sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Em virtude da morte de Nelson Mandela o Blog da LBI republica um artigo histórico elaborado em 2009 onde denuncia o caráter capitalista da sequencia dos governos do Congresso Nacional Africano (CNA). Longe de somar-se ao coro hipócrita de apologia da frente popular encabeçada por Nelson Mandela no governo de “colaboração de raças” em 1994, os Marxistas Revolucionários foram a vanguarda na denúncia da capitulação e integração do CNA ao regime burguês pró-imperialista na África do Sul, maquilado de “democracia popular”.



Governos do CNA: Eleitos pela “onda” da centro-esquerda burguesa mundial

Após 15 anos de governos ininterruptos, o Congresso Nacional Africano (CNA) mantém-se no governo da África do Sul com Jacob Zuma. O CNA é uma frente popular composta a partir da aliança tripartite entre o partido burguês homônimo e duas organizações tradicionais da classe operária sul africana, a COSATU, central sindical sul africana, e o Partido Comunista. A aliança governa desde 1994 e as massas que se sentiram traídas pelo último presidente, Thabo Mbeki que agravou enormemente a miséria do país. Para “repaginar” a imagem do partido aos olhos da população trabalhadora, secundarizar as acusações de corrupção e estupro que pesavam sobre ele e vencer a disputa interna, Zuma apelou para um discurso social democrata, criticando o aumento da pobreza no mandato Mbeki, que se sobressaiu frente ao governo Mandela por seu entreguismo ao capital financeiro.

Zuma se apoiou na COSATU e no PC para alcançar a presidência do CNA em 2007, chegou a afirmar-se como socialista e a defender a redistribuição das riquezas do país. No entanto, vem tratando de tranquilizar os capitalistas e especuladores internacionais, lembrando que a tríplice aliança existe há 50 anos e que pretende continuar atraindo cada vez mais investimento para desenvolver as empresas instaladas no país. “Zuma, procura tranquilizar suas audiências brancas, nos hotéis de cinco estrelas com ar-condicionado, com sua sagacidade realista e discurso teconocrata.” (The Economist, 16/04/2009).

APARTHEID APRIMORA COLONIALISMO RACISTA

O CNA, como um partido burguês nacionalista, tem quase cem anos de existência. Nasceu em 1912 como resposta ao colonialismo que, desde seu princípio, tratou de alijar quase por completo a população indígena e negra do usufruto das riquezas naturais do continente, o que incluía a terra, o gado, o conjunto dos meios de produção.

Em 1902, o exército britânico ganhou a chamada segunda Guerra dos Bôeres sobre os colonos de origem holandesa e francesa e anexou as repúblicas bôeres do Transvaal e  Orange à colônia britânica do Cabo. Cecil John Rhodes, colonizador do continente a serviço da Inglaterra, fundador da companhia De Beers, que hoje controla 60% de todo o mercado mundial de diamantes, estabeleceu as bases de dominação que mais tarde vieram originar o apartehid. Rhodes reunia a função de principal capitalista mineiro e primeiro-ministro na colônia do Cabo que lhe permitia superar as dificuldades para a rentabilidade da extração de ouro e diamante a partir do coração até o litoral do continente.

Os colonizadores estabeleceram uma nova forma de exploração da força de trabalho africana correspondente ao início da fase senil do capitalismo. Se antes predominavam formações sociais pré-capitalistas e campos de captura da força de trabalho escrava das tribos para serem vendidos nos EUA, Brasil e Caribe, na divisão internacional do trabalho e da produção na era imperialista caberia acentuar a exploração da mão-de-obra nativa no próprio continente, a partir de sua semiproletarização e confinamento da melhor parte da força de trabalho, convertendo as tribos em “reservas”.

O apartheid, criado não por coincidência em 1948, após as experiências de campos de concentração nazistas e no mesmo ano da imposição do Estado de Israel na Palestina, legalizou e otimizou este sistema de mão de obra barata. A população trabalhadora sul africana foi balcanizada sem direitos políticos, trabalhistas, liberdade de movimento, de expressão ou associação. Nas “reservas” se originaram os famosos bantustões, “estados independentes bantos-tribais” sob o tacão do imperialismo britânico, de onde os negros não poderiam sair se não tivessem passe concedido pelo Estado capitalista racista.

O governo dividiu o país para que 87% da terra ficassem com os brancos, mestiços, e indianos; e os 13% restantes divido entre os “estados” negros (80% da população) aos quais era concedida uma cretina “independência" controlada pelo exército sul africano. Para justificar a discriminação da população destes campos de concentração africanos, o governo fazia um paralelo entre o tratamento que dispensava aos habitantes dos bantustões e o que a União Européia e os Estados Unidos davam aos imigrantes ilegais vindos da Europa Oriental e América Latina, respectivamente. Dezenas de massacres como o de Sharpeville (1960) e Soweto (1976) ocorreram para sufocar as greves e levantes da resistência popular ao apartheid.

Em 1950 o PC foi formalmente proibido através da Lei de Supressão do Comunismo e em 1960 o CNA foi banido, passando à resistência armada. Em 1964, o principal líder do CNA, Nelson Mandela foi condenado à prisão perpétua. O apartheid provocou a formação de uma frente popular no país, a partir da unidade das fileiras da oposição nacionalista, sindicalista e stalinista negra.

CONVERSÃO ESTRATÉGICA DO CNA EM GERENTE DA COLONIZAÇÃO ESCRAVAGISTA MARCA O INÍCIO DE UMA TENDÊNCIA MUNDIAL

Após 30 anos da ditadura branca do apartheid, o imperialismo tratou de operacionalizar uma distensão democrática, retardada em quase duas décadas, tardia em relação às ditaduras europeias (franquismo e salazarismo) e em uma década em relação às ditaduras militares de suas semicolônias latino-americanas. O CNA negociou entre 1990 e 1994 os acordos de garantias às corporações multinacionais mineiras e a burguesia em geral, impulsionando uma burguesia negra que, no governo, após as eleições de 1994, adotou a estratégia neoliberal de “Crescimento com Igualdade e Redistribuição” (GEAR) que teve a sua maior expressão até agora no governo Mbeki. Se durante o apartheid o imposto estatal cobrado às grandes companhias chegava a 48% dos lucros, o governo do CNA reduziu estes impostos para 28%. Com a frente popular negra, a burguesia imperialista racista logrou um ambiente politicamente bem mais estável para fazer seus negócios por quase metade do preço que tinha que pagar antes ao governo branco.

Como Lula e outros títeres semicoloniais, Mbek, obteve uma relativa acumulação de reservas internacionais no país graças à fase de alta no preço das commodities. Assim como no Brasil de Lula, as grandes multinacionais instaladas na África estão rindo a toa quando o assunto é crise. Em 2008, o lucro das grandes companhias capitalistas foi de 700 bilhões de rands (moeda local), cerca de 180 bilhões de reais. Também, como no Brasil, a taxa de lucro destas empresas na semicolônia africana sempre tem sido muito maior do que nas metrópoles. Enquanto isto avança a precarização trabalhista, existem quase 10 milhões de desempregados, o governo planeja impor um novo imposto previdenciário sobre os trabalhadores e os serviços de educação e saúde pioraram. A educação vem sendo privatizada e quatro milhões de pessoas entre sete e 24 anos não recebem nenhuma instrução escolar. De 1994 a 2009 o número de leitos hospitalares para cada mil pessoas caiu de 27 para 17. 2/3 dos gastos da saúde vão para o setor privado e os sindicatos da COSATU vêm fazendo investimentos em planos de saúde privados. Os servidores públicos recebem mal e, com o apoio da COSATU, avança a contratação “eventual” de servidores em detrimento de empregos estáveis. O país possui um déficit habitacional de 1,5 milhões de casas. Enquanto os altos dirigentes do CNA enriqueceram associados ao capital mineiro, as condições de vida da classe operária se degradaram brutalmente a ponto de despencarem para uma lumpemproletarização que os tornou vítimas fáceis da AIDS.

A vitória de Zuma foi, de fato, decidida em 18 dezembro de 2007, na 52ª Conferência do CNA, em Polokwane, quando a revolta social com o desemprego, a miséria, o analfabetismo e a decadência das condições de saúde que promovem a epidemia da AIDS derrotou a camarilha de Mbeki, promovendo os setores mais ligados à aristocracia operária dos sindicatos e da esquerda do partido. Negando-se a aceitar a derrota, a camarilha dirigida pelo ex-ministro da defesa de Mbeki, Mosiuoa Lekota rachou pela direita e fundou o Congresso do Povo (COPE) que obteve cerca de 7% dos votos no último dia 24/04.

Em 2004, Mbeki obteve o recorde de 70% dos votos, agora a coalizão liderada por Zuma obteve 66% dos votos para o CNA, que embora sejam 4% a menos do que no pleito passado, somados aos 7% saídos do CNA para o COPE apontam para uma votação crescente sobre a direita branca organizada na Aliança Democrática (AD), remanescente do fascista Partido Nacional que governou durante o apartheid, que ficou com 16,5% dos votos e hoje ainda governa a província do Cabo.

A eleição de Zuma acompanha as tendências internacionais do atual período do imperialismo, marcado pela ascensão de governos burgueses de centro-esquerda cuja missão histórica é amortecer a resistência popular, enquanto acentua a exploração econômica e opressão social sobre a população trabalhadora em meio à crise capitalista mundial.

Na África do Sul, o desenvolvimento desigual e combinado da luta de classes fez com que o retardo do fim da ditadura do apartheid desembocasse na primeira experiência de governo de frente popular como opção preferencial do imperialismo. Zuma é uma nova geração da mesma tendência. Uma geração nascida da crise econômica mundial capitalista que neste momento avança no continente americano da patagônia até o Alaska, e que dentro do Partido Democrata ianque, privilegiou Obama sobre Hillary.

A onda centro-esquerdista que elegeu Zuma foi a mesma que no país vizinho, o Zimbábue, levou ao poder o MDC, outra frente popular. Surfando na mesma tendência, Rafael Correa foi reeleito com tranquilidade e no primeiro turno no Equador. Na Índia, uma intocável (dalit) pode vir a eleger-se primeira-ministra. Mesmo que Mayawati, que vem sendo chamada de Obama da Índia, líder do Partido da Sociedade Dalit (BSP) não venha a tornar-se nas atuais eleições indianas a premiê do país, só o fato de ser a governadora desde de 1995 do Estado de Uttar Pradesh, o maior estado da Índia, com 180 milhões de habitantes - com quase a população brasileira inteira e que se fosse independente, seria o sexto país mais populoso do mundo - e por isso é o que mais deputados elege para a Lok Sabha (80), o parlamento hindu, já é outra expressão no continente asiático do avanço da onda centro-esquerdista burguesa como tendência majoritária do período em que vivemos.

Para os EUA, estreitar os laços políticos com uma Índia cuja recusa às propostas protecionistas indecentes ianques enterrou a Rodada de Doha é fundamental. Principalmente neste momento em que a Casa Branca alarmiza o mundo contra o crescimento do controle do Taliban sobre o Paquistão e preparam o cenário para a invasão do país localizado na estratégica região que une o Oriente Médio, a Ásia Central e o sul indiano daquele continente.

ZUMA: “CARA NOVA” PARA A ESTRATÉGIA FRENTE POPULARISTA
 DO IMPERIALISMO

O imperialismo se apropria via Zuma do sentimento da população que deposita suas ilusões no CNA, falsamente identificando ainda a frente popular como a organização que os libertou da minoria racista que governou o país por séculos de colonialismo agravado por décadas de apartheid. A parceria imperialismo-CNA é uma expressão prática da frase de Lampedusa de que “as coisas precisam mudar para permanecer como estão”. Mas, como uma condição sine qua non para não sucumbir à completa barbárie que tem no flagelo da AIDS seu maior expoente, não tardará muito para que o descontentamento do proletariado negro se volte contra o novo títere do imperialismo.

Como alertava Malcolm X, não existe capitalismo sem racismo e a política burguesa do CNA afirmada na 52ª Conferência do partido, deliberou contra a apropriação coletiva da terra e em favor de uma reforma previdenciária ao gosto dos banqueiros. Zuma defende o fim do direito dos trabalhadores a sacarem seu fundo de garantia ao saírem de um emprego ou se transferirem para outro. Em Polokwane, o CNA decidiu acabar com este tipo de resgate do FGTS, estabelecendo que os trabalhadores só poderão ter acesso ao fundo de garantia aos 65 anos, apesar de três a cada dez trabalhadores negros morrerem aos 40 anos e a expectativa de vida da maioria esmagadora ser de 45. O mesmo CNA que reduziu os impostos das multinacionais para quase a metade do que cobrava o regime do apartheid, agora quer estabelecer um novo imposto adicional previdenciário de 15% para todos os trabalhadores. A COSATU e o PC justificam o novo imposto como parte do “esforço nacional” para garantir o “desenvolvimento” do país.

Para aprofundar os ataques à classe trabalhadora o CNA precisava obter 2/3 dos votos a fim de reformar a constituição. Certamente apelará para o apoio do COPE e da AD para dar continuidade às reformas anti-operárias de seu antecessor e cumprir a função de xerife regional do imperialismo contra as massas do continente, articulando intervenções militares no Congo, Somália, Sudão, Magadascar, etc. As gestões internacionais de países “emergentes” como a África do Sul, que se aproxima dos BRICs, tipo a do próprio Brasil na África nada tem a ver com o estreitamento da solidariedade entre os povos oprimidos, estão a serviço da exploração dos trabalhadores africanos e dos recursos naturais do continente pelas burguesias “emergentes” sócias minoritárias do imperialismo.

É preciso construir um partido trotskista revolucionário do proletariado negro da África do Sul para derrotar a frente popular e faça-o superar suas ilusões no PC e na COSATU através da luta revolucionária pela expropriação do imperialismo e de seus sócios burgueses, brancos ou negros. Só por esta via a maioria da população explorada e milenarmente oprimida poderá se emancipar o continente africano do capitalismo racista e desenvolver as forças produtivas rumo ao socialismo.