“Brasileirão” 2013: O
nefasto papel da “cartolagem” no declínio de grandes clubes e a
mercantilização do futebol nacional
O Campeonato Brasileiro
de Futebol, mais conhecido como “Brasileirão”, acabou no último domingo de
forma melancólica, com cenas de barbárie no jogo entre Vasco e Atlético-PR e o
rebaixamento não só da equipe cruzmaltina, mas também do Fluminense (que havia sido
campeão no ano passado), ambos se juntando ao Náutico e Ponte Preta na ponta de
baixo da tabela, muito embora ironicamente a “Macaca” paulistana possa ser
campeã da Sul-Americana, em uma prova cabal de que resultados “positivos” não
necessariamente significam um bom futebol. O Botafogo, que conseguiu
literalmente no último minuto se manter no G-4 ao lado de Cruzeiro, Grêmio e
Atlético-PR, depende deste resultado para saber se tem vaga na Libertadores, ou
seja, o “Glorioso da Estrela Solitária” ainda pode ficar fora da mais
importante competição latino-americana, apesar de ter garantido a vaga entre os
quatro “melhores”. A chamada “Pátria de Chuteiras”, como dizia Nelson Rodrigues
(expressão contestada por João Saldanha), viu o esporte predileto do povo
brasileiro cada vez mais sem brilho, sem craques, sem arte e entregue às
negociatas. O Cruzeiro, cujo presidente de fato, o senador mineiro Zezé Perrella,
é acusado de comandar um pesado esquema de tráfico de cocaína via episódio do “helicóptero
do pó”, foi campeão antecipado, demonstrando a falência de um modelo de disputa
que privilegia os resultados arrumados e não os melhores times com seu futebol
arte. Definitivamente, às vésperas da realização da Copa do Mundo, o futebol
brasileiro parece que entrou definitivamente no “padrão” que a FIFA quer impor
a todos os clubes do mundo, ou seja, transformá-los em empresas que apenas
buscam o lucro fácil em cima do esporte mais popular do planeta. Isto significa
mergulha-los nas águas profundas e escuras da “cartolagem” e dos não menos
obscuros “grandes negócios” capitalistas envolvendo os próprios clubes,
empreiteiras, patrocinadores e, claro, os interesses monopolistas da “famiglia
Marinho” pelos direitos de transmissão dos jogos. Nos últimos anos a influência
dos “cartolas” cresceu de forma bastante acentuada, o que paradoxalmente vem
corroborando com o declínio técnico de grandes equipes do futebol brasileiro.
Por outro lado, o caráter “perfeito” e “idílico” da Copa do Mundo difundido
pela FIFA e a mídia “murdochiana” esconde o lado podre das transações
comerciais entre clubes e grandes corporações nacionais e estrangeiras que
colocam para “escanteio” o futebol como paixão popular e fenômeno de massa:
clubes à beira da falência, desorganização do calendário das competições, escândalos
abafados, corrupção e o inextrincável e mafioso sistema político arquitetado
pela CBF para manter seu domínio absoluto sobre o futebol no Brasil. Só para
ilustrar, os números das dívidas dos clubes com a União são bastante altos (em
milhões): Flamengo (629,8), Botafogo (525,7), Atlético-MG (409,7), Fluminense
(400), Vasco (382,6), Corinthians (240,4), São Paulo (238,7), Grêmio (175,8),
Santos (172,5), Internacional (153,1), Cruzeiro (109,3)... Por estas razões
grandes clubes como Fluminense e Vasco foram melancolicamente rebaixados à
segunda divisão ao lado de uma brutal queda de rendimento de outras grandes
equipes ao longo do campeonato (Botafogo, Internacional, Corinthians...).
Desgraçadamente o futebol brasileiro vive sob a nefasta equação clubes
falidos/cartolas milionários/resultados pífios, um retrato fiel do que é a
própria sociedade capitalista decadente.
O recém-rebaixado Fluminense é um dos clubes que melhor se encaixam nesta situação de fracasso de gestão. Dono do título do ano passado, sua queda foi vertiginosa no campeonato que ora findou, apesar de sua folha de pagamento ser superior a maioria dos outros clubes. O eclipse do tricolor carioca não foi uma casualidade, pois a Unimed, principal fomentadora financeira, anunciou já início do ano que estaria cortando cotas de patrocínio, reduzindo os investimentos em contratações a quase zero, no máximo manteria “figurões” como Fred, Deco e Cavalieri. No entanto, o primeiro pouco jogou devido às constantes lesões, o segundo aposentou-se no meio da competição, perdeu jogadores de qualidade como Thiago Neves e Nem. Os resultados obtidos em campo foram decepcionantes, quando a Unimed impôs a demissão de Abel Braga e a contratação de técnicos caros como Luxemburgo, mas que também não conseguiu erguer a equipe, nem mesmo o seu sucessor Dorival Júnior. Desta forma, a má gestão e a “cartolagem”, mesmo que o clube estivesse poucos meses atrás no auge e próximo de disputar uma final da Libertadores, foram as peças-chaves para o rebaixamento do Flu.
Em meados dos anos 80 a
“cartolagem” se desenvolveu sob bases materiais bem definidas, precisamente
numa época em que os “dirigentes” do nosso futebol se deram conta do tamanho do
negócio que o esporte poderia proporcionar a seus bolsos se valendo, por
exemplo, da Loteria Esportiva, arbitragem, justiça esportiva, venda de craques
ao exterior, manipulações de resultados (como a observada no jogo Cruzeiro e
Vasco na 36ª rodada, 23/11), implicando até hoje um círculo vicioso onde
imperam clubes falidos e cartolas milionários. O resultado disso é a
banalização de um esporte eminentemente popular, de um longo e extenuante
campeonato que produz “espetáculos” cada vez menos “espetaculares”, muitas
vezes com estádios vazios, balizados repetidamente apenas pelas assépticas
transmissões televisivas. Neste ínterim, surgiu uma tímida tentativa de
denunciar os desmandos da CBF através do “Bom Senso futebol Clube”, uma
articulação política entre jogadores que apesar de não demarcar campo
abertamente com os dirigentes de clubes e da confederação, nem bater de frente
com a Rede Globo que realmente impõe o calendário e horários de jogos, anuncia
a possibilidade de uma greve para o próximo ano: “Pela falta de respostas e
pelo descaso em garantir melhorias para o futebol brasileiro, é iminente a greve
para o início da temporada de 2014, com apoio e respaldo da Fenapaf (Federação
Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol)” (Gazeta do Povo, 7/12). O
excesso de jogos faz com que atletas não consigam repor as energias gastas no
campo, o que contribui enormemente para as contusões e a decadência técnica do
campeonato, inviabilizando qualquer possibilidade da existência do
futebol-arte.
A “modernização” do
futebol brasileiro nada mais representa do que a implementação à força do
futebol-mercadoria, ou seja, a imposição de uma estrutura mercantil-mercenária
dos esportes em oposição ao entretenimento e à paixão popular que o povo tem
por seu clube. Neste contexto, a também chamada “modernização” dos estádios de
futebol bancada com o dinheiro estatal é um grande negócio para a burguesia em
todos os aspectos, seja pelo aumento exorbitante do preço dos ingressos, pelo
crescimento da venda dos pacotes “Pay-per-view” dos canais fechados e da
audiência das TVs abertas, seja nas competições nacionais e em especial no pote
de ouro da disputa da Copa do Mundo durante a qual tudo sobe exorbitantemente
sob a égide da multinacional FIFA. Os gastos e benesses aos grandes
capitalistas em relação à Copa foram um dos motivos das grandes mobilizações de
junho que tomaram as ruas pelo Brasil afora. O “toque” capitalista sobre o
esporte completa a lógica perversa e destrutiva do futebol que sob esta
concepção esmaga a arte e a expressão cultural de um povo. O combate à
mercantilização do esporte que se manifesta todo ano neste farsesco campeonato
como produto direto do pacto empresarial entre os “cartolas” de clubes deve ser
feito em nome da livre manifestação da cultura corporal-esportiva do nosso
povo, o que só pode ser concebida com a abolição do modo de produção capitalista
através da revolução proletária, após a qual estaria garantida a expansão de
todo o potencial criativo e coletivo da humanidade!