaram, prenderam milhares de pessoas nos
quartéis e, principalmente, no Estádio Nacional em Santiago do Chile. Por sua
vez, o imperialismo norte-americano, através da CIA, ajudou ativamente a preparação
do golpe. Esse massacre esteve a serviço de assegurar a recolonização do país e
a destruição das conquistas da classe operária. O “pinochetaço” e o
estabelecimento da ditadura militar finalizaram a curta experiência do governo
da UP. Hoje, assim como no passado, a política de colaboração de classes da
frente popular limita a radicalidade do movimento de massas e sem uma
plataforma revolucionária as lutas operárias e estudantis em curso tem acabado
por servir à demagogia “antineoliberal” do PS que, convertido integralmente ao
capital, retornou à presidência já não mais em nome da defesa da “via pacífica
ao socialismo”. Bachelet voltou à
presidência para gerir a reacionária ordem burguesa “democrática” que mantém intacto
o mesmo regime social de exploração da classe trabalhadora vigente na ditadura
militar!
Os longos anos de colaboração de classes do PS e do PC, em
razão da ausência de uma alternativa de direção revolucionária para as massas,
abriram caminho para o neopinochetismo, hoje reciclado com a máscara de uma
direita parlamentar, em face estar mantido intactas as bases políticas, o poder
dos militares torturadores genocidas e, inclusive, a reacionária constituição
de 1980, aprofundando de maneira combinada tudo isto o ataque sobre os
trabalhadores com novas e antioperárias reformas neoliberais. Nas eleições de
2009-2010, o PC chileno (na coligação “Juntos Podemos Más”) no primeiro turno
tinha como candidato Jorge Arrate, ex-PS, que rompeu com a Concertación,
apoiando no segundo turno com todo seu cretinismo o candidato de Bachelet e da
Concertación, Eduardo Frei, contra o pinochetista bilionário Sebastian Piñera
(bloco RN/Coalizão pela Mudança) que então saiu vitorioso. Como consequência
dos governos do PDC e PS e a colaboração de classes do stalinismo, os
trabalhadores foram atomizados e dispersos em suas lutas que não ultrapassam os
limites sindicais de resistência à precarização e à superexploração. Não será
apoiando o atual governo Bachelet e a Concertación, dentro da
institucionalidade burguesa, como almejam equivocadamente os neostalinistas do
PC, que a classe operária irá derrotar o regime vigente neopinochetista de
opressão às massas. Muito menos será, como faz o revisionismo do trotskismo, a
exemplo do morenismo (PSTU e CST no Brasil), que dizem criticar a chamada “via
pacífica ao socialismo”, mas ainda hoje insistem prioritariamente na via
parlamentar como eixo de intervenção da “esquerda”, demonstrando que também são
reféns da estratégia reformista de mudar por dentro o caráter das apodrecidas
instituições do regime político bastardo democratizante. Assim como no passado,
a política frentepopulista (apoiando Bachelet no Chile e Dilma no Brasil) é a
responsável pelas maiores derrotas impostas à classe operária em nome da
institucionalidade e da ordem burguesa. Está colocada para a vanguarda
classista chilena a superação deste quadro de conciliação de classes,
denunciando que os partidos da “Concertación”, incluindo o PC e seus satélites
patrocinam ilusões no regime cívico-militar atual, apontando sua bússola para o
norte da revolução socialista para que não se repita a trágica experiência da
“via pacífica ao socialismo” interrompida há exatamente 42 anos pelo genocida
golpe pinochetista no Chile!