Porque os Trotskistas apoiaram Maduro para derrotar a direita golpista e não votam em Dilma contra a Tucanalha? Semelhanças e diferenças entre o nacionalismo Chavista e os neoliberais de esquerda do PT
Em meio ao debate sobre o segundo turno das eleições
presidenciais brasileiras, onde diversos setores da “esquerda” não integrados
diretamente a frente popular passaram a professar o “voto crítico em Dilma”,
alguns revisionistas contestam porque a LBI não defende o apoio a candidata do
PT “para derrotar a direta” já que em 2013 advogamos o voto crítico em Nícolas
Maduro na Venezuela contra a ameaça concreta da direita golpista. Antes de mais
nada é preciso compreender que a defesa do Voto Nulo (e também a participação
nas eleições burguesas) não é uma questão de princípios para nossa corrente
trotskista. O próprio núcleo fundador da LBI reivindica o voto crítico em Lula
em 1989 porque naquele momento a candidatura da frente popular expressava
(ainda que deformadamente) um enfrentamento de classe com o conjunto do regime
político da “Nova República”, inclusive sendo o catalizador de diversas lutas
diretas dos trabalhadores do campo e da cidade, apesar do programa de
conciliação de classes do PT. De lá para cá (25 anos), houve a completa
integração do PT a democracia burguesa e, mais particularmente em 2002, o
partido de Lula assumiu o governo central no país em compromisso direto com o
imperialismo ianque e a burguesia nativa de sustentação da ordem capitalista. O
PT passou a ser um representante de classe do grande capital apesar da sua
origem no movimento operário. Nesse sentido, deixou de ser um canal de
expressão (mesmo limitado) da luta da classe operária contra a burguesia. O
pacto social celebrado pela frente popular durante seu 12 anos de gerência é
uma prova inquestionável do que afirmamos. Impôs o esmagamento das tendências
de luta do povo pobre e bloqueou a radicalização dos combates nas ruas e locais
de trabalho, optando-se por incrementar as políticas sociais “compensatórias”
para os setores mais desorganizados e empobrecidos da sociedade capitalista e
repressão a vanguarda classista enquanto foi garantido o lucro crescente aos
bancos, empreiteiras e rentistas internacionais, como declarou recentemente o
presidente do Bradesco, não por acaso apoiador da reeleição de Dilma. A
realidade venezuelana veio no sentido inverso desde que Chávez assumiu a
presidência em 1999. O quadro político-eleitoral do país foi levando a uma
radicalização da luta de classes, ao ponto do próprio Chávez denunciar o seu
envenenamento pela CIA, assassinato que foi antecedido por uma tentativa de
golpe de Estado (2002) que teve inclusive o sequestro do presidente. A morte do
líder bolivariano levou milhares às ruas em mobilizações multitudinárias contra
a direita golpista/fascista e colocou a candidatura de Maduro diretamente no
centro deste enfrentamento protagonizado por gigantescas marchas de cunho
anti-imperialistas. Não por acaso, durante a campanha eleitoral várias sedes do
PSUV foram incendiadas e houveram enfrentamentos de ruas com dezenas de mortes.
A vitória apertada de Maduro contra o fascista Capriles não foi sequer
reconhecida pela Casa Branca, que incentivou a continuidade das mobilizações
contra o “chavismo”. Neste quadro, foi mais do que justo chamar o voto crítico
em Maduro para “estimular” as tendências de radicalização do setor popular e
camponês que apoia o nacionalismo burguês, estabelecendo uma unidade tática
eleitoral com o chavismo contra a candidatura de Capriles e sua “oposição
unificada” arquitetada e dirigida desde a Casa Branca, sem capitular
politicamente ao seu programa. Os marxistas apoiaram na Venezuela a tendência
de giro à esquerda do movimento operário, utilizando os próprios instrumentos
concretos construídos pela luta de classes, ainda que não sejam absolutamente
“puros”, do ponto de vista de uma estratégia classista. A conjuntura de brutal
ofensiva imperialista de “ajuste” contra suas semicolônias e o covarde
assassinato do maior símbolo contemporâneo da resistência nacionalista a esta
ofensiva imperial, obrigaram os marxistas a estabelecerem a tática da frente
única, que no caso venezuelano aplicou-se também no terreno eleitoral. A
realidade brasileira passa há anos luz desta conjuntura, onde as tendências
mais progressistas contra a democracia burguesa se apoiam hoje em uma adesão
crescente ao boicote eleitoral devido a ausência de uma candidatura
revolucionária, com o incremento dos votos brancos, nulos e abstenções, que
instintivamente questionam o circo eleitoral e apontam que Dilma e Aécio são
candidaturas que tem o mesmo caráter de classe, ainda que sejam apresentadas
como um enfrentamento entre “esquerda x direita” justamente para melhor
encobrir que ambas servem aos interesses do grande capital!
Alguns podem ainda afirmar que assim como na Venezuela
estamos diante da ameaça do fascismo em nosso país para justificar o apoio
crítico a Dilma! A LBI foi uma das primeiras organizações políticas a alertar o
crescimento das tendências reacionárias no Brasil, inclusive em plena “Jornadas
de Junho”, quando o conjunto da “esquerda” não governista saudava acriticamente
as manifestações. Na época dissemos que o amplo retrocesso da consciência das
massas imposta pelos mais de dez anos do governo do PT, que cooptou as direções
sindicais e estudantis para impor violentos ataques aos trabalhadores e a
juventude, em parte era responsável por esta situação dramática, possibilitando
que o descontentamento com o conjunto do regime político burguês fosse capitalizado
por forças a serviço da reação. Alertamos inclusive que se houvesse o
aprofundamento da crise política, as próprias manifestações poderia vir a
adotar o “Fora Dilma”, ou seja, o impeachment da gerentona petista. A primeiro
momento, grupos como o “Acorda Brasil” e “o Gigante Despertou” colocaram em
pauta já nas marchas a “prisão imediata dos mensaleiros do PT” e uma “faxina
geral no Congresso” etc., reivindicações claramente orientadas pela tucanalha
voltada a desgastar o governo Dilma para as eleições presidenciais que agora
ocorrem, bandeiras que por seu conteúdo reacionário acabaram adquirindo
contornos semifascistizantes, onde partidos e organizações de esquerda foram
escorraçados das passeatas em nome de um “protesto cívico”, “pacífico” e “patriótico”.
Naquele momento fizemos a seguinte pergunta “Frente ao curso reacionário dos
atuais protestos nacionais queremos abrir o debate programático na esquerda que
se reivindica anticapitalista e proletária se os revolucionários devem apoiar a
campanha pelo “Fora Dilma”, orquestrada até o momento apenas de forma
incipiente pelos grupos nazifascistas e o PIG?” (Blog da LBI, 23 de junho de
2013) e respondemos sem vacilar: “Os revolucionários, não podem, neste
contexto, apoiar uma demanda reacionária de tal calibre, porque as verdadeiras
consignas emanadas a partir da luta direta do proletariado (revolução agrária,
aumento geral dos salários, fim do monopólio da mídia, passe livre, estatização
do sistema financeiro) estão completamente ausentes de todo este processo
político. Os marxistas leninistas devem lutar para que o proletariado entre em
cena com sua própria feição de classe e em unidade com o campesinato pobre
imponha uma pauta de expresse as demandas do povo trabalhador e da juventude
explorada, que passa longe das reivindicações presentes nos protestos atuais.
Somente com um combate aberto ao curso direitista das manifestações pode-se
apontar uma alternativa revolucionária para os trabalhadores, não permitindo
que o rumo político seja definido pelas mãos dos estrategistas do PIG que até
agora estão conseguindo catalisar em seu favor o descontentamento com o regime
político burguês. Desde a LBI, corrente que faz o combate sem trégua aos
governos do PT durante os três mandatos da frente popular, inclusive
identificando os ataques de Lula e Dilma ao movimento operário como responsável
por abrir caminho para a reação em nosso país, declaramos que não vemos nada de
progressivo no rumo que estão tomando os protestos e no chamado ao ‘Fora Dilma’
ou ao seu impeachment neste momento, já que tais demandas, se adotadas nesta
conjuntura, só favorecem a reação” (Idem). Como se observa, no calor da luta de
classes, soubemos combater o embrião fascista que se desenvolvia no útero das
“Jornadas”. A frente popular conseguiu controlar a situação política e esta
polarização política perdeu força nas ruas, tanto que na Copa do Mundo os
protestos quase não ocorreram. A burguesia de conjunto, “a frio”, acordou que
tudo seria resolvido por meio do circo eleitoral, inclusive com os setores de
peso da classe dominante apoiando a reeleição de Dilma e não havendo qualquer
ameaça fascista em nosso país neste momento, apesar do “Ovo da Serpente” está
sendo chocado com o Opus Dei Alckmin. Desde já declaramos que poderíamos até
mesmo estabelecer um bloco com o PT, a ala esquerda da burguesia, mas não no
terreno eleitoral e em outra conjuntura, onde a direita burguesa ameaçasse
realmente o movimento de massas com um golpe fascista, como ocorreu na
Venezuela. Neste momento a única ameaça concreta é a continuidade da política
de “ajuste” neoliberal, que já vem sendo levada a cabo pelo governo do PT e com
a possibilidade da volta do PSDB com certeza se intensificará, mas se trata de
uma diferença de grau dentro das gerências da burguesia e não um conflito de
classe.
Muitas polêmicas houveram na história do trotskismo acerca
do apoio crítico (ou não!) aos regimes nacionalistas burgueses e várias medidas
que estes adotaram, exigindo posições claras dos revolucionários, sem
subterfúgios e atalhos. Alguns dos exemplos aconteceram ainda em vida de
Trotsky, como quando o “velho” bolchevique propôs aos bolcheviques leninistas a
tática do entrismo nos partidos sociais-democratas no final da década de 30.
Tratava-se da consecução de uma operação eminentemente temporária e a serviço
da estratégia da construção do partido revolucionário em meio à ascensão do
fascismo e não uma medida permanente (como adotaram o pablismo e o morenismo na
década de 50). O objetivo consistia em arrancar os setores mais avançados da
classe operária, que oscilavam à esquerda dentro de um aparato centrista ou
reformista de massas, da influência das direções traidoras da social
democracia. Trotsky, em meados de 30, orientou a que o pequeno grupo francês, o
POI que simpatizava com suas posições, integrasse as listas eleitorais da
frente popular, pela via do entrismo no Partido Socialista. Buscava, desta
forma, intervir no processo concreto de organização do proletariado francês,
profundamente embriagado pelas ilusões na social-democracia, no sentido de
deslocar os setores mais à esquerda e combativos da vanguarda (organizada no
interior do PS) para posições genuinamente revolucionárias. O velho bolchevique
baseava-se na evidência de que a frente popular, encabeçada pelo “radical” Leon
Blum, era a expressão de um processo de profunda instabilidade do regime
capitalista, que diante da crise revolucionária teve que recorrer a um governo
de colaboração de classes (frente popular) para estancar a profunda crise
política e social. O voto aos “socialistas” dado pelos partidários de Trotsky
na França, não tinha por objetivo encobrir o conteúdo contrarrevolucionário da
frente popular, mas ao contrário, explorar suas contradições, baseando-se nas
próprias tendências do proletariado francês à sua independência de classe,
torpemente desviadas pela demagogia “operária” da social-democracia. Mais
recentemente, o apoio crítico dado pelos revolucionários à candidatura Lula em
1989, diga-se de passagem, reivindicado por absolutamente todas as correntes
políticas que se reivindicam trotskistas em nosso país, também pode explicar
como é possível apoiar criticamente no terreno das eleições um candidato
reformista ou nacionalista burguês, se em determinado momento as massas usam
esta candidatura para expressar, ainda que deformadamente, sua luta contra o
imperialismo. Não porque se tratava de se depositar confiança ou ilusões em
Lula, ao contrário, compreendia-se perfeitamente seus limites programáticos e
de classe. Porém, era no momento o que representava concretamente o apoio da
parcela mais consciente da vanguarda no país, expressava a radicalidade
(contida) e o ascenso das massas exploradas como produto da falência do antigo
regime militar-civil de Sarney. Os comícios de Lula à época concentravam centenas
de milhares de pessoas descontentes com o esgotamento do regime da chamada
“Nova República”, perante a qual era possível a construção de uma alternativa
dos trabalhadores independente da burguesia e da frente popular encabeçada pelo
PT. Em resumo, a candidatura Lula de 1989, diferente das demais, se apoiava em
uma força social e no ascenso das massas, tendo as mobilizações em seu apoio um
claro corte de classe, independente da vontade de Lula e da direção do PT.
Quando em 94, Lula deixa de apresentar-se como “candidato dos trabalhadores” —
e isto não representa apenas a troca de um slogan político eleitoral por outro
qualquer — para assumir diretamente o discurso da burguesia nacional e do
capital financeiro internacional, desmontando completamente as mobilizações e
greves da classe operária para desenvolver sua campanha totalmente “a frio”, em
uma situação de aparente estabilidade política do regime democratizante,
passamos a reivindicar o Voto Nulo e adotamos esta posição até hoje, ainda mais
com a candidatura a reeleição de Dilma, a “gerentona” petista que não fez
nenhuma demagogia social e de “esquerda” para as massas, não tendo qualquer
vínculo com o movimento operário! Estas diferenças são marcantes para definir a
posição dos revolucionários tendo o marxismo como um “guia para a ação” e
justamente é este o critério que adotamos na Venezuela mas que não estão
atualmente presentes na realidade do Brasil.
Voltando as diferenças entre a Venezuela de Maduro e o
Brasil de Dilma, lembremos que logo após as eleições na pátria do chavismo, a
direita golpista ligada diretamente ao imperialismo ianque anunciou que não
reconhecia os resultados das urnas e partiu para ataques fascistas contra
várias sedes do partido chavista pelo país, incendiando-as e deixando um rastro
de sangue de sete mortos. Sem dúvida alguma, houve um avanço da
contrarrevolução na Venezuela, com a burguesia nativa e a Casa Branca partindo
para uma dura ofensiva diante da aberta polarização política e social, que
definitivamente não se revolverá no terreno eleitoral. Este quadro político
dramático que dividiu a Venezuela ao meio confirmou plenamente o acerto da
posição principista da LBI de convocar o apoio crítico a Maduro, com total
independência do chavismo e seu programa nacionalista burguês. Longe de
patrocinar ilusões na candidatura do PSUV afirmamos que ela expressava
deformadamente o sentimento e a tendência política das massas de lutar contra o
imperialismo e seus marionetes. Por esta razão, apontamos em plena campanha
eleitoral, que era necessário combater centralmente nas ruas, fábricas e no
campo os inimigos de classe do proletariado, perspectiva que só se reforçou
após o resultado eleitoral apertado. No caso de um êxito eleitoral de Capriles,
em um cenário imediatamente após o assassinato de Chavez, as consequências
políticas seriam trágicas não só para o proletariado da Venezuela, mas para o
conjunto da América Latina. Os bolcheviques leninistas da LBI acertaram
plenamente, nesta nova conjuntura aberta na Venezuela, em depositar pela
primeira vez o apoio crítico ao chavismo, tendo como foco de análise o brutal
avanço da ofensiva imperialista mundial detonada após a derrubada do regime
burguês nacionalista líbio pelas forças da OTAN. Se o triunfo ou derrota
histórica da classe operária venezuelana não se definirá no terreno eleitoral,
um resultado desastroso nestas eleições poderia significar um “start” para a
intervenção militar ianque aberta, já bem encaminhada com os golpes de estado
em Honduras e Paraguay. A tarefa que se
impõe nesta polarizada conjuntura, acompanhando a evolução política das massas,
é a construção do partido operário revolucionário, única forma de combate
consequente ao Estado capitalista, cabendo à vanguarda do proletariado adotar
uma política de “estimular” as tendências de radicalização dos trabalhadores
para que se choque com os limites impostos pelo próprio Maduro e a direção do
PSUV a frente do governo!