terça-feira, 10 de dezembro de 2013


“Brasileirão” 2013: O nefasto papel da “cartolagem” no declínio de grandes clubes e a mercantilização do futebol nacional

O Campeonato Brasileiro de Futebol, mais conhecido como “Brasileirão”, acabou no último domingo de forma melancólica, com cenas de barbárie no jogo entre Vasco e Atlético-PR e o rebaixamento não só da equipe cruzmaltina, mas também do Fluminense (que havia sido campeão no ano passado), ambos se juntando ao Náutico e Ponte Preta na ponta de baixo da tabela, muito embora ironicamente a “Macaca” paulistana possa ser campeã da Sul-Americana, em uma prova cabal de que resultados “positivos” não necessariamente significam um bom futebol. O Botafogo, que conseguiu literalmente no último minuto se manter no G-4 ao lado de Cruzeiro, Grêmio e Atlético-PR, depende deste resultado para saber se tem vaga na Libertadores, ou seja, o “Glorioso da Estrela Solitária” ainda pode ficar fora da mais importante competição latino-americana, apesar de ter garantido a vaga entre os quatro “melhores”. A chamada “Pátria de Chuteiras”, como dizia Nelson Rodrigues (expressão contestada por João Saldanha), viu o esporte predileto do povo brasileiro cada vez mais sem brilho, sem craques, sem arte e entregue às negociatas. O Cruzeiro, cujo presidente de fato, o senador mineiro Zezé Perrella, é acusado de comandar um pesado esquema de tráfico de cocaína via episódio do “helicóptero do pó”, foi campeão antecipado, demonstrando a falência de um modelo de disputa que privilegia os resultados arrumados e não os melhores times com seu futebol arte. Definitivamente, às vésperas da realização da Copa do Mundo, o futebol brasileiro parece que entrou definitivamente no “padrão” que a FIFA quer impor a todos os clubes do mundo, ou seja, transformá-los em empresas que apenas buscam o lucro fácil em cima do esporte mais popular do planeta. Isto significa mergulha-los nas águas profundas e escuras da “cartolagem” e dos não menos obscuros “grandes negócios” capitalistas envolvendo os próprios clubes, empreiteiras, patrocinadores e, claro, os interesses monopolistas da “famiglia Marinho” pelos direitos de transmissão dos jogos. Nos últimos anos a influência dos “cartolas” cresceu de forma bastante acentuada, o que paradoxalmente vem corroborando com o declínio técnico de grandes equipes do futebol brasileiro. Por outro lado, o caráter “perfeito” e “idílico” da Copa do Mundo difundido pela FIFA e a mídia “murdochiana” esconde o lado podre das transações comerciais entre clubes e grandes corporações nacionais e estrangeiras que colocam para “escanteio” o futebol como paixão popular e fenômeno de massa: clubes à beira da falência, desorganização do calendário das competições, escândalos abafados, corrupção e o inextrincável e mafioso sistema político arquitetado pela CBF para manter seu domínio absoluto sobre o futebol no Brasil. Só para ilustrar, os números das dívidas dos clubes com a União são bastante altos (em milhões): Flamengo (629,8), Botafogo (525,7), Atlético-MG (409,7), Fluminense (400), Vasco (382,6), Corinthians (240,4), São Paulo (238,7), Grêmio (175,8), Santos (172,5), Internacional (153,1), Cruzeiro (109,3)... Por estas razões grandes clubes como Fluminense e Vasco foram melancolicamente rebaixados à segunda divisão ao lado de uma brutal queda de rendimento de outras grandes equipes ao longo do campeonato (Botafogo, Internacional, Corinthians...). Desgraçadamente o futebol brasileiro vive sob a nefasta equação clubes falidos/cartolas milionários/resultados pífios, um retrato fiel do que é a própria sociedade capitalista decadente.

O recém-rebaixado Fluminense é um dos clubes que melhor se encaixam nesta situação de fracasso de gestão. Dono do título do ano passado, sua queda foi vertiginosa no campeonato que ora findou, apesar de sua folha de pagamento ser superior a maioria dos outros clubes. O eclipse do tricolor carioca não foi uma casualidade, pois a Unimed, principal fomentadora financeira, anunciou já início do ano que estaria cortando cotas de patrocínio, reduzindo os investimentos em contratações a quase zero, no máximo manteria “figurões” como Fred, Deco e Cavalieri. No entanto, o primeiro pouco jogou devido às constantes lesões, o segundo aposentou-se no meio da competição, perdeu jogadores de qualidade como Thiago Neves e Nem. Os resultados obtidos em campo foram decepcionantes, quando a Unimed impôs a demissão de Abel Braga e a contratação de técnicos caros como Luxemburgo, mas que também não conseguiu erguer a equipe, nem mesmo o seu sucessor Dorival Júnior. Desta forma, a má gestão e a “cartolagem”, mesmo que o clube estivesse poucos meses atrás no auge e próximo de disputar uma final da Libertadores, foram as peças-chaves para o rebaixamento do Flu.

Em meados dos anos 80 a “cartolagem” se desenvolveu sob bases materiais bem definidas, precisamente numa época em que os “dirigentes” do nosso futebol se deram conta do tamanho do negócio que o esporte poderia proporcionar a seus bolsos se valendo, por exemplo, da Loteria Esportiva, arbitragem, justiça esportiva, venda de craques ao exterior, manipulações de resultados (como a observada no jogo Cruzeiro e Vasco na 36ª rodada, 23/11), implicando até hoje um círculo vicioso onde imperam clubes falidos e cartolas milionários. O resultado disso é a banalização de um esporte eminentemente popular, de um longo e extenuante campeonato que produz “espetáculos” cada vez menos “espetaculares”, muitas vezes com estádios vazios, balizados repetidamente apenas pelas assépticas transmissões televisivas. Neste ínterim, surgiu uma tímida tentativa de denunciar os desmandos da CBF através do “Bom Senso futebol Clube”, uma articulação política entre jogadores que apesar de não demarcar campo abertamente com os dirigentes de clubes e da confederação, nem bater de frente com a Rede Globo que realmente impõe o calendário e horários de jogos, anuncia a possibilidade de uma greve para o próximo ano: “Pela falta de respostas e pelo descaso em garantir melhorias para o futebol brasileiro, é iminente a greve para o início da temporada de 2014, com apoio e respaldo da Fenapaf (Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol)” (Gazeta do Povo, 7/12). O excesso de jogos faz com que atletas não consigam repor as energias gastas no campo, o que contribui enormemente para as contusões e a decadência técnica do campeonato, inviabilizando qualquer possibilidade da existência do futebol-arte.

A “modernização” do futebol brasileiro nada mais representa do que a implementação à força do futebol-mercadoria, ou seja, a imposição de uma estrutura mercantil-mercenária dos esportes em oposição ao entretenimento e à paixão popular que o povo tem por seu clube. Neste contexto, a também chamada “modernização” dos estádios de futebol bancada com o dinheiro estatal é um grande negócio para a burguesia em todos os aspectos, seja pelo aumento exorbitante do preço dos ingressos, pelo crescimento da venda dos pacotes “Pay-per-view” dos canais fechados e da audiência das TVs abertas, seja nas competições nacionais e em especial no pote de ouro da disputa da Copa do Mundo durante a qual tudo sobe exorbitantemente sob a égide da multinacional FIFA. Os gastos e benesses aos grandes capitalistas em relação à Copa foram um dos motivos das grandes mobilizações de junho que tomaram as ruas pelo Brasil afora. O “toque” capitalista sobre o esporte completa a lógica perversa e destrutiva do futebol que sob esta concepção esmaga a arte e a expressão cultural de um povo. O combate à mercantilização do esporte que se manifesta todo ano neste farsesco campeonato como produto direto do pacto empresarial entre os “cartolas” de clubes deve ser feito em nome da livre manifestação da cultura corporal-esportiva do nosso povo, o que só pode ser concebida com a abolição do modo de produção capitalista através da revolução proletária, após a qual estaria garantida a expansão de todo o potencial criativo e coletivo da humanidade!