40 anos da “Revolução
dos Cravos”: Uma transição “não pactuada” da ditadura de Salazar-Caetano para a
democracia burguesa operada pelas mãos dos militares “progressistas”
Quatro décadas depois da
Revolução dos Cravos, os trabalhadores portugueses são alvo da brutal ofensiva
capitalista sobre suas conquistas. O FMI acaba de divulgar um novo relatório
sobre a economia do país exigindo novos ataques sociais. Neste marco, as comemorações
desse fato histórico, que marcou o fim da ditadura de Salazar e o retorno da
democracia burguesa em Portugal, ocorrem num clima de tensão política e social,
fruto das medidas antioperárias do Governo do primeiro-ministro Pedro Passos
Coelho diante do agravamento da crise econômica no país. A exemplo da Grécia e
Irlanda, Portugal caiu nas mãos do FMI, da Troika e do fundo de emergência da
União Europeia, sendo obrigado a aplicar o plano de austeridade sob as hostes
de um governo de direita que sucedeu o PS. No vácuo desta crise, ao contrário
do que a esquerda “catastrofista” apregoava, segue a consolidação dos partidos
da direita tradicional, encabeçada pelo PSD cujo programa implementa medidas
cada vez mais duras contra a classe operária em suas conquistas sociais e
políticas. Neste contexto atual é que deve ser compreendida a Revolução dos
Cravos e seus efeitos sobre a luta de classes não só em Portugal, mas como
parte integrante da crise por que passa o continente europeu como um todo. Foi
chamada de Revolução dos Cravos porque as tropas lideradas pelo Movimento das
Forças Armadas (MFA), em vez de baionetas, saíram às ruas com cravos na ponta
dos fuzis para simbolizar solidariedade com a população. Mas, ao contrário do
que afirmam os arautos da conciliação de classes, esse movimento resultou numa
profunda derrota para proletariado português, confirmando a inviabilidade
histórica de uma transição pacífica para o socialismo. O movimento de 25 de
abril de 1974, ao pôr fim ao regime fascista de Salazar-Caetano, que durante 46
anos oprimiu o proletariado português e os povos as colônias de Portugal na
África, se constituiu em um golpe militar preventivo para evitar que uma
insurreição popular destruísse as bases da ordem capitalista. Um “convidado”
inesperado, o proletariado, surge no processo desta transição política que foi
operada inicialmente “por cima”, mas a ausência do partido revolucionário no
cenário português impede que se transforme a crise política da “agitada”
transição em revolução socialista.
A agitação política em Portugal refletia, sobretudo, o sacrifício de milhares de combatentes que lutaram pela independência das colônias portuguesas na África (Moçambique, São Tomé e Príncipe, Angola, Guiné-Bissau e Cabo Verde), onde a iminente derrota militar portuguesa desencadeou um processo de desagregação no Exército, aprofundando a putrefação do regime. Dessa forma, a origem do MFA encontra-se no clima de instabilidade que se manifestou em meados de 1973 no interior das forças armadas com o surgimento do denominado Movimento dos Capitães, aglutinando oficiais de média patente, insatisfeitos com suas remunerações e com a perda de prestígios dos oficiais do quadro permanente. Em nenhum momento, mesmo quando assumiu seus objetivos políticos, o MFA representou uma ameaça de ruptura com a disciplina e a hierarquia. Ao contrário, já no seu nascimento foram escolhidos como chefes do movimento o General Spínola e o General Costa Gomes, chefe do Estado Maior das Forças Armadas.
A tensão na esfera militar
também era reflexo da trágica situação da economia portuguesa no contexto da
crise capitalista mundial de 1973-1975, que exigia uma reorientação econômica,
através da nacionalização dos bancos e de setores básicos da produção, e a
adequação do regime político para salvaguardar o capitalismo. Enquanto crescia
a radicalização das massas que exigiam profundas mudanças, incluindo o fim da
guerra na África, a maior preocupação dos líderes do MFA era realizar o golpe
antes do dia 1º de Maio, quando estavam previstas grandes mobilizações dos
trabalhadores, que poderiam levar à queda o já apodrecido governo de Marcelo
Caetano. Os líderes militares pretendiam obter o apoio das massas mostrando-se
como os responsáveis pelo fim do odiado regime de opressão, evitando, dessa
forma, que o proletariado tomasse em suas próprias mãos as iniciativas
políticas que conduzissem à transformação revolucionária da sociedade. Nesse
contexto, a prisão de Caetano e de seus principais ministros, que em seguida
foram enviados para Funchal, na Ilha da Madeira, teve como único objetivo
afastá-los dos centros de agitação política, onde seriam alvos fáceis do ódio
popular.
O expressivo apoio das
massas trabalhadoras à Revolução dos Cravos foi fruto das profundas ilusões
democrático-burguesas, alimentadas pelos stalinistas do Partido Comunista (PCP)
e pelo Partido Socialista (PSP), que compuseram o governo provisório e chamaram
o proletariado a depositar confiança no novo regime burguês tutelado pelas
mesmas forças reacionárias que haviam dado sustentação a quase meio século de
ditadura fascista. Apesar da política e colaboração de classes dessas direções,
a luta espontânea das massas resultou no estabelecimento de uma situação
pré-revolucionária, em que qualquer tentativa do governo provisório do General
Spínola e da Junta de Salvação Nacional para deter a resistência da classe
operária e esmagar suas organizações, poderia conduzir rapidamente ao
surgimento de organismos de poder proletário. Esse ascenso revolucionário
manifestou-se em inúmeras greves, obrigando o governo a fazer várias concessões
econômicas e políticas.Porém, o avanço das massas rumo à conquista do poder
político, com o estabelecimento da ditadura do proletariado, esbarrou na
completa ausência de uma direção política capaz de centralizar as lutas
operárias, apontando a necessidade da destruição do putrefato Estado burguês
tendo como perspectiva a construção do socialismo. O stalinista PCP, liderado
por Álvaro Cunhal, fez do slogan “aliança do povo com as forças armadas” a
pedra fundamental de sua política de colaboração de classes. Em nome dessa
“aliança”, a Intersindical, federação sindical liderada pelo PCP, foi colocada
prontamente ao lado do governo na sabotagem e repressão às greves operárias. A
Revolução dos Cravos ocorreu sete meses depois do desastroso desfecho da
chamada “via chilena para o socialismo”, com o sangrento golpe fascista de
Pinochet. Entretanto, a lição abstraída pelo stalinismo da experiência chilena,
foi de que deveria estreitar os seus laços com as forças armadas do Estado
burguês, buscando encontrar aí os seus aliados “progressistas” para levar
adiante sua estratégia da revolução democrático-burguesa. A política de
conciliação de classes dos stalinistas e dos socialdemocratas do PS de Mário
Soares levou a formação do bloco MFA/PS/PCP. No campo do trotskismo, a Liga
Comunista Internacional, ligado ao SU de Ernest Mandel, foi incapaz de chamar a
classe operária a construir embriões de poder proletário, sob a desculpa infame
de que ainda era “muito cedo para levantar demandas políticas”. Um verdadeiro
partido trotskista tinha obrigatoriamente que apontar o caráter burguês do MFA,
denunciar a política de colaboração de classes do PC, levantar um programa de
reivindicações transitórias e exigir o rompimento com o MFA, tendo em vista
arrancar o proletariado da influência ideológica e política da burguesia e seus
agentes stalinistas.
Após 40 anos da
Revolução dos Cravos permanecem vivas como lições para os trabalhadores de todo
o mundo, tanto a inviabilidade da utopia reacionária da transição pacífica ao
socialismo, vendida pelos reformistas do PS, quanto a falência da concepção
etapista da revolução defendida pelo stalinismo e copiada pelos setores
revisionistas do trotskismo. A derrota do proletariado português foi produto da
ausência de uma direção revolucionária capaz de romper com o domínio do PCP e
do PS, que desarmaram o movimento operário diante do governo burguês do MFA,
preparando conscientemente o terreno para o triunfo da contrarrevolução, a partir
dos acontecimentos de 25 de novembro de 1975, que arrancou gradativamente todas
as conquistas do proletariado. O desfecho da Revolução dos Cravos foi mais um
exemplo histórico, que confirmou pela via negativa, que só a estratégia
política da revolução permanente, sob a direção de um autêntico partido
revolucionário poderá derrotar a burguesia, abrindo caminho, através da
destruição do Estado burguês, para a construção do socialismo. Aos genuínos
marxistas cabe a tarefa de intervir ativa e pacientemente sobre estas lutas
para elevar o nível de consciência dos setores mais radicalizados, a fim de
fazê-las avançar da resistência defensiva atual para a disputa pela conquista
do poder político contra seus algozes, superando a criminosa influência
política que a centro-esquerda reformista e seus satélites revisionistas
exercem sobre o proletariado. A materialização deste longo processo de evolução
da consciência dos trabalhadores é a construção de um partido internacionalista
e revolucionário que lute por derrotar a União Europeia imperialista, sob a
qual a vida das massas converte-se em uma bárbara escravidão, para edificar em
seu lugar uma Federação das Repúblicas Socialistas da Europa, apontando a única
saída verdadeiramente progressista para o velho continente.