30 DE OUTUBRO DE 1922 -
MUSSOLINI E SUAS MILÍCIAS MARCHAM SOB ROMA E ASSUMEM O GOVERNO NA ITÁLIA:
AS ORIGENS DO FASCISMO E A TRAIÇÃO DA INSURREIÇÃO PROLETÁRIA PELOS REFORMISTAS
E O STALINISMO
AS LIÇÕES DA EXPERIÊNCIA ITALIANA
LEON TROTSKI
LEON TROTSKI
O fascismo italiano foi resultado imediato da traição da
insurreição do proletariado italiano, pelos reformistas. Desde o fim da guerra,
o movimento revolucionário na Itália foi sempre crescendo e resultou, em
setembro de 1920, na ocupação das usinas e das fábricas pelos operários. A
ditadura do proletariado tornava-se um fato e só restava organizá-la e tirar
dela todas as conclusões. A social- democracia teve medo e recuou. Depois de
esforços audaciosos e heroicos, o proletariado se viu diante do vácuo. A
interrupção do movimento revolucionário foi a premissa mais importante para o
crescimento do fascismo. Em setembro, a ofensiva revolucionária do proletariado
foi interrompida; já em novembro se verificou a primeira demonstração de forças
importante dos fascistas (a tomada de Bolonha). É verdade que o proletariado foi capaz de lutas defensivas
mesmo depois da catástrofe de setembro. Mas a social-democracia só se
preocupava com uma coisa: retirar da linha de fogo os operários, a preço de
concessões ininterruptas. Os social-democratas esperavam que a atitude dócil
dos operários erguesse “a opinião pública” da burguesia contra os fascistas.
Mais do que isso, os reformistas contavam até mesmo com o auxílio de Vítor
Manuel. Até o último minuto, refrearam com todas as suas
forças os operários na luta contra os bandos de Mussolini. Mas em vão. Depois
das altas esferas da burguesia, a coroa se colocou do lado do fascismo.
Convencidos, no último momento, de que não se pode combater o fascismo pela
docilidade, os social-democratas chamaram os operários para uma greve geral.
Mas o seu apelo foi um fiasco. Os reformistas tinham molhado por tanto tempo a
pólvora, temendo que ela explodisse, que quando finalmente lhe aproximaram o
fósforo com a mão trêmula, ela não pegou fogo. Dois anos depois do seu nascimento, o fascismo chegou ao
poder. Consolidou suas posições graças ao fato do primeiro período de seu
domínio ter coincidido com uma conjuntura econômica favorável que sucedeu a
depressão dos anos 1921-1922. Os fascistas esmagaram o proletariado em retirada
por meio da força ofensiva da pequena burguesia. Mas isso não se deu de uma
vez. Já no poder, Mussolini avançava no seu caminho com certa prudência: ainda
não tinha o modelo feito. Durante os dois primeiros anos, a Constituição nem
mesmo foi modificada. O governo fascista tinha um caráter de coligação. Nesse
período, os bandos fascistas trabalhavam com paus, facas e revólveres. O Estado
fascista, que equivale ao estrangulamento completo de todas as organizações
independentes de massas, foi criado pouco a pouco.
Mussolini conseguiu isso à custa da burocratização do
próprio partido fascista. Depois de se ter utilizado da força ofensiva da
pequena burguesia, o fascismo estrangulou-a nas malhas do Estado burguês. Não
podia agir de outra maneira, porque a desilusão das massas por ele reunidas se
transformava em um dos perigos mais imediatos para ele. O fascismo
burocratizado se aproximou enormemente das outras formas de ditadura
militar-policial. Não tem mais o seu apoio social precedente. A principal
reserva do fascismo - a pequena burguesia - esgotou-se. Só a inércia histórica
permite ao Estado fascista manter o proletariado num estado de dispersão e de
impotência. A relação de forças muda automaticamente a favor do proletariado.
Esta mudança deve levá-lo à revolução. A derrocada do fascismo será um dos
acontecimentos mais catastróficos na história europeia. Mas todos esses
processos, como mostram os fatos, exigem tempo. O Estado fascista existe já há
uma década. Quanto tempo durará ainda? Sem arriscar-se na previsão dos prazos,
pode-se dizer com segurança: a vitória de Hitler na Alemanha significará uma
nova e longa possibilidade para Mussolini. A derrota de Hitler será o começo do
fim para Mussolini.
Na sua política contra Hitler, a social-democracia alemã não
inventou uma única palavra: ela não faz mais do que repetir de um modo mais
pesado o que realizaram, no seu tempo, com muito mais temperamento, os
reformistas italianos. Estes últimos explicavam o fascismo como uma psicose do
pós-guerra; a social-democracia alemã vê no fascismo a psicose de “Versalhes”
ou, inclusive, a psicose da crise. Em ambos os casos, os reformistas fecham os
olhos para o caráter orgânico do fascismo, como movimento de massas, oriundo da
decadência do capitalismo.
Temendo a mobilização revolucionária dos operários, os
reformistas italianos colocaram toda a sua esperança no “Estado”. Sua palavra
de ordem era: “Vitor Manuel, aja!” A social-democracia alemã não tem um recurso
tão democrático como um monarca fiel à Constituição. Pois bem, contentam-se com
um presidente: “Hindenburg, aja!”
Na luta contra Mussolini, isto é, no recuo diante dele,
Turati lançou a sua fórmula genial: “É preciso ter a coragem de ser covarde.”
Os reformistas alemães são menos brincalhões nas suas palavras de ordem. Exigem
“coragem para suportar a impopularidade”. (Mut zur Unpopularitat). É a mesma
coisa. Não se deve temer a impopularidade provocada pela própria adaptação
covarde ao inimigo.
As mesmas causas provocam as mesmas consequências. Se a
marcha dos acontecimentos só dependesse da direção do partido social-democrata,
a carreira de Hitler estaria garantida. É preciso reconhecer, no entanto, que o
Partido Comunista alemão também não aprendeu muito com a experiência italiana.
O Partido Comunista da Itália nasceu quase ao mesmo tempo
que o fascismo. Mas as mesmas condições de refluxo revolucionário que faziam o
fascismo subir ao poder, entravavam o desenvolvimento do Partido Comunista. O
Partido Comunista não tinha uma noção exata da extensão do perigo fascista,
embalava-se com ilusões revolucionárias, foi irremediavelmente hostil à
política de frente única, foi atingido, em suma, por todas as doenças infantis.
Não há nisso nada de surpreendente: tinha só dois anos. Só via no fascismo uma
“reação capitalista”. O Partido Comunista não discernia os traços particulares
do fascismo, que a mobilização da pequena burguesia contra o proletariado lhe
apresentava. Segundo as informações dos amigos italianos, com exceção de
Gramsci, o Partido Comunista nem mesmo admitia a possibilidade da tomada do
poder pelos fascistas. Uma vez que a revolução proletária tinha sofrido uma
derrota, que o capitalismo tinha sabido resistir e a contrarrevolução tinha
triunfado, como poderia advir ainda um golpe de Estado contrarrevolucionário?
É, em qualquer caso, impossível que a burguesia se insurja contra si mesma. Foi
esta a essência da orientação política do Partido Comunista italiano. Não se
deve esquecer, contudo, que o fascismo italiano foi então um fenômeno novo que
estava ainda em vias de se formar: seria difícil, mesmo a um partido mais
experiente, definir os seus traços específicos.
A direção do Partido Comunista alemão repete hoje quase
literalmente a posição inicial do comunismo italiano: o fascismo não é mais do
que uma reação capitalista; a distinção entre as diferentes formas de reação
capitalista não tem importância do ponto de vista proletário. Este radicalismo
vulgar é tanto menos perdoável quanto o partido alemão é muito mais velho do
que era o partido italiano na época correspondente e, além disso, o marxismo
está hoje enriquecido da experiência trágica da Itália. Afirmar que o fascismo
já está no poder ou negar a própria possibilidade de sua chegada ao poder é
politicamente a mesma coisa. A ignorância da natureza específica do fascismo
paralisa inevitavelmente a vontade de luta contra ele.
É claro que a maior culpa cabe à direção da Internacional
Comunista. Os comunistas italianos, mais do que todos os outros, deveriam
levantar a voz para prevenir esses erros. Mas Stalin e Manuilsky os obrigam a
renegar as mais importantes lições de seu próprio esmagamento. Já vimos com que
solicitude servil Ercoli adotou as posições do “social-fascismo”, quer dizer,
as posições de espera passiva da vitória fascista na Alemanha.
A social-democracia internacional consolou-se durante muito
tempo dizendo que o bolchevismo só é concebível em países atrasados. Em
seguida, a mesma afirmação foi aplicada por ela com relação ao fascismo. A
social-democracia alemã é agora forçada a sentir na própria pele a falsidade
desse consolo: os seus companheiros de jornada pequeno-burgueses passaram e
continuam a passar para o campo do fascismo, ao passo que os operários a
abandonam para aproximar-se do Partido Comunista. Só esses dois agrupamentos
crescem na Alemanha: o fascismo e o bolchevismo. Embora a Rússia, de um lado, e
a Itália, do outro, sejam países muito mais atrasados do que a Alemanha, uma e
outra serviram, contudo, de arena do desenvolvimento dos movimentos políticos
peculiares ao capitalismo imperialista. A Alemanha adiantada é forçada a
reproduzir os processos que atingiram o seu desenvolvimento completo na Rússia
e na Itália. O problema fundamental do desenvolvimento alemão pode ser agora
formulado assim: ou o caminho da Rússia, ou o da Itália.
É claro que isso não quer dizer que a estrutura social
desenvolvida da Alemanha não tenha importância do ponto de vista do
desenvolvimento dos destinos do bolchevismo e do fascismo. A Itália é, muito
mais do que a Alemanha, um país pequeno-burguês e camponês. Basta lembrar que,
para 9,8 milhões de homens empregados na economia agrícola e florestal, há na
Alemanha 18,5 milhões de homens empregados na indústria e no comércio, isto é,
quase o dobro. Na Itália, para 10,3 milhões empregados na economia agrícola e
florestal, há 6,4 milhões empregados na indústria e no comércio. Esses
algarismos abstratos estão longe ainda de dar uma ideia do peso específico
considerável do proletariado na vida da nação alemã. Mesmo a cifra gigantesca
dos desempregados é uma prova negativa da força social do proletariado alemão.
Tudo consiste em traduzir essa força na língua da política revolucionária.
A última derrota importante do proletariado alemão, que pode
ser colocada na mesma escala histórica das jornadas de setembro na Itália, foi
a do ano de 1923. No período de oito anos que decorreu, muitas feridas
cicatrizaram, veio uma nova geração. O Partido Comunista alemão representa uma
força incomparavelmente maior do que a dos comunistas italianos em 1922. O peso
específico do proletariado, o intervalo considerável que o separa da última
derrota, a força considerável do Partido Comunista - são três vantagens de
enorme importância na apreciação geral da situação e da perspectiva.
Mas para utilizar essas vantagens, é preciso compreendê-las.
E é o que não acontece. A posição de Thälmann em 1932 reproduz a de Bordiga em
1922. Nesse ponto, o perigo toma um caráter particularmente agudo. Mas aqui
também há uma vantagem complementar que não existia há dez anos. Nas fileiras
revolucionárias da Alemanha encontra-se uma oposição marxista que se apoia na
experiência da década decorrida. Esta oposição é fraca numericamente, mas os
acontecimentos dão à sua voz uma força excepcional. Em certas condições, um
leve abalo pode produzir toda uma avalanche. O abalo crítico da Oposição de
Esquerda pode ajudar em tempo a mudança da política da vanguarda proletária. É
nisto que consiste hoje a tarefa!