EM 06 DE AGOSTO DE 2001 MORRIA JORGE AMADO: O GRANDE ESCRITOR E “PERSONALIDADE”
DO STALINISMO QUE RENEGOU O COMUNISMO CONVERTENDO-SE EM UMA PENA DÓCIL E
BAJULADORA DA REACIONÁRIA OLIGARQUIA BAIANA
Há 17 anos atrás morria Jorge Amado, em 06 de agosto de 2001. Quase todo militante da esquerda brasileira, em seu mais
variado espectro político, já leu no mínimo algum livro da vasta obra literária
do escritor baiano. Ele definitivamente desperta paixões e ódios... Até porque,
enquanto esmiuçava os dramas das bárbaras desigualdades do Brasil e edificava
na literatura “heróis revolucionários” como Luís Carlos Prestes, fazia aberta
campanha em defesa dos expurgos stalinistas, atacando política e moralmente
vários dirigentes que rompiam com as diretrizes centrais do PCUS. O exemplo
mais célebre foi sua campanha contra Hermínio Sacchetta, dirigente do Comitê
Regional do PCB de São Paulo na imperdível trilogia “Os Subterrâneos da
Liberdade”. Na obra, Amado retratou Sacchetta na figura do renegado e traidor
policial Abelardo Saquila, porque na vida real este era acusado no interior do
partido de ter cometido o crime político de demonstrar alguma simpatia pelo
“trotskismo”. Sacchetta acabou expulso do PCB com a ajuda da pena servil,
eficiente e respeitada do escritor baiano. Jorge Amado morreu em 6 de agosto de
2001. Ele teve exibido há poucos anos na tela global uma nova
adaptação (mal) inspirada em seu romance “Gabriela Cravo e Canela” e foi
elevado pela mídia capitalista ao panteão de um dos mais importantes escritores
brasileiros não “simplesmente” por suas inegáveis qualidades literárias. Ao
contrário, recebeu esse prêmio justamente porque rompeu com o comunismo ainda
em vida, usando todo seu prestígio para atacá-lo violentamente do ponto de
vista político e ideológico. Com esse passaporte chegou a ser um dos maiores
“apoiadores culturais” do coronel baiano ACM, homem forte da ditadura militar
no estado, que consolidou ainda mais seu poder em plena “Nova República” de
Sarney, figura asquerosa que parece mais uma cópia dos arquirreacionários
políticos tradicionais tão denunciados nas magistrais obras do próprio Amado.
Os “subterrâneos” da trajetória de Jorge Amado, que chegou a ser deputado
federal pelo PCB em 1945, conformando a histórica bancada do “Partidão” ao lado
de quadros como Marighella, Amazonas e Prestes, mas acabou nos braços da
burguesia revelam a involução política e cultural de um homem que deixou de
servir ao stalinismo para prestar seus serviços diretamente ao capital.
Jorge Amado iniciou sua obra literária com “O país do
Carnaval” em que retrata os problemas sociais de sua geração e ao mesmo tempo
se torna membro do PCB nos anos 30. A partir dessa época começa um período de
longa e tenaz produção literária em que aborda os dramas do Brasil e tramas
políticas dos coronéis do Norte e Nordeste, jogando luz nos preconceitos
sociais contra mulatos, negros, mestiços, da poderosa força religiosa dos
cultos afro-brasileiros e das gritantes diferenças de classe nos seus romances,
como “Cacau”, “Suor”, “Jubiabá”, “Mar Morto”, “Capitães da areia”, “A estrada
do mar”, “Terras do Sem-Fim”, “São Jorge dos Ilhéus”, “Bahia de Todos os
Santos”, “Seara vermelha” entre outros. Por outro lado, aprofunda-se o realismo
socialista em obras como “O Cavaleiro da Esperança”, “O Mundo da Paz” e a
trilogia “Os subterrâneos da liberdade” (“Os ásperos tempos”, “Agonia da noite”
e “A luz no túnel”), em que defende a política de coexistência pacífica do
stalinismo, sendo serviçal inconteste das ordens de Moscou, tanto que recebeu o
Prêmio Stálin Internacional da Paz em 1951 pelo conjunto de sua obra.
Alcançando tanto prestígio político e cultural foi eleito
para a bancada constituinte do PCB em 1945 e assume o mandato no ano seguinte.
Mas, já em 1948 a legalidade do partido é cassada e Jorge Amado vai para um
“auto-exílio” na Europa e depois conhece a URSS, quando escreve o livro “O
mundo de Paz” e logo em seguida a trilogia “Os subterrâneos da Liberdade”. Com
o PCB na clandestinidade, exilou-se por vontade própria em Paris e também morou
em Praga. Já no Brasil, o antes servil homem de propaganda do stalinismo, rompe
em 1955 com o PCB declarando que “Cumpri minha tarefa como comunista e
abandonei o partido em 1955 porque não queria mais receber ordens” em uma clara
diabrite pequeno-burguesa anticomunista, própria dos intelectuais que se acham
acima da luta de classes. Saiu do Partidão dizendo que já sabia desde 1954 das
atrocidades de Stalin, denunciadas publicamente em 1956 no XX Congresso do PCUS
por Kruchov: “Mas na realidade deixei de militar politicamente porque esse
engajamento estava me impedindo de ser escritor”. Já em 1956, depois de ganhar
bastante dinheiro com a quinta edição de “O Mundo da Paz” o escritor proíbe
reedições da obra, por agora perceber que o livro “trazia uma visão
desatualizada da realidade dos países socialistas”. Na verdade, estava em curso
um processo de profunda ruptura política e ideológica com o comunismo e de
adaptação à democracia burguesa, tanto que ele declara: “A esquerda em geral
não é democrata. Posso dizer porque fui comunista. Lutávamos confessadamente
pela ditadura do proletariado, que resultou em ditaduras pessoais e violentas.
Democracia não tem nada a ver com ideologia. Ou se é ou não é” e por fim
proclama: “Atrevo-me a dizer que as ditaduras de esquerda são piores, pois
contra as de direita pode-se lutar de peito aberto: quem o fizer contra as de
esquerdas acaba acusado de reacionário, vendido, traidor”. Apesar de todo esse
acometimento de “criticidade” ao stalinismo, nenhuma palavra sobre os ataques
que ele próprio fez a Sacchetta, já que aí entra a vaidade do “deus” Jorge
Amado e muito menos qualquer dedicação para colocar seu prestígio a serviço de
uma construção partidária alternativa e a esquerda do PCB como fez Sacchetta
que foi um dos fundadores do Partido Socialista Revolucionário (PSR), ligado a
Quarta Internacional nos anos 40. Em 1957, em uma nota incluída em seu livro de
memórias “Navegação de cabotagem” Jorge Amado escreveu: “A campanha de
desestalinização come solta da União Soviética, não vai durar por muito tempo,
a memória dos tiranos encontra sempre fanáticos a sustentá-la”. Na verdade,
usando sua capacidade literária, um Jorge Amado completamente quebrado e
corrompido ao capital estava se protegendo das críticas futuras quando iria se
aproximar de políticos ligados à ditadura militar como Sarney e ACM.
Já em 1958 escreve “Gabriela, cravo e canela” claramente
ainda difundindo o esquema herdado do stalinismo da ascensão da burguesia
liberal contra os oligarcas mais retrógrados. Celebrado na vida real pela
chamada “burguesia progressista” em plena ascensão do janguismo, Amado é eleito
por unanimidade em 1961 para a cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras. Com
o advento do golpe militar de 1964 aprofunda sua condição de “escritor” não
mais vinculado ao PCB, estabelecendo uma política de relativa boas relações com
o regime dos gorilas que não o incomodaram, já que no máximo participa de
alguns movimentos contra a censura prévia de livros ao lado do “liberal” Érico
Veríssimo. Por isso pode livremente transitar entre o Brasil, a Argentina e a
Europa, enquanto os militantes de esquerda eram mortos, torturados e
perseguidos, sob o silêncio de gente como Jorge Amado!
Enquanto a ditadura militar tratou de aniquilar a esquerda
que recorria à luta armada no fim dos anos 70, assassinado o ex-camarada de
bancada parlamentar de Jorge Amado no PCB, Carlos Marighella dirigente da ALN,
a TV Globo cooptou para seu núcleo cultural quadros quebrados ideologicamente
ligados à esquerda domesticada como o Partidão (Mário Lago, Dias Gomes...). Não
por acaso, em 1975 estreia o maior sucesso do escritor baiano na TV: a
adaptação de Walter George Durst do romance “Gabriela, cravo e canela”, levada
ao ar com direção de Walter Avancini, Sônia Braga no papel-título e Armando
Bogus interpretando Nacib. Hoje, a burguesia e a Rede Globo em particular que
acolheu o “novo” Jorge Amado ainda nos anos 70 se sente autorizada a
“prostituir” totalmente sua obra na nova interpretação de “Gabriela” para TV,
ao ponto de um prostíbulo do interior nordestino virar um verdadeiro “Moulin
Rouge” parisiense. Também pudera, o escritor baiano que antes denunciava as
oligarquias agora é homenageado pomposamente por elas! Já no período da chamada
“redemocratização”, a partir de 1985 o renegado Jorge Amado serviu
figurativamente às oligarquias mais reacionárias e a transição conservadora que
manteve a classe dominante que explora o povo pobre descrito em suas obras à
frente da gerência do “novo governo civil”, papel que desempenhou até a sua
morte em 2001, apesar de sempre proclamar que se mantinha totalmente afastado
da “política”. Suas obras nesse último período (“Descoberta da América pelos
Turcos”, “O Compadre de Ogum” ...) refletem um processo de alienação voltada
para temas religiosos desvinculados de lutas sociais. Em “Navegação de Cabotagem”,
um livro de memórias lançado em 1992, Jorge Amado pontua bem sua involução: “Redijo
e envio telegrama a Gorbachev. Agradeço-lhe a ação decisiva com que pôs término
à guerra fria, tornou mais distante e mais difícil uma terceira guerra mundial,
atômica, será o fim da vida sobre a Terra, me disse Frédéric Joliot-Curie em
Helsinque, em 1955. Agradeço-lhe igualmente a ação decisiva com que abriu
perspectivas para o estabelecimento da democracia nas nações que constituíram o
império soviético e viviam sob a ditadura. Eu o saúdo e a Raisa, sua mulher,
tão gentil em Moscou no trato com Zélia e comigo: meu escritor predileto,
Gabriela é meu livro de cabeceira, ainda não sendo verdade, apenas gentileza ou
astúcia política, foi agradável de ouvir pois Raisa é bela e inteligente. Com
Gorbachev estive apenas uma vez, no jantar que ofereceu a Sarney, no Kremlin:
citou-nos, a mim e a Oscar Niemeyer, no discurso com que saudou o presidente
brasileiro. Vejo-o no vídeo no momento em que deixa o poder, não o faz com o
desafogo de quem se liberta de um fardo e, sim, com desencanto, decepcionado,
vencido, perdeu as últimas batalhas da guerra que empreendeu para mudar a face
da URSS e do comunismo. Gosto cada vez mais de Gorbachev, em verdade devo dizer
que voltei a me solidarizar com ele no momento do golpe de estado, os ortodoxos
em desespero na investida final para dar marcha atrás e proclamar ainda uma vez
o stalinismo”.
Quando dos 100 anos do nascimento de Jorge Amado, em agosto
de 2012, o então presidente do Congresso Nacional, seu “amigo” José Sarney comandou
no arquicorrupto e reacionário parlamento burguês homenagens póstumas ao
escrito e ex-stalinista, proclamando essas palavras lapidares “Jorge Amado é a
mais forte presença de escritor na vida brasileira, não só por sua obra
literária inigualável, mas por sua capacidade de agir para construir o bem”. A
burguesia sabe homenagear aqueles que atacaram genuínos comunistas, serviram à
política de colaboração de classes e colocaram sua genial capacidade artística
e cultural a serviço de um “mundo de paz” para a classe dominante, enquanto
povo pobre e os trabalhadores, assim como os marginalizados em geral, tão bem
descritos nas obras de Jorge Amado povoam essas “terras do sem fim” vivendo
miseravelmente em verdadeiros subterrâneos da barbárie capitalista!