quarta-feira, 22 de outubro de 2014


Borón, o apoio muitíssimo “crítico” ao PT e seu “sonho” do capitalismo finlandês

O laureado sociólogo argentino Atilio Borón, simpatizante do Partido Comunista e um dos principais dirigentes do movimento latino-americano de apoio a Cuba, acaba de lançar um artigo sobre o segundo turno das eleições brasileiras (A esquerda e o segundo turno) onde defende de forma muito bem fundamentada o apoio crítico a candidatura do PT contra o que define como: "A versão dura do neoliberalismo", representada pelo Tucano Aécio Neves. O texto de Borón tem influenciado politicamente militantes dos movimentos sociais e até mesmo organizações "marxistas" que inicialmente proferiram uma disposição pelo voto nulo, particularmente no arco da chamada "ala esquerda" do PSOL. Borón começa por estabelecer um paralelo histórico entre as desastrosas posições da III Internacional, em seu "terceiro período" ultra-esquerdista, e a recusa de setores do "campo revolucionário" em chancelar eleitoralmente o PT nesta eleição bastante polarizada entre "esquerda versus direita". Logo de cara Borón nos brinda com a seguinte lógica da clássica chantagem da ameaça de um Golpe de Estado, não por acaso a forçada simetria entre a Alemanha de Hitler e o Brasil da Frente Popular: "Da mesma forma que a desastrosa política do ‘socialfascimo’, que pavimentou o caminho de Hitler ao poder, a tese de que Aécio e Dilma ‘são o mesmo’ vai provocar, caso triunfe o primeiro, terríveis consequências para as classes populares do Brasil e de toda a América Latina, para além da obviedade de que Aécio não é Hitler e de que o PSDB não é o Partido Nacional Socialista Alemão". A "tese" de Borón não consegue passar na primeira prova da rigorosa análise marxista, vejamos porque: nosso país está bastante distante de um acirramento revolucionário da luta de classes, onde o proletariado ameace o poder de Estado da burguesia. Contra-revoluções sangrentas são necessariamente uma resposta militar (e também política) dos capitalistas a uma possibilidade concreta da perda do seu "status quo". Foi assim na própria Alemanha, na Espanha e também no Brasil e Chile mais recentemente. Estamos assistindo a uma acirrada polarização eleitoral, repetimos com todas as letras maiúsculas, ELEITORAL! Borón até talvez pudesse ter um “fio de razão” se as eleições burguesas no Brasil correspondessem a um estágio superior de radicalidade da luta de classes, como ocorreu na Venezuela com o assassinato de Chaves pela CIA e a posse de Maduro, onde a questão do Golpe de Estado não era um simples demagogia midiática. O movimento operário hoje não vive um assenso de massas no Brasil, muito pelo contrário atravessamos um refluxo das lutas diretas (campanhas salariais abortadas para estrear o circo da democracia) e um enorme retrocesso na consciência de classe do proletariado, produto de mais de setenta anos de embotamento reformista! Somente completos idiotas de esquerda (como os revisionistas) podem afirmar que não existe o crescimento da chamada "onda conservadora", ou como nós definimos sob a ótica do Marxismo, uma etapa de reação política em toda linha. As tão mitificadas  "Jornadas de Junho", que tiveram como centro principal São Paulo e Rio, acabaram por reconduzir os próprios facínoras que as reprimiram selvagemente aos governos estaduais, isto porque careciam de um claro programa socialista e de uma direção operária. Não custa lembrar aos ufanistas da "revolução dobra a esquina" que não é possível romper a ordem burguesa apenas com um programa sindical e sem um partido Leninista com influência de massas. Se o resultado das eleições são um produto muito deformado da luta de classes (quando não uma fraude completa) não podemos dizer o mesmo da total ausência no cenário nacional de organismos independentes da classe operária!  Mas voltando a Borón, vamos admitir só por uma abstração teórica que a tática correta a ser seguida no Brasil fosse a de Dimitrov, o expoente da internacional stalinista que "destruiu" politicamente o sectarismo do "III período" com sua elaboração acerca da necessidade de se impulsionar "frentes amplas" contra o fascismo e governos de "Frente Populares", como o que encabeça o PT nos últimos doze anos. Segue Borón: "A Terceira Internacional abandonou esta postura (esquerdismo) em seu VII e último congresso, em 1935, para adotar as teses das frente populares ou frentes únicas antifascistas. Mas já era tarde demais". Não Borón, não era tão tarde assim... Esta política com outro formato, mas tão criminosa como a anterior foi levada a cabo pelo partido "comunista" na Espanha, resultando na integração das massas ao governo republicano de Largo Caballero, em nome de "baixar as bandeiras" para evitar o triunfo da extrema-direita, o desfecho de outra trágica derrota histórica do proletariado já é bem conhecida de todos. Trotsky analisa assim a suposta "correção" do rumo stalinista, tão festejada retrospectivamente por Borón, "Do ponto de vista da nova teoria, o que choca sobretudo na política de Stalin é o completo esquecimento do ABC do leninismo. Com um atraso de algumas dezenas de anos – e que anos! –, a Internacional Comunista restabeleceu completamente em seus direitos a doutrina do menchevismo. Mais ainda, esforçou-se para dar a esta doutrina uma expressão mais ‘conseqüente’ e, por isso mesmo, mais absurda. Na Rússia czarista, no início de 1905, a fórmula ‘revolução puramente democrática’ tinha a seu favor, em todo caso, infinitamente mais argumentos que em 1937 na Espanha. Não é de se espantar que, na Espanha contemporânea, a política ‘operária liberal’ do menchevismo tenha se tornado a política anti-operária, reacionária do stalinismo. De um golpe, a doutrina do menchevismo, esta caricatura do marxismo, foi, por sua vez, caricaturizada. Seria, no entanto, ingenuidade pensar que, na base da política do Comintern na Espanha estivessem alguns ‘erros’ teóricos. O stalinismo não se guia pela teoria marxista, nem por qualquer teoria que seja, mas, empiricamente, pelos interesses da burocracia soviética. Entre eles mesmos, os cínicos de Moscou riem-se da ‘filosofia’ da Frente Popular à la Dimitrov . Eles têm, porém, à sua disposição, para enganar as massas, numerosos quadros de propagandistas desta fórmula sagrada, sinceros ou canalhas, ingênuos ou charlatães. Louis Fischer, com sua ignorância e auto-suficiência, seu estado de espírito de argumentador provinciano organicamente surdo para a revolução, é o representante mais repugnante desta confraria pouco atraente. A política da ‘união das forças progressistas, o ‘triunfo das idéias da Frente Popular’, o ‘dano causado pelos trotskistas à unidade das fileiras antifascistas’... Quem acreditaria que o Manifesto Comunista foi escrito há 90 anos?” (L.Trotsky, Menchevismo e Bolchevismo na Espanha). Nosso caro sociólogo, que tem a honestidade intelectual de não esconder suas simpatias com o stalinismo, não pode ter a "ousadia" de tentar imiscuir uma política policlassista fracassada historicamente (do ângulo do proletariado é claro!) com o programa revolucionário que tem como base fundamental a independência de classe seja qual for a conjuntura política. Porém Borón também deixa escapar em sua repercutida matéria que não acredita na possibilidade da instauração do socialismo revolucionário em países capitalistas periféricos e neste aspecto é coerente com a defesa eleitoral "crítica" que fez de governos burgueses de esquerda em nosso continente, como na Argentina, Uruguai e agora no Brasil. Para Borón: "Dizer que Aécio e Dilma são políticos burgueses é uma caracterização tão grosseira como dizer que o capitalismo brasileiro é o mesmo que existe na Finlândia ou na Noruega – os dois países mais igualitários do planeta e com maiores índices de desenvolvimento humano, segundo diversos informes produzidos pelas Nações Unidas". Aqui Borón deixou cair o "véu" que lhe cobria como teórico marxista para advogar a caracterização liberal de que o capitalismo dos países imperialistas, ou subimperialistas, não tem a menor relação com os do capitalismo atrasado, seria como afirmar o "estapafúrdio" que tanto Dilma e Aécio "são políticos burgueses". Lembremos ao "olvidado" portenho que tanto na Suécia, Finlândia ou Noruega, países nórdicos tão celebrados pela ONU, a dinâmica essencial da acumulação capitalista é a mesma que na Etiópia, as enormes e brutais diferenças sociais são decorrentes do caráter imperialista dos primeiros e semi-colonial do último. As grandes conquistas operárias e sociais dos países capitalistas centrais não podem ser implementadas nos periféricos, não porque não sejam capitalistas mas porque pertencem a uma cadeia mundial de divisão das forças produtivas onde seu papel econômico é "alimentar" as "metrópoles imperiais", com a rapinagem  de suas riquezas naturais e também com a mais-valia do seu proletariado urbano e rural. Quase com o mesmo método podemos caracterizar cabalmente que Dilma e Aécio são duas expressões políticas da burguesia, sem que isto signifique que não há enormes diferenças na forma (e não no conteúdo) no qual se apresentam para gerir o Estado capitalista. Afinal para que serve a definição de Marx sobre a total unidade das classes dominantes quando se trata de explorar a força de trabalho do proletariado e atacar suas conquistas e lutas, como fazem PT e PSDB juntos no parlamento, talvez para Borón esta caracterização não sirva para a política concreta dos comunistas, mas somente para ser "manejada" nas palestras e conferências da academia...

Engels gostava de declarar que: "Os socialistas de ocasião tem a memória muito curta", este mal parece acometer de forma intensa nosso caro Borón. Não faz tanto tempo assim, no final de junho do ano passado, o sociólogo que hoje escolheu o "mal menor" para justificar o seu apoio a candidata do PT afirmava o seguinte sobre o governo Dilma: "As massas que saíram às ruas em mais de cem cidades brasileiras podem, talvez, não saber aonde vão, porém em sua marcha podem acabar com um governo que, claramente, escolheu se colocar a serviço do capital"(Atilio Borón, Brasil: Um novo ciclo de lutas populares?). As posições do "jornadista" Borón sofrem de impressionismo crônico, primeiro no fetiche político construído acerca das "Jornadas de Junho", que estiveram bastante distantes de "acabar com o governo a serviço do capital", e mesmo que remotamente isto viesse a ocorrer seria por uma inflexão à direita, nada a festejar! Em segundo lugar o mesmo impressionismo político de Borón, fruto da intensa pressão eleitoral, agora se manifesta no sentido oposto, ou seja, no apoio crítico a este mesmo "governo a serviço do capital". Nas duas situações, "Jornadas de Junho" e eleições presidenciais, existe um elemento político em comum: a ausência de um projeto independente de poder da classe operária, o que permitiu uma gama reacionária de desdobramentos na conjuntura nacional. As "Jornadas" desembocaram no enorme fortalecimento político dos Tucanos em São Paulo, e as eleições gerais devem parir um governo central petista ainda mais comprometido com a ofensiva neoliberal contra os trabalhadores.


A disjuntiva apresentada pelo "bloco progressista" ao campo da esquerda revolucionária, escolher entre a opção "branda" do neoliberalismo contra sua versão mais "dura", ainda que tenha alguma consequência política no plano imediato significa abandonar para as calendas gregas (ou renunciar definitivamente) a estratégia socialista revolucionária, posto que neste regime democratizante temos eleições de dois em dois anos. Se em cada período eleitoral seguirmos a "receita programática" de Borón, nunca o proletariado poderá aspirar por articular seu próprio projeto político, no sentido mais amplo da concepção marxista, partindo da premissa que somos obrigados a reconhecer que este projeto partirá de um patamar orgânico no mínimo muito debilitado. Porém o mais importante neste debate passa quase que desapercebido dos entusiastas do "voto crítico" no governo da Frente Popular, a cada recuo "tático" da esquerda classista em nome de fortalecer o bloco progressista as forças da direita avançam significativamente, alheia ao resultado eleitoral, seja no caso de sua vitória ou derrota institucional.


Como último argumento, e sem sombra de dúvidas o mais importante para além da já surrada dicotomia burguesa "esquerda versus direita”, Borón coloca a questão da geopolítica regional e o peso da possível vitória de um governo ultraconservador no Cone Sul. "No plano internacional o triunfo dos tucanos teria gravíssimas consequências porque colocaria no Planalto a uma força política submetida por completo aos ditames da Casa Branca; sabotaria os processos de integração supranacional em andamento como o Mercosul, a UNASUL e a CELAC; serviria como ponta de lança para atacar a Revolução Bolivariana e os governos de esquerda e progressistas da região; para isolar a Revolução Cubana e para oferecer apoio material e humano do Brasil para as infinitas guerras do império" (Borón, A esquerda e o segundo turno), os Marxistas não se devem refutar a relevância do Brasil no palco político das operações do imperialismo na região, no entanto as seguidas "gerências" petistas nunca se posicionaram a favor de nenhum "processo revolucionário" no continente, a não ser que Borón conceba como "apoio revolucionário" a concessão de crédito estatal para que nossa burguesia nacional possa "investir" (sem margem para prejuízos!) em países como Cuba e Venezuela. Por sinal tem sido assim desde os governos Tucanos de FHC, quando aplicaram recursos privados, com suporte "público", na exploração e construção do gasoduto Bolívia-Brasil. No caso do porto de Mariel, em Cuba, edificado pela poderosa empreiteira Odebrecht (que apóia financeiramente Dilma), os lucros da oligarquia ultrapassam bilhões de Reais. Este "apoio" comercial a Cuba foi o mesmo dado pelo governo imperialista do PSOE espanhol, investindo bilhões de Euros na implantação de uma rede turística internacional na Ilha, contribuindo em muito não com a revolução mas sim com os rumos da restauração capitalista do Estado Operário. Quando Chavez propôs a Lula a parceria na exploração dos recursos energéticos da região, através da formação de uma empresa estatal binacional, para livrar o continente da influência dos trustes imperialistas, o governo da Frente Popular respondeu negativamente abortando inclusive o projeto comum na construção da refinaria Abreu Lima. Hoje a refinaria em Pernambuco encontra-se bastante atrasada e o que é pior associada a empresas transnacionais de petróleo. O único interesse "revolucionário" dos governos petistas na região parece ser o de " impulsionar" a covarde burguesia nacional na conquista de "novos mercados". Mas quando a questão é fornecer suporte político em solidariedade as lutas antiimperialistas do continente, o PT logo aconselha os "governos amigos" a terem muita prudência e jamais romperem com a ordem capitalista.

Por fim não se trata de equacionar este debate "teórico" nem pela ótica puramente eleitoral e tampouco pelos avanços no alargamento das fronteiras do mercado de consumo aferidas no Brasil. Neste horizonte proposto por Borón os Marxistas nunca sairão "ilesos" do labirinto das alternativas burguesas, e o proletariado muito menos se constituirá historicamente em classe para sí. Para muito além do voto, o que está realmente colocado neste momento para a vanguarda Comunista é iniciar a resistência classista das massas a ofensiva imperialista do capital financeiro, recuperando as melhores tradições ideológicas do Partido Bolchevique, soterradas pela malta de oportunistas que cretinamente afirmam que o "modelo Leninista" não tem mais lugar neste "mundo neoliberal" de valores espirituais e materiais de mercado.