90 anos do nascimento de
Nahuel Moreno: O grande mestre latino do revisionismo que “inspirou” de Lora a
Altamira
Há noventa anos, no dia
24 de abril de 1924 nascia em Buenos Aires Hugo Miguel Bressano Capacete,
conhecido na esquerda mundial como Nahuel Moreno. Sua militância política
iniciara-se muito cedo em meio à efervescência operária dos anos 40, quando aos
20 anos de idade ajudou a fundar um pequeno núcleo político-sindical denominado
Grupo Operário Marxista (GOM). Em quase 50 anos de militância foi o responsável
pela fundação de várias organizações revisionistas na Argentina e América
Latina, além de exercer influência sobre pequenos agrupamentos em outros países
no qual desembocara a sua última “obra” a LIT. Para entendermos um pouco o
pensamento de Moreno é necessários aportarmos à crise que se abateu sobre a IV
Internacional após a morte de Leon Trotsky, em razão da inexperiência e
debilidade da direção política. Ou seja, como Trotsky prognosticara, a Segunda
Guerra Mundial provocou um enorme ascenso revolucionário na Europa e em várias
regiões do planeta, no entanto os dirigentes da Quarta, Mandel, James Cannon,
Joe Hansen, Pierre Frank, Michel Pablo, Lívio Maitán, Pierre Lambert, Gerry
Healy e outros, não se colocaram à altura de suas tarefas, uma vez que esta não
se tornou uma organização de massas, posto que segundo Moreno vários
prognósticos de Trotsky para o período não se confirmaram. Moreno passa em
razão deste “fracasso” a elaborar suas próprias explicações para os novos
fenômenos surgidos no pós-guerra, as chamadas “atualizações programáticas” do
Trotskismo. Estas supostas “atualizações” do Programa de Transição resultaram
na síntese do revisionismo Morenista, tendo como ápice desta nova “teoria” a
caracterização das chamadas “revoluções democráticas ou políticas”, quase
sempre movimentos reacionários, manietados pelo imperialismo, dirigidos contra
os estados operários ou regimes nacionalistas burgueses.
Pode-se dizer, sem medo de errar, que Hugo Miguel Bressano, foi o grande mestre latino-americano do revisionismo, já que seus “ensinamentos” vão bem além das fronteiras da corrente internacional que fundou, a LIT. Completados 90 anos de seu nascimento, até mesmo grupos que no passado se delimitaram pela esquerda com o chamado “morenismo” copiam suas posições no cenário internacional. É o caso do PO argentino dirigido por Jorge Altamira (antes adversário visceral de Moreno) que em recente congresso chegou a propor na Argentina a construção de um “partido socialista” comum com organizações Morenistas como a IS e o PTS, já que este último apenas rompeu formalmente com seu legado. A própria fórmula lançada por Altamira já é em si uma cópia da FUR originalmente criada por Moreno há décadas para “unir os revolucionários” deixando as divergências debaixo do tapete em nome de “criar um partido de massas” ou “ fundir a esquerda com o movimento operário”. Essa homogeneidade em torno das posições do chamado “morenismo” em nosso continente, onde até os que em tese deveriam ser herdeiros de Guillermo Lora seguem na verdade as lições do revisionista argentino, adotando posições como a defesa da “revolução democrática” sempre rechaçada por Lora, mas agora reivindicadas pela atual direção do POR, como no caso dos acontecimentos que levaram a queda de Mubarak no Egito, são provas incontestes da força do “morenismo” entre todos os grupos que se reivindicam trotskistas na América Latina, mesmo que estes não o reivindiquem formalmente. A posição uniforme desses grupos em torno da defesa contrarrevolucionária da queda da URSS, das greves policiais e agora mais recentemente da chamada “Primavera Árabe”, apresentados em uníssono como acontecimentos progressivos para o proletariado mundial, tem sua origem político e teórica nas formulações de Moreno, que quando vivo propôs abertamente e escreveu um texto sobre a “Atualização do Programa de Transição” no qual inaugurou a profunda revisão e negação das posições justas e corretas do velho bolchevique. Nada melhor que estudar a trajetória de Moreno 90 anos depois de seu nascimento para tirar as lições de seus erros teóricos e políticos a fim de superá-los no combate pela reconstrução da IV Internacional.
Neste momento, a
militância revolucionária tem raras oportunidades de conhecer um balanço crítico,
trotskista, da trajetória de Moreno, em meio a uma considerável variedade de
grupos Morenistas que trata de fazer uma biografia apologética de seu fundador.
A maioria destes grupos revisionistas tem a preocupação de ocultar ou atenuar
os desvios de Moreno com algumas declarações autocríticas, como o PTS, por
exemplo, pois “afinal, errar é humano”. Este tipo de biografia é inútil para a
superação dos erros, imprestável para a causa da reconstrução revolucionária da
IV Internacional, mas serve à manutenção dos aparatos oportunistas.
Em seu livro “Stalin, o
grande organizador de derrotas”, o fundador do Exército Vermelho traçou alguns
prognósticos para o caso a Internacional Comunista, sob a orientação de Stalin,
continuasse sua política de equívocos na condução das forças do proletariado
revolucionário. Assegurava que se a Internacional seguisse com sua nefasta
política, o resultado inevitável seria sua liquidação e posterior extinção da
URSS. Isto, por sua vez, provocaria “um dano infinito ao proletariado mundial”.
Mesmo neste caso, a revolução proletária saberia levantar a cabeça novamente,
mas ao custo de grandes sacrifícios para o proletariado mundial. Temos visto a
confirmação integral deste prognóstico nos últimos 15 anos, isto sem levar em
conta o trágico destino da humanidade consequente do retardo da revolução
proletária desde quando Trotsky fez este prognóstico até os dias atuais quando
os revolucionários seriam obrigados “a recosturar o fio de sucessão rompido e a
conquistar novamente a confiança das massas”. Nas últimas décadas o
proletariado mundial tem cedido muitas posições, os Estados operários da URSS,
do Leste europeu e a Iugoslávia foram engolidos pelo capitalismo e os demais
estão em vias de o serem. A confiança das massas no socialismo se arrefeceu.
Era do campo das
correntes que reivindicam o trotskismo que se deveria esperar uma resposta à
altura para as tarefas do momento. Porque foi Trotsky quem legou aos seus
partidários a mais profunda e acabada análise acerca da degeneração do primeiro
Estado operário da história, da miséria da teoria da revolução por etapas, do
socialismo em um só país e do nascimento do fascismo imperialista mediante a
traição das direções stalinistas e socialdemocratas à revolução mundial, etc.
Na própria corrente morenista, a maior organização internacional a se
reivindicar da IV Internacional na América Latina durante os últimos suspiros
da URSS, falava-se muito que diante do debacle do stalinismo agora era a vez do
trotskismo. Mas, lamentavelmente, neste momento, os grandes filamentos da IV
Internacional, e em especial a LIT, foram não só atingidos em cheio pela
ofensiva ideológica anticomunista que se seguiu à restauração do capitalismo na
pátria da Revolução de Outubro, como também funcionaram como caixa de
ressonância da ofensiva ideológica anticomunista do imperialismo que se
acentuou na década de 90 e se seguiu sem qualquer reversão qualitativa até os
dias atuais. Neste período, nenhuma corrente foi tão castigada, perdeu tantos
quadros, se dividiu em tantos pedaços e, de forma complementar, acentuou tanto
sua degeneração programática como a própria corrente morenista. Isto não
ocorreu por acaso, e exatamente por isto, ao completarem-se 90 anos do
nascimento de Moreno, é imprescindível discutir exaustivamente como se chegou a
esta situação e realizar precisamente o caminho oposto ao do chauvinismo e do
ufanismo que tem sido a tônica das comemorações realizadas pelos distintos
troncos do morenismo neste momento.
No início da década de
40, Bressano ingressou no PORS (Partido Operário da Revolução Socialista),
organização que tentou unificar o conjunto das tendências trotskistas
argentinas sob a orientação do Comitê Executivo da IV Internacional. O PORS
teve vida efêmera, mas antes de desintegrar-se o próprio Bressano foi excluído
após três meses de militância. A decepção com sua primeira corrente trotskista
levou-o a aderir à Liga Operária Revolucionária (LOR), grupo dirigido por
Libório Justo (cujo pseudônimo era “Quebracho”). Quebracho batizou Bressano com
o pseudônimo Nahuel, que significa tigre em idioma indígena araucano, e Moreno
pela cor de seu cabelo. Libório era filho do ex-presidente general Agustín P.
Justo e foi militante do PC argentino. Teve o mérito de ser um dos fundadores
do trotskismo no país junto com Mateo Fossa. Mas logo veio a romper com a IV
Internacional com acusações delirantes de que Trotsky era agente de Wall
Street, por sua defesa da nacionalização do petróleo mexicano.
Em 1943, Libório se
retira da militância e Moreno passa a organizar e dirigir seu próprio grupo
político que com o passar dos anos terá distintas composições e receberá
distintos nomes (GOM, Palabra Obrera, PRT, PRT-La Verdad, PST, MAS). Foi em
1944 que o morenismo como corrente política surgiu na Argentina, com a criação
do Grupo Operário Marxista. Moreno abandona os círculos boêmios e acadêmicos da
esquerda bonaerense e passa a prestar assessoria ao Sindicato dos Trabalhadores
em Frigoríficos, durante a greve da fábrica Anglo-Ciabasa.
A fundação de sua
própria corrente não fez com que Moreno rompesse com a influência política de
Quebracho e adotasse as posições genuínas do trotskismo acerca do populismo
nacionalista burguês na América Latina, já bastante conhecidas e aprofundadas
em torno da experiência de Lázaro Cárdenas no México. O GOM nasce
caracterizando o peronismo de “semifascista” e defende a destruição da Central
Geral dos Trabalhadores. Longe de ser um desvio peculiar de Quebracho, esta
caracterização era majoritária na esquerda argentina cujas maiores correntes
eram o PS e o PC, partidos que faziam seguidismo à oposição burguesa claramente
pró-imperialista ianque encabeçada pela UCR. Muitos Morenistas argumentam que
se deve levar em conta o fato de que na época Moreno tinha apenas 20 anos. É
verdade, mas esta orientação frontalmente distinta do trotskismo foi defendida
pelo GOM pelos nove anos seguintes e como veremos mais tarde, a emenda foi
ainda pior que o soneto.
Esta política sectária
em relação ao peronismo fez com que o grupo que possuía 110 militantes em seu
primeiro congresso, decaísse para 85 membros no segundo e ainda sofresse uma
ruptura que viria a se juntar ao grupo de J. Posadas, um popular dirigente
trotskista argentino que já naquela época fazia seguidismo ao nacionalismo
burguês peronista. Além disto, como a própria LIT reconhece, “Entre 1944 e 1948
tivemos também um desvio nacional-trotskista, ou seja, acreditar que havia
solução para os problemas do movimento trotskista dentro do próprio país. Só em
1948 começamos a intervir na vida da Internacional, participando de seu Segundo
Congresso” (Un Breve Esbozo de la Historia de la LIT-CI, Alicia Sagra,
maio/1995). A vinculação internacional não apresentou uma solução para os
problemas, mas trocou um desvio por outro. Então, quase dez anos depois da
fundação do GOM, e já sob orientação pablista do Comitê Executivo da IV
Internacional (ver adiante o capítulo “Pablista de primeira hora”), Moreno
opera uma revisão de 180 graus em sua política, partindo para o entrismo
profundo no peronismo na década de 50.
Embora este giro seja
apresentado como um grande avanço: “A intervenção nas lutas operárias e na
Internacional tornou possível a superação dos desvios e o fortalecimento de
grupo” (idem), o que ocorreu foi um mimetismo implementado pelo GOM da política
nacionalista já levada a cabo pelo posadismo sob orientação da Internacional.
Esta espécie de internacionalismo já havia sido duramente criticada pelos
marxistas revolucionários e, em particular, por Trotsky: “Como todos sabem seu
internacionalismo é a soma aritmética das políticas nacionais oportunistas. Não
temos nada a ver com isto. Nossa orientação internacional e nossa política
nacional estão indissoluvelmente ligadas” (Carta aberta a todos os militantes
da Leninbund, 06/02/1930).
Em 1957 o GOM ingressa
no Partido Socialista da Revolução Nacional, organização pertencente ao
movimento peronista e passa a fazer parte da direção da Federação Bonaerense do
PSRN. O agrupamento morenista passa a editar o jornal Palabra Obrera, como
“órgão do peronismo operário revolucionário” publicado “sob a disciplina do
General Perón e do Conselho Superior Peronista”. Moreno apresenta esta tática
descaradamente oportunista como se fosse análoga ao “entrismo” nos Partidos
Socialistas francês e estadunidense como teria recomendado Trotsky às
organizações da Oposição de Esquerda na década de 30.
O entrismo aplicado pela
IV Internacional dirigida por Trotsky que ficou conhecida como “o giro francês”
era uma operação temporal a serviço de uma estratégia de construção de um
partido revolucionário. O objetivo da fração trotskista seria arrancar aos setores
mais avançados – no preciso momento que estes oscilam à esquerda dentro de um
aparato partidário centrista ou reformista de massas, mediante a experiência
comum “interna” – da influência das direções reformistas para a construção de
um partido revolucionário. O “giro” deve concluir-se com uma ruptura da fração
trotskista no momento em que muda o sentido da oscilação da esquerda para a
direita, ou seja, quando estas direções consumam a traição às massas. No
entanto, o “entrismo” de Moreno era a semidissolução de seu grupo no peronismo,
uma decisão política que ele próprio justificava afirmando a necessidade de
formar um “partido centrista de esquerda legal” (1954: año clave del peronismo,
1955).
Recentemente a LIT
justifica que “Moreno aplicou a tática que Trotsky havia aconselhado ao pequeno
grupo peruano em relação ao APRA: o entrismo” (Ante las infamias del PO sobre
Nahuel Moreno, Alicia Sagra, sítio da LIT na Internet, 17/02/2007). O APRA
(Aliança Popular Revolucionária Americana) foi fundado em 1924 pelo peruano
Haya de la Torre. Em seu apogeu houve movimentos apristas em Cuba, México,
Peru, Costa Rica, Haiti y Argentina. Foi o primeiro movimento a reivindicar a
necessidade de unificação econômica e política da América Latina contra a
dominação imperialista, seria uma espécie de precursor de correntes como o
chavismo atual. O APRA posteriormente degenerou em um partido reformista
liberal e anticomunista.
Trotsky assinala que “o
Kuomintang na China, o PRM no México, e o APRA no Peru são organizações
totalmente análogas. É a frente popular em forma de partido. Corretamente
apreciada, a frente popular não tem na América Latina um caráter tão
reacionário como na França ou na Espanha. Tem duas facetas. Pode ter um
conteúdo reacionário na medida em que está dirigida contra os operários, pode
ter um caráter progressivo na medida em que está dirigida contra o
imperialismo. Apreciando a frente popular na América Latina sob a forma de um
partido político nacional, fazemos uma distinção em relação a França e a
Espanha. Mas esta diferença histórica de apreciação e esta diferença de atitude
só estão permitidas com a condição que nossa organização não participe do APRA,
Kuomintang e o PRM, que conserve uma total liberdade de ação e crítica
absoluta” (Discusión sobre America Latina, 04/11/1938). E mais adiante
assinala, que o APRA “é um partido-frente popular. Uma frente popular está
incluída no partido, com toda combinação desta natureza. A direção está nas
mãos da burguesia e a burguesia teme seus próprios operários. Por este partido,
ainda que seja suficientemente forte para tomar o poder pela revolução, tem
medo de comprometer-se nesta via. Não tem nem a coragem nem o interesse de
classe para mobilizar os camponeses e os operários e os substituirá por manobras
militares (...) Por suposto, não podemos entrar em um partido assim, mas
podemos construir ali um núcleo para ganhar operários e separá-los da
burguesia. Mas sob nenhuma circunstância devemos repetir a idiotice de Stalin
com o Kuomintang na China” (idem).
Verifiquemos o caso
argentino. Ao contrário do APRA que é um partido ilegal de oposição que pode,
mas se nega a tomar o poder, Perón detinha o poder e o entregou pacificamente
para os golpistas da UCR em 1955. Guardadas as proporções, Moreno repete a
idiotice de Stalin em relação ao Kuomintang, ingressou nas 62 Organizações
peronistas com o fundamento de manter a “unidade da classe operária”, não
preserva nenhuma independência organizativa e muito menos a total liberdade de
ação ou a crítica absoluta, se disciplina, defende que frente ao golpe é
preciso aceitar a renúncia de Perón e designar sua substituição por um senador
da CGT.
Mesmo após a traição de
Perón a suas bases, retirando-se sem luta diante do golpe militar de 1955,
quando os burocratas sindicais peronistas pactuam com o general Eduardo
Lonardi, líder do golpe gorila contra o proletariado, o morenismo segue
disciplinadamente a covarde direção populista burguesa, enquanto o movimento
operário resiste protagonizando heróicas greves com ocupação de fábrica.
Defendendo o entrismo sui generis de Moreno, a LIT tentou justificar: “O
‘entrismo’ impõe algumas condições, neste caso o de pôr no periódico que
editava a corrente de Moreno (Palabra Obrera) que se aceitava a disciplina do
General Perón. Condição fácil de aceitar porque nestes momentos Perón não
impunha nenhuma disciplina. Por isto a partir de Palabra Obrera se podia chegar
a milhares de lutadores questionando os manejos da burocracia, chamando a
organização política independente da classe operária e enfrentando políticas de
Perón como o chamado a votar em Frondizi. Quando Perón começou a impor
disciplina, como foi o caso do voto em Frondizi em 1958, a corrente de Moreno
começou a organizar a saída das ´62´” (Ante las infamias del PO sobre Nahuel
Moreno, Alicia Sagra, 17/02/2007). As “62” referem-se às 62 organizações
peronistas.
Tradicionalmente a falta
de disciplina sobre o movimento operário não é uma das características mais
reconhecidas nos líderes populistas. Todavia custa a acreditar ainda mais que
Perón só veio disciplinar suas bases quando já havia perdido o poder e estava
no exílio. Mas é aí que nos chama a atenção uma verdadeira falsificação
histórica. A verdade é que Moreno acatou disciplinadamente o chamado a votar em
Frondizi, candidato presidencial de um setor da UCR que orquestrou o golpe
gorila e pró-imperialista de 1955. Graças ao apoio do peronismo e de seus
satélites como o morenismo, Frondizi foi eleito e, ao assumir a presidência,
estabeleceu o Plano Conintes que permitia declarar zonas militarizadas os
principais distritos industriais e autorizava a detenção de ativistas sindicais
e militantes políticos opositores. Por sua vez, a tal saída das fileiras do
peronismo que Moreno teria começado a organizar em 1958, segundo advoga agora a
LIT, mais morenista que Moreno, só ocorreu de fato em 1964, ou seja, seis anos
depois! A justificativa cai completamente por terra se lembramos de que ao
total, o “entrismo” de Moreno no peronismo durou sete anos!
Este “entrismo” foi típico
do trotskismo após 1951. Pablo orientou o ingresso durante 17 longos anos no
stalinismo e neste aparato “contra-revolucionário até a medula” dissolveu
várias seções da IV Internacional. Mais recentemente, sob a justificativa de
“lutar a partir de dentro”, o entrismo no PT brasileiro por parte de várias
correntes trotskistas (incluindo a Convergência Socialista morenista e a Causa
Operária altamirista), durou mais de dez anos (em alguns casos irreversíveis,
como no dos setores majoritários do mandelismo e do lambertismo, resultou na
quase completa dissolução destas correntes no lulismo). Como se pode notar, o
entrismo “sui generis” destes senhores nada tem a ver com os fundamentos e a
concepção de Trotsky para a tática do entrismo.
No plano internacional,
Moreno alinha-se com as posições do grego Michel Raptis (Pablo), principal
dirigente da Internacional desde o seu II Congresso realizado em 1948. Pablo,
impressionado com o enorme prestígio capitalizado pelo stalinismo após a
vitória do Exército Vermelho sobre o nazismo, a criação dos Estados operários
no Leste europeu e a revolução chinesa, defendia a dissolução dos partidos
trotskistas nos PCs para pressioná-los à esquerda, vendo o stalinismo como um
substituto para a construção do partido revolucionário na luta contra o
imperialismo. Moreno viria a ser, como ele próprio destacou, “um pablista de
primeira hora”. Se a marca distintiva do pablismo é recusa em construir a
direção revolucionária do proletariado para adaptar-se a direções stalinistas,
social democratas, nacionalistas pequeno burguesas, etc., a marca do morenismo
é adaptar-se a estas direções de forma tão “dinâmica” como quem troca de roupa.
O pablismo, nome dado ao
revisionismo de Pablo e Mandel, seguido por Moreno e Posadas, difundia que o
estouro da terceira guerra mundial era inevitável, que não daria tempo
construir a IV Internacional e que o stalinismo se converteria em
revolucionário. Decidiu então que os trotskistas deveriam fazer entrismo nos
PCs (embora em alguns países, como na Alemanha e na Inglaterra, a tática
entrista de Pablo tivesse sido aplicada à socialdemocracia), o que fizeram
muitos grupos europeus por 20 anos. Esta orientação significou uma capitulação
à burocracia stalinista, que se estenderia também pouco depois a outras
direções burguesas e pequeno-burguesas, como fizeram Moreno e Posadas na
América Latina. Isto provocou a quase extinção do trotskismo na Europa e o domínio
tranquilo do movimento operário por direções populistas burguesas, como é o
caso argentino em que o peronismo segue à cabeça da quase totalidade das
direções sindicais nas últimas seis décadas.
Esta escandalosa revisão
liquidacionista do trotskismo foi questionada por vários setores da
Internacional, particularmente, pela maioria da seção francesa do Partido
Comunista Internacionalista, liderada de Pierre Lambert, que logo é expulsa e
acaba levando consigo a seção inglesa, Socialist Labour League (SLL), dirigida
por Gerry Healy e o Socialist Workers Party (SWP) norte-americano de James P.
Cannon, dando origem a primeira grande cisão da IV Internacional em 1953. Os
antipablistas fundaram o Comitê Internacional (CI) que, apesar de se apresentar
como uma alternativa ao revisionismo do Secretariado Internacional (SI)
pablista, caracterizavam-se pela frouxidão organizativa (eram uma mera
federação de partidos sem nenhum centralismo).
Em 2007, as correntes
Morenistas e alguns biógrafos defensores de Moreno como Hermán Brienza vêm
reconstruindo a sua trajetória, tentando encontrar justificativas principistas
para seus zigue-zagues e ressaltar traços de genialidade no dirigente argentino
em meio a tantos desvios. Dentre estas novas descobertas está a de que em sua
ruptura com o pablismo de 1953 “o principal motivo da discórdia foi o processo
político boliviano”, uma vez que Moreno teria defendido que a consigna correta
para o momento seria o chamado a “Todo poder à Central Operária Boliviana!” em
oposição à orientação defendida por Pablo, Mandel e cia. que respaldaram a
política menchevique do Partido Operário Revolucionário (POR) boliviano,
dirigido por Guillermo Lora, de apoiar o governo burguês de Paz Estenssoro, do
Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR). De fato, a traição da revolução
boliviana foi o resultado mais desastroso da política pablista na América
Latina, mas a posição de Moreno à época da dualidade de poderes foi idêntica a
de seus pares internacionais.
Paz Estenssoro,
candidato do MNR, partido da burguesia nativa, vence as eleições presidenciais.
As oligarquias tradicionais se negam a reconhecer a derrota para o MNR e
entregam o poder a uma Junta Militar presidida pelo General Hugo Ballivián. Em
abril de 1952, o MNR, junto a uma fração do Comando do Exército, orquestrou um
golpe palaciano contra Ballivián. Diante da resistência das forças leais do
Exército, os golpistas acovardam-se e debandam, mas os trabalhadores
espontaneamente dão continuidade às batalhas de rua e derrotam as tropas do
odiado General Ballivián. O proletariado, organizado em torno da Federação dos
Trabalhadores Mineiros (FSTMB), dos Sindicatos de La Paz e dos camponeses,
constroem milícias que tomam de assalto os arsenais e os quartéis, cercam as
tropas nas cidades, derrotam sete regimentos e dissolvem o Exército, pilar de
sustentação do Estado capitalista. Ao final, “as forças rendidas do Exército
desfilaram pela cidade custodiadas pelas milícias revolucionárias encabeçadas
pelo ‘Comando Operário’” (J. Valdivia Altamirano, A revolução de 9 de abril de
1952).
Uma semana depois, 17 de
abril, foi fundada a COB, um organismo de frente única das massas armadas. Seu
dirigente era Juan Lechín, membro da ala esquerda do MNR que passara antes
pelas fileiras do POR. Em 1947, o POR e a FSTMB firmaram um bloco político
eleitoral que elegeu dez candidatos ao parlamento (2 senadores, entre os quais
G. Lora, e 8 deputados). Em 1952 o POR possuía influência de massas e dois
membros na direção executiva da COB. Apesar desta força, o POR não passava de
um conselheiro de esquerda do MNR. Opunha-se a que a Central Operária rompesse
com a burguesia nacionalista e seu governo, negava-se a convocar a ocupação das
minas e a tomada do poder pelo proletariado, limitando-se à tática oportunista
do ministerialismo ao propor o ingresso de “ministros operários” no governo
capitalista. As milícias armadas centralizadas na COB eram o único poder
efetivo e militar existente, responsáveis inclusive por guarnecer o Palácio
Quemado (presidencial). Mas, sem uma direção revolucionária que orientasse a
luta rumo ao estabelecimento de um governo operário e camponês, a direção da
COB entregara o poder político para Paz Estenssoro, chamando as massas a
confiar nele. Sem poder militar próprio, Estenssoro tomou várias medidas
demagógicas enquanto ganhava tempo para reconstituir o Exército, desarmar as
massas e burocratizar a COB.
Esta heroica luta do
proletariado boliviano foi aonde o trotskismo chegou mais próximo da tomada do
poder. Um governo operário e camponês no coração do continente mudaria
qualitativamente toda a história da luta de classes. Todavia, nem a IV
Internacional, nem tampouco sua seção no país estiveram a altura da tarefa. O
POR desarmou a revolução e o combativo proletariado boliviano para a tomada do
poder, reivindicando um governo encabeçado pela ala esquerda do MNR, de frente
popular. Vale lembrar que em 1946, sob influência do POR, o Congresso da FSTMB
aprovou um programa baseado na teoria da revolução permanente de Trotsky que
ficou conhecido como “Teses de Pulacayo”. Estas resoluções apontavam a falência
da burguesia nacional e a necessidade de uma revolução socialista como única
via para a libertação proletária e que os dirigentes mineiros jamais entrariam
em um governo burguês. Todavia o POR e a burocracia sindical da FSTMB
transformaram estas resoluções em letra morta na revolução de 1952. Juan Lechín
ingressou como “ministro operário” do gabinete de Paz Estenssoro para conter a
luta dos mineiros pelo controle operário das recém-nacionalizadas minas de
estanho. A posição do marxismo em relação a um governo como o de Paz
Estenssoro, foi expressa por Lenin em suas “Teses de abril” quando combateu a
política de Stalin e Kamenev de apoiar o governo provisório de Kerensky. Foi
esta posição intransigente de Lenin o que possibilitou o avanço da revolução
proletária contra a política menchevique e social-democrata de colaboração de
classe e da defesa de ministros operários em governos burgueses. A linha do
POR, patrocinada pelo conjunto da IV Internacional pablista, foi a linha
combatida por Lenin e Trotsky em 1917. A traição do POR à revolução de 1952 foi
o início do fim deste partido, que hoje não passa de uma seita moribunda.
No calor dos
acontecimentos, o SI da IV Internacional defende em uníssono a política
menchevique, orientando o POR a apoiar o governo do MNR e, inclusive, entrar no
MNR, caracterizado por Pablo como o “partido da pequena burguesia mineira”. Foi
somente um ano depois, em 1953, quando já está em curso a ruptura com o pablismo
que viria a construir o Comitê Internacional que Moreno vem a reivindicar a
consigna de “Todo poder à COB”. Tarde demais para romper com o oportunismo, a
COB havia se burocratizado e integrada ao regime, a revolução se encontrava em
refluxo e abortada graças à política do POR e da Internacional menchevique com
a qual Moreno comungava.
Em seus últimos meses de
vida, Trotsky se dedicou a dissipar estas dúvidas, sabendo opor-se
principistamente ao caminho da prostração política. “Se admitimos que é verdade
que a causa das derrotas residem nas qualidades sociais do próprio
proletariado, então a situação da sociedade moderna deverá ser considerada como
desesperadora. Sob as condições do capitalismo decadente, o proletariado não
cresce nem numérica nem culturalmente. Portanto, não existem motivos para
esperar que em algum momento se coloque à altura das tarefas revolucionárias. A
questão se apresenta de forma completamente diferente para aquele que tem claro
o profundo antagonismo que existe entre a exigência orgânica, profunda e
insuperável das massas trabalhadoras para se libertarem do sangrento caos
capitalista e o caráter conservador, patriótico e completamente burguês da
direção do movimento operário, que sobrevive por si mesma. Devemos escolher
entre uma destas duas concepções irreconciliáveis” (Em defesa do marxismo,
25/09/1939). Embora muitos dirigentes do II Congresso da IV Internacional não
manifestassem de forma clara e explícita este diagnóstico, suas conclusões
políticas refletiam exatamente a concepção dos representantes atemorizados e
impressionistas do pseudomarxismo que renunciou à tarefa de erguer uma
verdadeira direção revolucionária capaz de dirigir o proletariado rumo à
conquista do poder, preferindo apegar-se às saias das direções conservadoras,
patrióticas e burguesas do movimento operário.
Não foi a traição à
revolução boliviana pela direção do SI um motivo suficientemente convincente
para que Moreno rompesse com o pablismo. Em 1953, no III Congresso da IV
Internacional, Pablo resolve entregar a direção do Bureau Latino-Americano
(BLA) da Internacional ao argentino J. Posadas, reconhecer o POR posadista como
seção oficial e rebaixar a organização de Moreno a simpatizante na Argentina. O
fato levou o “pablista de primeira hora”, a se alinhar com o Comitê
Internacional, formado pelos antipablistas, e fundar o seu próprio bureau, o
Secretariado Latino-Americano do Trotskismo Ortodoxo (SLATO).
Logo a princípio, os
“trotskistas ortodoxos” do SLATO qualificaram de “direitista” o movimento
guerrilheiro 26 de julho contra Batista, e de “gorila” o seu dirigente Fidel
Castro, assim como eram chamadas as ditaduras latino-americanas. Mas o próximo
reagrupamento internacional e a onda foquista que se seguiu à Revolução cubana
viriam a mudar radicalmente as posições de Moreno sobre a questão.
Embora em 1959, Moreno
defina a revolução cubana de “Revolución Gorila”, comparando-a com o Golpe
Militar de 1955 na Argentina, posteriormente se ratificaria, declarando-se
castrista. “No caso de Fidel Castro não temos dúvida em considerá-lo junto com
Lenin e Trotsky, um dos maiores gênios revolucionários deste século” (Dos
métodos frente a la revolución latinoamericana, 1964). No mesmo texto, Moreno
propôs uma profunda revisão do trotskismo e do marxismo em geral, ao defender
que o proletariado não deveria ser necessariamente a vanguarda da revolução
socialista: “Temos superado o esquema trotskista de que só o proletariado é a
vanguarda da revolução” (idem) e chega a reconhecer que afora o castrismo não
há outra corrente revolucionária na América. Sob esta política “se abre uma
forte crise quando em 1964, ganho pela direção cubana rompe Vasco Bengochea,
quem foi junto com Moreno, o principal dirigente de nossa organização” (Un
Breve Esbozo de la Historia de la LIT-CI, Alicia Sagra, maio/1995).
O curso foquista do
morenismo só estava começando. A partir desta nova orientação política Moreno
aproximou-se da Frente Revolucionária Indoamericana Popular, organização
dirigida por Mario Roberto Santucho. Da fusão da FRIP com o Palabra Obrera
surge, em 25 de maio de 1965, o Partido Revolucionário dos Trabalhadores. É
neste período que Moreno escreve “A América Latina e a OLAS” e “As revoluções
chinesa e indo-chinesa”. Tendo se orientado profundamente em direção ao
foquismo castrista, em 1968 “provoca-se uma ruptura que levou aos principais
quadros do partido a defender as posições foquistas” (Un Breve Esbozo de la
Historia de la LIT-CI, Alicia Sagra, maio/1995).
A adesão ao castrismo
provoca uma nova cisão no CI em 1963. Moreno e o SWP americano demonstram que
não aprenderam nada com a política liquidacionista imposta pelo pablismo à IV
Internacional e a traição à revolução boliviana e resolvem se reunificar com o
SI, com o qual haviam rompido dez anos antes, passando a se chamar Secretariado
Unificado da IV Internacional. O SU tem como principal dirigente Ernest Mandel,
a quem Moreno acusava de “pablista” na década anterior; agora apresentado pelo
mesmo Moreno como “revolucionário” (!?)
Permanecem no CI a OCI
do francês P. Lambert (o qual viria a fundar a corrente OSI, Jornal “O
Trabalho”, no Brasil) e o SLL do inglês G. Healy. O CI adota uma posição
sectária em relação a Cuba após a revolução, não a reconhecendo como um Estado
operário, mas sim como um regime capitalista governado pela ala nacionalista da
burguesia.
O SU, por sua vez, vai
ao outro extremo, considera Castro como um “trotskista inconsciente” e Cuba
como um “Estado operário são”. O ex-anticastrista, Moreno, passa a defender a
construção de partidos castristas em todo o continente, aspirando a tornar-se
uma representação da OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade,
criada por Castro para difundir movimentos foquistas na América Latina) na
Argentina, defendendo o foquismo como uma nova via para a revolução e
apresentando o castrismo como uma alternativa ao stalinismo.
Na Argentina, a
experiência do Partido Revolucionário dos Trabalhadores não dura mais do que
quatro anos. A direção do SU, em sua adesão febril ao guerrilheirismo
pró-cubano passa a privilegiar o agrupamento de Santucho no interior do PRT,
provocando um racha no partido onde o PRT-Santucho (depois rebatizado como ERP,
Exército Revolucionário do Povo, nome que tornou este agrupamento conhecido mundialmente,
por suas ações foquistas), passa a ser reconhecido como seção oficial do SU,
enquanto o PRT-Moreno é rebaixado à condição de mero simpatizante, ainda que
siga reivindicando a internacional mandelista. Entre 1967 e 1968 conclui-se a
cisão que levaria a conformação do PRT-La Verdad (Moreno) e PRT-El Combatiente
(Santucho).
É a partir de então que
tendo aderido profundamente às concepções guerrilheiristas de Mandel como
tarefa central na América Latina até o IX Congresso Mundial do SU da IV Internacional,
vem a descobrir os desvios deste pouco antes do X Congresso da internacional
mandelista. Escreve em 1973 o texto “Un documento escandaloso” em resposta ao
“En defensa del leninismo, en defensa de la Cuarta Internacional” de Mandel,
escrito sob o pseudônimo de Ernest Germain. Em seguida, também em nome do
leninismo, Moreno anuncia sua intenção de construir na América Latina partidos
social-democratas, tendo como exemplos os grandes partidos reformistas
europeus.
1972 é o ano da nova
guinada do morenismo, desta vez, do guerrilheirismo à “institucionalização”,
propondo-se novamente a criar um “partido centrista de esquerda legal”. Liga-se
então a Juan Carlos Coral, dissidente do Partido Socialista Argentino
(agrupamento social-democrata que já na década de 40 aliava-se às oligarquias
locais e aos agentes imperialistas na Argentina em nome de combater o
peronismo), para “refundar o Partido Socialista”, criando o Partido Socialista
dos Trabalhadores que, nas eleições do ano seguinte, chega a obter mais de 180
mil votos. A fórmula eleitoral de unidade com a socialdemocracia tem como
exemplo de partido os PSs português e espanhol, que serviram de modelo para
criar ou fazer crescer as futuras seções Morenistas latino-americanas. O PST
passa a assumir então características marcadamente neo-esquerdistas. Torna-se
um ferrenho crítico do guerrilheirismo, e defensor da unidade de todos os
socialistas num único partido, aspiração contida no nome de batismo da seção
brasileira do morenismo, a Convergência Socialista, que no Brasil abrange até
mesmo os chamados “socialistas do MDB”.
Com o golpe militar e a
instauração da ditadura Videla em 1976, Moreno se vê obrigado a exilar-se e,
como a maioria das organizações de esquerda argentina, o PST foi proscrito. Moreno
vai para a Colômbia onde funda ali um outro PST. Em Bogotá, formou a Brigada
Simón Bolívar para combater junto a Frente Sandinista de Libertação Nacional na
Nicarágua. Já por seu nome de batismo a Brigada dá indícios de que seus
propósitos têm mais a ver com o latino-americanismo burguês do tipo aprista,
hoje reencarnado no chavismo, que com o internacionalismo proletário.
Em 1979, quando sua
brigada é expulsa da Nicarágua pelo governo da FSLN, o seu então “camarada”
Mandel apoia firmemente as medidas repressivas dos sandinistas contra os
Morenistas. “O SU envia uma delegação a Manágua para dizer que éramos um grupo
ultra-esquerdista com o qual não tinham nada a ver, e vota uma resolução
proibindo a construção de partidos por fora do sandinismo. A negativa em
defender militantes revolucionários torturados pela burguesia e o fato de terem
votado essa resolução interna que na prática era um decreto de expulsão de
nossa corrente obrigaram nossa ruptura definitiva com o SU” (Un Breve Esbozo de
la Historia de la LIT-CI, Alicia Sagra, maio/1995). Com “camaradas de
Internacional” como estes quem precisa de inimigos? Foi somente a partir desta
traição vinda de sua própria Internacional, que Moreno passa a qualificar o
mandelismo como “centro do revisionismo mundial” e o próprio Mandel como um
elemento sem nenhum caráter. Todavia, esta conduta escroque do mandelismo é
apenas a consumação de suas concepções pablistas que até então não haviam sido
motivo suficiente para que Moreno rompesse com o SU.
A OCI de Lambert
solidariza-se com o grupo de Moreno, que após romper com o SU de Mandel,
resolve fundir-se com o agrupamento internacional lambertista. O novo
agrupamento de Moreno-Lambert, a “IV Internacional - Comitê Internacional”,
adota uma Tese Política - escrita por Moreno, a pedido de Lambert - que se
autoproclama, “o documento mais importante do marxismo desde 1938”. Todavia,
como reconhece Moreno ele “tivesse uma omissão importante, o problema da Frente
Popular” (Nossa experiência com o Lambertismo, 1986). Estranho não? Que um
documento tão importante tenha deixado uma lacuna tão fundamental,
coincidentemente quando Moreno e Lambert estavam apoiando a candidatura da
frente popular de Miterrand à presidência da França! E mais “estranho” ainda é
que Moreno só tenha notado este esquecimento na elaboração do documento cinco
anos depois de rompido com Lambert, justamente acusando-o de frente
populista!!!
Bem distinto desta
dupla, Trotsky ressaltava que “No momento atual, a questão das questões é a
frente popular. Os centristas de esquerda procuram apresentar esta questão como
uma manobra tática ou até técnica, para poder melhor vender sua mercadoria na sombra
da frente popular. Na realidade, a frente popular É A QUESTÃO PRINCIPAL DA
ESTRATÉGIA PROLETÁRIA desta época. Também oferece o melhor critério para
distinguir entre o bolchevismo e o menchevismo” (“Carta ao RSAP holandês”,
julho/1936; grifo no original). A durabilidade do novo agrupamento sem
princípios é inversamente proporcional ao tamanho do seu messianismo
autoproclamatório. Não durou um ano. Moreno rompe com Lambert acusando-o de
fazer seguidismo aos “campos burgueses progressistas”, no caso, ao PS francês
durante o governo social-imperialista de Miterrand. No documento “A traição da
OCI”, Moreno também critica as teses etapistas da III Internacional. “A
concepção não só da revolução por etapas, senão também o apoio ou defesa do
‘campo burguês progressivo’ nos países coloniais e semicoloniais,
principalmente os mais atrasados. Trata-se, pois, de um menchevismo ‘sui
generis’, que tem um aspecto revolucionário, já que integra esta revolução por
etapas dentro da revolução socialista mundial, principalmente, e se insiste na
independência política da classe operária européia” (A traição da OCI, 1982).
De fato, a corrente de
Lambert liquidou-se como corrente trotskista a partir de sua capitulação
vergonhosa ao governo de Miterrand, tornando-se a partir de então e em todas as
partes, mero assessor de esquerda da social democracia, vide a guinada
pró-Lulista da corrente OT no Brasil e o papel que esta desempenha na esquerda
mundial até hoje.
Contradizendo várias de
suas críticas acertadas, a capitulação do lambertismo aos “campos burgueses
progressivos”, o próprio Moreno faz sua versão das concepções etapistas em
“1982, começa a revolução” revisando a teoria da revolução permanente de
Trotsky e transformando-a em uma teoria menchevique de “revoluções democráticas”.
Neste ano, ainda em Bogotá, Moreno funda a Liga Internacional dos Trabalhadores
– Quarta Internacional (LIT-QI) e após regressar à Argentina, muda o nome do
PST argentino para “Movimento Al Socialismo” – MAS. Em seu folheto “Revoluções
do Século XX” (1984) caracteriza que “na Argentina, Bolívia e Peru houve uma
revolução” com a mudança de regimes da ditadura militar para a democracia
burguesa, fazendo ele mesmo seguidismo dos campos burgueses democráticos e dos
processos de transição para a democracia burguesa no continente latino
americano, chegando a dizer que o governo Alfonsín seria produto de uma
revolução.
Já no início da década,
Moreno havia começado a organizar uma síntese de suas revisões do legado
teórico de Trotsky. Em 1980 escreve o documento principal de sua corrente: “A
Atualização do Programa de Transição”, onde afirma que Trotsky se equivocou em
vários dos prognósticos do “Programa de Transição”. Ao contrário de uma revisão
marxista do programa fundacional da IV Internacional, como fez Trotsky do
Manifesto Comunista, o que Moreno formula é uma justificação teórica para o
abandono completo do legado trotskista e, portanto, do marxismo revolucionário,
transformando sua trajetória empírica e oportunista em teoria. Sendo assim, ele
formula “sua tese” das “revoluções inconscientes” (ou “revoluções de Fevereiro
ou democráticas”), quando em um primeiro momento o eixo da atividade política
das massas não seria a tomada do poder, mas a luta por substituir regimes
ditatoriais por democracias burguesas. Somente depois de vencida esta etapa é
que viria o momento das “revoluções conscientes” (ou “revoluções de Outubro”).
Esta caracterização choca-se profundamente com a tese central da teoria da
revolução permanente, desenvolvida por Trotsky desde 1905 que sinteticamente
defende que só a ditadura do proletariado pode assegurar a realização das mais
elementares tarefas democráticas.
De fato, a “teoria” de
Moreno nada tem de nova ou original. Trata-se de um retorno às velhas e
surradas posições etapistas, formuladas pela socialdemocracia reformista do
início do século XX, requentadas pelos mencheviques, pelos stalinistas e
duramente combatidas por Trotsky. Moreno também não foi o único na época a
empreender uma cruzada revisionista contra a revolução permanente. Jack Barnes,
o dirigente do SWP dos EUA (o SWP ou Partido Socialista dos Trabalhadores foi
dirigido por James P. Cannon entre 1938-1953, Farrell Dobbs de 1953 a 1972 e a
partir de então por Barnes), já havia atacado as teses da Revolução Permanente,
defendendo a teoria etapista da “revolução democrática”, com seu documento
“Their Trotsky and Ours” (O Trotsky deles e o nosso). Este foi só o primeiro
passo para que o SWP renunciasse formalmente ao trotskismo em 1985 e perdesse
boa parte de sua influência política construída a duras penas desde a época de
Trotsky e Cannon. Moreno esquivou-se do mesmo destino, declarou que Trotsky não
havia dado suficiente importância às revoluções democráticas enquanto
prostituiu barbaramente os fundamentos teóricos da IV Internacional.
Se para Lenin e Trotsky,
como regra geral, somente um genuíno partido do tipo bolchevique é capaz de
orientar as massas à tomada do poder e à ditadura do proletariado e, na sua
ausência, as direções centristas e reformistas traem ou sabotam os processos
revolucionários e, que apenas sob condições excepcionais (ofensiva
revolucionária das massas, boicote da burguesia ao chamado a conformar a frente
popular, pressão do imperialismo, crise econômica, guerra etc.) os centristas
seriam capazes de ir mais além de onde pretendiam numa ruptura com a burguesia,
para Moreno (e não por coincidência, também para toda escola pablista) é o
oposto: “a variante que Trotsky qualificava de ‘altamente improvável’ é a única
que tem se deu nestes 35 anos” (Teses de Atualização do Programa de Transição,
1980). Em outras palavras, o que para Trotsky era exceção, foi tomado como
regra por Moreno.
Mas de longe, a história
dos últimos 65 anos deu razão a Trotsky que morreu cinco anos antes do fim da
II Guerra, e não a Moreno que teve a possibilidade de verificar com seus
próprios olhos a confirmação do prognóstico do Programa de Transição. Se
contarmos a quantidade de processos revolucionários abortados neste período
(França, Espanha, Grécia, Itália, Bolívia, Argélia, Portugal, Indonésia, Chile,
Camboja, Nicarágua, Peru, Guatemala, El Salvador, só para citar alguns exemplos
clássicos) em comparação aos países onde a burguesia foi expropriada por
correntes centristas e stalinistas (Europa Oriental, Iugoslávia, China, Vietnã,
Cuba, Coréia do Norte), veremos com toda a clareza que os primeiros casos são a
esmagadora maioria (dentre os quais inclusive estão metrópoles imperialistas) e
que os segundos apenas ocorreram pela combinação de circunstâncias extremamente
excepcionais que empurraram as direções centristas destes processos a romper
com sua própria estratégia conciliacionista pequeno-burguesa ou burguesa.
Se para Moreno a regra é
que as direções centristas, ao contrário de abortar, são capazes de levar
adiante os processos revolucionários (como também defendia Pablo), caberia aos
Morenistas estabelecer uma frente com estas direções para impulsionar o que o dirigente
da LIT denominou de “revolução democrática” ou “de fevereiro”. O desdobramento
prático das premissas de Moreno é uma concepção etapista particular de
revolução e a orientação política em favor de uma frente popular que a realize.
Para justificar
teoricamente a sua adaptação aos fenômenos pequeno-burgueses ou burgueses, como
o foquismo, o nacionalismo, a socialdemocracia e o centrismo stalinista, Moreno
afirmou que Trotsky havia deixado lacunas teóricas que ele se incumbiria de
preenchê-las. Por exemplo, de “que também nos países coloniais e semicoloniais
era necessário fazer uma revolução no regime político: destruir o fascismo para
conquistar as liberdades da democracia burguesa, embora fosse no terreno dos
regimes políticos da burguesia e do Estado burguês. Concretamente não propôs
que era necessário uma revolução democrática que liquidasse o regime
totalitário fascista, como parte ou primeiro passo da revolução socialista e
deixou pendente este grave problema teórico” (Revoluções no Século XX, 1984).
De fato, Moreno tem
razão. Trotsky não propôs uma revolução democrática para estabelecer um regime
democrático burguês contra o regime totalitário fascista, como parte ou
primeiro passo da revolução socialista. Não por descuido teórico, como tenta
passar Moreno, mas tão somente porque defendia a construção da frente única
operária e travou uma luta encarniçada contra o stalinismo porque se opunha à
“teoria etapista” da revolução que justificava as frentes populares com os
ditos setores progressistas e democráticos da burguesia. Para o fundador da IV
Internacional, a revolução democrática só poderá triunfar por meio da ditadura
do proletariado. Do contrário, “uma revolução democrática ou um movimento de
libertação nacional podem dar à burguesia a possibilidade de intensificar e
estender a exploração da classe operária. A intervenção do proletariado como
força autônoma na luta política pode evitar completamente toda a possibilidade
da burguesia de continuar com a exploração” (Stálin, o grande organizador de
derrotas, 1928).
A teoria da “revolução
democrática” de Moreno coloca-se abertamente contra as Teses da Revolução
Permanente de Trotsky. Na revolução democrática cabe ao proletariado respeitar
os limites da primeira fase da revolução que se situa “no terreno dos regimes
políticos da burguesia e do Estado burguês”, o que não é outra coisa que o
etapismo defendidos tanto pelos mencheviques, quanto pelo stalinismo.
A diferença é que a
teoria etapista para os mencheviques e, depois, para o stalinismo se
justificava por razões econômicas, no sentido do desenvolvimento do capitalismo
em relação aos modos de produção atrasados (feudalismo, escravismo), pois
advogam que enquanto um determinado país ainda não tiver eliminado os
resquícios de etapas pré-capitalistas era preciso que atravessasse por uma
revolução democrático-burguesa, onde o proletariado jogaria um papel
subordinado à burguesia liberal nativa. Já o morenismo justifica o seu etapismo
do ponto de vista do desenvolvimento do regime político burguês em direção à
democracia.
A teoria da Revolução
Permanente sustenta que nos países atrasados a burguesia local é incapaz de
avançar rumo à resolução das tarefas democráticas e toda conquista democrática
faz parte da luta anticapitalista, que tem de ser levada a cabo pelo
proletariado através de sua vanguarda consciente, o partido marxista
revolucionário, contra os capitalistas nativos. Por sua vez, Moreno descarta o
elemento subjetivo e cai num claro desvio objetivista, advogando que qualquer transição
democrática dirigida por quem quer que seja, independente de ter sido
protagonizada pelo proletariado ou orientada por um partido bolchevique, já é
uma revolução democrática e faz parte objetivamente de uma primeira etapa da
luta pelo socialismo. É sob estas concepções que os Morenistas justificam seu
apoio aos processos contrarrevolucionários no Leste Europeu, a respeito dos
quais trataremos mais adiante.
Através da teoria da
revolução democrática, os Morenistas tratam de abstrair o conteúdo social de
uma revolução. A evolução desta concepção é a principal geradora de terríveis
equívocos e capitulações nas fileiras do morenismo. Passam a chamar a qualquer
coisa que vêem pela frente de revolução democrática ou de fevereiro, desde os
processos de expropriação das burguesias nos Estados operários surgidos no
pós-guerra, até a transição pactuada da ditadura à pseudodemocracia no Brasil,
batizada pelos próprios generais de “abertura lenta e gradual”, passando ainda
pelas revoluções abortadas pela frente popular na Nicarágua ou pelo
fundamentalismo reacionário do Irã.
Os processos de
transição democrática ou a instauração de um governo de frente popular são
táticas burguesas para desviar a luta de classes e restabelecer a
governabilidade capitalista sobre bases “democráticas”, substituindo o
desgastado governo anterior. Nesta manobra, para obter êxito, a burguesia terá
de conseguir cooptar a direção do movimento operário para limitar a luta “no
terreno dos regimes políticos da burguesia e do Estado burguês”. E é aí que
entram os Morenistas, como força auxiliar das direções burocráticas do
movimento de massas para dar uma justificativa teórica ao apoio dado por estas
direções traidoras a transição pactuada pela burguesia e calcada na colaboração
de classes. Animados com as possibilidades de desfrutar plenamente das vantagens
da democracia parlamentar, os Morenistas tratam de pintar com cores
revolucionárias a manobra burguesa, enquanto tentam consolar as massas
insatisfeitas com a continuidade da escravidão capitalista, propagandeando que
a verdadeira revolução de outubro estaria reservada para a posteridade.
A concepção morenista de
"revolução democrática", segundo a qual a substituição de um governo
fascista por um de características pseudodemocráticas, ou seja, “uma revolução
no regime político” é o prenúncio da Revolução de Outubro é oposta pelo vértice
à teoria da Revolução Permanente, defendida por Trotsky. Para o dirigente do
Exército Vermelho, o proletariado deve estar na linha de frente da defesa das
tarefas democráticas e mesmo das liberdades democráticas contra o fascismo,
inclusive sem negar a possibilidade de ações comuns pontuais com agrupamentos
burgueses de oposição. Porém, o partido revolucionário deve nessa luta
democrática ter seu próprio programa e, mantendo sua independência de classe,
apontar que a defesa mais consequente da democracia é através da vitória da
revolução proletária, ou seja, da classe operária construir seu próprio poder.
Trotsky nos ensinou que
“para os países de desenvolvimento atrasado, e em particular, para os países
coloniais e semicoloniais, a teoria da revolução permanente significa que a
verdadeira e completa solução das tarefas democráticas e de libertação
nacional, não pode ser outra que não seja a ditadura do proletariado, que se
coloca à cabeça da nação oprimida, e em primeiro lugar, das suas massas
camponesas” (Tese 2 da Revolução Permanente, 1930). Apesar dos primeiros
objetivos da revolução socialista serem os democráticos em países atrasados ou
governados sob o fascismo, o proletariado tem que estar à cabeça dessa luta para
superar o próprio regime burguês e só dessa forma estará trabalhando pela
vitória da Revolução de Outubro.
Trotsky não defendia que
a luta democrática estivesse dissociada da tarefa do proletariado em instaurar
seu próprio poder, como prega Moreno, e sim “que a vitória da revolução
democrática só é concebível por meio da ditadura do proletariado, que se apoia
na sua aliança com o campesinato e que, em primeiro lugar, decide as tarefas da
revolução democrática” (Tese 4 da Revolução Permanente, 1930).
Está claro que a
revolução democrática de Moreno está muito mais próxima das ideias dos
renegados da socialdemocracia europeia do que do marxismo revolucionário . “A
democracia idealizada pela burguesia não é, como pensam Bernstein e Kautsky,
uma casca vazia que se pode, tranquilamente, encher sem se importar com o
conteúdo. A democracia burguesa só pode servir à burguesia” (90 anos do
Manifesto Comunista, L. Trotsky, 1937).
Moreno vem rever também
as posições de Lenin e Trotsky sobre as guerras interburguesas. Já nos cursos
internos de formação, o dirigente argentino ensina que a Segunda Guerra mundial
não foi uma guerra interimperialista, combinada com o ataque a URSS, mas, em
essência, uma guerra entre o fascismo e a democracia. Vale a pena resgatar as
pérolas programáticas da LIT: “Provavelmente Nahuel Moreno tenha razão ao
afirmar que Trotsky cometeu o maior erro de sua história ao caracterizar e
apontar a política para a Segunda Guerra
Mundial. Ele viu a diferença com a Primeira [guerra] no caráter
contra-revolucionário em relação a ameaça a URSS, porém não viu que este
caráter contra-revolucionário se expressava em nível mundial no enfrentamento
entre dois regimes, o fascista contra o democrático-burguês (...). Para
Trotsky, o centro de sua política era o derrotismo revolucionário. Moreno
opinou o contrário e considerou que o enfrentamento entre regimes era o
ingrediente” (A história das internacionais socialistas, Alicia Sagra,
janeiro/2005). Daí se desenvolve a caracterização que o triunfo da frente
popular mundial entre o imperialismo e o stalinismo, seria o grande triunfo da
“revolução democrática” (que deveria ter sido apoiada pelos trotskistas), o que
abriria a era de revoluções socialistas iminentes em todo o planeta. As
posições deste tipo significavam um abandono total das posições essenciais do
“Manifesto da IV Internacional frente a guerra imperialista e a revolução
proletária mundial”, redigido por Trotsky e adotado pela conferência
internacional reunida em Nova York em maio de 1940 que criticava
antecipadamente qualquer conduta impressionista frente ao avanço do nazismo
sobre as outras nações europeias e ratificava o prognóstico anterior acerca das
perspectivas revolucionárias, defendendo a necessidade de promover o
“derrotismo” em todos os países imperialistas e a defesa incondicional, o
defensismo, da URSS.
É bem sabido que as
nações imperialistas “democráticas” não deixaram nem só por um momento de atuar
como potências coloniais nem deixaram de explorar a guerra para enfraquecer a
URSS. Em plena invasão alemã, o governo francês se recusou a trazer de volta
suas esquadras estacionadas na Síria, pois para a burguesia francesa, pior que
a ocupação nazista era comprometer sua dominação no Oriente Médio. Enquanto
Hitler avançava sobre a URSS, as potências imperialistas “democráticas”
aliadas, as quais Moreno reivindicou retrospectivamente que os trotskistas
deveriam apoiar, não moveram um dedo em seus contingentes militares nas
colônias para frear o avanço das tropas alemãs e japonesas, revelando assim
quais eram suas prioridades. É difícil definir se este foi o maior erro de
Moreno pela quantidade e qualidade de erros que ele nos oferece para optar. No
entanto, podemos julgar que foram suas caracterizações mais presunçosas contra
Trotsky. Deixemos que o próprio fundador do Exército Vermelho o responda:
“realmente, é preciso ser muito cabeça oca para reduzir os antagonismos e
conflitos militares mundiais a luta entre o fascismo e a democracia. É preciso
saber desmascarar todos os exploradores, escravistas e ladrões sob a máscara
com que se ocultam!” (La lucha antiimperialista es la clave de la liberación,
una entrevista con Mateo Fossa, 23/09/1938).
Por mais daninho que o
revisionismo de Moreno tenha sido ao trotskismo, como expressão dos tempos – de
reação democrática anticomunista – o revisionismo de seus seguidores no século
XXI consegue fazer pior, provando que em política revolucionária não vale o
“quanto pior melhor” e que a degeneração da degeneração não é a regeneração. Se
Moreno caracterizava a transição de uma ditadura para a democracia burguesa
como uma revolução, os atuais Morenistas aviltaram tanto a noção de revolução
que por fim, a simples substituição de um presidente desgastado por seu vice ou
por outro representante burguês qualquer, ou seja, a troca de fusíveis da
burguesia, passou a ser chamado de revolução. Deste mal são acometidos
inclusive os que renegam peremptoriamente o morenismo como suas variantes
originárias da juventude do MAS, como o PTS. Vale lembrar que, embora estas
organizações vejam uma revolução em cada esquina, quando mais estiveram à
prova, em 2001, durante o levante popular na Argentina ao qual eles também
caracterizaram como revolução, recorreram ao velho programa da revolução
democrática morenista, opondo-se à organização proletária rumo à construção de
poder dual dos trabalhadores e da população oprimida para defender em conjunto
(assim como o PO, MST, etc.) uma saída parlamentarista de Assembleia Nacional
Constituinte (à qual acrescentaram a adjetivação revolucionária para
embelezá-la), que naquele momento na Argentina representava um programa para a
recomposição do regime político.
“O que mais é necessário
é que as frases não obscureçam o entendimento nem embotem a consciência. Quando
se fala em ‘revolução’, de ‘povo revolucionário’, de ‘democracia
revolucionária’, etc., em nove da cada dez casos se trata de mentiras ou
autoengano. É preciso perguntar: que classe faz a revolução? Contra quem se faz
a revolução? Contra o czarismo? Neste sentido, na Rússia são hoje
revolucionários a maioria dos latifundiários e dos capitalistas. Uma vez
consumado o fato [da revolução política de fevereiro] até os reacionários se
apoiam nas conquistas da revolução. Na atualidade, o modo mais frequente, mais
abjeto e mais nocivo de enganar as massas, é elogiar a revolução neste sentido.
A conclusão é clara, só o poder proletário, apoiado pelos semiproletários, pode
dar ao país um poder realmente firme e verdadeiramente revolucionário. Será
realmente firme, pois não se apoiará, por necessidade, no “conciliacionismo”
instável dos capitalistas com os pequenos proprietários, dos milionários com a
pequena burguesia” (V.I. Lenin: “Acerca del poder revolucionario firme”
06/05/917). E olha que Lenin referia-se a própria e genuína revolução
democrática e de fevereiro! Os Morenistas assumidos ou envergonhados recorrem
incuravelmente ao “modo mais abjeto e mais nocivo de enganar as massas” para
propor, como lhes ensinou seu mestre Moreno, fóruns conciliacionistas com a
burguesia como uma ANC em pleno levante popular na Argentina.
A posição dos marxistas
acerca de uma revolução tem por obrigação de ser inequívoca. Trotsky afirma que
“a revolução é uma prova aberta entre as forças sociais em luta pelo poder”
(Resultados e Perspectivas, 1906). E confirma anos depois da revolução de
outubro “... a revolução não é outra coisa que a luta pelo poder, uma luta
política que as classes travam não com as mãos vazias, mas por meio de
instituições políticas concretas” (A Revolução Permanente, 1929).
Apenas formalmente os
Morenistas ainda reconhecem que a democracia burguesa é a ditadura da burguesia
de forma dissimulada. Na prática, estes senhores buscam ser os campeões do
antiautoritarismo, e para eles a democracia funciona como um elixir milagroso.
Assim como o Rei Midas que a tudo transformava em ouro, o PSTU tenta travestir
todos os conceitos marxistas sob a ótica da democracia burguesa. Então o
socialismo ganha a adjetivação de “socialismo com democracia”, para tentar
distinguir o seu socialismo da idéia negativa apregoada tanto de forma
subestimada pela burguesia mundial, como de forma superestimada pelo stalinismo
dos Estados operários burocratizados. Aqui reside uma imensa ignorância do
marxismo e uma ainda maior concessão ao stalinismo e também ao imperialismo em
reconhecer que o regime transitório e deformado comandado pela burocracia era
alguma forma de socialismo. Para os verdadeiros trotskistas, o socialismo nunca
existiu e só existirá como um fenômeno histórico quando a luta de classes
alcançar a fase inferior da sociedade comunista. Os que acreditam que é
possível coabitarem o socialismo e a democracia no mesmo período histórico terão
de renunciar primeiro ao marxismo, que provou cientificamente que estes dois
elementos são historicamente incompatíveis. É a mesma coisa que acreditar que o
homo sapiens e o tiranossauro conviveram na mesma época. Para Lenin “a extinção
do Estado implica a destruição da democracia (...) a democracia não é idêntica
à subordinação da minoria à maioria. Democracia é o Estado que reconhece a
subordinação da minoria à maioria, ou seja, uma organização chamada a exercer a
violência de uma classe contra a outra, de uma parte da população contra a
outra” (Capítulo IV.6, Engels e a superação da democracia, em O Estado e a
Revolução, 1918). No socialismo, o Estado, como um instrumento de dominação de
classes, “se extingue porque já não há capitalistas, já não há classes e, por
isso mesmo, não tem cabimento reprimir nenhuma classe” (Cap. V.3, Primeira fase
da sociedade comunista, idem).
Se, como vimos, as
“revoluções de fevereiro” de Moreno nada têm a ver, em suas várias facetas em
que é aplicada a analogia, com a derrubada do Czar e ascensão ao poder de
Kerensky, a ideia de “Revolução de Outubro” morenista, utilizada como consolo
diante das limitações de seus “fevereiros”, nem de longe encontra similar na
tomada de poder ou tampouco no governo dirigido por Lenin e Trotsky. Segundo o
PSTU, “o Estado Proletário, (...) é um Estado baseado na mais ampla liberdade
de organização e expressão para todas as correntes e partidos políticos. (...)
A todos, inclusive aos partidos burgueses que tenham apoio entre a massa trabalhadora,
devem ser garantidas as liberdades democráticas de associação, reunião e
expressão de suas posições, desde que não defendam a luta armada contra o
regime” (Programa para a Revolução Proletária, anteprojeto de programa para o
PSTU, março de 1994). Isto nada tem a ver com ditadura do proletariado,
trata-se, melhor dizendo, de sua negação. É a confissão adiantada do PSTU que
caso “sob condições (muito) excepcionais” chegasse ao poder, daria todas as
garantias “democráticas” para que a burguesia tivesse plenas condições para
reorganizar-se e afogar em sangue qualquer processo revolucionário.
Em sua Pré-Tese para o I
Congresso do PT, a então Convergência Socialista, referindo-se ao tipo de
Estado descrito acima, argumenta que “é o socialismo das mais amplas liberdades
de imprensa, de organização, de liberdade de pensamento, (...) um regime assim
não é utópico, ele existiu de forma pioneira e embrionária durante um curto
período, depois da revolução russa de 1917. Foi o regime de Lenin e Trotsky,
antes de ser destruído pela contra-revolução stalinista” . Não pode existir
algo tão fantasioso da realidade como as ilusões democratizantes de um
pequeno-burguês acerca do socialismo ou do paraíso celestial. O período em que
a URSS foi dirigida por Lenin e Trotsky, que corresponde ao comunismo de
guerra, quando foi empregado o terror vermelho contra o terror branco, para o
PSTU é algo tão fictício que certamente não encontraríamos paralelo nem nas
fantasias de Alice no País das Maravilhas. O PSTU pretende conciliar o
inconciliável, a ditadura proletária com a democracia burguesa. Deixemos que o
velho Engels responda ao PSTU: “Estes senhores nunca viram uma revolução? Uma
revolução é, indiscutivelmente a coisa mais autoritária que existe; é um ato
mediante o qual uma parte da população impõe sua vontade a outra parte por meio
de fuzis, baionetas e canhões; meios mais autoritários não existem; e o partido
vitorioso, se não deseja ter lutado em vão, tem que manter este domínio pelo
terror que suas armas inspiram aos reacionários. A Comuna de Paris duraria mais
de um dia, se não houvesse empregado esta autoridade do povo armado frente aos
burgueses? Não podemos, pelo contrário, reprovar-lhe o não se haver servido o
bastante dela? Assim, pois, de duas uma: ou os antiautoritários não sabem o que
dizem, e neste caso não fazem mais que semear confusão; ou sabem e, neste caso,
traem o movimento do proletariado. Num ou noutro caso servem à reação” (Sobre o
Autoritarismo, artigo escrito para o Almanaque Republicano, 1847).
Moreno morre em 1987. No
ano de 1990, logo após o seu III Congresso Mundial, no início da década em que
explodiria em quase uma dezena de partes, a direção da LIT, euforizada pela
onda restauracionista que varria o Leste europeu declara que “do mesmo modo em
que os últimos meses significaram uma virada histórica para a humanidade, eles
foram para a LIT-QI o salto para ganhar influência em setores de massas. Os
dois acontecimentos estão relacionados. O trotskismo está vivo porque a
revolução mundial matou o stalinismo e colocou em marcha uma grandiosa luta de
massas, e porque a LIT-QI analisou corretamente os acontecimentos e atuou
coerentemente de acordo com eles” (Correio Internacional, julho/1990).
Lamentavelmente não foi
a revolução mundial que derrubou o stalinismo, mas sim a contrarrevolução
imperialista, naquela parte do planeta onde os trabalhadores já haviam
expropriado os capitalistas. Bandos políticos abertamente burgueses, agentes
diretos do imperialismo tomaram o poder e deram início à maior pilhagem das
condições de vida que os trabalhadores daqueles países já viram, arrancaram
seus direitos de pleno emprego, a saúde, moradia e educação gratuitas,
converteram a segunda maior potência do planeta numa semicolônia escravizada
pelo imperialismo. O remédio (a restauração burguesa) foi pior do que a
enfermidade (a burocracia stalinista) e matou o doente (Estado operário
degenerado). Por sua vez, a caracterização impressionista e completamente
invertida dos processos contrarrevolucionários do Leste foram para a LIT a
prova de fogo em que a corrente de Moreno saiu reprovada e atomizou-se. O
documento prossegue em suas “análises corretas dos acontecimentos”: “Quando a
revolução política triunfou na Polônia, derrubou o Muro de Berlim e liquidou as
ditaduras de partido único na Alemanha, Tchecoslováquia, Hungria, Bulgária,
Romênia e, por fim, na URSS, para a LIT-QI já não houve a menor dúvida. A
virada histórica das massas estava enterrando o stalinismo e abrindo no mundo
uma nova etapa da revolução socialista. Está se abrindo a hora do socialismo
com democracia. Sobre o Leste, o Congresso definiu que, depois da fase
democrática da revolução, esta segue em frente” (idem).
A LIT justifica a
posição que a coloca objetivamente na trincheira da contrarrevolução a partir
do legado de Moreno: “Trotsky acreditava, e assim escreveu muitas vezes, que só
um partido revolucionário (um partido da IV Internacional) poderia dirigir uma
revolução vitoriosa contra o stalinismo. Nahuel Moreno pôde apoiar-se nas
primeiras tentativas (derrotadas) de revolução política para prever
teoricamente um desenvolvimento diferente da mesma através de fases que, por
analogia, chamou de ‘Fevereiro’ e ‘Outubro’” (idem).
É escandaloso o
malabarismo oportunista que a partir desta caracterização tenta justificar a
oposição da LIT ao defensismo revolucionário estabelecido no Programa de
Transição, buscando camuflar que o “desenvolvimento teórico diferente” de
Moreno é justamente o oposto do que defendia Trotsky. A partir da teoria de que
a chegada dos agentes da contrarrevolução ao poder se tratava de uma “revolução
de fevereiro”, a LIT justifica sua concepção etapista também nos Estados
operários deformados e por sua vez propõe uma frente popular com todos que
defendem a democracia contra a ditadura da burocracia stalinista. Sob a
caracterização de que qualquer direção de massas que se enfrente com o
stalinismo é progressista, a LIT aprofunda ainda mais o seu revisionismo
antimarxista para impulsionar uma aliança com as direções burguesas e
pequeno-burguesas restauracionistas através de um programa que tenta conciliar
o “socialismo com a democracia”. Não por acaso, os Morenistas reivindicam a
legalização de todos os partidos no Estado operário deformado, ou seja, o
direito de organização política dos restauracionistas em oposição à defesa de
legalização apenas dos partidos soviéticos, como defendia Trotsky. Além de que
os marxistas sempre se opuseram a que o socialismo fosse adjetivado (com
democracia, real, etc.), desmascarando o revisionismo dos que assim o fizeram,
está claro também que a democracia defendida pelos Morenistas não é a
democracia operária, mas a democracia burguesa, que é diametralmente oposta ao
socialismo.
Sob o escudo "
teórico" de defender uma “revolução de fevereiro” também nos Estados
operários, a LIT reivindica um programa democratizante restauracionista oposto
à revolução política. Trata de esclarecer que “o primeiro movimento da
revolução política esteve regido por uma tarefa central: acabar com o regime
totalitário do stalinismo. Todas as demais reivindicações, algumas de
importância determinante, como as nacionais ou as de caráter econômico-social,
estavam combinadas e subordinadas ao combate contra a dominação dos partidos
comunistas” (idem). Assim estabelece a priori um programa mínimo para a frente
restauracionista sob a consigna de “todos juntos contra o stalinismo”.
A caracterização
etapista da contrarrevolução vem mais uma vez acompanhada com tudo a que tem
direito, caracterizando os novos governos como “novos regimes e governos
kerenskistas declaradamente restauracionistas” (idem). Os governos
restauracionistas, nem de longe se assemelham a um governo do tipo kerenskista
e a situação que os pariram muito menos. A derrubada do czar, a instabilidade política
baseada na dualidade de poderes e a existência do Partido Bolchevique
impulsionaram as condições para a Revolução de Outubro. De forma inversa, a
confusão das massas traumatizadas por décadas de stalinismo, sem nenhuma
organização operária revolucionária de vanguarda ou de massas que as dirigisse
permitiu a volta da burguesia ao poder, mais de 70 anos após ter sido
expropriada, a instauração de governos mafiosos antioperários nada tem de
progressivo. Muito pelo contrário, significa um profundo retrocesso sob um
terreno que já havia sido conquistado pelo proletariado mundial. Esta analogia
absurda e oportunista mostra que o morenismo não entende, ou melhor, não quer
entender absolutamente nada do que seja uma revolução democrática, de fevereiro
nem o que seja um governo de características kerenskistas. Contra este tipo de
malabarismo, o grande fundador do Exército Vermelho alertava que “de trágicas
circunstâncias históricas não é possível sair-se com estratagemas, frases ocas
e pequenas mentiras. Devemos dizer às massas a verdade, toda a verdade e nada
menos que a verdade” (Conversando com L. Trotsky, por Mateo Fossa, 1938).
Trotsky faz uma analogia
no livro “Em defesa do Marxismo”, comparando a defesa da URSS em escala mundial
com a defesa da democracia em escala nacional. Em ambos os casos, assinala que
é preciso combinar a tática da frente única (não descartando a possibilidade de
fazer uma frente militar com a burocracia stalinista diante dos agentes
restauracionistas internos ou externos) com a revolução proletária (no caso da
URSS, revolução política). Moreno também faz a sua analogia, só que a utiliza
num sentido bem distinto em que a revolução proletária é substituída pela
revolução democrática e a frente única pela frente popular.
É preciso recordar que
antes da destruição dos Estados operários, o morenismo apoiou todos os
movimentos que serviram de ponta de lança do imperialismo contra a URSS e os
países do Leste europeu, desde o apoio à reacionária guerrilha islâmica
impulsionada pela CIA no Afeganistão, até os burocratas nacionalistas da
Lituânia (e também da Bósnia e Croácia, ainda durante a existência do Estado
operário iugoslavo) que a LIT apoiou sob a consigna de “independência das
nacionalidades”, sobrepondo a questão nacional e as reivindicações democráticas
burguesas à defesa das bases sociais conquistadas pela expropriação da
burguesia nos Estados operários.
Na Polônia, durante
anos, a LIT reivindicou um governo de Lech Walessa, uma vez atendidas as preces
Morenistas em 1989, se mostrou ainda mais descarada a capitulação de sua
corrente ao setor restauracionista de Walessa, anunciando como uma revolução
política a instauração de um governo lacaio da restauração burguesa, que
assumiu o poder com as mãos livres para destruir as condições de vida dos
trabalhadores polacos, após pactuar com a burocracia stalinista que esmagou a
base do Solidariedade no golpe de dezembro de 1981. Aqui, mais uma vez, o
morenismo vai ao extremo do oportunismo e à capitulação às direções pró-imperialistas.
A política correta na Polônia era de colocar-se no campo da resistência
operária protagonizada pelas bases do Solidariedade em oposição à orientação de
sua direção de não enfrentar o golpe que conduziu à restauração capitalista,
selada posteriormente por Walessa e Juaruselsky.
Revisando as Teses da
Revolução Permanente, Moreno despreza o papel do elemento subjetivo nos
processos revolucionários, afirmando que “esse foi um tremendo erro ... (porque
no pós-guerra)... houve processos de revolução permanente que expropriaram a
burguesia, fizeram uma revolução operária e socialista sem ser liderados pela
classe operária e sem partidos comunistas revolucionários. Quer dizer, os dois
sujeitos de Trotsky, o social e o político faltaram ao encontro histórico.
(...) temos que formular que não é obrigatório que seja a classe operária e um
partido marxista revolucionário os que dirijam o processo da revolução
democrática para a revolução socialista ...” (Escola de Quadros, Argentina,
1984).
O revisionista argentino
tratou de fazer alguns acertos preventivos em sua própria teoria da revolução
permanente, através de uma combinação de regras do senso comum com algo que se
aproxima muito da crença da existência de um destino governante da história. Uma
delas foi a de estabelecer que “nesta época revolucionária, todo avanço que não
for seguido por outro avanço significa um retrocesso” (Tese II, Teses para a
Atualização do Programa de Transição, 1980). Outra que se desprende da primeira
advoga que “enquanto o proletariado não superar sua crise de direção
revolucionária, não conseguirá derrotar o imperialismo mundial e, em
conseqüência, todas as lutas estarão pontilhadas de vitórias que
inevitavelmente conduzirão a derrotas catastróficas” (idem).
Os Morenistas não se
contentam com a restauração na URSS e no Leste europeu e declaram
criminosamente que “continua o combate pela derrubada dos regimes totalitários
na China, Albânia, Coréia do Norte, Vietnã e Cuba (independentemente da forma
que tome a revolução política em cada um deles), em todos os quais já começou a
contagem regressiva” (Correio Internacional, julho de 1990). Nada mais sórdido
e criminoso, defendem a derrubada dos regimes burocráticos, inclusive, em favor
da possibilidade mais factível que, pela ausência de um genuíno partido
revolucionário, assumissem no seu lugar regimes capitalistas (a ditadura da
burguesia) ávidos por liquidar com as condições de vida das massas. Mas, como
se não bastasse tamanha manifestação de antidefensismo, reivindicam esta via
contrarrevolucionária, “independentemente” da forma truculenta que venham
assumir os novos regimes totalitários, que lançarão mão de todos os expedientes
(terror das máfias, guerras fratricidas, privatizações, demissões em massa, etc.)
para reconquistarem o espaço expropriado dos capitalistas há várias décadas. Na
verdade, ao contrário dos verdadeiros trotskistas que se colocam
incondicionalmente em defesa dos Estados operários, os Morenistas estão
incondicionalmente pela restauração capitalista, ou seja, contra os Estados
operários ainda existentes, como Cuba e Coréia
do Norte.
Moreno assentou as bases
para que os distintos herdeiros , " oficiais e oficiosos" , de sua
corrente internacional viessem a saudar a restauração capitalista no Leste
europeu como grandes revoluções democráticas e que a partir de então era a vez
do morenismo crescer no mundo todo. Poucos anos depois destes prognósticos
exitistas feitos durante os processos contrarrevolucionários de 89 a 91 era a
própria internacional morenista que reconhecia sua disfunção: “Muitos camaradas
se perguntam se a LIT já acabou ou está preste a acabar. Uma única opinião é
unânime no conjunto da LIT: estamos em meio a uma crise monumental” (LST-BDI,
“Rapport sur la crise de la LIT, la situation actualle et nos tâches”,
28/07/1993). Em 2006, depois da internacional morenista anunciar aos quatro
ventos sua recuperação, sai da LIT o MST boliviano assim como o POS mexicano. A
então seção mexicana alertava para o fato de que os documentos internos de
discussão do pré-Congresso do PSTU “evidenciam que estamos diante de uma
situação de extrema gravidade. Não unicamente no partido brasileiro, mas no
conjunto da internacional” (POS, Nacional-trotskismo, burocratismo y
menchevismo pueden destruir al PSTU y a la LIT, 02/07/2006). Após seu “coma” na
década de 1990, hoje a LIT está reduzida ao PSTU brasileiro e seus satélites,
uma dúzia de pequenos grupos ou núcleo de militantes carentes de imprensa
partidária, que mantém relações políticas irregulares entre si. A incorporação
de um grupo de militantes italianos, oriundos de um racha da organização
política que participava da federação menchevique internacional impulsionada
pelo PO argentino, é a “grande conquista” da LIT depois de vários anos.
Como prognosticava
Trotsky em seu “Em defesa do Marxismo”, conjunto de documentos defensistas
“malditos” que foram jogados no esquecimento pelo autoproclamado movimento
trotskista, uma atitude falsa, errônea acerca do primeiro Estado operário do
planeta, a mais rica experiência da luta pelo poder pelo proletariado, ameaçava
com a existência de todo o partido, pois aqueles que são incapazes de defender
as posições já alcançadas, nunca conquistarão outras novas.
Sob a experiência de
varias batalhas no interior da IV Internacional acerca desta questão, J. P.
Cannon, dirigente do SWP dos EUA, fez o seguinte depoimento: “como assinalei na
conferência anterior [maio de 1929], já desde 1917 se demonstrou mais e mais
que a questão russa é a pedra de toque para toda corrente do movimento
operário. Aqueles que tomam uma posição incorreta sobre a questão russa deixam
o campo revolucionário cedo ou tarde. A questão russa tem sido debatida
inumeráveis vezes em artigos, folhetos e livros. Mas a cada guinada importante
dos fatos ela vem à tona de novo. Ainda em 1939 e 1940, tivemos que lutar
novamente sobre a questão russa com uma corrente pequeno-burguesa em nosso
próprio movimento” (A história do trotskismo norte-americano, V Conferência: Os
dias de cão da Oposição de Esquerda, 03/1944).
A revolução russa é a
pedra de toque de toda corrente do movimento operário, porque a partir dela se
abriu uma nova era para a humanidade, provou que é possível, não apenas por
algumas semanas como foi a Comuna de Paris, mas por anos, que o proletariado
conquiste em mantenha em suas mãos o poder estatal. E mais do que isto, faça-o de
forma consciente, enquanto classe para si, como haviam prognosticado Marx e
Engels, através de seu partido comunista revolucionário e internacionalista.
Independente da degeneração stalinista posterior, que só ocorreu como
subproduto da revolução russa não ter se repetido mundo afora, foi provado. É
possível! Então quando a burguesia mundial aproveita-se do trabalho nefasto
realizado por décadas pelo stalinismo e toma de volta o terreno que o
proletariado havia lhe expropriado – em nome daqueles que “teriam que resistir
até a última das trincheiras” na defesa da URSS, como diria Trotsky – os
pseudotrotskistas aplaudiram como revoluções políticas (que na concepção de
Trotsky é sinônimo de revolução antiburocrática socialista, soviética) a
privatização dos Estados operários. Com esta posição os pseudotrotskistas
atravessassem o rubicão como a seu momento fizera a fração antidefensistas do
SWP encabeçada por Shachtman e Burnham. O fato dos shachtmanistas modernos
fazerem coro mimetizando os gritos de vitória do grande capital imperialista,
da socialdemocracia, do Vaticano e de toda a reação mundial mostra a que vileza
e a que distância chegaram os epígonos de Trotsky de sua ideias mais
elementares. “Toda tendência política que, desesperançada, diz adeus à URSS,
sob o pretexto de seu caráter ‘não proletário’, corre o risco de transformar-se
em um instrumento passivo do imperialismo. Evidentemente nossa tendência não
exclui a trágica possibilidade de que o primeiro Estado operário, debilitado
por sua burocracia, venha a cair sob os golpes mancomunados de seus inimigos
internos e externos. Mas, se isto ocorrer, a pior das variantes possíveis,
adquirirá enorme importância para o curso posterior da luta revolucionária,
pergunta QUEM seriam os culpados da catástrofe. Sobre os internacionalistas
revolucionários não deve cair nem uma sombra de culpa. Na hora do perigo
mortal, terão de resistir até a última das trincheiras” (A natureza de classe
da URSS, 1933).
No século XXI, a
esclerose teórica destas direções cristalizou-se, convertendo-se em um
obstáculo intransponível para que os dirigentes pudessem sequer verificar as
razões da crise que devastou suas organizações, então no curso de seu
raciocínio pularem de uma questão a outra para fugir de um balanço verdadeiro.
Em 2005, no VIII Congresso da LIT, foram elaborados, finalmente, os documentos
de “reavaliação das Teses de 90”. Mas longe de revisar suas posições hediondas,
a LIT reafirmou de maneira cretina que “a partir do ano de 1989, se abriu uma
nova etapa revolucionária, a quarta, que se origina em um dos maiores triunfos
da história da luta de classes: a derrota do aparato contra-revolucionário
stalinista” (Resoluções do VIII Congresso Mundial da LIT, julho/2005). O que se
fez foi aprofundar os erros ao extremo ao ponto de argumentar que o processo
que levou a destruição dos Estados operários do Leste europeu e da URSS
representaria a terceira maior vitória histórica dos trabalhadores no século
XX, ao lado da própria construção da URSS e da derrota do nazi-fascismo durante
a Segunda Guerra Mundial, também realizada pelo proletariado da URSS!!!
Transformando suas
vergonhosas autojustificações em teorias a direção da LIT recorre ao artifício
“teórico” de reescrever a história argumentando que o capitalismo já havia sido
restaurado na URSS, por Gorbachev, em 1986, e que, portanto, o alvo da
“revolução política de 90”, saudada euforicamente pela LIT, seria o capitalismo
já restaurado. Um truque pueril que parece ter sido aprendido da escola de
falsificação stalinista da história da URSS. Resolvem, então, o problema por
decreto: “A partir de fevereiro-março de 1986, a ex-URSS não é mais um Estado
operário burocratizado, e sim um Estado burguês” (Quando o Estado soviético
passou a ser capitalista, sítio do PSTU, 01/09/2005). Apesar de Gorbachev ter
tomado medidas de mercado para oxigenar a economia soviética planificada
burocraticamente e em crise, medidas estas que sob a política desastrosa da
camarilha stalinista favoreceram a pressão imperialista sobre a URSS, porque
estavam subordinadas à política de “coexistência pacífica” e nada tinham em
comum com a NEP leninista, essa orientação não alterou o caráter de classe da
URSS. Retrospectivamente os “espertos” dirigentes Morenistas acreditam que
podem criar uma cortina de fumaça em torno de sua culpa, dizendo “adeus a URSS”
mais cedo (cinco anos antes). Usam como álibi o argumento de que na época em
que eles são acusados de saudaram o assassinato do Estado operário “ele já
estava morto mesmo”. Assim, acreditam livrar a cara de sua corrente pela
cumplicidade na destruição contrarrevolucionária da URSS, uma vez que o crime
adquiria menor importância.
Uma vez declarando que a
restauração capitalista já ocorreu também em Cuba, a LIT lava suas mãos para a
defesa das conquistas revolucionárias (ainda que já bastante descaracterizadas
elas continuam existindo) da ilha e torna-se despudoradamente “um instrumento
passivo do imperialismo” como diria Trotsky. Não contente com toda destruição
causada pela restauração capitalista na URSS e no Leste europeu, com uma
fraseologia democratizante e anticomunista a LIT lembra que “Existem diferenças entre o resto [URSS e
Leste Europeu] e China e Cuba, já que nestes países as massas não derrubaram ainda
os regimes de partido único nem destruíram os respectivos partidos comunistas”
(Resoluções do VIII Congresso Mundial da LIT, julho/2005). Sua revista
“teórica”, Marxismo Vivo nº 14, incorpora definitivamente ao seu programa a
plataforma contrarrevolucionária burguesa para Cuba, substituindo por completo
as tarefas da revolução política pela defesa da democracia burguesa contra a
ditadura do partido único. Esta organização pequeno-burguesa reconhece
abertamente que este é o programa da grande burguesia mundial, constatando que
a política do imperialismo para Cuba “é pressionar para que sejam legalizados
os partidos políticos e o processo sucessório de Fidel seja decidido nas urnas”
(Marxismo Vivo nº14, 2006).
Longe de sonhar com uma
“revolução democrática” que mascarasse a restauração capitalista, Trotsky
advertiu uma e outra vez sobre os perigos de confundir as bandeiras da oposição
antiburocrática operária à oposição restauracionista. Assim, por exemplo, se opôs
explicitamente à palavra de ordem de “Abaixo Stalin” nos anos 30. “É verdade
que a consigna ‘Abaixo Stalin’ no partido como no exterior está cada vez mais
popular... Não obstante, acreditamos que este ‘slogan’ é falso. Alguém pode ver
uma vantagem nesta consigna, mas ao mesmo tempo, indubitavelmente, seu perigo.
Assumir uma camuflagem e dissolver-se politicamente no descontentamento geral
com o regime stalinista é algo que nós não podemos fazer, nem devemos fazer nem
faremos” (Abaixo Stalin não é nossa consigna, Escritos, março/1933). Para
concluir este ponto queremos destacar a posição de Trotsky sobre a Ucrânia: “Os
nacionalistas ucranianos consideram correta a consigna de uma Ucrânia
independente. Mas se opõem a relacionar esta consigna com a revolução
proletária. Querem uma Ucrânia independente democrática e não soviética. (...)
A consigna de uma Ucrânia democrática está historicamente ultrapassada. Sua
única função é consolar os intelectuais burgueses” (La independencia de Ucrania
y el confusionismo sectario, 30/07/1939).
Reconhecer a importância
devida às consignas democráticas nada tem a ver com fazer da democracia
burguesa o eixo estrutural do programa do partido. Esta delimitação adquire
ainda maior relevância quando se trata de lutar pelas consignas democráticas em
Estados de natureza de classe distintas como são os Estados operários e os
Estados capitalistas. Diante de um Estado operário burocratizado os marxistas
revolucionários não defendem retroceder em direção à democracia burguesa, ou seja,
não acreditam que em face à burocratização da ditadura do proletariado a saída
esteja em retomar a ditadura da burguesia. Defendem sim o avanço em direção à
democracia dos conselhos revolucionários. Por esta razão o Programa de
Transição não defende a volta à democracia burguesa e a legalização de todos os
partidos de uma maneira geral, mas unicamente defende a democracia soviética, a
legalização dos partidos soviéticos e o conjunto das liberdades que os
conselhos populares decidirem. “A Plataforma da Oposição de Esquerda não
contempla, naturalmente, uma democracia absoluta e auto-suficiente, acima da
realidade política e social. Necessitamos da democracia para a ditadura do
proletariado e dentro dos marcos desta ditadura” (Es necesario concertar un acuerdo
intrapartidario honesto, 30/3/1933).
Na ausência de uma seção
da IV Internacional no interior dos Estados operários burocratizados do Leste
europeu com a firmeza dos trotskistas de Vorkuta (campo de concentração
stalinista) – fato que aponta que o pablismo de todos os epígonos de Trotsky
postergou-se muito além da influência de Pablo – o vazio deixado pelo marxismo
revolucionário foi ocupado pelo programa da democracia burguesa patrocinada
pelo imperialismo. Não havia uma terceira via, somente trotskistas defensistas
ou restauracionistas pró-imperialistas. No meio as massas proletárias
atomizadas, identificando falsamente as idéias do marxismo com a de seus
algozes stalinistas, sem qualquer referência genuína do marxismo e confundidas
por agentes restauracionistas, dentre os quais, não poucos agentes do aparato
estatal stalinista. Assim, até o fim da URSS continuaram vigentes as
advertências de Trotsky contra os perigos de confundir o programa da luta pela
democracia soviética com o da democracia burguesa. O mesmo vale para Cuba. Para
eximir-se da tarefa de montar um núcleo trotskista defensista e organizador da
revolução política na Ilha, os Morenistas já jogaram foram a criança com a água
da bacia decretando que a restauração capitalista já se completou e que nada
mais há que defender como conquista operária.
Passados quase trinta
anos de sua morte e noventa do nascimento de Moreno, podemos afirmar que seu “legado
teórico” baseado na deformação completa do Marxismo Revolucionário e do próprio
Trotsquismo vem ganhando novos adeptos, principalmente entre seus antigos
detratores. Hoje Altamiristas e até Loristas, estão na linha de frente na
defesa dos pressupostos programáticos Morenistas. Se compararmos as posições do
PO e de sua filial “oficiosa” no Brasil PCO, acerca dos processos da queda do
Muro de Berlim e da destruição reacionária da antiga URSS veremos que estas são
ainda mais contrarrevolucionárias do que as assumidas pela própria LIT. Mais
recentemente na Líbia, onde uma esdrúxula aliança entre o imperialismo e um
reacionário “movimento massas” levaram a queda do regime nacionalista burguês
de Kadaffi, estiveram totalmente perfiladas politicamente a LIT, PO&PCO e o
POR, todos na apologia da “revolução democrática”, apoiada pela OTAN. No interior do seu túmulo Moreno ainda deve duvidar que seu antigo e mais feroz adversário na Argentina, Jorge Altamira, tenha se convertido em seu fidedigno e melhor seguidor programático...