segunda-feira, 22 de julho de 2013


O médico “mauricinho” da novela global e os protestos da elite de branco

A atual novela das 21h da Rede Globo, “Amor à Vida”, tem veiculado a personagem de um jovem médico “mauricinho” habituado a desmarcar as consultas dos seus pacientes para receber no consultório, já devidamente “pelado”, sua namorada. Em outras cenas, o personagem promove escândalos bestiais com direito a quebra-quebra nos bares em cenas de ciúmes. Muitos podem estar se perguntando: mas o que isso tem a ver com os protestos da área da saúde contra o programa “Mais Médicos” do governo Dilma? Parafraseando a própria Globo, tem “tudo a ver”! Embora de forma caricatural, o personagem do estúpido folhetim da emissora da “famiglia” Marinho expressa muito bem o estereótipo dos jovens de classe média que vislumbram a profissão como símbolo de status, ascensão social e poder sem qualquer vestígio de preocupação social com a prática da medicina na coletividade, ávidos por encher seus bolsos em consultas privadas em consultórios de luxo ou pela via de convênios nos escorchantes planos de saúde. Também não é desprezível o fato de que uma parcela considerável da categoria médica no Brasil utilize a profissão para fins políticos eleitorais (aproveitando-se da extrema miséria de uma parte da população), sendo que atualmente pelo menos um quarto do Congresso Nacional e Assembleias Estaduais está sendo ocupada por deputados “doutores”. O programa “Mais Médicos”, criado por uma Medida Provisória e apresentado pelo Palácio do Planalto como uma “solução” para a moribunda saúde pública, mas na verdade não passa de mais um arremedo para tapar buracos sobre a questão, está sendo alvo de uma sabotagem organizada pelas direções das entidades (direitistas) da classe medi(c)a justamente porque, apesar de todos os seus limites, colocou em debate a questão do caráter mercantil e mercenário da profissão médica na sociedade capitalista.

Dentre as medidas anunciadas estão a contração de médicos brasileiros e estrangeiros para atuar no Sistema Único de Saúde (SUS) em municípios do interior do país, percebendo uma bolsa de R$10 mil/mês; a alteração da carga acadêmica de seis para oito anos nos cursos de medicina, sendo dois anos de residência prestados na rede pública de saúde e a criação de 11 mil vagas nos cursos de medicina em universidades públicas e privadas até 2017. Apesar de não representar uma efetiva solução para o caótico sistema da saúde pública do país, o programa está sendo atacado notadamente por um viés reacionário e de direita. A adesão quase imediata de mais de onze mil médicos mostrou que houve uma “sabotagem” organizada ao programa, ou seja, a esmagadora maioria fez a inscrição no programa para ocupar as vagas e posteriormente realizar uma desistência em massa, inviabilizando o início do “Mais Médicos”. Esta conduta não se restringe à defesa de interesses corporativos, mas representa uma reação política insuflada pelos setores mais reacionários da burguesia e o PIG para tornar esse tema uma fonte de desgaste do governo da frente popular. As recentes mobilizações dos médicos contra este programa do Ministério da Saúde, guardadas as devidas proporções, acentuam o curso direitista das manifestações espontâneas que sacudiram o país em junho, apoiadas e pautadas pela Rede Globo que levaram Dilma às cordas, acendendo as esperanças eleitorais dos representantes da direita conservadora em 2014. Não por acaso, as entidades médicas se retiram dos conselhos de saúde do governo federal e se manifestaram contra os vetos de Dilma a lei do chamado “Ato Médico”, legislação que retirava a possibilidade de outras categorias, como os enfermeiros (de corte mais proletário) de atuarem na área clínica, apesar de terem formação para esta finalidade.

Vale destacar que a característica sociológica da categoria médica dentro de um Estado burguês semicolonial a exemplo do Brasil, via de regra, é se constituir como um setor profissional de elite, uma casta-símbolo da pequena-burguesia reacionária sem qualquer identidade ou vínculo com a população carente, ao contrário, que explora junto com os grandes hospitais e clínicas a saúde como se fosse uma mercadoria de luxo, de acesso a poucos. Os médicos que exercem o trabalho no sistema público, em grande maioria, fazem plantões para engordar a renda de suas famílias de classe média com pouco compromisso com os pacientes proletários e de baixa renda. Neste contexto, o programa “Mais Médicos” entra em choque com os seus interesses materiais de explorar o mais rápido possível a medicina enquanto proprietários de consultórios e clínicas. Isso também ocorre no que tange à ameaça da sua relação de poder, a partir da elevação do numero de médicos oriundos de outros países, particularmente de Cuba. Não por acaso, o foco de críticas das entidades medicas é a contratação de médicos estrangeiros por representar uma ameaça à reserva de mercado do lucrativo setor da saúde, onde a lei da oferta e da procura regula a atividade médica, tornando-a uma das mais mercenárias dentre todas as categorias laborais, composta nos últimos anos em sua esmagadora maioria por “maurichinhos” e “patricinhas” como se pode ver na novela global que tem o emblemático nome de “Amor à Vida”, uma trama que se passa em meio às podres relações humanas e profissionais que tem como pano de fundo um hospital privado. Longe do romântico juramento de Hipócrates, no capitalismo o exercício da medicina adquire pela sua importância vital um alto valor de mercado, sendo uma grande fonte de acumulação capitalista explorada pela burguesia e pela classe média abastada. Quanto maior a carência de atendimento médico e menor a oferta deste serviço, como ocorre nas periferias dos grandes centros urbanos e, sobretudo, nas áreas rurais, mais a figura do médico ganha destaque como elemento de barganha política e como representantes do poder das oligarquias regionais. Isso explica o enorme contingente de médicos eleitos, na quase totalidade por partidos burgueses de direita, a prefeitos, vereadores e deputados nos municípios do interior do país.

A oposição à contratação de médicos estrangeiros é inda mais reacionária por estar centralizada contra vinda de médicos cubanos. Para além da conduta de xenofobia, próprio da extrema-direita que hoje ganha espaço na Europa, a virulenta campanha de rejeição à atuação dos profissionais do Estado operário cubano representa um ódio de classe das frações mais conservadoras da burguesia em defesa dos interesses capitalistas, posição reacionária que é vergonhosamente apoiada pelo PSTU. Apesar de todas as dificuldades materiais, decorrentes do bloqueio econômico imposto pelo imperialismo ianque, Cuba conseguiu um grande desenvolvimento na área da saúde, sendo inclusive referência para o tratamento de várias doenças, adotando um modelo de medicina baseado na prevenção e o acompanhamento médico humanizado à população em programas como o conhecido “Médico do Quarteirão”. Esse padrão de medicina é diametralmente oposto ao praticado nos países capitalistas fundado no modelo que visa não evitar, mas “curar” (ou mesmo prolongar) doenças a partir de utilização medicamentos, beneficiando assim a poderosíssima transnacional indústria dos laboratórios farmacêuticos.

A expansão da rede de saúde privada, em função de sua alta lucratividade e status social, faz “pipocar” novos consultórios e clínicas de luxo em todo o país. Esta é a realidade que move os interesses reacionários dos médicos da elite de branco e não a criação de uma carreira atrativa para atuar no SUS como tentam justificar suas entidades representativas ao rejeitar o programa “Mais Médicos”. Outra tergiversação é a critica sobre a má utilização dos recursos públicos pela União na contratação de médicos estrangeiros e de até facilitar a corrupção nas prefeituras, um discurso ético em defesa da moralização do regime burguês que não cabe a estes senhores, já que não defendem a estatização do sistema de saúde e seu controle pelos trabalhadores e usuários. O programa “Mais Médicos” do governo Dilma é paliativo, portanto, inócuo enquanto solução mesmo que parcial, por que além preservar o atual modelo, mantém toda a estrutura do sistema de saúde voltada para favorecer o setor privado em todas as suas cadeias. Porém, não está sendo atacado por suas limitações, mas por aquilo que tem de minimamente progressista! Somente com o fim da saúde privada, dos planos de saúde pagos e com a completa estatização de todo o setor (clínicas, laboratórios, hospitais e indústria farmacêutica) sob o controle dos organismos de poder dos trabalhadores, associada a uma nova concepção de medicina preventiva e humanizada pode atender as demandas da população explorada, contribuindo por uma vida com bem-estar físico e mental, condições impossíveis de serem alcançados pelo capitalismo doente e senil que arrasta a humanidade para a barbárie.