O outro 11 de setembro: A “via pacífica para o socialismo”
pavimentou o caminho para o golpe pró-imperialista do chacal Pinochet
No mesmo Chile onde no domingo passado blindados com jatos de
água e policiais lançando bombas de gás lacrimogêneo atacaram sob as ordens do
governo Bachelet (PS) militantes de esquerda que reivindicam o legado do MIR,
era desferido há 41 anos um golpe fascista pelo chacal Pinochet patrocinado diretamente pelo
imperialismo ianque. A ofensiva da contrarrevolução ganhou terreno e desferiu
sua investida fatal nesta data trágica como produto direto da política de
colaboração de classes do governo da Unidade Popular (UP) encabeçado por Salvador
Allende. A UP correspondeu às características clássicas de uma frente popular,
onde a burguesia em crise extrema e sob a pressão do ascenso popular faz
concessões e entrega o governo a partidos reformistas de massas (PS e PC) para
que estes controlem o movimento operário nos marcos do regime político burguês. Hoje,
o governo da chamada “Nova Maioria” encabeçado por Bachelet, que além do PS
conta com a Democracia Cristã e está integrada até pelo PC, tem o apoio do grande empresariado e
representa a base do próprio “pacto social” que a atual presidente deseja celebrar
com a direita pinochetista via promulgação de uma futura Constituição. Esta conduta vergonhosa trai até mesmo o legado de Allende que pregava uma “via pacífica para o socialismo” enquanto atualmente sua “herdeira política” comanda um governo voltado para garantir a paz aos grandes
capitalistas!
A vitória eleitoral de Allende e da UP em 1970 ocorreu
quando as massas estavam em uma mobilização ascendente que ameaçava destruir o
Estado burguês. O aniquilamento eleitoral da direita (Partido Nacional), a
derrota do democrata-cristão Eduardo Frei — em condições de divisão da
burguesia — era uma expressão aberta de que estava na ordem do dia para as
massas chilenas a luta por construir um governo operário e camponês. Para sair
dessa encruzilhada, que a própria evolução da luta de classes impunha, os
partidos frentepopulistas se aliaram com a burguesia, o exército e o clero com
o objetivo de preservar a ordem capitalista. Essa tarefa era impossível sem
desorganizar as massas e derrotá-las. Esta foi a função política que veio a ter
o governo da UP: organizar a derrota pacífica dos trabalhadores e, portanto,
pavimentar o caminho para o seu esmagamento sangrento. No programa da UP, a
conquista do poder deveria ocorrer a partir de mecanismos institucionais
existentes através de um processo gradual, progressivo e pacífico, ou seja,
rechaçava a tarefa de armar as massas para pôr abaixo o Estado burguês em um
enfrentamento direto com a burguesia nacional e o imperialismo. As reacionárias
instituições e estruturas capitalistas deveriam ser transformadas
paulatinamente sem a necessidade de organismos de poder popular e soviéticos
que superassem e destruíssem a estrutura jurídica, política e econômica que
mantinha de pé o regime burguês. Essa utopia reacionária pregava que a ordem
capitalista deveria ser transformada a partir da institucionalidade montada
para mantê-la, a passagem do poder de uma classe para outra deveria ocorrer sem
que se abrisse um processo revolucionário para sua conquista.
Cumprindo esse objetivo, Allende promulgou uma lei que dava
poderes ao Exército para fazer apreensões de armas sem aviso prévio. Esta
medida estava dirigida às fábricas ocupadas e aos partidos de esquerda, em
especial o MIR (Movimento de Esquerda Revolucionário) que possuía um
contingente de mais de 16 mil homens armados, que compunham a própria UP. Ao
mesmo tempo em que exigia o desarmamento dos cordões industriais, em meio à
maior crise militar de seu governo, nomeou Augusto Pinochet como chefe das
FFAA. A cúpula da coalizão governista apoiava-se nestes organismos de base
exclusivamente para pressionar a direita e buscar uma solução negociada para a
crise, conferindo-lhe funções de colaboração com o governo. Ademais, o próprio
Allende e o PC se manifestam contra os organismos de base, taxando-os de
esquerdistas e desestabilizadores do quadro jurídico-político e institucional.
Dado o peso e a influência da UP no movimento operário e popular (CUT e
sindicatos) e a ausência de um partido revolucionário que dirigisse esses
setores mais conscientes, a vanguarda classista que se aglutinava em torno dos
organismos de base não conseguiu se contrapor frontalmente ao governo e às
instituições do Estado burguês que, naquele momento, eram apresentadas pelo PC
e o PS como estando a serviço dos interesses dos explorados. Em consequência
dessa política criminosa, um dos momentos de maior radicalização das massas foi
desprezado e seu ímpeto contido, como forma de garantir a estratégia política
reformista. Alçada ao poder para conter e desviar o avanço das massas
trabalhadoras do campo e da cidade, criando a ilusão de uma “via pacífica para
o socialismo”, a frente popular foi derrubada em um momento em que a classe
dominante e o imperialismo conseguiram organizar a contraofensiva auxiliados
pela política da UP de desarmar o proletariado e pactuar com os setores
“constitucionalistas” da burguesia (DC) e das FFAA. Como bem sintetizou
Trotsky: “a política conciliadora das Frentes Populares condena a classe
operária à impotência e abre caminho para o fascismo” (Programa de Transição,
1938).
No auge dessa crise, ocorre o golpe militar em setembro de
1973. Os trabalhadores resistiram heroicamente, as FFAA bombardearam as
fábricas ocupadas e os rendidos foram sumariamente fuzilados. As ilusões de
Allende que, horas antes de sua derrubada, chamava as massas a confiarem nos
militares “patriotas” foram cúmplices do massacre, ainda que o “presidente-companheiro”
tenha pagado com sua própria vida por elas. Com o golpe militar, o exército
sequestrou e assassinou mais de 8 mil militantes e provocou o exílio e o
cárcere de outros milhares. As Forças Armadas bombardearam bairros populares,
fuzilaram, prenderam milhares de pessoas nos quartéis e, principalmente, no
Estádio Nacional em Santiago do Chile. Por sua vez, o imperialismo
norte-americano, através da CIA, ajudou ativamente a preparação do golpe. Esse
massacre esteve a serviço de assegurar a recolonização do país e a destruição
das conquistas da classe operária. O “pinochetaço” e o estabelecimento da
ditadura militar finalizaram a curta experiência do governo da UP.
Atualmente, o retorno de Bachelet realinhou o Chile,
politicamente, com os demais países sul-americanos governados pela
centro-esquerda burguesa. No bojo da hegemonia estatal de partidos sociais
democratas, nacionalistas burgueses e reformistas o Cone Sul vem aumentando
seus índices de concentração de renda e exclusão social, mas gerando uma nova
elite econômica comprometida com a estabilidade política e a colaboração de
classes (cooptação das direções operárias). Assim como no passado, a política
frentepopulista é a responsável pelas maiores derrotas impostas à classe
operária em nome da institucionalidade e da ordem burguesa, tanto de ontem,
como em nossos dias atuais. Está colocada para a vanguarda classista a
superação deste quadro de conciliação de classes, não só para derrotar a direita
fascista, mas também para denunciar os partidos da antiga “Concertación” (Nova
Maioria) e seus satélites que apenas patrocinam ilusões no regime
cívico-militar atual, retomando o caminho de 41 anos atrás interrompido pelo
chacal Pinochet e a política impotente de colaboração de classes da UP.