Há 143 anos o primeiro
governo operário da História era esmagado pela violenta reação burguesa: A
Comuna de Paris e suas lições político-programáticas para a luta dos comunistas
pela Ditadura do Proletariado
Em meio à guerra contra
a Prússia em 1871, os operários de Paris se levantam contra a fome, a miséria e
a covardia dos dirigentes burgueses que comandavam o Estado francês perante o
conflito bélico que massacrava o povo. Isto porque o exército prussiano
marchava sobre Paris aniquilando impiedosamente as tropas regulares francesas,
sem que a burguesia respondesse à altura. Ao contrário, o covarde governo
francês foge das áreas de conflito e articula a rendição sem luta, atitude que
se batia frontalmente com o espírito combativo da Guarda Nacional dos
trabalhadores armados, ainda com um caráter sumamente moderado, composta por
operários, republicanos, milicianos, além de uma pequena burguesia em
decadência econômica. Porém, quando Napoleão III e o exército francês quiseram
tomar os armamentos do povo para assinar a humilhante rendição, o processo
revolucionário começou a avançar em passos largos, acendendo o estopim da
revolta contra o Estado burguês e dando início à Comuna de Paris (18 de
março/1871). Os explorados, o proletariado independentemente do regime burguês
passou a se organizar por bairros, criaram comitês de autodefesa para se
proteger não só do exército prussiano nas cercanias de Paris como também da
repressão das próprias tropas francesas. Houve várias tentativas do gabinete
francês em derrotar o governo revolucionário, mas foram todas fracassadas
devido à forte resistência e paixão popular em defender seus interesses
históricos. Nascia a partir de então, o primeiro governo operário da História,
o qual apesar de sua brevidade nos deixou como importante legado as lições
programáticas desta luta titânica, além de mostrar-nos o caminho a ser seguido
pelo movimento operário para derrotar o Estado burguês e seus acólitos: a
Revolução e a Ditadura Proletária! Como analisou Marx, o proletariado finalmente
encontrou a “forma de exercer sua ditadura de classe”, ou “um poder novo,
verdadeiramente democrático”. O poder antes da Comuna encontrava-se nas mãos
dos latifundiários, da nobreza, do clero e capitalistas. A Revolução, doravante
pôs os destinos não só de Paris como da Humanidade nas mãos do proletariado
(Guarda Nacional)! Em um curto período de existência (18 de março de 1871 a 28
de maio de 1871) promoveu profundas mudanças sociais e econômicas: substituiu o
exército permanente pelo armamento do povo pobre, proclamou a separação entre a
Igreja e Estado, declarou a educação pública, laica e gratuita, instituiu a
igualdade dos sexos, a habitação como um direito de todos, abolição da polícia
etc., tudo decidido em assembleias populares através da democracia direta.
Claro, os erros também foram muitos, como por exemplo, não confiscar a
propriedade dos meios de produção que seus “donos” abandonaram, desarticulação
entre campo e cidade e dentro da própria Comuna (que tinha a maioria de
blanquistas), enfim, tratou-se de uma etapa de aprendizado revolucionário da
classe operária...
As medidas dos Comunardos eram tão avançadas
programaticamente à época que receberam o justo ódio da burguesia, quando no
fatídico dia 28 de maio de 1871 o chacal criminoso Thiers alia-se com o
exército inimigo comandado por Bismarck que liberta cerca de 100 mil
prisioneiros franceses para marchar sobre Paris revolucionária e esmagar em
sangue o governo da Comuna. Os combates duraram sete dias de puro heroísmo dos
Comunardos, encerrando-se numa selvagem carnificina... Marx e Engels elaboraram
uma viva análise do que fora este importante fato histórico para a luta de
classes em nível mundial em seus acertos e erros, a qual pode ser conferida
logo abaixo:
“Na alvorada de 18 de
Março, Paris foi despertada por este grito de trovão: VIVE LA COMMUNE! O que é,
pois a Comuna, essa esfinge que põe tão duramente à prova o entendimento
burguês?
Os proletários da
capital - dizia o Comitê Central no seu manifesto de 18 de Março - no meio das
fraquezas e das traições das classes governantes, compreenderam que chegara
para eles a hora de salvar a situação assumindo a direção dos assuntos
públicos... O proletariado... compreendeu que era seu dever imperioso e seu
direito absoluto tomar nas suas mãos o seu próprio destino e assegurar o
triunfo, apoderando-se do poder.
Mas a classe operária
não se pode contentar com tomar o aparelho de Estado tal como ele é e de o pôr
a funcionar por sua própria conta.
O poder centralizado do
Estado, com os seus órgãos presentes por toda a parte: exército permanente,
polícia, burocracia, clero e magistratura, órgãos moldados segundo um plano de
divisão sistemática e hierárquica do trabalho, data da época da monarquia absoluta,
em que servia à sociedade burguesa nascente de arma poderosa nas suas lutas
contra o feudalismo.
Em presença de ameaça de
sublevação do proletariado, a classe possidente unida utilizou então o poder de
Estado, aberta e ostensivamente, como o engenho de guerra nacional do capital
contra o trabalho. Na sua cruzada permanente contra as massas dos produtores,
foi forçada não só a investir o executivo de poderes de repressão cada vez
maiores, mas também a retirar pouco a pouco à sua própria fortaleza
parlamentar, a Assembleia Nacional, todos os meios de defesa contra o
executivo.
O poder de Estado, que parecia
planar bem acima da sociedade, era todavia, ele próprio, o maior escândalo
desta sociedade e, ao mesmo tempo, o foco de todas as corrupções.
O primeiro decreto da
Comuna foi pois a supressão do exército permanente e a sua substituição pelo
povo em armas.
A Comuna era composta
por conselheiros municipais, eleitos por sufrágio universal nos diversos
bairros da cidade. Eram responsáveis e revogáveis a todo o momento. A maioria
dos seus membros era naturalmente de operários ou representantes reconhecidos
da classe operária. A Comuna devia ser não um organismo parlamentar, mas um
corpo ativo, ao mesmo tempo executivo e legislativo.
Em vez de continuar a
ser o instrumento do governo central, a polícia foi imediatamente despojada dos
seus atributos políticos e transformada num instrumento da Comuna, responsável
e revogável a todo o momento. O mesmo se deu com os outros funcionários de
todos os outros ramos da administração. Desde os membros da Comuna até ao fundo
da escala, a função pública devia ser assegurada com salários de operários.
Uma vez abolidos o
exército permanente e a polícia, instrumentos do poder material do antigo
governo, a Comuna teve como objetivo quebrar o instrumento espiritual da
opressão, o ‘poder dos padres’; decretou a dissolução e a expropriação de todas
as igrejas, na medida em que elas constituíam corpos possidentes.
Os padres foram
remetidos para o calmo retiro da vida privada, onde viveriam das esmolas dos
fiéis, à semelhança dos seus predecessores, os apóstolos. Todos os
estabelecimentos de ensino foram abertos ao povo gratuitamente e, ao mesmo
tempo, desembaraçados de toda a ingerência da Igreja e do Estado. Assim, não só
a instrução se tornava acessível a todos, como a própria ciência era libertada
das grilhetas com que os preconceitos de classe e o poder governamental a
tinham acorrentado.
Os funcionários da
justiça foram despojados dessa fingida independência que não servira senão para
dissimular a sua vil submissão a todos os governos sucessivos, aos quais, um
após outro, haviam prestado juramento de fidelidade, para em seguida os violar.
Assim como o resto dos funcionários públicos, os magistrados e os juízes deviam
ser eleitos, responsáveis e revogáveis.
Após uma luta heroica de
cinco dias, os operários foram esmagados. Fez-se então, entre os prisioneiros
sem defesa, um massacre como se não tinha visto desde os dias das guerras civis
que prepararam a queda da República romana. Pela primeira vez, a burguesia
mostrava a que louca crueldade vingativa podia chegar quando o proletariado
ousa afrontá-la, como classe à parte, com os seus próprios interesses e as suas
próprias reivindicações. E, no entanto, 1848 não passou de um jogo de crianças,
comparado com a raiva da burguesia em 1871.
Proudhon, o socialista
do pequeno campesinato e do artesanato, odiava positivamente a associação. Dizia
dela que comportava mais inconvenientes do que vantagens, que era estéril por
natureza e até mesmo prejudicial, pois entravava a liberdade do trabalhador;
dogma puro e simples... E é também por isso que a Comuna foi o túmulo da escola
proudhoniana do socialismo.
As coisas não correram
melhor aos blanquistas. Educados na escola da conspiração, ligados pela estrita
disciplina que lhe é própria, partiam da ideia de que um número relativamente
pequeno de homens resolutos e bem organizados era capaz, chegado o momento, não
só de se apoderar do poder, mas também, desenvolvendo uma grande energia e
audácia, de se manter nele durante um tempo suficientemente longo para
conseguir arrastar a massa do povo para a Revolução e reuni-la à volta do
pequeno grupo dirigente.
Para isso era preciso,
antes de mais nada, a mais estrita centralização ditatorial de todo o poder
entre as mãos do novo governo revolucionário. E que fez a Comuna que, em
maioria, se compunha precisamente de blanquistas? Em todas as suas proclamações
aos franceses da província, convidava-os a uma livre federação de todas as
comunas francesas com Paris, a uma organização nacional que, pela primeira vez,
devia ser efetivamente criada pela própria nação. Quanto à força repressiva do
governo outrora centralizado, o exército, a polícia política, a burocracia,
criada por Napoleão em 1798, retomada depois com prontidão por cada novo
governo e utilizada por ele contra os seus adversários, era justamente esta
força que devia ser destruída por toda a parte, como o fora já em Paris.
Para evitar esta
transformação, inevitável em todos os regimes anteriores, do Estado e dos
órgãos do Estado em senhores da sociedade, quando na origem eram seus
servidores, a Comuna empregou dois meios infalíveis.
Primeiro, submeteu todos
os lugares, da administração, da justiça e do ensino, à escolha dos
interessados através de eleição por sufrágio universal e, evidentemente, à
revogação, em qualquer momento, por esses mesmos interessados. E segundo,
retribuiu todos os serviços, dos mais baixos aos mais elevados, pelo mesmo
salário que recebiam os outros operários. O vencimento mais alto que pagou foi
de 6000 francos. Assim, punha-se termo à caça aos lugares e ao arrivismo, sem
falar da decisão suplementar de impor mandatos imperativos aos delegados aos
corpos representativos.
Esta destruição do poder
de Estado, tal como fora até então, e a sua substituição por um poder novo,
verdadeiramente democrático, estão detalhadamente descritas na terceira parte
de A Guerra Civil.(Karl Marx) Mas era necessário voltar a referir aqui brevemente
alguns dos seus traços, porque, precisamente na Alemanha, a superstição do
Estado passou da filosofia para a consciência comum da burguesia e mesmo de
muitos operários.
Na concepção dos
filósofos, o Estado é "a realização da Ideia" ou o reino de Deus na
terra traduzido em linguagem filosófica, o domínio onde a verdade e a justiça
eternas se realizam ou devem realizar-se. Daí esta veneração que se instala
tanto mais facilmente quanto, logo desde o berço, fomos habituados a pensar que
todos os assuntos e todos os interesses comuns da sociedade inteira não podem
ser tratados senão como o foram até aqui, quer dizer, pelo Estado e pelas suas
autoridades devidamente estabelecidas. E julga-se que já se deu um passo
prodigiosamente ousado ao libertarmo-nos da fé na monarquia hereditária e ao
jurarmos pela república democrática.
FRIEDRICH ENGELS:
INTRODUÇÃO À GUERRA CIVIL NA FRANÇA
Em presença de ameaça de
sublevação do proletariado, a classe possidente unida utilizou então o poder de
Estado, aberta e ostensivamente, como engenho de guerra nacional do capital
contra o trabalho
A constituição comunal
restituiria ao corpo social todas as forças até então absorvidas pelo Estado
parasita que se alimenta da sociedade e lhe paralisa o livre movimento
A unidade da nação não
deveria ser quebrada, mas, pelo contrário organizada pela Constituição comunal;
ela deveria tornar-se uma realidade pela destruição do poder de Estado que
pretendia ser a encarnação desta unidade, mas que queria ser independentemente
desta mesma nação e superior a ela, quando não era mais do que uma sua
excrescência parasitária.
Em vez de se decidir de
três em três, ou de seis em seis anos, qual o membro da classe dirigente que
deveria ‘representar’ e calcar aos pés o povo no Parlamento, o sufrágio
universal devia servir um povo constituído em comunas, tal como o sufrágio
individual serve qualquer patrão à procura de operários, de capatazes ou de
contabilistas para a sua empresa.
A Comuna era composta
por conselheiros municipais, eleitos por sufrágio universal nos diversos
bairros da cidade. A maioria dos seus membros eram naturalmente operários ou
representantes reconhecidos da classe operária. A Comuna devia ser, não um
organismo parlamentar, mas um corpo ativo, ao mesmo tempo executivo e
legislativo. Em vez de continuar a ser o instrumento do governo central, a
polícia foi imediatamente despojada dos seus atributos políticos e transformada
num instrumento da Comuna, responsável e revogável a todo o momento.
O mesmo se deu com os
outros funcionários de todos os ramos da administração. Desde os membros da
Comuna até ao fundo da escala, a função pública devia ser assegurada com
salários de operários. Os benefícios habituais e os emolumentos de
representação dos altos dignatários do Estado desapareceram ao mesmo tempo que
os altos dignatários. Os serviços públicos deixaram de ser propriedade privada
das criaturas do governo central. Não só a administração municipal, mas toda a
iniciativa até então exercida pelo Estado, foi posta nas mãos da Comuna.
Uma vez abolidos o
exército permanente e a polícia, instrumentos do poder material do antigo
governo, a Comuna teve como objetivo quebrar o instrumento espiritual da
opressão, o ‘poder dos padres’; decretou a dissolução e a expropriação de todas
as igrejas, na medida em que elas constituíam corpos possidentes. Os padres
foram remetidos para o calmo retiro da sua vida privada, onde viveriam das
esmolas dos fiéis, à semelhança dos seus predecessores, os apóstolos.
A Comuna realizou a
palavra de ordem de todas as revoluções burguesas, um governo barato, abolindo
essas duas grandes fontes de despesas que são o exército permanente e o
funcionalismo de Estado.
A supremacia política do
produtor não pode coexistir com a eternização da sua escravatura social. A
Comuna devia, pois servir de alavanca para derrubar as bases econômicas em que
se fundamenta a existência das classes e, por conseguinte, a dominação de
classe. Uma vez emancipado o trabalho, todo o homem se torna um trabalhador e o
trabalho produtivo deixa de ser o atributo de uma classe.
A Comuna tinha
perfeitamente razão ao dizer aos camponeses: ‘A nossa vitória é a vossa única
esperança’.
O domínio de classe já
não se pode esconder sob um uniforme nacional, pois os governos nacionais
formam um todo unido contra o proletariado.
A Paris operária, com a
sua Comuna, será para sempre celebrada como a gloriosa percursora de uma
sociedade nova. A recordação dos seus mártires conserva-se piedosamente no
grande coração da classe operária. Quanto aos seus exterminadores, a História
já os pregou a um pelourinho eterno, e todas as orações dos seus padres não
conseguirão resgatá-los.”
(Extraído da “Guerra
Civil em França”, K. Marx, 30 de Maio de 1871)