sábado, 5 de abril de 2014


A torpe “autocrítica” do reconstruído PCB em relação à vergonhosa posição do velho “Partidão” durante o golpe militar de 1964

“Não há condições para o golpe reacionário. Se os golpistas tentarem, terão as cabeças cortadas.” (Luis Carlos Prestes, março de 1964)

O Comitê Central do PCB divulgou uma nota política no último 1º de abril acerca da posição assumida pelo partido no golpe militar de 64. Trata-se de um documento de suma importância dado que a atual direção do PCB afirma estar levando a cabo um processo de “reconstrução” partidária, tendo como alicerce fundamental uma “autocrítica” teórica e programática da trajetória do velho “Partidão”, desde a fundação em 1922 até o momento em que ocorre a depuração do agrupamento histórico no ano 1992. A partir deste ponto de inflexão, onde a maioria do PCB resolve seguir a direita com o arrivista Roberto Freire em direção ao neoliberalismo, mudando o nome do partido para PPS, uma fração da militância inicia o chamado processo de “reconstrução revolucionária“, mantendo o nome e as “bandeiras” de esquerda do partido. Mas desgraçadamente o que se lê no documento intitulado “O PCB e o golpe de 1964” representa apenas uma torpe “autocrítica” da vergonhosa linha política do velho “Partidão” que não só “desarmava a militância para o enfrentamento à onda reacionária” (Nota Política do CC), como também permitiu que os gorilas golpistas desatassem uma brutal ofensiva ao conjunto movimento de massas, sem que o partido convocasse a menor linha de resistência do proletariado, apesar de sua grande influência política. Na prática o “Partidão” se subordinou de forma muito disciplinada à orientação política do próprio governo Jango, que diante da possibilidade concreta de resistir ao golpe optou pela retirada do país, deixando completamente desnorteado o movimento de massas. Porém, a posição criminosa do velho PCB não foi um “raio em pleno céu azul” naquela manhã de 1º de abril de 64, estamos nos referindo à linha de completa capitulação ao “nacionalismo burguês” assumida desde o escandaloso pacto firmado no início do governo JK (que afinal de contas era mais “desenvolvimentista” associado aos EUA do que um nacionalista do tipo Vargas): “O PCB não mexe com o governo e o presidente JK não mexe com o 'Partidão'”. (citado do livro de Hércules Correia). Quando Jango assume o governo após a renúncia de Jânio Quadros, retoma-se o bloco político de apoio formado ainda nos anos JK: PTB, PSD e o Partidão, este sem o registro formal, mas atuando ativamente no movimento operário e na juventude. Neste período histórico que abarca desde o início do governo JK em 56 até o golpe militar, muitos quadros do PCB utilizam as legendas do PTB e até do PSD para disputarem as eleições parlamentares, como foi o caso do deputado federal Fernando Santana eleito na Bahia pelo PTB em 1958. A principal liderança do PCB, Prestes, era uma das figuras políticas de maior base social na antiga capital federal, ocupando papel central na estratégia reformista de legitimar a sequência dos governos burgueses através da paralisia do movimento de massas. Esta “estratégia” de “omissão” adotada pelo estalinismo permitiu que o próprio PTB fosse aumentando sua influência no movimento sindical, não só entre os velhos pelegos da burocracia getulista, mas fundamentalmente com as novas gerações de ativistas que surgiam em função da radicalidade daquela conjuntura pré-revolucionária.

Para os Marxistas Revolucionários não se trata de fazer um balanço deste trágico período histórico do país sob um suposto ângulo “teórico-acadêmico”, método muito particular dos “pesquisadores” sem o menor vínculo social com a classe operária, mas sim do ponto de vista militante, “revisitando” o passado na perspectiva socialista do presente. O texto do PCB sobre o golpe “preferiu” iniciar por uma análise socioeconômica equivocada daquela etapa: “O Brasil do final da década de 1950 e início dos anos 1960 vivenciava uma crise de consolidação e de crescimento do capitalismo no país, resultante do próprio processo de acumulação acelerado pelo modelo econômico implantado por Juscelino Kubitschek. O Estado brasileiro garantiu a infraestrutura necessária ao pleno desenvolvimento capitalista. Para uma organização política que diz ter rompido com as arcaicas “teses” do “etapismo” (primeiro a revolução democrática antifeudal e depois a socialista) parece que foi para o outro extremo “teórico” sem nenhuma mediação. O início dos anos 60 estava bem distante de ter proporcionado as condições de infraestrutura ao “pleno desenvolvimento capitalista”, muito pelo contrário nem os vinte anos do regime militar, com a formação de toda uma rede de megaestatais (energia, comunicações, transporte etc...) as custas de um pesado endividamento externo que depois “cobrou seu preço”, foi capaz de dotar a nação de uma infraestrutura similar a dos países onde o capitalismo atingiu seu “pleno desenvolvimento”, estamos falando é claro do imperialismo. O Brasil do século XXI ainda é um país capitalista semicolonal, que dispõe de uma baixa infraestrutura estatal, onde sequer consegue refinar 20% de sua capacidade de extração de petróleo, o segmento econômico mais estratégico da atualidade. Poderíamos dizer o mesmo de nossa capacidade em siderurgia ou da logística portuária do país, só para citar dois setores chaves da economia nacional. O fundamental é compreender que tanto a tese da “revolução democrática burguesa” defendida por Prestes sob a orientação de Moscou ou a “teoria do capitalismo pleno” levantada por Caio Prado Jr em oposição ao reformismo do “Partidão” nos conduzem a gravíssimos “erros” estratégicos.

Foi exatamente a necessidade do capital em expandir a precária infraestrutura estatal existente em meados dos anos 60 que conduziu os militares a darem sequência ao processo “estatizante” iniciado por Vargas, com a criação da CSN e da Petrobras, tendo como ápice a formação das usinas de geração de energia atômica, em pleno governo Geisel. Esta foi a essência da necessidade da instauração do regime militar, para a burguesia dependente, um formato de estado que permitisse a máxima centralização possível para a reprodução do capital em setores econômicos recém instalados no país. Por sinal é bom lembrar que a última refinaria de petróleo construída no país foi “obra” do regime militar, que chegou a ganhar a alcunha do ultrarreacionário “Estadão” de “República socialista soviética do Brasil” em função do peso das estatais na economia nacional. Todo este processo de “alargamento das fronteiras” por onde o capital pode se reproduzir no Brasil, através de uma brutal elevação da taxa média de lucro e do mais valor, nunca eliminaram o caráter periférico de nossa economia, ainda que acentuando sua associação com o capital financeiro internacional.

Mas se a caracterização “teórica” do processo de modernização capitalista iniciada em meados dos anos 50 está completamente “desfocada” pelo atual PCB reconstruído (e que suponhamos estar depurado da nefasta influência reformista), desconsiderando as Teses da Revolução Permanente de Trotsky (posteriormente “atualizada” por Mandel) para os países periféricos, “cem vezes pior” está a apologia feita da tática que seguiu o velho “Partidão” após a “consolidação institucional” da ditadura militar, no período entre 64 e 82. “No entanto, após a instalação da ditadura e depois de um período de dispersão, em função de ter subestimado a possibilidade de golpe, o PCB foi capaz de articular instrumentos para a construção da resistência nos espaços possíveis, buscando ampliar a luta no sentido da retomada do movimento de massas, ao mesmo tempo em que participava da criação de uma grande força oposicionista congregada na frente democrática.” (nota do PCB). É exatamente neste ponto que podemos contatar que não existe nenhuma autocrítica de fundo dos atuais dirigentes do PCB em relação a desastrosa política levada a cabo por Prestes, Malina e Giocondo Dias. Como podem criticar a concepção da “revolução por etapas” para depois advogar politicamente a articulação da “Frente democrática oposicionista”, que para enganar os incautos não querem chamar pelo verdadeiro nome: MDB, depois PMDB! Coube exatamente ao MDB, criado por um ato institucional do regime, a tarefa de desarmar a resistência independente do movimento operário, como a heroica greve dos metalúrgicos de Osasco, liderada por José Ibrahim, entre tantas mobilizações que ocorreram contra a orientação da “oposição” do “sim”. O próprio MDB era dirigido por notórias figuras do antigo PSD, que conspiraram abertamente pela deposição de Jango, como foi o caso de seu presidente Ulisses Guimarães. Se para o “velho e novo” PCB a luta armada foi um erro, “corretamente não tendo aderido à luta armada” (nota do PCB), não seria uma traição de maior grau ajudar na costura política da “oposição consentida”, em um momento que o movimento de massas começava a esboçar uma combativa reação à truculência do regime de terror instalado no país. Parece que não passa pela “cabeça reconstruída” de Ivan e Mauro Iasi que a independência política do proletariado é o primeiro degrau para se romper com a política de colaboração de classes, que impregnou até a medula o velho “Partidão”.

Como o estalinismo nunca assimilou o “ABC” do Marxismo, jamais envidou esforços para a organização política independente da classe operária, acomodando-se muito bem na tal “frente democrática” do PMDB por cerca de 20 anos, na companhia dos pelegos mafiosos como “Joaquinzão” (do sindicato dos metalúrgicos de São Paulo) e de velhas raposas da política burguesa do calibre de Tancredo Neves, Chagas Freitas (governador biônico da Guanabara) e Orestes Quércia. Para não deixar a menor dúvida sobre qual legado o atual PCB reivindica do “Partidão”, afirmam que: “Na sua reorganização, após a volta dos anistiados em 1979, o Comitê Central eleito em 1982 levou o Partido para o caminho da conciliação de classes, insistindo em manter a política de frente democrática, que tinha sido correta até então.” (nota do PCB). Vemos que tudo estava muito correto... até 1982, quando só então o novo CC envereda pelo caminho da “conciliação de classes”. Então como definir o apoio do partido à candidatura do General Euler Bentes Monteiro, pelo MDB no colégio eleitoral em 1978, o comandante militar da Amazônia que no ano anterior se juntara ao general de extrema direita, Silvio Frota, para tentar dar um novo golpe de estado contra Geisel, promotor político em parceria com Golbery do processo da “abertura lenta gradual e segura”. Como classificar a consigna lançada pelo PCB em 80 da convocação de uma “Constituinte com João!” (Jornal Voz da Unidade). E para finalizar, já para não cansar o leitor com uma longa lista de capitulações aberrantes, que “leitura” faremos da rejeição vigorosa feita pelo “Partidão” em levantar a bandeira do “Abaixo a ditadura” considerada como ultra-esquerdista e sectária até o ano de 1982. Se toda esta conduta política não é a mais pura “conciliação de classes” então Marx, Lenin e Trotsky se equivocaram em toda sua contribuição programática ao movimento operário.

Nós comunistas da LBI respeitamos o esforço realizado pelos companheiros do “PCB reconstruído” em sepultar a infame trajetória imposta ao partido pelos oportunistas Freire e o já falecido Malina, símbolos concentrados da decomposição moral de uma política de colaboração de classes seguida pelo partido ao menos nos últimos 80 anos. Porém, temos o dever programático, mais além da desproporção de forças entre nossas organizações, em alertar sobre o risco político das “autocríticas realizadas pela metade”, já assistimos este “filme” passado no nascedouro do PRC, quando tentaram honestamente se desvincular “parcialmente” da trajetória de conciliação e etapismo do PCdoB, mas acabaram em um campo político ainda pior do que o original. Pela importância do papel “jogado” pelo PCB no início dos anos 60, onde eram praticamente a única organização de esquerda consolidada no país, afirmamos que a elaboração de qualquer balanço histórico sobre este período deve ser revestida da maior seriedade e rigor marxista possível. Não por coincidência foi em plena ditadura militar que ocorre a implosão do “Partidão” em mais de uma dezena de organizações de esquerda, logicamente em razão da linha oficial de colaboração de classes, implementada politicamente antes e depois do golpe militar. Esta fragmentação política cobrou, e cobra até hoje, um alto preço na história da luta de classes, transformando o PCB em um elemento  quase “marginal” da política brasileira, deixando apenas a lembrança de quando era chamado de “Partidão”.