Acordo Al Fatah-Hamas é mais um instrumento de barganha para tentar ressuscitar as fracassadas “negociações de paz” com Israel
A notícia do acordo
entre o Al Fatah e o Hamas em torno de um governo de “unidade nacional” foi
festejada na Faixa de Gaza e na Cisjordânia. Sem dúvida, a unidade de forças
palestinas para lutar contra o enclave sionista sempre é uma perspectiva que
merece o apoio das forças anti-imperialistas e antissionistas. Entretanto, a
questão é saber até que ponto o acordo fortalece, de fato, a luta do povo
palestino contra o enclave sionista de Israel. Tudo leva a crer que o acordo
não passa de uma medida de pressão de Mahmud Abbas, com o aval do Hamas, para
pressionar Israel a ceder na implantação de novas colônias, já que as
“negociações de paz” intermediadas pelos EUA estavam previstas para acabar em
29 de abril e estão totalmente emperradas. No mês passado, Netanyahu se recusou
a libertar um quarto e último grupo de prisioneiros palestinos, exigindo de
Abbas a promessa de que continuaria as negociações após o final de abril, prazo
estabelecido por John Kerry para um “entendimento preliminar”. Abbas usa o
acordo para ter uma “carta na manga” e exigir como contrapartida a libertação
dos prisioneiros, a suspensão da construção de colonatos e a inclusão nas
negociações da definição das fronteiras de um suposto futuro Estado palestino.
O acordo entre a Al Fatah e o Hamas inclui a formação de um governo de
transição em cinco semanas e a realização de eleições no prazo de seis meses.
Prevê, ainda, que sejam integrados à OLP tanto o Hamas e o grupo Jihad Islâmico
da Palestina quanto diversas outras facções. A declaração conjunta divulgada
neste dia 23 de abril afirma o comprometimento dos dois lados com os princípios
da reconciliação, já estabelecidos pelo Acordo do Cairo e pela Declaração de
Doha, assinados em 2012 e ainda não implementados justamente pelas divergências
internas em torno do reconhecimento da existência do enclave sionista como
estado. Os partidos também concordaram que tanto o Hamas em Gaza, quanto o Al
Fatah, partido à frente da ANP, na Cisjordânia, libertariam os prisioneiros
detidos devido à filiação política. Os Marxistas-Leninistas consideram que é
preciso reforçar a unidade do povo palestino, no campo político e militar, para
enfrentar a ocupação, lutando para superar os limites impostos no acordo
anunciado entre Al Fatah e Hamas.
O fato de Israel ter bombardeado a Faixa de Gaza após as facções palestinas terem fechado o acordo demonstra que a ocupação teme a unidade palestina mesmo que ela seja apenas um elemento de barganha em nome da política dos “dois estados”. A operação militar sionista deixou 12 civis feridos, incluindo crianças. O chacal Netanyahu anunciou o cancelamento da sessão de “negociações de paz” marcada para estes dias, reforçando que Israel se nega a sentar à mesa com um governo que tenha a presença do Hamas. Do ponto de vista dos interesses do povo palestino, essas negociações sempre foram parte de uma estratégia de traição à causa por parte do corrupto Al Fatah de Abbas, tendo em vista que não correspondem aos interesses do povo e sim a uma barganha visando fortalecer o aparato da ANP. De qualquer forma, é necessário lutar para que a “unidade palestina” esteja baseada na consigna da destruição do enclave sionista e não no seu reconhecimento, como quer a direção do Al Fatah que pressiona o Hamas para fazer mais essa concessão a fim de garantir “ajuda internacional” da Europa e dos EUA ao aparato da ANP. Enquanto palestinos de Gaza comemoravam nas ruas o acordo anunciado pelos dirigentes de ambos os grupos, um pacto que pode encerrar um período de sete anos de divisão política entre as organizações, Israel lançou o ataque aéreo ao território cercado e junto dos EUA anunciou a suspensão das negociações. A informação do cancelamento foi dada pelo gabinete do primeiro-ministro sionista nesta quarta-feira. No comunicado, o facínora Netanyahu afirma que “Abu Mazen [Mahmud Abbas] deveria escolher entre a paz com Israel ou o acordo com o Hamas”, e ainda argumenta que apesar de haver contato para “prolongar as negociações de paz, [ele] escolheu o Hamas ao invés da paz [com Israel]. Quem escolhe o Hamas não quer a paz”. Pouco antes, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Palestina, Riyad al-Maliki, havia afirmado, segundo a agência Wafa, que Israel não deve se preocupar com a reconciliação entre o Hamas e a OLP, e sim “ter em mente que um acordo de reconciliação não significa o fim das negociações com Israel” em uma clara tentativa de enquadrar o Hamas na sua política pró-imperialista. Cinicamente, os EUA declaram que se o futuro governo palestino não respeitar os princípios de “não violência” e a existência de Israel, as negociações de paz poderão ser “seriamente” afetadas, como afirmou a porta-voz do Departamento de Estado Jen Psaki. Ela ressaltou ainda que os Estados Unidos estão “decepcionados” e “inquietos” diante do anúncio de acordo entre as facções palestinas: “É difícil esperar que Israel possa negociar com um governo que não acredita em seu direito de existir”, disse Psaki. Em um comunicado, Abu Mazen, como é apelidado Abbas, destacou que o acordo interno não deve interferir nos esforços de paz com o país vizinho e garantiu estar disposto a dar continuidade às conversas com Israel. “Não há nenhuma contradição entre a unidade e as negociações. Nós estamos comprometidos em estabelecer uma paz justa, baseada na solução de dois Estados”, ressaltou. Já Ismail Haniyeh, dirigente do Hamas declarou que “A boa notícia que temos para o nosso povo é que a era de divisão acabou”. Em 2011 e 2012, o Hamas e o Al Fatah já haviam fechado acertos semelhantes que, no entanto, nunca foram implementados. Suas negociações esbarraram em pontos como a discordância quanto a um candidato para a chefia de governo. Por sua vez, a ONU afirmou nesta quinta-feira que apoiará a “reconciliação entre os palestinos”, desde que o Hamas respeite os compromissos assumidos pela OLP sobre o reconhecimento de Israel e a “renúncia à violência”que na verdade representa a defesa do povo palestino ante a ofensiva nazi-sionista. O coordenador das Nações Unidas para o processo de paz no Oriente Médio, Robert Serry, se reuniu nesta quinta-feira, em Ramallah (Cisjordânia), com o presidente palestino, Mahmud Abbas, para discutir o acordo firmado na quarta-feira entre a OLP e o Hamas. Durante o encontro, Serry “recebeu a garantia de que este acordo interpalestino sobre a unidade será aplicado sob a direção do presidente (Abbas) e sobre a base dos compromissos da OLP” tanto que declarou “O presidente Abbas destacou que estes compromissos incluem o reconhecimento de Israel, a não violência e a adesão aos acordos precedentes”, assinala o comunicado.
O pretendido governo
Hamas-Fatah representa uma fraude contra a vontade da própria população
palestina que elegeu uma maioria parlamentar do Hamas nas eleições legislativas
de 2006 como expressão de seu repúdio às traições de Abbas e do Fatah. As
urnas, em um processo patrocinado pelo imperialismo, deram ao Hamas o direito
não só de indicar o primeiro ministro, mas de comandar o “governo” da ANP.
Porém, devido ao programa teocrático e burguês do Hamas, sua direção vem
capitulando às exigências do imperialismo que bloquearam o repasse de verbas
para a ANP, enquanto o grupo não reconhecesse a existência de Israel e
renegasse a luta pela destruição do enclave sionista. Ainda que o Hamas não
tenha formalmente reconhecido a existência de Israel, a conformação do governo
de “união nacional” com o Fatah, controlado de fato por Abbas, marionete de
Obama, representa a aceitação tácita das condições impostas pelo imperialismo.
As “razões” apresentadas pelo Hamas para aceitar o acordo demonstram que sua
organização política lentamente vem rendendo à realidade de que a ANP é uma
completa marionete nas mãos do imperialismo e refém do financiamento capitalista.
Longe de fazer um chamado à solidariedade política e material aos governos que
se dizem defensores da causa palestina e as massas do planeta, reivindicando
inclusive armas, soldados e voluntários para retomar a Intifada, exigindo por
meio de uma ofensiva militar e política sobre Israel a devolução dos impostos
palestinos roubados pelo sionismo, o Hamas se disciplina sobre as regras e os
limites ditados pelos inimigos do povo palestino, dando vazão a um processo de
cooptação equivalente ao que a própria OLP foi protagonista, sob o comando de
Arafat, quando reconheceu a existência de Israel e aceitou os acordos de paz.
Por esta razão, uma série de rupturas vem ocorrendo no Hamas nos últimos anos e
fortalecendo a Al Qaeda. Os salafistas da Faixa de Gaza, uma série de pequenos
grupos palestinos, vêm desafiando a autoridade do Hamas, a quem acusam de
fraqueza perante Israel e na implantação da lei islâmica. “Muitos salafistas
jihadistas em Gaza são ex-membros do Hamas que abandonaram o movimento para protestar
contra sua participação nas eleições, a não aplicação da lei islâmica e sua
aprovação das diversas tréguas com Israel”. A base programática do pacto está
inspirada no Acordo de Reconciliação Nacional, que inclui o documento dos
prisioneiros e, também, na Declaração de Independência, elaborada em Argel no
ano de 1988. Neste último, a OLP reconheceu a resolução de partilha de 1947 da
ONU, que deu legitimidade à existência de um estado sionista no território do
mandato britânico na Palestina.
A base da participação
da direção do Hamas nessa armadilha é a ausência de um programa revolucionário
e comunista que se apoie nas massas palestinas e do mundo árabe para destruir o
enclave sionista. Seu programa teocrático, sua estratégia burguesa, suas relações
de classe com os capitalistas da região e com o próprio imperialismo europeu,
não só impedem que o Hamas seja consequente na luta pela conquista da
verdadeira pátria palestina, retomando os territórios roubados por Israel em
1948 a partir de uma nova Intifada, como o tornou uma nova marionete nas mãos
dos algozes do povo palestino. Por essa razão o Hamas já havia anunciado
anteriormente que o retorno de Israel às fronteiras anteriores à Guerra dos
Seis Dias (1967) e a criação de um Estado provisório na Cisjordânia, na Faixa
de Gaza e em Jerusalém Oriental com o regresso dos refugiados e a liberdade dos
presos políticos era a base para uma trégua duradoura. Mas nem sequer esse
programa vergonhoso, baseado na política dos “dois estados”, a direção
teocrática do Hamas foi capaz de defender consequentemente.
A heroica vanguarda
palestina deve tirar as lições dessa vergonhosa conduta do Hamas, cuja direção
inclusive rompeu com Al Assad na Síria e apoia os “rebeldes” mercenários. A
superação de suas direções teocráticas e burguesas atuais passa pela adoção de um
programa em defesa da destruição do Estado de Israel e da construção de uma
Palestina soviética e laica, em todo o território histórico, baseada em
conselhos de operários árabes, palestinos e hebreus. A pressão do imperialismo
e de sua máquina de guerra deve ser respondida com a unidade revolucionária das
massas árabes, com a ajuda militar a resistência por parte dos governos que se
reclamam solidários a causa palestina e com a mobilização do proletariado
mundial em apoio à luta por derrotar e expulsar o imperialismo e seus agentes
do Oriente Médio.