Borón, o apoio muitíssimo “crítico” ao PT e seu “sonho” do
capitalismo finlandês
O laureado sociólogo argentino Atilio Borón, simpatizante do
Partido Comunista e um dos principais dirigentes do movimento latino-americano
de apoio a Cuba, acaba de lançar um artigo sobre o segundo turno das eleições
brasileiras (A esquerda e o segundo turno) onde defende de forma muito bem
fundamentada o apoio crítico a candidatura do PT contra o que define como:
"A versão dura do neoliberalismo", representada pelo Tucano Aécio
Neves. O texto de Borón tem influenciado politicamente militantes dos movimentos
sociais e até mesmo organizações "marxistas" que inicialmente
proferiram uma disposição pelo voto nulo, particularmente no arco da chamada
"ala esquerda" do PSOL. Borón começa por estabelecer um paralelo
histórico entre as desastrosas posições da III Internacional, em seu "terceiro
período" ultra-esquerdista, e a recusa de setores do "campo
revolucionário" em chancelar eleitoralmente o PT nesta eleição bastante
polarizada entre "esquerda versus direita". Logo de cara Borón nos
brinda com a seguinte lógica da clássica chantagem da ameaça de um Golpe de Estado,
não por acaso a forçada simetria entre a Alemanha de Hitler e o Brasil da
Frente Popular: "Da mesma forma que a desastrosa política do ‘socialfascimo’,
que pavimentou o caminho de Hitler ao poder, a tese de que Aécio e Dilma ‘são o
mesmo’ vai provocar, caso triunfe o primeiro, terríveis consequências para as
classes populares do Brasil e de toda a América Latina, para além da obviedade
de que Aécio não é Hitler e de que o PSDB não é o Partido Nacional Socialista
Alemão". A "tese" de Borón não consegue passar na primeira prova
da rigorosa análise marxista, vejamos porque: nosso país está bastante distante
de um acirramento revolucionário da luta de classes, onde o proletariado ameace
o poder de Estado da burguesia. Contra-revoluções sangrentas são
necessariamente uma resposta militar (e também política) dos capitalistas a uma
possibilidade concreta da perda do seu "status quo". Foi assim na
própria Alemanha, na Espanha e também no Brasil e Chile mais recentemente.
Estamos assistindo a uma acirrada polarização eleitoral, repetimos com todas as
letras maiúsculas, ELEITORAL! Borón até talvez pudesse ter um “fio de razão” se
as eleições burguesas no Brasil correspondessem a um estágio superior de
radicalidade da luta de classes, como ocorreu na Venezuela com o assassinato de
Chaves pela CIA e a posse de Maduro, onde a questão do Golpe de Estado não era
um simples demagogia midiática. O movimento operário hoje não vive um assenso
de massas no Brasil, muito pelo contrário atravessamos um refluxo das lutas
diretas (campanhas salariais abortadas para estrear o circo da democracia) e um
enorme retrocesso na consciência de classe do proletariado, produto de mais de
setenta anos de embotamento reformista! Somente completos idiotas de esquerda (como
os revisionistas) podem afirmar que não existe o crescimento da chamada
"onda conservadora", ou como nós definimos sob a ótica do Marxismo, uma
etapa de reação política em toda linha. As tão mitificadas "Jornadas de Junho", que tiveram
como centro principal São Paulo e Rio, acabaram por reconduzir os próprios
facínoras que as reprimiram selvagemente aos governos estaduais, isto porque
careciam de um claro programa socialista e de uma direção operária. Não custa
lembrar aos ufanistas da "revolução dobra a esquina" que não é
possível romper a ordem burguesa apenas com um programa sindical e sem um
partido Leninista com influência de massas. Se o resultado das eleições são um
produto muito deformado da luta de classes (quando não uma fraude completa) não
podemos dizer o mesmo da total ausência no cenário nacional de organismos
independentes da classe operária! Mas
voltando a Borón, vamos admitir só por uma abstração teórica que a tática
correta a ser seguida no Brasil fosse a de Dimitrov, o expoente da
internacional stalinista que "destruiu" politicamente o sectarismo do
"III período" com sua elaboração acerca da necessidade de se
impulsionar "frentes amplas" contra o fascismo e governos de
"Frente Populares", como o que encabeça o PT nos últimos doze anos.
Segue Borón: "A Terceira Internacional abandonou esta postura (esquerdismo)
em seu VII e último congresso, em 1935, para adotar as teses das frente
populares ou frentes únicas antifascistas. Mas já era tarde demais". Não
Borón, não era tão tarde assim... Esta política com outro formato, mas tão
criminosa como a anterior foi levada a cabo pelo partido "comunista"
na Espanha, resultando na integração das massas ao governo republicano de Largo
Caballero, em nome de "baixar as bandeiras" para evitar o triunfo da
extrema-direita, o desfecho de outra trágica derrota histórica do proletariado
já é bem conhecida de todos. Trotsky analisa assim a suposta
"correção" do rumo stalinista, tão festejada retrospectivamente por
Borón, "Do ponto de vista da nova teoria, o que choca sobretudo na
política de Stalin é o completo esquecimento do ABC do leninismo. Com um atraso
de algumas dezenas de anos – e que anos! –, a Internacional Comunista
restabeleceu completamente em seus direitos a doutrina do menchevismo. Mais
ainda, esforçou-se para dar a esta doutrina uma expressão mais ‘conseqüente’ e,
por isso mesmo, mais absurda. Na Rússia czarista, no início de 1905, a fórmula ‘revolução
puramente democrática’ tinha a seu favor, em todo caso, infinitamente mais
argumentos que em 1937 na Espanha. Não é de se espantar que, na Espanha
contemporânea, a política ‘operária liberal’ do menchevismo tenha se tornado a
política anti-operária, reacionária do stalinismo. De um golpe, a doutrina do
menchevismo, esta caricatura do marxismo, foi, por sua vez, caricaturizada.
Seria, no entanto, ingenuidade pensar que, na base da política do Comintern na
Espanha estivessem alguns ‘erros’ teóricos. O stalinismo não se guia pela
teoria marxista, nem por qualquer teoria que seja, mas, empiricamente, pelos
interesses da burocracia soviética. Entre eles mesmos, os cínicos de Moscou
riem-se da ‘filosofia’ da Frente Popular à la Dimitrov . Eles têm, porém, à sua
disposição, para enganar as massas, numerosos quadros de propagandistas desta
fórmula sagrada, sinceros ou canalhas, ingênuos ou charlatães. Louis Fischer,
com sua ignorância e auto-suficiência, seu estado de espírito de argumentador
provinciano organicamente surdo para a revolução, é o representante mais
repugnante desta confraria pouco atraente. A política da ‘união das forças
progressistas, o ‘triunfo das idéias da Frente Popular’, o ‘dano causado pelos
trotskistas à unidade das fileiras antifascistas’... Quem acreditaria que o
Manifesto Comunista foi escrito há 90 anos?” (L.Trotsky, Menchevismo e
Bolchevismo na Espanha). Nosso caro sociólogo, que tem a honestidade
intelectual de não esconder suas simpatias com o stalinismo, não pode ter a
"ousadia" de tentar imiscuir uma política policlassista fracassada
historicamente (do ângulo do proletariado é claro!) com o programa
revolucionário que tem como base fundamental a independência de classe seja
qual for a conjuntura política. Porém Borón também deixa escapar em sua
repercutida matéria que não acredita na possibilidade da instauração do
socialismo revolucionário em países capitalistas periféricos e neste aspecto é
coerente com a defesa eleitoral "crítica" que fez de governos
burgueses de esquerda em nosso continente, como na Argentina, Uruguai e agora
no Brasil. Para Borón: "Dizer que Aécio e Dilma são políticos burgueses é
uma caracterização tão grosseira como dizer que o capitalismo brasileiro é o
mesmo que existe na Finlândia ou na Noruega – os dois países mais igualitários
do planeta e com maiores índices de desenvolvimento humano, segundo diversos
informes produzidos pelas Nações Unidas". Aqui Borón deixou cair o
"véu" que lhe cobria como teórico marxista para advogar a
caracterização liberal de que o capitalismo dos países imperialistas, ou
subimperialistas, não tem a menor relação com os do capitalismo atrasado, seria
como afirmar o "estapafúrdio" que tanto Dilma e Aécio "são
políticos burgueses". Lembremos ao "olvidado" portenho que tanto
na Suécia, Finlândia ou Noruega, países nórdicos tão celebrados pela ONU, a
dinâmica essencial da acumulação capitalista é a mesma que na Etiópia, as
enormes e brutais diferenças sociais são decorrentes do caráter imperialista
dos primeiros e semi-colonial do último. As grandes conquistas operárias e
sociais dos países capitalistas centrais não podem ser implementadas nos
periféricos, não porque não sejam capitalistas mas porque pertencem a uma
cadeia mundial de divisão das forças produtivas onde seu papel econômico é
"alimentar" as "metrópoles imperiais", com a rapinagem de suas riquezas naturais e também com a
mais-valia do seu proletariado urbano e rural. Quase com o mesmo método podemos
caracterizar cabalmente que Dilma e Aécio são duas expressões políticas da
burguesia, sem que isto signifique que não há enormes diferenças na forma (e
não no conteúdo) no qual se apresentam para gerir o Estado capitalista. Afinal
para que serve a definição de Marx sobre a total unidade das classes dominantes
quando se trata de explorar a força de trabalho do proletariado e atacar suas
conquistas e lutas, como fazem PT e PSDB juntos no parlamento, talvez para Borón esta
caracterização não sirva para a política concreta dos comunistas, mas somente
para ser "manejada" nas palestras e conferências da academia...
Engels gostava de declarar que: "Os socialistas de ocasião tem a memória muito curta", este mal parece acometer de forma intensa nosso caro Borón. Não faz tanto tempo assim, no final de junho do ano passado, o sociólogo que hoje escolheu o "mal menor" para justificar o seu apoio a candidata do PT afirmava o seguinte sobre o governo Dilma: "As massas que saíram às ruas em mais de cem cidades brasileiras podem, talvez, não saber aonde vão, porém em sua marcha podem acabar com um governo que, claramente, escolheu se colocar a serviço do capital"(Atilio Borón, Brasil: Um novo ciclo de lutas populares?). As posições do "jornadista" Borón sofrem de impressionismo crônico, primeiro no fetiche político construído acerca das "Jornadas de Junho", que estiveram bastante distantes de "acabar com o governo a serviço do capital", e mesmo que remotamente isto viesse a ocorrer seria por uma inflexão à direita, nada a festejar! Em segundo lugar o mesmo impressionismo político de Borón, fruto da intensa pressão eleitoral, agora se manifesta no sentido oposto, ou seja, no apoio crítico a este mesmo "governo a serviço do capital". Nas duas situações, "Jornadas de Junho" e eleições presidenciais, existe um elemento político em comum: a ausência de um projeto independente de poder da classe operária, o que permitiu uma gama reacionária de desdobramentos na conjuntura nacional. As "Jornadas" desembocaram no enorme fortalecimento político dos Tucanos em São Paulo, e as eleições gerais devem parir um governo central petista ainda mais comprometido com a ofensiva neoliberal contra os trabalhadores.
A disjuntiva apresentada pelo "bloco progressista"
ao campo da esquerda revolucionária, escolher entre a opção "branda"
do neoliberalismo contra sua versão mais "dura", ainda que tenha
alguma consequência política no plano imediato significa abandonar para as
calendas gregas (ou renunciar definitivamente) a estratégia socialista
revolucionária, posto que neste regime democratizante temos eleições de dois em
dois anos. Se em cada período eleitoral seguirmos a "receita
programática" de Borón, nunca o proletariado poderá aspirar por articular
seu próprio projeto político, no sentido mais amplo da concepção marxista,
partindo da premissa que somos obrigados a reconhecer que este projeto partirá
de um patamar orgânico no mínimo muito debilitado. Porém o mais importante
neste debate passa quase que desapercebido dos entusiastas do "voto
crítico" no governo da Frente Popular, a cada recuo "tático"
da esquerda classista em nome de fortalecer o bloco progressista as forças da
direita avançam significativamente, alheia ao resultado eleitoral, seja no caso
de sua vitória ou derrota institucional.
Como último argumento, e sem sombra de dúvidas o mais
importante para além da já surrada dicotomia burguesa "esquerda versus
direita”, Borón coloca a questão da geopolítica regional e o peso da possível
vitória de um governo ultraconservador no Cone Sul. "No plano
internacional o triunfo dos tucanos teria gravíssimas consequências porque
colocaria no Planalto a uma força política submetida por completo aos ditames
da Casa Branca; sabotaria os processos de integração supranacional em andamento
como o Mercosul, a UNASUL e a CELAC; serviria como ponta de lança para atacar a
Revolução Bolivariana e os governos de esquerda e progressistas da região; para
isolar a Revolução Cubana e para oferecer apoio material e humano do Brasil
para as infinitas guerras do império" (Borón, A esquerda e o segundo
turno), os Marxistas não se devem refutar a relevância do Brasil no palco
político das operações do imperialismo na região, no entanto as seguidas "gerências"
petistas nunca se posicionaram a favor de nenhum "processo
revolucionário" no continente, a não ser que Borón conceba como "apoio
revolucionário" a concessão de crédito estatal para que nossa burguesia
nacional possa "investir" (sem margem para prejuízos!) em países como
Cuba e Venezuela. Por sinal tem sido assim desde os governos Tucanos de FHC,
quando aplicaram recursos privados, com suporte "público", na
exploração e construção do gasoduto Bolívia-Brasil. No caso do porto de Mariel,
em Cuba, edificado pela poderosa empreiteira Odebrecht (que apóia
financeiramente Dilma), os lucros da oligarquia ultrapassam bilhões de Reais.
Este "apoio" comercial a Cuba foi o mesmo dado pelo governo
imperialista do PSOE espanhol, investindo bilhões de Euros na implantação de
uma rede turística internacional na Ilha, contribuindo em muito não com a
revolução mas sim com os rumos da restauração capitalista do Estado Operário.
Quando Chavez propôs a Lula a parceria na exploração dos recursos energéticos da
região, através da formação de uma empresa estatal binacional, para livrar o
continente da influência dos trustes imperialistas, o governo da Frente Popular
respondeu negativamente abortando inclusive o projeto comum na construção da
refinaria Abreu Lima. Hoje a refinaria em Pernambuco encontra-se bastante
atrasada e o que é pior associada a empresas transnacionais de petróleo. O
único interesse "revolucionário" dos governos petistas na região
parece ser o de " impulsionar" a covarde burguesia nacional na
conquista de "novos mercados". Mas quando a questão é fornecer
suporte político em solidariedade as lutas antiimperialistas do continente, o
PT logo aconselha os "governos amigos" a terem muita prudência e
jamais romperem com a ordem capitalista.
Por fim não se trata de equacionar este debate "teórico"
nem pela ótica puramente eleitoral e tampouco pelos avanços no alargamento das
fronteiras do mercado de consumo aferidas no Brasil. Neste horizonte proposto
por Borón os Marxistas nunca sairão "ilesos" do labirinto das
alternativas burguesas, e o proletariado muito menos se constituirá
historicamente em classe para sí. Para muito além do voto, o que está realmente
colocado neste momento para a vanguarda Comunista é iniciar a resistência classista
das massas a ofensiva imperialista do capital financeiro, recuperando as
melhores tradições ideológicas do Partido Bolchevique, soterradas pela malta de
oportunistas que cretinamente afirmam que o "modelo Leninista" não
tem mais lugar neste "mundo neoliberal" de valores espirituais e
materiais de mercado.