A torpe “autocrítica” do
reconstruído PCB em relação à vergonhosa posição do velho “Partidão” durante o
golpe militar de 1964
“Não há condições para o golpe
reacionário. Se os golpistas tentarem, terão as cabeças cortadas.” (Luis Carlos
Prestes, março de 1964)
O Comitê Central do PCB
divulgou uma nota política no último 1º de abril acerca da posição assumida
pelo partido no golpe militar de 64. Trata-se de um documento de suma
importância dado que a atual direção do PCB afirma estar levando a cabo um
processo de “reconstrução” partidária, tendo como alicerce fundamental uma “autocrítica”
teórica e programática da trajetória do velho “Partidão”, desde a fundação em
1922 até o momento em que ocorre a depuração do agrupamento histórico no
ano 1992. A partir deste ponto de inflexão, onde a maioria do PCB resolve seguir
a direita com o arrivista Roberto Freire em direção ao neoliberalismo, mudando
o nome do partido para PPS, uma fração da militância inicia o chamado processo
de “reconstrução revolucionária“, mantendo o nome e as “bandeiras” de esquerda
do partido. Mas desgraçadamente o que se lê no documento intitulado “O PCB e o
golpe de 1964” representa apenas uma torpe “autocrítica” da vergonhosa linha
política do velho “Partidão” que não só “desarmava a militância para o enfrentamento
à onda reacionária” (Nota Política do CC), como também permitiu que os gorilas
golpistas desatassem uma brutal ofensiva ao conjunto movimento de massas, sem
que o partido convocasse a menor linha de resistência do proletariado, apesar
de sua grande influência política. Na prática o “Partidão” se subordinou de
forma muito disciplinada à orientação política do próprio governo Jango, que
diante da possibilidade concreta de resistir ao golpe optou pela retirada do
país, deixando completamente desnorteado o movimento de massas. Porém, a
posição criminosa do velho PCB não foi um “raio em pleno céu azul” naquela
manhã de 1º de abril de 64, estamos nos referindo à linha de completa capitulação
ao “nacionalismo burguês” assumida desde o escandaloso pacto firmado no início
do governo JK (que afinal de contas era mais “desenvolvimentista” associado aos
EUA do que um nacionalista do tipo Vargas): “O PCB não mexe com o governo e o
presidente JK não mexe com o 'Partidão'”. (citado do livro de Hércules
Correia). Quando Jango assume o governo após a renúncia de Jânio Quadros,
retoma-se o bloco político de apoio formado ainda nos anos JK: PTB, PSD e o
Partidão, este sem o registro formal, mas atuando ativamente no movimento
operário e na juventude. Neste período histórico que abarca desde o início do
governo JK em 56 até o golpe militar, muitos quadros do PCB utilizam as
legendas do PTB e até do PSD para disputarem as eleições parlamentares, como
foi o caso do deputado federal Fernando Santana eleito na Bahia pelo PTB em
1958. A principal liderança do PCB, Prestes, era uma das figuras políticas de
maior base social na antiga capital federal, ocupando papel central na
estratégia reformista de legitimar a sequência dos governos burgueses através
da paralisia do movimento de massas. Esta “estratégia” de “omissão” adotada
pelo estalinismo permitiu que o próprio PTB fosse aumentando sua influência no
movimento sindical, não só entre os velhos pelegos da burocracia getulista, mas
fundamentalmente com as novas gerações de ativistas que surgiam em função da
radicalidade daquela conjuntura pré-revolucionária.
Para os Marxistas
Revolucionários não se trata de fazer um balanço deste trágico período
histórico do país sob um suposto ângulo “teórico-acadêmico”, método muito
particular dos “pesquisadores” sem o menor vínculo social com a classe
operária, mas sim do ponto de vista militante, “revisitando” o passado na perspectiva
socialista do presente. O texto do PCB sobre o golpe “preferiu” iniciar por uma
análise socioeconômica equivocada daquela etapa: “O Brasil do final da década
de 1950 e início dos anos 1960 vivenciava uma crise de consolidação e de
crescimento do capitalismo no país, resultante do próprio processo de
acumulação acelerado pelo modelo econômico implantado por Juscelino Kubitschek.
O Estado brasileiro garantiu a infraestrutura necessária ao pleno
desenvolvimento capitalista. Para uma organização política que diz ter rompido
com as arcaicas “teses” do “etapismo” (primeiro a revolução democrática
antifeudal e depois a socialista) parece que foi para o outro extremo “teórico”
sem nenhuma mediação. O início dos anos 60 estava bem distante de ter
proporcionado as condições de infraestrutura ao “pleno desenvolvimento
capitalista”, muito pelo contrário nem os vinte anos do regime militar, com a
formação de toda uma rede de megaestatais (energia, comunicações, transporte
etc...) as custas de um pesado endividamento externo que depois “cobrou seu
preço”, foi capaz de dotar a nação de uma infraestrutura similar a dos países
onde o capitalismo atingiu seu “pleno desenvolvimento”, estamos falando é claro
do imperialismo. O Brasil do século XXI ainda é um país capitalista
semicolonal, que dispõe de uma baixa infraestrutura estatal, onde sequer
consegue refinar 20% de sua capacidade de extração de petróleo, o segmento
econômico mais estratégico da atualidade. Poderíamos dizer o mesmo de nossa
capacidade em siderurgia ou da logística portuária do país, só para citar dois
setores chaves da economia nacional. O fundamental é compreender que tanto a
tese da “revolução democrática burguesa” defendida por Prestes sob a orientação
de Moscou ou a “teoria do capitalismo pleno” levantada por Caio Prado Jr em
oposição ao reformismo do “Partidão” nos conduzem a gravíssimos “erros”
estratégicos.
Foi exatamente a
necessidade do capital em expandir a precária infraestrutura estatal existente
em meados dos anos 60 que conduziu os militares a darem sequência ao processo “estatizante”
iniciado por Vargas, com a criação da CSN e da Petrobras, tendo como ápice a
formação das usinas de geração de energia atômica, em pleno governo Geisel.
Esta foi a essência da necessidade da instauração do regime militar, para a
burguesia dependente, um formato de estado que permitisse a máxima
centralização possível para a reprodução do capital em setores econômicos recém
instalados no país. Por sinal é bom lembrar que a última refinaria de petróleo
construída no país foi “obra” do regime militar, que chegou a ganhar a alcunha
do ultrarreacionário “Estadão” de “República socialista soviética do Brasil” em
função do peso das estatais na economia nacional. Todo este processo de “alargamento
das fronteiras” por onde o capital pode se reproduzir no Brasil, através de uma
brutal elevação da taxa média de lucro e do mais valor, nunca eliminaram o
caráter periférico de nossa economia, ainda que acentuando sua associação com o
capital financeiro internacional.
Mas se a caracterização “teórica”
do processo de modernização capitalista iniciada em meados dos anos 50 está
completamente “desfocada” pelo atual PCB reconstruído (e que suponhamos estar
depurado da nefasta influência reformista), desconsiderando as Teses da
Revolução Permanente de Trotsky (posteriormente “atualizada” por Mandel) para
os países periféricos, “cem vezes pior” está a apologia feita da tática que
seguiu o velho “Partidão” após a “consolidação institucional” da ditadura
militar, no período entre 64 e 82. “No entanto, após a instalação da ditadura e
depois de um período de dispersão, em função de ter subestimado a possibilidade
de golpe, o PCB foi capaz de articular instrumentos para a construção da
resistência nos espaços possíveis, buscando ampliar a luta no sentido da
retomada do movimento de massas, ao mesmo tempo em que participava da criação
de uma grande força oposicionista congregada na frente democrática.” (nota do
PCB). É exatamente neste ponto que podemos contatar que não existe nenhuma
autocrítica de fundo dos atuais dirigentes do PCB em relação a desastrosa
política levada a cabo por Prestes, Malina e Giocondo Dias. Como podem criticar
a concepção da “revolução por etapas” para depois advogar politicamente a
articulação da “Frente democrática oposicionista”, que para enganar os incautos
não querem chamar pelo verdadeiro nome: MDB, depois PMDB! Coube exatamente ao
MDB, criado por um ato institucional do regime, a tarefa de desarmar a
resistência independente do movimento operário, como a heroica greve dos
metalúrgicos de Osasco, liderada por José Ibrahim, entre tantas mobilizações
que ocorreram contra a orientação da “oposição” do “sim”. O próprio MDB era
dirigido por notórias figuras do antigo PSD, que conspiraram abertamente pela
deposição de Jango, como foi o caso de seu presidente Ulisses Guimarães. Se
para o “velho e novo” PCB a luta armada foi um erro, “corretamente não tendo
aderido à luta armada” (nota do PCB), não seria uma traição de maior grau
ajudar na costura política da “oposição consentida”, em um momento que o
movimento de massas começava a esboçar uma combativa reação à truculência do
regime de terror instalado no país. Parece que não passa pela “cabeça
reconstruída” de Ivan e Mauro Iasi que a independência política do proletariado
é o primeiro degrau para se romper com a política de colaboração de classes,
que impregnou até a medula o velho “Partidão”.
Como o estalinismo nunca
assimilou o “ABC” do Marxismo, jamais envidou esforços para a organização política
independente da classe operária, acomodando-se muito bem na tal “frente
democrática” do PMDB por cerca de 20 anos, na companhia dos pelegos mafiosos
como “Joaquinzão” (do sindicato dos metalúrgicos de São Paulo) e de velhas
raposas da política burguesa do calibre de Tancredo Neves, Chagas Freitas
(governador biônico da Guanabara) e Orestes Quércia. Para não deixar a menor
dúvida sobre qual legado o atual PCB reivindica do “Partidão”, afirmam que: “Na
sua reorganização, após a volta dos anistiados em 1979, o Comitê Central eleito
em 1982 levou o Partido para o caminho da conciliação de classes, insistindo em
manter a política de frente democrática, que tinha sido correta até então.” (nota
do PCB). Vemos que tudo estava muito correto... até 1982, quando só então o
novo CC envereda pelo caminho da “conciliação de classes”. Então como definir o
apoio do partido à candidatura do General Euler Bentes Monteiro, pelo MDB no
colégio eleitoral em 1978, o comandante militar da Amazônia que no ano anterior
se juntara ao general de extrema direita, Silvio Frota, para tentar dar um novo
golpe de estado contra Geisel, promotor político em parceria com Golbery do
processo da “abertura lenta gradual e segura”. Como classificar a consigna
lançada pelo PCB em 80 da convocação de uma “Constituinte com João!” (Jornal
Voz da Unidade). E para finalizar, já para não cansar o leitor com uma longa
lista de capitulações aberrantes, que “leitura” faremos da rejeição vigorosa
feita pelo “Partidão” em levantar a bandeira do “Abaixo a ditadura” considerada
como ultra-esquerdista e sectária até o ano de 1982. Se toda esta conduta
política não é a mais pura “conciliação de classes” então Marx, Lenin e Trotsky
se equivocaram em toda sua contribuição programática ao movimento operário.
Nós comunistas da LBI
respeitamos o esforço realizado pelos companheiros do “PCB reconstruído” em
sepultar a infame trajetória imposta ao partido pelos oportunistas Freire e o
já falecido Malina, símbolos concentrados da decomposição moral de uma política
de colaboração de classes seguida pelo partido ao menos nos últimos 80 anos.
Porém, temos o dever programático, mais além da desproporção de forças entre
nossas organizações, em alertar sobre o risco político das “autocríticas
realizadas pela metade”, já assistimos este “filme” passado no nascedouro do
PRC, quando tentaram honestamente se desvincular “parcialmente” da trajetória
de conciliação e etapismo do PCdoB, mas acabaram em um campo político ainda
pior do que o original. Pela importância do papel “jogado” pelo PCB no início
dos anos 60, onde eram praticamente a única organização de esquerda consolidada
no país, afirmamos que a elaboração de qualquer balanço histórico sobre este
período deve ser revestida da maior seriedade e rigor marxista possível. Não
por coincidência foi em plena ditadura militar que ocorre a implosão do “Partidão”
em mais de uma dezena de organizações de esquerda, logicamente em razão da
linha oficial de colaboração de classes, implementada politicamente antes e
depois do golpe militar. Esta fragmentação política cobrou, e cobra até hoje,
um alto preço na história da luta de classes, transformando o PCB em um
elemento quase “marginal” da política
brasileira, deixando apenas a lembrança de quando era chamado de “Partidão”.