“CHACINA DA LAPA”: HÁ 40 ANOS OS CARNICEIROS DA DITADURA
MILITAR ASSASSINARAM A FRAÇÃO DA DIREÇÃO DO PCDOB CRÍTICA À POLÍTICA MAOISTA DE
COLABORAÇÃO DE CLASSES
Seria uma reunião de grande relevância para os rumos
políticos do Comitê Central do PCdoB, no dia 16 de dezembro de 1976, há exatos
quarenta anos atrás, mas as conclusões programáticas do encontro clandestino (o
mais representativo realizado após o encerramento das atividades da guerrilha
do Araguaia) não puderam chegar ao fim devido à brutal ação policial fascista
do regime militar contra o que restava no país da direção partido após a
derrota sofrida na região norte do Brasil. No centro da pauta do CC estava o
debate acerca do balanço político da ação militar guerrilheira do partido,
realizada sob orientação ideológica do Partido Comunista Chinês. Não por
coincidência a fração stalinista dirigente que defendia o “grande acerto” da
tática Maoista encontrava-se “refugiada” justamente em Pequim. A doutrina de
Mao Tsé Tung consistia fundamentalmente de forjar a luta armada no campo e a
partir deste movimento impulsionar um "bloco de classes" com a
burguesia nacional anti-imperialista para a tomada do poder estatal. A ausência
na reunião de dirigentes que na época se colocavam mais "fiéis" a
linha do PC chinês ameaçava mudar os rumos do partido, estamos falando
fundamentalmente de João Amazonas e Renato Rabelo (atual dirigente
"cânone" do PCdoB), que juntos se recusavam a fazer qualquer
movimento de autocrítica em relação aos desastrosos resultados políticos da
guerrilha do Araguaia. Do outro lado geográfico e político estavam Pedro Pomar
e Angelo Arroyo, este último comandante e sobrevivente da guerrilha e que vivenciou
a morte do dirigente histórico Maurício Grabois no desigual combate militar com
as forças da repressão. Pomar já tinha manifestado para a militância partidária
que estava em seu entorno suas diferenças de avaliação política com Amazonas,
secretário geral de fato do partido, gerando um profundo “mal-estar” no
interior da direção stalinista que não tolerava dissidências internas. Pomar
teria sido chamado para uma viagem de “advertência” a Albânia, até então
alinhada com a China de Mao, não efetivada em função do grave estado de saúde
em que se encontrava sua companheira. Como permaneceu no Brasil, Pomar resolveu
levar adiante suas posições e dar a batalha de suas ideias no âmbito do CC do
partido. Iniciada a histórica reunião do PCdoB no dia 11 de dezembro, na rua
Pio XI do bairro da Lapa em São Paulo, terminaria sob o assalto covarde das
forças de repressão do regime, levando a morte de Pomar, Arroyo e Drummond,
outros cinco dirigentes foram presos e torturados (entre eles Haroldo Lima e
Aldo Arantes) e dois não foram presos. Jover Telles e José Novaes saíram da
“casa aparelho” em dupla e foram os únicos a escapar do cerco policial. Algum
tempo depois a direção do PCdoB imputaria a responsabilidade criminosa do
ataque terrorista ao partido na “conta” de Jover Telles denunciado como um
“infiltrado” no CC. Segundo esta versão, sustentada por Amazonas, Telles teria
sido capturado pelo DOPS dias antes da “Chacina” e negociado sua liberdade em
troca da delação do partido. Mas o estranho é que somente em 1983, no sexto
congresso do PCdoB, se “oficializaria” a expulsão definitiva do “traidor”, ou
seja, quase sete anos após os gravíssimos acontecimentos da Lapa. Seguindo a
trilha das “denúncias” de Amazonas contra seus opositores internos nos
deparamos com outra acusação, desta vez o alvo seria o líder camponês José
Novaes, que ao contrário de Telles e Wladimir Pomar (filho de Pedro e também
preso na Lapa), resolveu organizar uma dissidência no seio do PCdoB. Diante das
circunstancias criadas (e nunca totalmente esclarecidas) em torno da militância
de Telles, este decide abandonar a política, Wladimir toma o rumo da
socialdemocracia europeia ingressando "dissolvido" dos ideais
comunistas no PT em 1980. Coube a Novaes, principal referência política da dissidência
na vanguarda de esquerda, reunir os outros companheiros do PCdoB que estavam em
processo de ruptura com o stalisnismo (Ozeas Duarte, Genoino Neto e Jorge
Paiva), fundar uma nova organização comunista, que viria a se tornar o PRC em
1984. Mas se não foram os “camaleões” (alcunha pejorativa atribuída por Renato
Rabelo aos dissidentes do PCdoB) os delatores do aparelho da Lapa, a quem mais
interessaria a morte de Pedro Pomar e Arroyo? Quem teria de fato “vazado” para
os genocidas a informação da reunião que poderia ter mudado a linha Maoista do
PCdoB? Seria o Telles o delator ou o próprio Amazonas teria "cantado"
a reunião do partido para os facínoras do DOPS? No seio dos aparatos
burocráticos stalinistas tudo é possível, até tratar como "agentes do
imperialismo" gigantes revolucionários como foi Trotsky.
A primeira questão que deve ser respondida é porque somente
ao final da reunião do CC (que durou vários dias) a polícia da ditadura decidiu
agir, pondo em risco o próprio sucesso da operação criminosa. Registros do DOPS
revelaram que os agentes do regime militar sabiam da reunião no aparelho da
Lapa com pelo menos dez dias de antecedência, mas só intervieram após o CC do
PCdoB se inclinar, por uma pequena margem de maioria, na autocrítica da
guerrilha do Araguaia. Poderia Telles ter "sinalizado" para a
repressão o momento de intervir? Na incursão da casa da rua Pio XI, a policia
militar fuzilou sumariamente Pedro Pomar e Ângelo Arroyo, o jovem militante
Drummond morreu posteriormente em uma heróica tentativa de fuga na sede do
próprio DOPS. Os outros membros do CC foram presos e torturados, mas mantidos
vivos. Com a queda do CC, até então resistindo politicamente no Brasil, somente
restou ao PCdoB a direção instalada no exílio, e esta era completamente
favorável à desconsideração das resoluções programáticas aprovadas na Lapa
naquele trágico dezembro de 76. Amazonas logo reagrupou o “velho” Diógenes
Arruda (ex-tesoureiro e homem forte do Partidão), exilado em Portugal, e junto
a Dynéas Aguiar e Rabelo consolidou uma maioria alinhada com o PTA da Albânia,
dirigido por Enver Hodja. O expurgo tardio de Telles, fato não habitual no
mundo stalinista, leva a crer que Amazonas poderia ter "incentivado"
o delator e somente anos depois, já com uma situação estabilizada para ambos,
acusar a "traição de classe" do ex-camarada de direção partidária.
Com a chegada da “anistia” política ao país em 1979, a
direção nacional do PCdoB se reorganiza, sob as bases políticas da recém
ruptura do partido com o Maoismo (seguindo os passos do PTA albanês) agora
considerado como uma das principais vertentes do revisionismo, pondo fim à
defesa da guerrilha camponesa como "tática revolucionária" para o
país. Esta inflexão programática confunde os dissidentes da pseudomaioria
“Amazonista” que não conseguem se unificar, mesmo tendo ganho a última
conferência partidária. Neste período as suspeitas que recaiam sobre o próprio
Amazonas, pela delação da Lapa, se dissiparam em função da “quebra” política de
Telles e da própria criação da corrente estudantil “Caminhando” (embrião do
PRC), impulsionada nacionalmente por Genoino Neto e Adelmo Genro. O crescimento
organizativo da tendência “Caminhando” foi vertiginoso, a ponto de chegarem a
presidência da UNE na figura do baiano Ruy Cezar, recentemente falecido. Era a
“gota d'água” que faltava para o PCdoB incluir Genoino na lista de “traidores”,
ao lado de Novaes e Telles, só que neste caso a acusação de Amazonas se
relacionaria à guerrilha do Araguaia, onde o ex-presidente do DCE da UFC foi
preso. Com a ofensiva do PCdoB sobre os “camaleões”, o ex-militante do partido
que teria toda a autoridade moral para elucidar o verdadeiro festival de
calúnias stalinistas, seria Wladimir Pomar. Filho do grande quadro teórico
Pedro Pomar, assassinado na Chacina da Lapa, Wladimir esteve presente naquela
reunião do CC, também na condição de dirigente do partido. Mas o filho não
tinha a mesma estatura ideológica do pai Pedro, e optou por calar-se para o
movimento operário diante da intensa polêmica aberta no marco da esquerda comunista,
resumiu- se a escrever alguns livros sobre a vida do PCdoB. Wladimir seguiu o
“tranquilo” o curso de assessor “intelectual” da burocracia sindical Lulista, o
que lhe rendeu até pouco tempo atrás muitas vantagens financeiras (foi
responsável por intermediar negócios do governo Lula no âmbito do comércio
exterior com a China).
Os “Ziguezagues” programáticos do PCdoB ao longo de sua
história o descredenciaram totalmente perante a vanguarda revolucionária
mundial, como transitar da acusação de social imperialistas para China e Cuba e
hoje considerar estes países como “berço do socialismo”. O respeito e admiração
adquiridos com a morte heroica de seus militantes durante a Guerrilha do
Araguaia e nos anos de “chumbo” da ditadura viraram pó quando o partido
deliberou estabelecer as alianças políticas com oligarquias burguesas
conservadoras com Tancredo, Sarney e mais recentemente com o governo neoliberal
de Dilma. Sobreviventes da Chacina da Lapa, como Haroldo Lima (ex-ANP) chegam a
defender a entrega do petróleo nacional para as transnacionais imperialistas de
energia e combustíveis. A plataforma estratégica da “luta armada” dos anos 70
foi logo substituída pela apologia da democracia burguesa como valor universal,
levando o PCdoB para a vala comum da socialdemocracia, disfarçada de
“neodesenvolvimentista”. Os mártires da “Chacina da Lapa” desgraçadamente não
têm herdeiros políticos, nem no campo do decomposto PCdoB, nem tampouco no
terreno dos “dissidentes” que acabaram por dissolver organicamente o PRC na “gosma”
ideológica burguesa do PT. Caberá a uma nova geração de combatentes classistas,
forjada na têmpera revolucionária de um novo poder revolucionário honrar a
memória e a luta de todos os militantes da esquerda comunista que caíram sob o
tacão assassino da ditadura do capital.