O golpe de estado no Paraguai, o PCB e a “defesa da democracia”
O PCB publicou em seu sítio na internet sua série de artigos sobre o golpe de Estado no Paraguai, tramado pela arquirreacionária burguesia do país com o apoio velado dos militares e desferido de forma fulminante pela via parlamentar e constitucional. Entre eles reproduziu a posição do PC paraguaio, recém-legalizado pelo governo Lugo, onde se finaliza o artigo intitulado “O assalto fascista foi consumado” (27/06) com o seguinte chamado: “Viva a democracia! Viva a vontade popular! Viva o Paraguai livre de ditaduras”. Quem tiver curiosidade verá que a grande maioria dos textos veiculados pelo PCB tem como eixo a “defesa da democracia”. Tanto que o partido anuncia orgulhosamente em letras garrafais: “Paraguai: é formada a frente em defesa da democracia” noticiando o seguinte fato: “A Frente Guasú, que em 2008 levou Fernando Lugo à vitória presidencial, e uma ampla gama de outros movimentos sociais e políticos acordaram a criação da Frente pela Defesa da Democracia (FDD) que ‘rechaça e condena o governo golpista de Federico Franco’ e convoca ‘a defesa do processo democrático e da institucionalidade da República com uma mobilização permanente’” (sítio PCB, 26/06). A nota acima conclui com as seguintes palavras de ordem: “Pela vigência da Constituição Nacional! Pelo respeito pleno da justiça social e dos direitos humanos no Paraguai! Fernando Lugo é o único Presidente Constitucional da República do Paraguai! Não ao governo golpista de Federico Franco! Pela recuperação da democracia no Paraguai!”. Como se vê, não resta dúvidas que o PCB embarcou de malas e bagagens na defesa da democracia burguesa, inclusive reivindicando a reacionária Constituição do Paraguai e o retorno do próprio governo de colaboração de classes encabeçado por Lugo, fazendo da luta contra o golpe um instrumento de defesa da gestão da centro-esquerda burguesa comandada pelo “ex-bispo dos pobres”. O PCB, desta forma, rompe mais uma vez com a histórica posição leninista de enfrentar as investidas reacionárias da burguesia contra governos nacionalistas, frente populistas ou reformistas com total independência política, aplicando a fórmula “golpear juntos e marchar separados” usada pelos bolcheviques para derrotar o levante organizado por Kornilov contra o governo de Kerensky na Rússia de 1917, sem depositar nenhuma confiança neste governo de colaboração de classes.
O mais tragicômico dessa estória, é que perdido entre os diversos textos em defesa da “democracia”, inclusive um de autoria da UJC do Brasil em que se lê que “A destituição do Presidente Lugo, eleito pelo povo paraguaio, após décadas de ditaduras e de domínio do conservador Partido Colorado, representa um duro golpe nas lutas por democracia e justiça social do povo e da juventude paraguaia” (sítio PCB, 26/06) acha-se solitário um artigo intitulado “Paraguai: luta pela democracia ou pelo socialismo?” (sítio PCB, 28/06) subscrito pelo Movimento Marxista 5 de Maio (MM5), um racha “familiar” do Coletivo Marxista. No artigo se coloca a seguinte questão em debate: “O maior desafio lançado pelo golpe no Paraguai se refere à estratégia de luta das forças que, de uma maneira ou de outra, se colocam no campo da luta pelo socialismo: lutar pela democracia ou lutar pelo socialismo? Para nós, para todos aqueles que nos consideramos marxistas, o caminho é e sempre foi o de lutar pelo socialismo, considerada a democracia uma forma do poder político essencialmente burguesa. E a história testemunha a nosso favor. O caso mais clássico deve ser buscado na Guerra Civil Espanhola, quando a questão se colocou de forma clara e inequívoca. O caminho escolhido pelas forças de esquerda majoritárias então, o caminho da luta pela democracia, levou a uma derrota igualmente histórica do proletariado. De lá para cá, os exemplos se repetem: Grécia, França e Itália no imediato pós-II Guerra, República Dominicana, Indonésia, Brasil, Chile, Argentina, Uruguai... os desastres se repetiram dramaticamente. Até quando se vai insistir neste erro? Assim, são extremamente preocupantes as primeiras notícias vindas de Assunção dando conta de que a enorme maioria da esquerda do país irmão vem erguendo a bandeira da democracia no chamamento ao combate aos golpistas. Mesmo os segmentos mais radicalizados, que defendem métodos extra-institucionais de luta, se remetem à ladainha da defesa da democracia. Triste e desastrosa ilusão”.
O texto que reproduzimos acima não cita (não sabemos se por covardia ou conveniência política) o PC paraguaio e obviamente muito menos o PCB, adeptos como vimos da tal “defesa da democracia” tão criticada pelo MM5. Mas sem dúvida a pergunta colocada cabe ao PCB que alardeia está em processo de “reconstrução revolucionária” e de “autocrítica profunda”, mas quando se depara com testes ácidos da luta de classes acaba embarcando pelo mesmo reformismo vulgar que marcou a conduta do Partidão frente ao golpe militar contra João Goulart em 1964: depositar suas fichas na burguesia “progressista” e sabotar a resistência direta e armada dos trabalhadores. Os genuínos marxistas leninistas não combatem pelo retorno da “democracia” no Paraguai e muito menos em defesa do governo Lugo. Também não vendem o conto que o golpe tramado pela via parlamentar e constitucional se tratou de um “assalto fascista” como apresenta espertamente o PC paraguaio, para utilmente usar o espantalho do fascismo para justificar a sua descarada “defesa da democracia”. A LBI compreende muito bem que a derrubada de seu governo sob a condução da oligarquia dominante representa um ataque histórico ao conjunto do povo trabalhador do Paraguai, ainda que a burguesia tenha recorrido a própria Constituição e ao parlamento corrupto para destituir Lugo através de um impeachment em rito sumaríssimo, como possibilita a arquireacionária lei paraguaia. Por isso mesmo defendemos que é preciso romper o bloqueio diplomático imposto pelos governos da centro-esquerda e pelo próprio Lugo. Estes chamaram a aceitar a decisão do Congresso, levando a “disputa” para os fóruns da diplomacia burguesa, negando-se a mobilizar os trabalhadores no Paraguai e no conjunto da América Latina contra o “golpe institucional”. A única saída progressista para os trabalhadores está baseada na sua ação direta contra o conjunto da classe dominante e não está voltada a defender o covarde Lugo, cúmplice da ofensiva fascista em seus três anos de mandato e muito menos para recompor o atual regime democratizante bastardo. Os trabalhadores devem se organizar para derrotar os golpistas através da convocação de uma greve geral política e recorrer ao armamento geral, seguindo assim o exemplo dos sem-terra (cerpeiros) de Curuguaty. É necessário encabeçar um processo de mobilização independente e radicalizada para resistir, construindo organismos de poder operário e popular que sejam capazes de superar no curso do combate nas ruas e nos locais de trabalho e estudo a política de Lugo e da centro-esquerda burguesa do continente, tendo como estratégia a luta pelo socialismo!
Diferente do que defende o PCB, os marxistas revolucionários denunciam que a democracia é a melhor forma de dominação do poder burguês, porque é a mais eficiente para encobrir a ditadura do capital. Somente quando a democracia se mostra incapaz de manter a dominação de classe é que os capitalistas correm a golpes cívicos-militares ou a regimes fascistas. Teoricamente, a experiente direção do PCB sabe de tudo isso, seus “professores marxistas” universitários até reivindicam formalmente em seus “manuais” na sala de aula tais lições programáticas. Mas, porque se negam a aplicá-las na luta de classes? Porque esse combate político significa se enfrentar com seus “parceiros” internacionais, como o próprio PC paraguaio e a centro-esquerda burguesa do continente, como Chávez, que o PCB alardeia como comandante do “processo revolucionário” na Venezuela.
O PCB não quer pagar o preço do isolamento político de aplicar a autêntica política leninista e prefere aconselhar o governo burguês de Dilma, como se este estivesse “em disputa”: “Cobramos do Governo Dilma que saia de cima do muro, e tome a iniciativa de não reconhecer o governo golpista e de romper relações diplomáticas e comerciais enquanto o Presidente Lugo não seja reconduzido ao cargo” (Sítio PCB, 26/06). O que ocorreu no Paraguai tratou-se justamente o contrário do engodo que deseja nos apresentar o ex-Partidão! Dilma não está em cima do muro, ela também defende a “democracia” burguesa como o PCB e por isso pediu um “processo justo” no parlamento paraguaio, reivindicando apenas maior direito de defesa para Lugo, o que em última instância acabaria por legitimar o golpe, já que os partidos Colorado e Liberal tem a esmagadora maioria do Congresso e “só” resolveram atuar de forma fulminante temendo a reação popular. Daí as “sanções” no Mercosul e na Unasul!
Na verdade, a Unasul orientou Lugo a aceitar o golpe imediatamente e busca agora uma saída de consenso com a direita no marco dos chamados “organismos multilaterais” (Unasul, Mercosul, OEA) e da diplomacia burguesa, sem a intervenção direta das massas. E por que tiveram essa conduta? Porque defendem a democracia e abominam a intervenção direta dos trabalhadores que pode fugir de seu controle! Dilma e os demais governos da centro-esquerda burguesa sabem que para barrar de fato o golpe Lugo teria que mobilizar os trabalhadores em luta direta contra os latifundiários e o conjunto da burguesia, que inclusive se encontravam ocupando postos chaves em seu governo de colaboração de classes. Lugo e os governos da Unasul, particularmente do Brasil, são contra essa perspectiva que, sem dúvida, derrotaria o golpe e abriria uma situação revolucionária no país colocando classe contra classe, tendo como protagonista o movimento de massas que mais cedo do que tarde questionaria a própria política de conciliação de classes do ex-mandatário! Não é demais lembrar que o golpe no Paraguai formalmente não violou a Constituição do país para que fosse efetivada a destituição de Lugo e contou apenas com o apoio velado dos militares justamente para não ferir a famosa “cláusula democrática” do Mercosul, Unasul e OEA!
A orientação do PCB joga na lata do lixo a posição de Lênin, que diante da tentativa de golpe militar por Kornilov contra o governo provisório de Kerensky na Rússia escreve uma carta ao Comitê Central do Partido Bolchevique defendendo que: “Sequer agora devemos apoiar o governo de Kerensky. Seria faltar com os princípios. Alguém fará uma objeção: não será preciso combater Kornilov? Claro que sim; mas entre combater Kornilov e apoiar Kerensky existe um limite, e este limite o ultrapassam alguns bolcheviques caindo no ‘conciliacionismo’, deixando-se arrastar pela torrente dos acontecimentos” (Trotsky, Lições de Outubro). Ainda que no Paraguai o espantalho do “assalto fascista” seja apenas um delírio do PC paraguaio para justificar sua defesa escandalosa da democracia burguesa, cabe a singela pergunta ao PCB: no Paraguai se luta pelo retorno da democracia ou pelo socialismo?