22 DE JUNHO DE 1941 – HITLER ROMPE PACTO COM STÁLIN E INVADE
A URSS: OS TROTSKYSTAS CONVOCARAM A DEFESA INCONDICIONAL DO ESTADO OPERÁRIO E A
FRENTE ÚNICA COM O EXÉRCITO VERMELHO PARA ESMAGAR AS TROPAS NAZISTAS AO MESMO TEMPO QUE DENUNCIAVAM A COVARDE POLÍTICA DA BUROCRACIA SOVIÉTICA
Há 76 anos, as tropas nazistas invadiam a União Soviética.
No dia 22 de junho de 1941, 3,6 milhões de soldados, divididos em 140 divisões,
atacaram a URSS a mando de Hitler, rompendo o Pacto celebrado anteriormente com
Stálin que havia desmoralizado os PC´s a nível mundial. Quando às 15h15, mais
de 1,6 mil quilômetros de fronteiras foram invadidos simultaneamente no leste,
as aeronaves da Luftwaffe de Hermann Göring bombardeavam os aviões soviéticos
ainda no chão. Só no primeiro dia, 66 bases aéreas foram atacadas. Cerca de
3.600 veículos blindados avançaram, seguidos de 700 mil canhões e morteiros. O
ataque aconteceu de forma tão ampla e rápida que as tropas de Hitler conseguiam
avançar até 50 quilômetros por dia. No momento que Hitler invadiu a URSS dando início
à Operação Barbarrossa Stálin praticamente não acreditou, estava paralisado, o
que facilitou o avanço nazista em um quadro onde centenas de oficiais importantes do Exército Vermelhos haviam sido mortos ou estavam presos pelo
grande expurgo de 1937. O general Georgy Zhukov, chefe do Estado-Maior das
Forças Armadas, telefonou para ele as 3 horas e 45 minutos da manhã com a
notícia de que cidade soviéticas estavam sendo bombardeados por tropas alemãs,
com o próprio relatou “Stálin demorou 3 minutos para atender e ficou calado
depois de ouvir a notícia. Zhukov disse: - Entendeu o que eu disse? - ... -
silêncio de Stálin. - Peço permissão para abrir fogo - disse Zhukov. - Permissão
negada. Convoque uma reunião do Politburo pois uma reação exagerada nossa poderia
irritar Hitler. - retrucou Stálin”. Zhukov também revelou detalhes de suas
correspondências com Stálin. Ele recontou que um gripado Stalin o chamou a
Moscou em outubro de 1941 para reorganizar o que ainda era uma raquítica defesa
ocidental fora de Moscou. Após chegar ao front, Zhukov descobriu que as defesas
montadas eram “absolutamente insuficientes”. “Eu estava numa situação
extremamente perigosa. Em essência, todas as vias de aproximação de Moscou
estavam abertas. Nossas tropas na linha de defesa de Mozhaisk não poderiam
parar o inimigo se ele investisse contra Moscou”.“Telefonei para Stalin. Disse
que a coisa mais urgente era ocupar a linha de Mozhaisk já que em partes da
frente ocidental não havia tropas soviéticas”. Logo depois, Stalin telefonou para
Zhukov informando que ele havia sido feito comandante da frente ocidental. A
relação entre os dois terminaria tragicamente quando Stalin tornou-se
preocupado com a popularidade de Zhukov após a guerra, e enviou-o para postos
obscuros em Odessa e nos Urais. Posteriormente, a batalha de Stalingrado
demonstrou que foi a resistência operária das massas e o heroísmo dos soldados
de base soviéticos que derrotou as tropas nazistas apesar da covardia da
burocracia soviética, como denunciou Trotsky no artigo “A URSS na Guerra”
elaborado depois do pacto germânico-soviético e antes da invasão alemã a
URSS, pontuando a necessidade da defesa incondicional do Estado Operário apesar
de Stálin e do acordo vergonhoso celebrado com Hitler, opondo-se a política abstencionista
de amplos setores da chamada “esquerda democrática” que acusavam na época do
pacto a aliança entre Hitler e Stálin uma prova que a URSS já não era um Estado
Operário e não deveria ser defendida, como fazem hoje vários revisionistas
(LIT, UIT, MAIS) que não defendem Cuba ou a Coréia do Norte como estados
operário deformados. Nesse artigo Trotsky foi mais uma clarividente ao prever a futura ruptura do pacto e o ataque de Hitler a URSS apontando desta forma as
tarefas colocadas para os genuínos revolucionários: “Porém, suponhamos que
Hitler aponte seus canhões para o Leste e invada os territórios ocupados pelo
exército vermelho. Sob estas condições, os partidários da Quarta Internacional,
sem modificar de forma alguma sua atitude frente à oligarquia do Kremlin,
colocarão como a mais urgente tarefa do movimento, a resistência militar contra
Hitler. Os operários dirão: ‘Não podemos deixar que Hitler derrote Stalin; isso
é tarefa nossa’. Durante a luta militar contra Hitler, os operários
revolucionários devem se esforçar para manter as relações, as mais fraternas
possíveis, com a base dos lutadores do Exército Vermelho. Enquanto isso com as
armas nas mãos, lutam contra Hitler, os bolcheviques deverão ao mesmo tempo,
fazer propaganda revolucionária contra Stalin, preparando sua derrota para a
próxima, a talvez muito próxima, etapa.”
A URSS NA GUERRA
Leon Trotsky (25 de Setembro de 1939)
O PACTO GERMANO-SOVIÉTICO E A NATUREZA DA URSS
Após a realização do pacto germânico-soviético, será
possível considerar a URSS com um estado operário? O futuro do estado soviético
já suscitou entre nós, várias discussões. Não é de estranhar; temos diante de
nós a primeira experiência de um estado operário na história. Antes disso, este
fenômeno nunca acontecera para que pudesse ser analisado. Como já havíamos dito
anteriormente, frente ao problema do caráter social da URSS, os erros
habitualmente acontecem, como o de substituir o fato histórico pela norma
programática. O fato histórico se desvincula da norma. No entanto, isto não
significa que a norma não tenha mais valor; ao contrario, foi reafirmada a
partir do ponto de vista negativo. A degeneração do primeiro estado operário,
investigada e explicada por nós, somente mostrou, mais graficamente, o que deve
ser um estado operário, o que poderia e deveria ser sob determinadas condições
históricas. A contradição entre o fato concreto e a norma, não nos leva a negar
a norma, mas ao contrario, lutar por ela através de uma via revolucionária. O
programa da revolução que se aproxima na URSS está determinado, por um lado,
pela nossa análise da URSS como um fato histórico objetivo, e por outro, pela
norma que define um estado operário. Não dizemos: “Tudo está perdido, devemos
começar tudo novamente”. De forma muito clara, indicamos aqueles elementos do
estado operário que atualmente podem ser preservados, mantidos e posteriormente
desenvolvidos.
Aqueles que hoje se esforçam para demonstrar que o pacto
germânico-soviético modifica nossa análise sobre o estado soviético mantêm, na
essência, as mesmas posições que o Comintern – ou mais exatamente, as mesmas
posições que o Comintern defendia ontem. De acordo com esta lógica, a missão
histórica do estado operário é a luta pela democracia imperialista. A “traição”
das democracias, em prol do fascismo, faz com que a URSS deixe de ser
considerada um estado operário. Na verdade, a assinatura do tratado com Hitler
só proporciona um elemento extra, com o qual pode-se medir o grau de
degeneração da burocracia soviética e seu desprezo pela classe operária
internacional, incluindo o Comintern, mas não dá nenhuma base para uma revisão
da apreciação sociológica da URSS.
AS DIVERGÊNCIAS SÃO POLÍTICAS OU TERMINOLÓGICAS?
Comecemos por colocar o problema da natureza do estado
soviético, não em um nível sociológico-abstrato, mas no plano das tarefas
políticas concretas. Admitamos, por um momento, que a burocracia é uma nova
“classe”, e que o atual regime da URSS é um sistema especial de exploração de
classe. Que novas conclusões podemos tirar a partir destas definições? Há muito
tempo, a Quarta Internacional reconheceu a necessidade de derrotar a burocracia
através de uma insurreição revolucionária dos trabalhadores. Nenhuma outra
coisa poderia e nem pode ser proposta por aqueles que proclamam que a
burocracia é uma “classe” exploradora. Com a derrota da burocracia, o objetivo
a ser alcançado, é o restabelecimento do governo dos sovietes (conselhos)
expulsando de seu interior a atual burocracia. Os críticos de esquerda(1) não
propõem nem poderiam propor algo diferente. A tarefa dos sovietes regenerados é
colaborar com a revolução mundial e com a construção de uma sociedade
socialista. Portanto, a derrota da burocracia pressupõe a preservação da
propriedade do estado e da economia planificada. É nisto que se encontra o “x”
da questão.
É evidente que a distribuição das forças produtivas entre os
diferentes ramos da economia, e de modo geral todo o conteúdo do plano, serão
mudados drasticamente quando este plano estiver sendo determinado não pelos
interesses da burocracia, mas pelos dos próprios produtores. Porém, à medida
que o problema da derrota da oligarquia parasitária continue unindo à
manutenção da propriedade nacionalizada (do estado) definimos a próxima
revolução como uma revolução política. Seja como for, alguns dos nossos
críticos (Ciliga, Bruno e outros) querem defini-las como uma revolução social.
Aceitamos esta definição. Em essência, o que será modificado? As tarefas da
revolução que estamos discutindo não ficam alternadas em nada.
Como norma nossos críticos aceitam os fatos tal e qual nós o
estabelecemos, há muito tempo atrás. Não acrescentam nada de essencial à
apreciação, seja sobre a situação da burocracia e dos trabalhadores, seja sobre
o papel do Kremlin no campo internacional. Em todos esses terrenos, não só não
conseguem desafiar nossa análise, mas se baseiam nela e inclusive se limitam
totalmente a ela. A única acusação que dirigem contra nós é a e que não tiramos
as “conclusões” necessárias. No entanto uma vez examinadas, parece que estas
conclusões possuem um caráter puramente terminológico. Nossos críticos se negam
a chamar o estado operário degenerado de estado operário. Exigem que a
burocracia totalitária seja chamada de classe dirigente. Se propõem a
considerar a revolução contra esta burocracia como uma revolução social e não
política. Se lhes fizéssemos estas concessões terminológicas, colocaríamos
nossos críticos em uma situação muito difícil, pois não saberiam nem mesmo o
que fazer com sua vitória puramente verbal.
EXAMINEMO-NOS MAIS UMA VEZ
Portanto, seria um monstruoso absurdo romper com os
camaradas que possuem uma opinião diferente da nossa sobre o problema da
natureza social da URSS, na medida em que se solidarizam conosco no que diz
respeito às tarefas políticas. Porém, por outro lado, estaríamos sendo cegos se
ignorássemos as divergências puramente teóricas, e inclusive terminológicas,
uma vez que no curso de novos desenvolvimentos, podem tomar corpo e sangue e
nos levar a conclusões diametralmente opostas. Assim como uma zelosa
dona-de-casa não deixa nunca sua casa ficar cheia de teias de aranha e lixo,
assim também um partido revolucionário nunca pode tolerar a falta da clareza, a
confusão e os equívocos. Nossa casa deve conservar-se limpa!
PARA ILUSTRAR ESTA IDÉIA, RECORDAREI A QUESTÃO DO TERMIDOR
Durante muito tempo, afirmamos que na URSS, o Termidor
estava somente sendo preparado, mas ainda não havia se consumado. Mais tarde,
analisando a analogia com o Termidor, de uma forma mais precisa e reflexiva,
chegamos à conclusão de que o Termidor já havia acontecido há muito tempo. Tal
retificação, aberta, de nosso próprio erro, não suscitou a mínima comoção em
nossas fileiras. Por que? Porque a essência dos processos na URSS havia sido
compreendida de maneira idêntica por todos nós, pois havíamos estudado juntos,
e todos os dias, o crescimento da reação. Para nós, tratava-se somente de
precisar melhor uma analogia histórica, mais nada. Espero que ainda hoje,
apesar do esforço de alguns camaradas para ocultarem as divergências sobre o
problema da “defesa da URSS” – tema que iremos tratar a seguir – posamos,
simplesmente precisando melhor nossas idéias, conservar nossa unanimidade sobre
as bases do programa da Quarta Internacional.
UM DESENVOLVIMENTO CANCEROSO OU UM NOVO ÓRGÃO?
Nossos críticos argumentaram, mais de uma vez, que a atual
burocracia soviética se parece muito pouco com a burocracia burguesa ou com a
burocracia operária da sociedade capitalista; e em grau muito maior que a
burocracia fascista, representa uma formação social nova e muito mais poderosa.
Isto é totalmente correto, e nunca fechamos nossos olhos a este fato. Porém, se
considerarmos a burocracia soviética como uma “classe”, então seremos obrigados
a afirmar, imediatamente, que essa classe também não se parece, em nada, com
nenhuma das classes proprietárias que conhecemos no passado; e o resultado,
portanto não é dos melhores. Frequentemente, qualificamos a burocracia
soviética como casta, sublinhando com isso seu caráter fechado, seu governo
arbitrário, e a altivez da camada dirigente, que consideraram seus progenitores
como descendentes dos lábios divinos de Brahma, enquanto que as massas
populares provêm das partes mais vis de sua anatomia. Porém, mesmo esta definição,
também não possui um caráter estritamente científico. Sua vantagem relativa,
reside no fato de que o caráter provisório deste termo fica claro para todos,
uma vez que não ocorre a ninguém, identificar a oligarquia de Moscou à casta
hindu dos brâmanes. A antiga terminologia sociológica não preparou, e nem
poderia preparar, um nome para um novo fenômeno social que está em processo de
evolução (degeneração), e que não assumiu formas estáveis. No entanto,
continuamos qualificando a burocracia soviética de burocracia, sem esquecer
suas particularidades históricas. No momento, e desde o nosso ponto de vista,
isto é suficiente.
Cientifica e politicamente – e não só terminologicamente – o
problema se coloca da seguinte forma: a burocracia representa um desenvolvimento
temporário em um organismo social, ou este desenvolvimento já se transformou em
um órgão historicamente indispensável? As excrescências sociais podem ser
produto de uma combinação “acidental” (ou seja, temporal e excepcional) de
circunstâncias históricas. Um órgão social (e toda classe, inclusive uma classe
exploradora, o é) não pode se constituir a não ser como resultado das profundas
exigências internas da própria produção. Se não respondemos a esta questão,
toda a discussão se degenerará em um estéril jogo de palavras.
A RÁPIDA DEGENERAÇÃO DA BUROCRACIA
A justificativa histórica de toda classe governante sempre
consistiu nisto: em que o sistema de exploração por ela dirigido, colocou o
desenvolvimento das forças produtivas em um nível superior. Indubitavelmente, o
regime soviético deu um poderoso impulso à economia. Porém, a origem deste
impulso foi a nacionalização dos meios de produção e o inicio da planificação
da economia, e de forma nenhuma, o fato da burocracia ter usurpado a direção da
economia. Ao contrario, a burocracia, como sistema, se converteu no pior dos
freios ao desenvolvimento técnico e cultural do país. Tal coisa ficou escondida
durante certo tempo, pelo fato da economia soviética ter se ocupado, durante
dois decênios, em transplantar e assimilar a tecnologia e a organização da
produção dos países capitalistas avançados. Bem ou mal, o período de cópias e
imitações ainda pôde se acomodar ao automatismo burocrático, ou seja, à asfixia
do espírito de iniciativa e criação. Porém, quanto mais se desenvolvia a
economia e mais complexas se tornavam as suas exigências, tanto mais
insuportável se tornava o obstáculo do regime burocrático. A contradição sempre
crescente entre uma e outra leva a convulsões políticas incessantes, ao extermínio
sistemático dos elementos criadores mais iminentes em todos os terrenos de
atividade. Assim, antes de se exsudar como “classe dirigente”, a burocracia
entrou em contradição irreconciliável com as exigências do desenvolvimento. A
explicação para tal coisa, deve ser buscada exatamente no fato de que a
burocracia não é a portadora de um novo sistema econômico próprio, que sem ela
se torna impossível, mas é uma excrescência parasitária em um estado operário.
AS CONDIÇÕES PARA A ONIPOTÊNCIA E QUEDA DA BUROCRACIA
A oligarquia soviética possui todos os defeitos das velhas
classes dirigentes, sem possuir a missão histórica destas. Na degeneração
burocrática do estado soviético, não são as leis gerais da sociedade
contemporânea, do capitalismo ao socialismo, as que encontram sua expressão,
mas sim um reflexo particular, excepcional e temporário dessas leis, nas
condições de um país revolucionário atrasado em um meio capitalista. A escassez
dos bens de consumo e a luta geral por sua obtenção dão origem ao surgimento de
um policial, que se atribui a função de distribuição desses bens. A pressão
hostil exercida a partir do exterior impõe ao policial, o papel de “defensor”
do país, lhe dá uma autoridade nacional e lhe permite dessa forma, saquear
duplamente o país.
No entanto, ambas as condições para a onipotência da
burocracia (o atraso do país e a vizinhança imperialista) possuem um caráter
temporário e transitório e devem desaparecer com a vitória da revolução
internacional. Os próprios economistas burgueses calcularam que, com uma
economia planificada, poder-se-ia elevar rapidamente a renda nacional dos EUA
para 200 bilhões de dólares anuais e desta forma, garantir a toda população não
só a satisfação de suas necessidades elementares, mas inclusive um verdadeiro
bem-estar. Por outro lado, a revolução internacional significa o fim do perigo
proveniente do exterior, causa suplementar da burocratização. A eliminação da
necessidade de se gastar uma parte enorme da renda nacional em armamentos,
aumentaria ainda mais o nível de vida e o nível cultural das massas. Nestas
condições, a necessidade de um policial-distribuidor desapareceria por si
mesmo. A administração, como uma cooperativa gigantesca, substituiria muito
rapidamente o poder estatal. Não haveria lugar para uma nova classe dirigente e
nem para um novo regime de exploração, situado entre o capitalismo e
socialismo.
E SE A REVOLUÇÃO SOCIALISTA NÃO SE REALIZAR?
A desintegração do capitalismo, assim como a desintegração
da velha classe dirigente alcançou limites extremos. É impossível a permanência
deste sistema. As forças produtivas devem ser organizadas de acordo com um
plano. Porém, quem levará a cabo esta tarefa? O proletariado ou uma nova classe
de “comissários” (políticos, administradores e técnicos)? De acordo com a
opinião de alguns pensadores, a experiência histórica demonstra que não se pode
ter esperanças no proletariado. O proletariado se mostrou “incapaz” de impedir
a última guerra imperialista, apesar do fato de que naquele momento já existiam
as condições materiais para a revolução socialista. Após a guerra, a vitória do
fascismo foi novamente conseqüência da “incapacidade” do proletariado para
tirar a sociedade capitalista do beco sem saída. Por sua vez, a burocratização
do estado soviético foi conseqüência da “incapacidade” do próprio proletariado
para negar a sociedade através de um mecanismo democrático. A revolução
espanhola foi estrangulada pelas burocracias fascistas e stalinistas, ante os
mesmos olhos do proletariado mundial. Por fim, o último elo desta cadeia, é a
nova guerra imperialista, cuja preparação tomou forma aberta, com uma total
impotência por parte do proletariado mundial. Se esta concepção for aceita, ou
seja, se se admite que o proletariado não possui forças para levar a cabo a
revolução socialista, então obviamente, a urgente tarefa de estatizar as forças
produtivas será levada a cabo por outros. Por quem? Por uma nova burocracia que
substituirá a burguesia decadente, como uma nova classe dirigente em escala
mundial é dessa forma que o problema começou a ser colocado por aqueles
“esquerdistas”, que não se cansam de debater em cima de palavras.
A GUERRA ATUAL E O DESTINO DA SOCIEDADE MODERNA
Pela própria evolução dos acontecimentos, este problema
agora é colocado de forma bastante concreta. Teve inicio a Segunda Guerra
Mundial. Tal coisa confirma, sem qualquer sombra de duvidas, que a sociedade
não pode continuar vivendo sobre as bases do capitalismo. Deste modo, submete o
proletariado a uma nova e talvez decisiva prova.
Se, como acreditamos firmemente, esta guerra provoca uma
revolução proletária, ela levará inevitavelmente à derrota da burocracia da
URSS e à regeneração da democracia soviética sobre bases econômicas e culturais
muito mais elevadas do que em 1918. Neste caso, o problema de se a burocracia
stalinista era uma “classe” ou uma excrescência no estado operário se resolverá
automaticamente. Para qualquer pessoa, ficará claro que, no processo de
desenvolvimento de revolução mundial, a burocracia soviética foi somente uma
recaída episódica.
No entanto, se se admite que a guerra atual provocará não a
revolução, mas um declínio do proletariado, então resta outra alternativa: a
maior decadência do capitalismo monopolista, sua maior fusão com o estado, e a
substituição da democracia ali aonde ainda existia por um regime totalitário.
Atualmente, e sob estas condições, a incapacidade do proletariado para tomar em
suas mãos a direção da sociedade, poderia levar ao crescimento de uma nova
classe exploradora, a partir da burocracia fascista bonapartista. De acordo com
essas evidências, este seria um regime de decadência, que assinalaria a eclipse
da civilização.
Resultado análogo poderia se dar no caso em que o
proletariado dos países capitalistas avançados, tendo conquistado o poder, se
mostrasse incapaz de conservá-lo e o abandonasse nas mãos de uma burocracia
privilegiada, como no caso da URSS. Então, seríamos obrigados a reconhecer que
a razão da recaída burocrática está baseada não no atraso do país, e nem no
cerco imperialista, mas na incapacidade congênita do proletariado, de se
converter em classe dirigente. Então, seria necessário estabelecer
retrospectivamente, que em seus traços fundamentais, a atual URSS foi
precursora de um novo regime explorador em escala internacional.
Nos distanciamos muito da controvérsia terminológica sobre a
nomenclatura do estado soviético. Porém, não deixamos nossos críticos
protestarem. Somente levando-se em conta a necessária perspectiva histórica
pode-se fazer um juízo correto sobre um problema como o da substituição de um
regime social por outro. A alternativa histórica, levada até o fim, é a
seguinte: ou o regime de Stalin é uma recaída detestável no processo de
transformação da sociedade burguesa em uma sociedade socialista, ou o regime de
Stalin é o primeiro estágio de uma nova sociedade exploradora. Se a segunda
hipótese mostrar-se correta, então, logicamente, a burocracia se converterá em
uma nova classe exploradora. Por mais custosa que seja a segunda perspectiva,
se o proletariado se mostrasse realmente incapaz de cumprir a missão que lhe
impõe o curso dos acontecimentos, restaria somente reconhecer que o programa
socialista, baseado nas contradições internas da sociedade capitalista, acabou
sendo uma utopia. E, por si só, estaria evidente que seria necessário um novo
programa “mínimo” para a defesa dos interesses dos escravos da sociedade
burocrática totalitária.
Porém, existem dados objetivos tão incontrovertidos ou
talvez, tão impressionantes, que hoje nos obriguem a renunciar à perspectiva da
revolução socialista? Esta é a questão.
A TEORIA DO “COLETIVISMO BUROCRÁTICO”
Pouco depois da subida de Hitler ao poder, um “comunista de
esquerda” alemão, Hugo Urbahns, chegou à conclusão de que ao invés do
capitalismo, estava iminente uma nova era histórica de “capitalismo de estado”.
Os primeiros exemplos desse regime que Urbahns assinalou foram a Itália, a URSS
e a Alemanha. No entanto, não tirou as conclusões políticas de sua teoria.
Recentemente, um “comunista de esquerda” italiano, Bruno R., que anteriormente
havia aderido a Quarta Internacional, chegou à conclusão de que o “coletivismo
burocrático” substituiria o capitalismo (Bruno R., La Bureaucratisation du
Munde, Paris, 1939). A nova burocracia é uma classe, uma relação com os trabalhadores
é a exploração coletiva, os proletários se converteram nos escravos dos
exploradores totalitários.
Bruno R. coloca num mesmo nível a economia planificada na
URSS, o fascismo, o nacional-socialismo e o New Deal de Roosevelt. Sem dúvidas,
todos estes regimes possuem características comuns, que, em última instância,
estão determinadas pelas tendências coletivistas da economia moderna. Inclusive
antes da revolução de outubro, Lênin formulou as principais particularidades do
capitalismo imperialista desta forma: concentração gigantesca das forças
produtivas, crescente grau de fusão do capitalismo monopolista com o estado, e
a tendência orgânica em direção à ditadura pura, como resultado desta fusão. As
características da centralização e da coletivização, determinam tanto a
política da revolução como a da contra-revolução; porém, de forma alguma, isto
significa que seja possível se igualar a revolução, o Termidor, o fascismo e o
“reformismo”, como resultado da prostração política da classe operária. O fenômeno,
em si mesmo, é incontestável. Porém, onde estão seus limites e qual o seu peso
histórico? O que nós aceitamos como uma deformação de um período transitório,
como o resultado do desenvolvimento desigual de múltiplos fatores no processo
social, é considerado por Bruno R. como uma formação social independente, na
qual a burocracia é a classe dirigente. De todas as formas, Bruno R. tem o
mérito de tirar o problema do círculo vicioso dos exercícios terminológicos em
cadernos escolares e passá-lo ao plano das generalizações históricas mais
importantes. Isso faz com que fique mais fácil descobrir o seu erro.
Como muitos ultra-esquerdistas, Bruno R. identifica, em
essência, o stalinismo com o fascismo. Por um lado, a burocracia soviética
adotou os métodos políticos do fascismo; por outro, a burocracia fascista, que
continua limitando-se a medidas “parciais” de intervenção estatal, está se
dirigindo e logo vai alcançar a estatização completa da economia. A primeira
afirmação é absolutamente correta. Porém, a afirmação de Bruno de que o
“anti-capitalismo” fascista seja capaz de chegar à expropriação da burguesia, é
completamente equivocada. As medidas “parciais” de intervenção estatal e
nacionalização, diferem na realidade da economia planificada de estado, tanto
quanto a reforma difere da revolução. Mussolini e Hitler estão somente
“coordenando” os interesses dos proprietários e “regulando” a economia
capitalista, e além disso tudo, principalmente para fins bélicos. A oligarquia
do Kremlin é, repitamos, outra coisa: tem a oportunidade de dirigir a economia
como organismo, só pelo fato da classe operária russa ter levado a cabo a maior
virada nas relações de propriedade de toda a história. Esta diferença não pode
ser deixada de lado.
Porém, mesmo que admitamos que o socialismo e o fascismo
vindo de pólos opostos, cheguem um dia a ser o mesmo tipo de sociedade
exploradora (“coletivismo burocrático”, de acordo com a terminologia de Bruno
R.), isto ainda não tirará a humanidade de seu beco sem saída. A crise do sistema
capitalista não é produzida somente pelo papel reacionário da propriedade
privada, mas também pelo não menos reacionário papel do estado nacional.
Inclusive se os diferentes governos fascistas tiverem êxito em estabelecer um
sistema de economia planificada em seu país, então – a longo prazo – à margem
dos inevitáveis movimentos revolucionários do proletariado, imprevisíveis em
qualquer plano, a luta entre os estados totalitários para a dominação mundial
continuará, e inclusive se intensificaria. As guerras devorariam os frutos da
economia planificada e destruiriam as bases da civilização. É certo que
Bertrand Russel acha que como resultado da guerra, algum estado vitorioso,
pudesse unificar o mundo inteiro em um cárcere totalitário. Porém, mesmo que
esta hipótese se realizasse, coisa que é altamente duvidosa, a “unificação”
militar não teria maior estabilidade do que o tratado de Versalhes. Os levantes
nacionais e as pacificações culminariam em uma nova guerra mundial, que seria a
sepultura da civilização. Não são os nossos desejos subjetivos, mas a realidade
objetiva, o que indica que o único caminho para a humanidade é a revolução
socialista mundial. A alternativa para isso é a volta à barbárie.
O PROLETARIADO E SUA DIREÇÃO
Muito breve deveremos dedicar um artigo, em separado, à
questão da relação entre a classe e sua direção. Aqui, devemos nos limitar só
ao mais indispensável. Somente “marxistas” vulgares, que consideram que a
política é um “reflexo” direto e simples da economia, são capazes de pensar que
a direção reflete a classe, direta e simplesmente. Na realidade, a direção,
tendo se elevado acima da classe oprimida, sucumbe inevitavelmente à pressão da
classe dominante. Por exemplo, a direção dos sindicatos norte-americanos,
“reflete” não tanto o proletariado, mas a burguesia. A seleção e educação de
uma verdadeira direção revolucionária, capaz de resistir à pressão da
burguesia, é uma tarefa extraordinariamente difícil. A dialética do processo
histórico se expressou de forma extremamente brilhante no fato de que o
proletariado do país mais atrasado, a Rússia, sob certas condições históricas,
deu lugar à direção mais sagaz e à mais corajosa. Ao contrário, o proletariado
do país com a mais antiga cultura capitalista, a Grã-Bretanha, possui, inclusive
hoje, a mais estúpida e servil das direções.
A crise da sociedade capitalista, que tomou um caráter mais
aberto em julho de 1914, produziu uma crise aguda na direção proletária, a
partir do primeiro dia da guerra. Durante os 25 anos que transcorreram desde
então, o proletariado dos países capitalistas avançados ainda não criaram uma
direção que possa estar à altura das tarefas de nossa época. No entanto, a
experiência da Rússia demonstra que tal direção pode ser criada. (Isso não
significa, logicamente, que estaria imune à degeneração). Consequentemente, a
questão está colocada de seguinte maneira: a necessidade histórica objetiva, em
seu longo caminho, abrirá seu próprio espaço na consciência da vanguarda da
classe operária? Ou seja, no processo desta guerra e destas profundas comoções
que deverá engendrar, formar-se-á uma verdadeira direção revolucionária, que
seja capaz de dirigir o proletariado rumo à conquista do poder?
A Quarta Internacional responde esta questão
afirmativamente, não só através do texto de seu programa(2), mas também através
do fato mesmo de sua existência. Todas as distintas variedades de
representantes desiludidos e atemorizados do pseudo-marxismo, atuam, pelo
contrário, baseados na suposição de que a bancarrota da direção “reflete”
somente a incapacidade do proletariado para levar a cabo sua missão
revolucionária. Nem todos nossos opositores expressam claramente este
pensamento, mas todos eles – ultra-esquerdistas, centristas, anarquistas, para
não mencionar os stalinistas e os social-democratas – descarregam sua
responsabilidade pelas derrotas nas costas do proletariado. Nenhum deles
assinala sob que condições precisas o proletariado será capaz de levar a cabo a
virada socialista.
Se admitirmos que é verdade que a causa das derrotas residem
nas qualidades sociais do próprio proletariado, então a situação da sociedade
moderna deverá ser considerada como desesperadora. Sob as condições do
capitalismo decadente, o proletariado não cresce nem numericamente e nem
culturalmente. Portanto, não existem motivos para esperar que em algum momento
se coloque à altura das tarefas revolucionárias. A questão se apresenta de
forma completamente diferente para aquele que tem claro o profundo antagonismo
que existe entre a exigência orgânica, profunda e insuperável das massas
trabalhadoras para se libertarem do sangrento caos capitalista, e o cadáver
conservador, patriótico e completamente burguês da direção do movimento
operário, que sobrevive por si mesma. Devemos escolher entre uma destas duas concepções
irreconciliáveis.
A DITADURA TOTALITÁRIA: UMA SITUAÇÃO DE CRISE AGUDA E NÃO UM
REGIME ESTÁVEL
A revolução de outubro não foi um acidente. Havia sido
prevista há tempos. Os acontecimentos confirmaram esta previsão. A degeneração
não refuta a previsão, porque os marxistas nunca acreditaram que um estado
operário isolado na Rússia pudesse se manter indefinidamente. Esperávamos, é
certo, a destruição do estado soviético ao invés de sua degeneração; ou mais
corretamente, não diferenciávamos o suficiente entre estas duas possibilidades.
Porém, elas não se contradizem de forma alguma. Em certo estágio, a degeneração
acaba inevitavelmente na destruição.
Um regime totalitário, seja do tipo stalinista ou do tipo
fascista, devido à sua própria essência, só pode ser um regime transitório,
temporário. Na história, a ditadura pura geralmente foi produto e o sinal de
uma crise social especialmente séria, e de forma alguma, de um regime estável.
As crises agudas não podem ser uma situação permanente da sociedade. Um estado
totalitário é capaz de suprimir as contradições sociais durante um certo
período, mas é incapaz de se perpetuar. As purgas monstruosas na URSS são o
testemunho mais convincente de que a sociedade soviética tende, organicamente,
a recusar a burocracia.
É algo realmente estranho que Bruno R. veja exatamente nas
purgas stalinistas, a prova de que a burocracia se converteu em classe
dirigente, pois em sua opinião, somente uma classe dirigente é capaz de tomar
medidas de tal amplitude(3). Sem dúvida, esquece que o czarismo, que não era
uma “classe”, também se permitiu tomar medidas de grande escala nas purgas, e
mais ainda, exatamente no período em que estava se aproximando de seu fim.
Sintoma da proximidade de sua agonia mortal, pela extensão e fraudulência
monstruosa de suas purgas, Stalin não nos testemunha outra coisa a não ser a
incapacidade da burocracia para se transformar em uma classe dirigente estável.
Não ficaremos em uma posição ridícula se justamente alguns anos antes ou alguns
meses antes da queda desonrosa da oligarquia bonapartista, lhe dermos a
denominação de nova classe dirigente? Em nossa opinião, colocar claramente esta
questão, isolará os camaradas das experiências terminológicas e das
generalizações extremamente ligeiras.
A orientação para a revolução mundial e a regeneração da
URSS
Já se demonstrou que um quarto de século é espaço de tempo
muito curto para o rearmamento revolucionário da vanguarda proletária mundial,
e um período muito longo para se manter o sistema soviético intacto e isolado
em um país atrasado. A humanidade agora está pagando por isso, com uma nova
guerra imperialista; mas a tarefa básica de nossa época não mudou só porque não
foi solucionada. No último quarto de século, uma conquista colossal e uma
mostra inapreciável para o futuro é constituída pelo fato de que um dos
destacamentos do proletariado mundial foi capaz de demonstrar na ação como esta
tarefa deve ser resolvida.
A segunda guerra imperialista coloca esta tarefa, ainda não
solucionada, num nível histórico muito mais elevado. Novamente, põe à prova,
não só a estabilidade dos regimes existentes, mas também a capacidade do
proletariado para substituir esses regimes. O resultado desta prova terá,
indubitavelmente, um significado decisivo para nossa avaliação sobre a época
contemporânea, como uma época da revolução proletária. Se, ao contrário de
todas as probabilidades, a revolução de outubro não encontrar, no curso da
guerra atual ou imediatamente depois, sua continuação em algum dos países
avançados; e se ao contrario, o proletariado for acossado em todas as frentes,
então sem dúvidas, deveremos colocar a questão de revisar nossa concepção da
época atual e suas forças motrizes. Neste caso, tratar-se-ia não de grudar uma
etiqueta sobre a URSS ou o bando de Stalin, mas de reconsiderar a perspectiva
histórica mundial para as próximas décadas, e talvez séculos: entramos na época
da revolução social e da sociedade socialista, ou ao contrário, entramos na
época da decadente sociedade da burocracia totalitária?
O duplo erro dos esquemáticos como Hugo Urbahns e Bruno R.,
consiste primeiro em que proclamam que este regime já foi finalmente
instaurado; e segundo, que definem como um estado transitório prolongado da
sociedade entre o capitalismo e o socialismo. Já é absolutamente evidente que
se o proletariado internacional, como resultado da experiência de toda nossa
época e da presente nova guerra, mostrar-se incapaz de se converter em dono da
sociedade, isto significaria a perda de toda a esperança para a revolução
socialista, uma vez que é impossível esperar outras condições mais favoráveis
para isso; em qualquer caso, agora nada é capaz de prever ou caracterizar tal
coisa. Os marxistas não têm o menor direito (se a desilusão e o cansaço não são
considerados “direitos”) de chegar à conclusão de que o proletariado perdeu
suas possibilidades revolucionárias e deve renunciar a todas as aspirações de
hegemonia na era imediatamente próxima. Na escalada da história, quando se
trata de profundas mudanças nos sistemas econômicos e cultural, vinte e cinco
anos pesam menos que uma hora na vida de um homem. Em que medida um homem é
justo quando por causa de fracassos empíricos que acontecem no decorrer de uma
hora ou um dia, renuncia aos objetivos que tinha, baseado na experiência e
análise de toda a sua vida anterior? Durante os anos da mais negra reação russa
(1907-1917), tomávamos como nosso ponto de partido aquelas possibilidades que o
proletariado russo havia revelado em 1905. Nos anos da reação mundial, devemos
partir das possibilidades que o proletariado russo revelou em 1917. A Quarta
Internacional não se chama partido mundial de revolução socialista por
casualidade. Nosso caminho não será mudado. Orientamos nosso curso em direção
da revolução mundial, em virtude deste mesmo fato, em direção à regeneração da
URSS como estado operário.
A política externa é a continuação da política interna
O que defendemos na URSS? Não são aquelas coisas nas quais a
URSS se parece com os países capitalistas, mas precisamente aquilo em que ela
se diferencia destes. Na Alemanha, também defendemos uma insurreição contra a
burocracia dirigente, porém só para derrotar imediatamente a propriedade
capitalista. Na URSS, a derrota da burocracia é indispensável para a
preservação da propriedade estatal. Estamos pela defesa da URSS somente neste
sentido.
Entre nós, não existe nada que coloque em dúvida o fato de
que os operários soviéticos devam defender a propriedade estatal, não só contra
o parasitismo da burocracia, mas também contra as tendências restauradoras da
propriedade privada, por exemplo, pela aristocracia kolkosiana. Porém, depois
de tudo isso, a política externa é a continuação da política interna. Se em
termos de política interna ligamos a defesa das conquistas da Revolução de
Outubro, com a luta irreconciliável contra a burocracia, também devemos fazer o
mesmo com relação à política externa. Sem dúvidas, Bruno R., de acordo com o
fato de que o “coletivismo burocrático” saiu vitorioso em todas as frentes, nos
assegura que nada ameaça a propriedade estatal, porque Hitler (e Chamberlain?)
estão tão interessados quanto Stalin na sua manutenção (logo verá!). É triste
dizer, mas as afirmações de Bruno R., são frívolas. Em caso de vitória,
certamente Hitler começaria por defender a devolução de todas as propriedades
que foram expropriadas aos capitalistas alemães; depois, asseguraria a mesma
coisa aos capitalistas ingleses, franceses, belgas, uma vez que chegaria a um
acordo com eles, às custas da URSS; por fim, faria da Alemanha o principal
contratador das mais importantes empresas estatais da URSS, favorecendo os
interesses da máquina militar alemã. Agora Hitler é um aliado e amigo de Stalin;
porém, se com a ajuda de Stalin, Hitler conseguir sair vitorioso na frente
Oeste, na manhã seguinte voltará seus canhões contra a URSS. E finalmente,
também Chamberlain, em circunstâncias semelhantes, atuaria da mesma forma que
Hitler.
A defesa da URSS e a luta de classes
Os erros existentes sobre o problema de defesa da URSS,
normalmente partem de uma compreensão incorreta dos métodos de “defesa”. De
forma alguma, a defesa da URSS significa se aproximar da burocracia do Kremlin,
aceitar sua política, ou conciliar com a política de seus aliados. Nesta
questão, assim como em todas as outras, permanecemos completamente no terreno
da luta de classes internacional.
Recentemente, no minúsculo jornal francês Que faire?,
dizia-se que como os “trotskystas” são derrotistas com relação à França e à
Inglaterra, eles também são derrotistas com relação à URSS. Em outras palavras:
se você quiser defender a URSS, deixe de ser derrotista em relação aos seus
aliados imperialistas. Que faire? Pensou que as “democracias” seriam os aliados
da URSS. O que estes sábios estão dizendo agora, não sabemos. Porém,
dificilmente seria algo importante, uma vez que seu método está podre.
Renunciar ao derrotismo com relação ao campo imperialista, ao qual a URSS hoje
adere ou aderirá amanhã, é empurrar os operários do campo inimigo para o lado
de seu governo; significa renunciar ao derrotismo em geral. Sob as condições de
uma guerra imperialista, a renuncia ao derrotismo, que é equivalente à negação
da revolução socialista – negar a revolução em nome da “defesa da URSS” –
sentenciará a URSS à decomposição final e à ruína.
“Defesa da URSS” segundo a interpretação do Comintern, assim
como a “luta contra o fascismo” de ontem, está baseada na negação da política
de independência de classe. O proletariado é transformado – por distintas
razões, em circunstâncias variadas, mas sempre e invariavelmente – em força
auxiliar de um campo burguês contra outro campo burguês. Contrastando com isso,
alguns de nossos camaradas dizem: na medida em que não queremos nos converter
em aliados de Stalin e seus aliados, renunciamos a sua compreensão de “defesa”
coincide exatamente com a compreensão dos oportunistas; não pensam em termos de
política independente por parte do proletariado. Como questão de fato,
defendemos a URSS como defendemos as colônias, como resolvemos todos os nossos
problemas, não apoiando alguns governos imperialistas contra outros, mas com o
método da luta de classes internacional, tanto nas colônias como nos centros
metropolitanos.
Não somos um partido governamental; somos o partido da
oposição irreconciliável, não só nos países capitalistas, mas também na URSS.
Nossas tarefas, entre elas a “defesa da URSS”, não são levadas a cabo através
de governos burgueses, nem muito menos do governo da URSS, mas exclusivamente
através da educação das massas, através da agitação, explicando aos operários o
que devem defender e o que devem derrotar. Tal “defesa” não pode ter resultados
imediatos milagrosos. Mas não pretendemos nos transformar em santos milagrosos.
Na situação atual, tal e como as coisas se apresentam, somos uma minoria
revolucionária. Nosso trabalho deve ser orientado de forma que os operários,
sob os quais temos influência, possam apreciar corretamente os acontecimentos,
não sejam colhidos de surpresa e preparem o sentimento geral de sua própria
classe para a solução revolucionária das tarefas que confrontamos.
A defesa da URSS, para nós, coincide com a preparação da
revolução mundial. Somente aqueles métodos que não entrem em conflito com os
interesses da revolução são admissíveis. A defesa da URSS está ligada à
revolução socialista mundial, assim como uma tarefa tática está ligada a uma
estratégia. Uma tática está subordinada a um fim estratégico e de forma nenhuma
pode entrar em contradição com este último.
A questão dos territórios ocupados
Enquanto escrevo estas linhas, a questão dos territórios
ocupados pelo exército vermelho ainda permanece obscura. Os despachos
telegráficos se contradizem uns com os outros, à medida que ambas as partes
mentem muito; mas as atuais relações nos campos de batalha são, sem dúvidas,
extremamente agitadas. A maior parte dos territórios ocupados serão, sem sombra
de dúvidas, parte da URSS. De que forma?
Vamos admitir por um momento, que de acordo com o tratado de
Hitler, o governo de Moscou deixe intacto os direitos de propriedade privada
nas zonas ocupadas e se limite a “controlar”, de acordo com o modelo fascista.
Tal concessão teria um caráter profundamente principista e poderia ser o ponto
de partida para um novo capítulo na história do regime soviético; e consequentemente,
de nossa parte, um ponto de partida para uma nova avaliação da natureza do
estado soviético.
No entanto, é mais provável que nos territórios que foram
planejados para fazer parte da URSS, o governo de Moscou atue expropriando os
grandes proprietários e estatizando os meios de produção. Esta variante é a
mais provável, não porque a burocracia continue sendo fiel ao programa
socialista, mas porque não deseja e nem é capaz de tomar o poder e os
privilégios que comparte com a velha classe dirigente nos territórios ocupados.
Aqui, é forçosa uma analogia literal. O primeiro Bonaparte deteve a revolução
através de uma ditadura militar. No entanto, quando as tropas francesas
invadiram a Polônia, Napoleão assinou um decreto: “A servidão está abolida”.
Tal medida foi adotada, não porque Napoleão simpatizasse com os camponeses, e
nem por princípios democráticos, mas pelo fato da ditadura bonapartista se
basear em relações de propriedade burguesa e não feudais. À medida em que a
ditadura bonapartista de Stalin se baseia na propriedade estatal e não na
privada, a invasão da Polônia pelo exército vermelho levará, por si só, à
abolição da propriedade privada capitalista, da mesma forma que fará com que o
regime dos territórios ocupados estejam de acordo com o regime da URSS.
Esta medida, de caráter revolucionário – “a expropriação dos
expropriadores” – neste caso é levada a cabo de forma burocrático-militar. O
chamado à ação independe das massas nos novos territórios – e sem tal chamado,
inclusive formulado com extrema prudência é impossível constituir um novo
regime – seria indubitavelmente esmagado no dia seguinte, por desapiedosas
medidas policialescas, visando assegurar a predominância da burocracia sobre as
massas revolucionárias vigilantes. Este é um lado da questão. Mas existe o
outro. Visando a possibilidade de ocupar a Polônia através de uma aliança
militar com Hitler, durante muito tempo o Kremlin cansou e continua cansando as
massas da URSS e no mundo inteiro, e com isso, desorganizou completamente as
fileiras de sua própria Internacional Comunista. O critério político
prioritário, não é, para nós, a transformação das relações de propriedade nesta
ou naquela área, por mais importantes que sejam, mas a mudança na consciência e
organização do proletariado mundial, a elevação de sua capacidade de defender
as conquistas obtidas e conquistar outras novas. A partir deste único e
decisivo ponto de vista, a política de Moscou, tomada em seu conjunto, conserva
completamente o seu caráter reacionário, e é o principal obstáculo no caminho
da revolução mundial.
No entanto, nossa análise geral sobre o Kremlin e o
Comintern, não modifica o fato particular de que a estatização da propriedade,
nos territórios ocupados, é em si mesmo uma medida progressiva. Reconhecemos
isso abertamente. Se amanhã Hitler lançar seus exércitos contra o Leste, para
restaurar a “lei e a ordem” na Polônia Oriental, os operários avançados
defenderão, contra Hitler, estas novas formas de propriedade estabelecidas pela
burocracia bonapartista soviética.
Não modificamos nossa orientação!
Como dissemos, a estatização dos meios de produção é uma
medida progressiva. Porém, sua progressividade é relativa; seu peso específico
depende da soma total de todos os fatores restantes. Assim, devemos constatar
primeiro e principalmente, que a extensão do território dominado pela
autocracia burocrática e pelo parasitismo, encobertas pelas medidas
socialistas, podem aumentar o prestígio do Kremlin, engendrar ilusões sobre a
possibilidade de substituir a revolução proletária por manobras burocráticas, e
tudo o mais. Este dano, ultrapassa de longe o conteúdo progressivo das reformas
stalinistas na Polônia. Para que a propriedade nacionalizada nas áreas
ocupadas, assim como na URSS, seja à base de um genuíno progresso, ou seja,
base para o desenvolvimento socialista, é necessário derrotar a burocracia de
Moscou. Nosso programa, consequentemente, conserva toda sua validade. Os
acontecimentos não nos surpreenderam. Só precisamos interpretá-los
corretamente. É preciso entender claramente que no caráter da URSS e em sua
posição internacionalista, estão contidas contradições agudas. É impossível se
livrar destas contradições com a ajuda de jogos de tipo terminológico (“Estado
operário” – “Estado não-operário”). Devemos considerar os fatos tais como eles
se apresentam. Devemos traçar nossa política tomando como ponto de partida as
reais relações e contradições.
Não confiamos nenhuma missão histórica ao Kremlin. Estivemos
e continuamos contra ocupações de novos territórios pelo Kremlin. Estamos pela
independência da Ucrânia soviética, e se os bielo-russos quiserem, também da
Bielo-Rússia soviética. Ao mesmo tempo, nas partes da Polônia ocupadas pelo
exército russo, os partidários da Quarta Internacional devem jogar um papel
decisivo na expropriação dos grandes proprietários de terra e capitalistas, na
distribuição de terra entre os camponeses, na criação de sovietes e comitês
operários etc. Enquanto fazem isso, devem conservar sua independência política,
devem lutar, nas eleições para os sovietes e comitês de fábrica, pela total
independência destes organismos frente à burocracia, e devem realizar
propaganda revolucionária no espírito de desconfiança com relação ao Kremlin e
seus agentes locais.
Porém, suponhamos que Hitler aponte seus canhões para o
Leste e invada os territórios ocupados pelo exército vermelho. Sob estas
condições, os partidários da Quarta Internacional, sem modificar de forma
alguma sua atitude frente à oligarquia do Kremlin, colocarão como a mais
urgente tarefa do movimento, a resistência militar contra Hitler. Os operários
dirão: “Não podemos deixar que Hitler derrote Stalin; isso é tarefa nossa”.
Durante a luta militar contra Hitler, os operários revolucionários devem se
esforçar para manter as relações, as mais fraternas possíveis, com a base dos
lutadores do exército vermelho. Enquanto isso com as armas nas mãos, lutam
contra Hitler, os bolcheviques deverão ao mesmo tempo, fazer propaganda
revolucionária contra Stalin, preparando sua derrota para a próxima, a talvez
muito próxima, etapa.
Este tipo de “defesa da URSS”, naturalmente será diferente –
tanto quanto o céu é diferente da terra – da defesa oficial que agora é levada
a cabo sob o lema: “Pela Pátria! Por Stalin!”. Nossa defesa da URSS é colocada
sob o lema: “Pelo socialismo! Pela Revolução Mundial! Contra Stalin”. Para que
estas duas variantes de “defesa da URSS” não se confundam na consciência das
massas, é necessário conhecer claramente e precisamente como formular
palavras-de-ordem que correspondam à situação concreta. Porém, acima de tudo, é
necessário estabelecer claramente o que estamos defendendo e como estamos
defendendo isso e contra quem estamos defendendo isso. Nossas palavras-de-ordem
criarão uma confusão entre as massas, somente se não tivermos uma clara
concepção de nossas tarefas.
CONCLUSÕES
Seja como for, agora não temos razões para modificar nossa
posição principista em relação à URSS.
A guerra acelera os distintos processos políticos. Pode ser que acelere o processo de regeneração revolucionária da URSS. Mas também pode ser que acelere o processo de degeneração final. Por isso, é indispensável que continuemos pacientemente e sem preconceitos, estas modificações que a guerra introduz na vida interna da URSS, de forma que possamos dar conta delas a tempo.
Nos territórios ocupados, nossas tarefas continuam sendo
basicamente as mesmas que na URSS; mas na medida em que estão colocadas de
forma extremamente aguda por causa dos acontecimentos, permite que
clarifiquemos muito mais as nossas tarefas gerais com relação à URSS.
Devemos formular nossas palavras-de-ordem de tal forma, que
os operários vejam claramente o que é que estamos defendendo na URSS
(propriedade estatal e economia planificada) e contra quem estamos levando uma
luta implacável (a burocracia parasitária e seu Comintern). Não devemos perder
de vista, por um só momento, o fato de que para nós, a questão da derrubada da
burocracia soviética está subordinada à questão da preservação da propriedade
estatal dos meios de produção na URSS; que a questão da manutenção da
propriedade estatal nos meios de produção da URSS está subordinada, para nós, à
questão da revolução proletária mundial.