Em virtude da morte de
Nelson Mandela o Blog da LBI republica um artigo histórico elaborado em 2009
onde denuncia o caráter capitalista da sequencia dos governos do Congresso
Nacional Africano (CNA). Longe de somar-se ao coro hipócrita de apologia da
frente popular encabeçada por Nelson Mandela no governo de “colaboração de
raças” em 1994, os Marxistas Revolucionários foram a vanguarda na denúncia da
capitulação e integração do CNA ao regime burguês pró-imperialista na África do
Sul, maquilado de “democracia popular”.
Governos do CNA: Eleitos
pela “onda” da centro-esquerda burguesa mundial
Após 15 anos de governos
ininterruptos, o Congresso Nacional Africano (CNA) mantém-se no governo da
África do Sul com Jacob Zuma. O CNA é uma frente popular composta a partir da
aliança tripartite entre o partido burguês homônimo e duas organizações tradicionais
da classe operária sul africana, a COSATU, central sindical sul africana, e o
Partido Comunista. A aliança governa desde 1994 e as massas que se sentiram
traídas pelo último presidente, Thabo Mbeki que agravou enormemente a miséria
do país. Para “repaginar” a
imagem do partido aos olhos da população trabalhadora, secundarizar as
acusações de corrupção e estupro que pesavam sobre ele e vencer a disputa
interna, Zuma apelou para um discurso social democrata, criticando o aumento da
pobreza no mandato Mbeki, que se sobressaiu frente ao governo Mandela por seu
entreguismo ao capital financeiro.
Zuma se apoiou na COSATU e no PC para alcançar a presidência do CNA em 2007, chegou a afirmar-se como socialista e a defender a redistribuição das riquezas do país. No entanto, vem tratando de tranquilizar os capitalistas e especuladores internacionais, lembrando que a tríplice aliança existe há 50 anos e que pretende continuar atraindo cada vez mais investimento para desenvolver as empresas instaladas no país. “Zuma, procura tranquilizar suas audiências brancas, nos hotéis de cinco estrelas com ar-condicionado, com sua sagacidade realista e discurso teconocrata.” (The Economist, 16/04/2009).
APARTHEID APRIMORA
COLONIALISMO RACISTA
O CNA, como um partido
burguês nacionalista, tem quase cem anos de existência. Nasceu em 1912 como
resposta ao colonialismo que, desde seu princípio, tratou de alijar quase por
completo a população indígena e negra do usufruto das riquezas naturais do
continente, o que incluía a terra, o gado, o conjunto dos meios de produção.
Em 1902, o exército
britânico ganhou a chamada segunda Guerra dos Bôeres sobre os colonos de origem
holandesa e francesa e anexou as repúblicas bôeres do Transvaal e Orange à colônia britânica do Cabo. Cecil John
Rhodes, colonizador do continente a serviço da Inglaterra, fundador da
companhia De Beers, que hoje controla 60% de todo o mercado mundial de
diamantes, estabeleceu as bases de dominação que mais tarde vieram originar o
apartehid. Rhodes reunia a função de principal capitalista mineiro e
primeiro-ministro na colônia do Cabo que lhe permitia superar as dificuldades
para a rentabilidade da extração de ouro e diamante a partir do coração até o
litoral do continente.
Os colonizadores
estabeleceram uma nova forma de exploração da força de trabalho africana
correspondente ao início da fase senil do capitalismo. Se antes predominavam
formações sociais pré-capitalistas e campos de captura da força de trabalho
escrava das tribos para serem vendidos nos EUA, Brasil e Caribe, na divisão
internacional do trabalho e da produção na era imperialista caberia acentuar a
exploração da mão-de-obra nativa no próprio continente, a partir de sua
semiproletarização e confinamento da melhor parte da força de trabalho,
convertendo as tribos em “reservas”.
O apartheid, criado não
por coincidência em 1948, após as experiências de campos de concentração
nazistas e no mesmo ano da imposição do Estado de Israel na Palestina,
legalizou e otimizou este sistema de mão de obra barata. A população
trabalhadora sul africana foi balcanizada sem direitos políticos, trabalhistas,
liberdade de movimento, de expressão ou associação. Nas “reservas” se
originaram os famosos bantustões, “estados independentes bantos-tribais” sob o
tacão do imperialismo britânico, de onde os negros não poderiam sair se não
tivessem passe concedido pelo Estado capitalista racista.
O governo dividiu o país
para que 87% da terra ficassem com os brancos, mestiços, e indianos; e os 13%
restantes divido entre os “estados” negros (80% da população) aos quais era
concedida uma cretina “independência" controlada pelo exército sul
africano. Para justificar a discriminação da população destes campos de
concentração africanos, o governo fazia um paralelo entre o tratamento que dispensava
aos habitantes dos bantustões e o que a União Européia e os Estados Unidos
davam aos imigrantes ilegais vindos da Europa Oriental e América Latina,
respectivamente. Dezenas de massacres como o de Sharpeville (1960) e Soweto
(1976) ocorreram para sufocar as greves e levantes da resistência popular ao
apartheid.
Em 1950 o PC foi
formalmente proibido através da Lei de Supressão do Comunismo e em 1960 o CNA
foi banido, passando à resistência armada. Em 1964, o principal líder do CNA,
Nelson Mandela foi condenado à prisão perpétua. O apartheid provocou a formação
de uma frente popular no país, a partir da unidade das fileiras da oposição
nacionalista, sindicalista e stalinista negra.
CONVERSÃO ESTRATÉGICA DO
CNA EM GERENTE DA COLONIZAÇÃO ESCRAVAGISTA MARCA O INÍCIO DE UMA TENDÊNCIA
MUNDIAL
Após 30 anos da ditadura
branca do apartheid, o imperialismo tratou de operacionalizar uma distensão
democrática, retardada em quase duas décadas, tardia em relação às ditaduras
europeias (franquismo e salazarismo) e em uma década em relação às ditaduras
militares de suas semicolônias latino-americanas. O CNA negociou entre 1990 e
1994 os acordos de garantias às corporações multinacionais mineiras e a
burguesia em geral, impulsionando uma burguesia negra que, no governo, após as
eleições de 1994, adotou a estratégia neoliberal de “Crescimento com Igualdade
e Redistribuição” (GEAR) que teve a sua maior expressão até agora no governo
Mbeki. Se durante o apartheid o imposto estatal cobrado às grandes companhias
chegava a 48% dos lucros, o governo do CNA reduziu estes impostos para 28%. Com
a frente popular negra, a burguesia imperialista racista logrou um ambiente
politicamente bem mais estável para fazer seus negócios por quase metade do
preço que tinha que pagar antes ao governo branco.
Como Lula e outros
títeres semicoloniais, Mbek, obteve uma relativa acumulação de reservas
internacionais no país graças à fase de alta no preço das commodities. Assim
como no Brasil de Lula, as grandes multinacionais instaladas na África estão
rindo a toa quando o assunto é crise. Em 2008, o lucro das grandes companhias
capitalistas foi de 700 bilhões de rands (moeda local), cerca de 180 bilhões de
reais. Também, como no Brasil, a taxa de lucro destas empresas na semicolônia
africana sempre tem sido muito maior do que nas metrópoles. Enquanto isto avança
a precarização trabalhista, existem quase 10 milhões de desempregados, o
governo planeja impor um novo imposto previdenciário sobre os trabalhadores e
os serviços de educação e saúde pioraram. A educação vem sendo privatizada e
quatro milhões de pessoas entre sete e 24 anos não recebem nenhuma instrução
escolar. De 1994 a 2009 o número de leitos hospitalares para cada mil pessoas
caiu de 27 para 17. 2/3 dos gastos da saúde vão para o setor privado e os
sindicatos da COSATU vêm fazendo investimentos em planos de saúde privados. Os
servidores públicos recebem mal e, com o apoio da COSATU, avança a contratação
“eventual” de servidores em detrimento de empregos estáveis. O país possui um
déficit habitacional de 1,5 milhões de casas. Enquanto os altos dirigentes do
CNA enriqueceram associados ao capital mineiro, as condições de vida da classe
operária se degradaram brutalmente a ponto de despencarem para uma
lumpemproletarização que os tornou vítimas fáceis da AIDS.
A vitória de Zuma foi,
de fato, decidida em 18 dezembro de 2007, na 52ª Conferência do CNA, em
Polokwane, quando a revolta social com o desemprego, a miséria, o analfabetismo
e a decadência das condições de saúde que promovem a epidemia da AIDS derrotou
a camarilha de Mbeki, promovendo os setores mais ligados à aristocracia
operária dos sindicatos e da esquerda do partido. Negando-se a aceitar a
derrota, a camarilha dirigida pelo ex-ministro da defesa de Mbeki, Mosiuoa
Lekota rachou pela direita e fundou o Congresso do Povo (COPE) que obteve cerca
de 7% dos votos no último dia 24/04.
Em 2004, Mbeki obteve o
recorde de 70% dos votos, agora a coalizão liderada por Zuma obteve 66% dos
votos para o CNA, que embora sejam 4% a menos do que no pleito passado, somados
aos 7% saídos do CNA para o COPE apontam para uma votação crescente sobre a
direita branca organizada na Aliança Democrática (AD), remanescente do fascista
Partido Nacional que governou durante o apartheid, que ficou com 16,5% dos
votos e hoje ainda governa a província do Cabo.
A eleição de Zuma
acompanha as tendências internacionais do atual período do imperialismo,
marcado pela ascensão de governos burgueses de centro-esquerda cuja missão
histórica é amortecer a resistência popular, enquanto acentua a exploração
econômica e opressão social sobre a população trabalhadora em meio à crise
capitalista mundial.
Na África do Sul, o
desenvolvimento desigual e combinado da luta de classes fez com que o retardo
do fim da ditadura do apartheid desembocasse na primeira experiência de governo
de frente popular como opção preferencial do imperialismo. Zuma é uma nova
geração da mesma tendência. Uma geração nascida da crise econômica mundial
capitalista que neste momento avança no continente americano da patagônia até o
Alaska, e que dentro do Partido Democrata ianque, privilegiou Obama sobre
Hillary.
A onda
centro-esquerdista que elegeu Zuma foi a mesma que no país vizinho, o Zimbábue,
levou ao poder o MDC, outra frente popular. Surfando na mesma tendência, Rafael
Correa foi reeleito com tranquilidade e no primeiro turno no Equador. Na Índia,
uma intocável (dalit) pode vir a eleger-se primeira-ministra. Mesmo que
Mayawati, que vem sendo chamada de Obama da Índia, líder do Partido da
Sociedade Dalit (BSP) não venha a tornar-se nas atuais eleições indianas a premiê
do país, só o fato de ser a governadora desde de 1995 do Estado de Uttar
Pradesh, o maior estado da Índia, com 180 milhões de habitantes - com quase a
população brasileira inteira e que se fosse independente, seria o sexto país
mais populoso do mundo - e por isso é o que mais deputados elege para a Lok
Sabha (80), o parlamento hindu, já é outra expressão no continente asiático do
avanço da onda centro-esquerdista burguesa como tendência majoritária do
período em que vivemos.
Para os EUA, estreitar
os laços políticos com uma Índia cuja recusa às propostas protecionistas
indecentes ianques enterrou a Rodada de Doha é fundamental. Principalmente
neste momento em que a Casa Branca alarmiza o mundo contra o crescimento do
controle do Taliban sobre o Paquistão e preparam o cenário para a invasão do
país localizado na estratégica região que une o Oriente Médio, a Ásia Central e
o sul indiano daquele continente.
ZUMA: “CARA NOVA” PARA A
ESTRATÉGIA FRENTE POPULARISTA
DO IMPERIALISMO
O imperialismo se
apropria via Zuma do sentimento da população que deposita suas ilusões no CNA,
falsamente identificando ainda a frente popular como a organização que os
libertou da minoria racista que governou o país por séculos de colonialismo
agravado por décadas de apartheid. A parceria imperialismo-CNA é uma expressão
prática da frase de Lampedusa de que “as coisas precisam mudar para permanecer
como estão”. Mas, como uma condição sine qua non para não sucumbir à completa
barbárie que tem no flagelo da AIDS seu maior expoente, não tardará muito para
que o descontentamento do proletariado negro se volte contra o novo títere do
imperialismo.
Como alertava Malcolm X,
não existe capitalismo sem racismo e a política burguesa do CNA afirmada na 52ª
Conferência do partido, deliberou contra a apropriação coletiva da terra e em
favor de uma reforma previdenciária ao gosto dos banqueiros. Zuma defende o fim
do direito dos trabalhadores a sacarem seu fundo de garantia ao saírem de um
emprego ou se transferirem para outro. Em Polokwane, o CNA decidiu acabar com
este tipo de resgate do FGTS, estabelecendo que os trabalhadores só poderão ter
acesso ao fundo de garantia aos 65 anos, apesar de três a cada dez
trabalhadores negros morrerem aos 40 anos e a expectativa de vida da maioria
esmagadora ser de 45. O mesmo CNA que reduziu os impostos das multinacionais
para quase a metade do que cobrava o regime do apartheid, agora quer
estabelecer um novo imposto adicional previdenciário de 15% para todos os
trabalhadores. A COSATU e o PC justificam o novo imposto como parte do “esforço
nacional” para garantir o “desenvolvimento” do país.
Para aprofundar os
ataques à classe trabalhadora o CNA precisava obter 2/3 dos votos a fim de
reformar a constituição. Certamente apelará para o apoio do COPE e da AD para
dar continuidade às reformas anti-operárias de seu antecessor e cumprir a função
de xerife regional do imperialismo contra as massas do continente, articulando
intervenções militares no Congo, Somália, Sudão, Magadascar, etc. As gestões
internacionais de países “emergentes” como a África do Sul, que se aproxima dos
BRICs, tipo a do próprio Brasil na África nada tem a ver com o estreitamento da
solidariedade entre os povos oprimidos, estão a serviço da exploração dos
trabalhadores africanos e dos recursos naturais do continente pelas burguesias
“emergentes” sócias minoritárias do imperialismo.
É preciso construir um
partido trotskista revolucionário do proletariado negro da África do Sul para
derrotar a frente popular e faça-o superar suas ilusões no PC e na COSATU
através da luta revolucionária pela expropriação do imperialismo e de seus sócios
burgueses, brancos ou negros. Só por esta via a maioria da população explorada
e milenarmente oprimida poderá se emancipar o continente africano do
capitalismo racista e desenvolver as forças produtivas rumo ao socialismo.