segunda-feira, 6 de agosto de 2018

EM 06 DE AGOSTO DE 2001 MORRIA JORGE AMADO: O GRANDE ESCRITOR E “PERSONALIDADE” DO STALINISMO QUE RENEGOU O COMUNISMO CONVERTENDO-SE EM UMA PENA DÓCIL E BAJULADORA DA REACIONÁRIA OLIGARQUIA BAIANA 


Há 17 anos atrás morria Jorge Amado, em 06 de agosto de 2001. Quase todo militante da esquerda brasileira, em seu mais variado espectro político, já leu no mínimo algum livro da vasta obra literária do escritor baiano. Ele definitivamente desperta paixões e ódios... Até porque, enquanto esmiuçava os dramas das bárbaras desigualdades do Brasil e edificava na literatura “heróis revolucionários” como Luís Carlos Prestes, fazia aberta campanha em defesa dos expurgos stalinistas, atacando política e moralmente vários dirigentes que rompiam com as diretrizes centrais do PCUS. O exemplo mais célebre foi sua campanha contra Hermínio Sacchetta, dirigente do Comitê Regional do PCB de São Paulo na imperdível trilogia “Os Subterrâneos da Liberdade”. Na obra, Amado retratou Sacchetta na figura do renegado e traidor policial Abelardo Saquila, porque na vida real este era acusado no interior do partido de ter cometido o crime político de demonstrar alguma simpatia pelo “trotskismo”. Sacchetta acabou expulso do PCB com a ajuda da pena servil, eficiente e respeitada do escritor baiano. Jorge Amado morreu em 6 de agosto de 2001. Ele teve exibido há poucos anos na tela global uma nova adaptação (mal) inspirada em seu romance “Gabriela Cravo e Canela” e foi elevado pela mídia capitalista ao panteão de um dos mais importantes escritores brasileiros não “simplesmente” por suas inegáveis qualidades literárias. Ao contrário, recebeu esse prêmio justamente porque rompeu com o comunismo ainda em vida, usando todo seu prestígio para atacá-lo violentamente do ponto de vista político e ideológico. Com esse passaporte chegou a ser um dos maiores “apoiadores culturais” do coronel baiano ACM, homem forte da ditadura militar no estado, que consolidou ainda mais seu poder em plena “Nova República” de Sarney, figura asquerosa que parece mais uma cópia dos arquirreacionários políticos tradicionais tão denunciados nas magistrais obras do próprio Amado. Os “subterrâneos” da trajetória de Jorge Amado, que chegou a ser deputado federal pelo PCB em 1945, conformando a histórica bancada do “Partidão” ao lado de quadros como Marighella, Amazonas e Prestes, mas acabou nos braços da burguesia revelam a involução política e cultural de um homem que deixou de servir ao stalinismo para prestar seus serviços diretamente ao capital.

Jorge Amado iniciou sua obra literária com “O país do Carnaval” em que retrata os problemas sociais de sua geração e ao mesmo tempo se torna membro do PCB nos anos 30. A partir dessa época começa um período de longa e tenaz produção literária em que aborda os dramas do Brasil e tramas políticas dos coronéis do Norte e Nordeste, jogando luz nos preconceitos sociais contra mulatos, negros, mestiços, da poderosa força religiosa dos cultos afro-brasileiros e das gritantes diferenças de classe nos seus romances, como “Cacau”, “Suor”, “Jubiabá”, “Mar Morto”, “Capitães da areia”, “A estrada do mar”, “Terras do Sem-Fim”, “São Jorge dos Ilhéus”, “Bahia de Todos os Santos”, “Seara vermelha” entre outros. Por outro lado, aprofunda-se o realismo socialista em obras como “O Cavaleiro da Esperança”, “O Mundo da Paz” e a trilogia “Os subterrâneos da liberdade” (“Os ásperos tempos”, “Agonia da noite” e “A luz no túnel”), em que defende a política de coexistência pacífica do stalinismo, sendo serviçal inconteste das ordens de Moscou, tanto que recebeu o Prêmio Stálin Internacional da Paz em 1951 pelo conjunto de sua obra.

Alcançando tanto prestígio político e cultural foi eleito para a bancada constituinte do PCB em 1945 e assume o mandato no ano seguinte. Mas, já em 1948 a legalidade do partido é cassada e Jorge Amado vai para um “auto-exílio” na Europa e depois conhece a URSS, quando escreve o livro “O mundo de Paz” e logo em seguida a trilogia “Os subterrâneos da Liberdade”. Com o PCB na clandestinidade, exilou-se por vontade própria em Paris e também morou em Praga. Já no Brasil, o antes servil homem de propaganda do stalinismo, rompe em 1955 com o PCB declarando que “Cumpri minha tarefa como comunista e abandonei o partido em 1955 porque não queria mais receber ordens” em uma clara diabrite pequeno-burguesa anticomunista, própria dos intelectuais que se acham acima da luta de classes. Saiu do Partidão dizendo que já sabia desde 1954 das atrocidades de Stalin, denunciadas publicamente em 1956 no XX Congresso do PCUS por Kruchov: “Mas na realidade deixei de militar politicamente porque esse engajamento estava me impedindo de ser escritor”. Já em 1956, depois de ganhar bastante dinheiro com a quinta edição de “O Mundo da Paz” o escritor proíbe reedições da obra, por agora perceber que o livro “trazia uma visão desatualizada da realidade dos países socialistas”. Na verdade, estava em curso um processo de profunda ruptura política e ideológica com o comunismo e de adaptação à democracia burguesa, tanto que ele declara: “A esquerda em geral não é democrata. Posso dizer porque fui comunista. Lutávamos confessadamente pela ditadura do proletariado, que resultou em ditaduras pessoais e violentas. Democracia não tem nada a ver com ideologia. Ou se é ou não é” e por fim proclama: “Atrevo-me a dizer que as ditaduras de esquerda são piores, pois contra as de direita pode-se lutar de peito aberto: quem o fizer contra as de esquerdas acaba acusado de reacionário, vendido, traidor”. Apesar de todo esse acometimento de “criticidade” ao stalinismo, nenhuma palavra sobre os ataques que ele próprio fez a Sacchetta, já que aí entra a vaidade do “deus” Jorge Amado e muito menos qualquer dedicação para colocar seu prestígio a serviço de uma construção partidária alternativa e a esquerda do PCB como fez Sacchetta que foi um dos fundadores do Partido Socialista Revolucionário (PSR), ligado a Quarta Internacional nos anos 40. Em 1957, em uma nota incluída em seu livro de memórias “Navegação de cabotagem” Jorge Amado escreveu: “A campanha de desestalinização come solta da União Soviética, não vai durar por muito tempo, a memória dos tiranos encontra sempre fanáticos a sustentá-la”. Na verdade, usando sua capacidade literária, um Jorge Amado completamente quebrado e corrompido ao capital estava se protegendo das críticas futuras quando iria se aproximar de políticos ligados à ditadura militar como Sarney e ACM.

Já em 1958 escreve “Gabriela, cravo e canela” claramente ainda difundindo o esquema herdado do stalinismo da ascensão da burguesia liberal contra os oligarcas mais retrógrados. Celebrado na vida real pela chamada “burguesia progressista” em plena ascensão do janguismo, Amado é eleito por unanimidade em 1961 para a cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras. Com o advento do golpe militar de 1964 aprofunda sua condição de “escritor” não mais vinculado ao PCB, estabelecendo uma política de relativa boas relações com o regime dos gorilas que não o incomodaram, já que no máximo participa de alguns movimentos contra a censura prévia de livros ao lado do “liberal” Érico Veríssimo. Por isso pode livremente transitar entre o Brasil, a Argentina e a Europa, enquanto os militantes de esquerda eram mortos, torturados e perseguidos, sob o silêncio de gente como Jorge Amado!

Enquanto a ditadura militar tratou de aniquilar a esquerda que recorria à luta armada no fim dos anos 70, assassinado o ex-camarada de bancada parlamentar de Jorge Amado no PCB, Carlos Marighella dirigente da ALN, a TV Globo cooptou para seu núcleo cultural quadros quebrados ideologicamente ligados à esquerda domesticada como o Partidão (Mário Lago, Dias Gomes...). Não por acaso, em 1975 estreia o maior sucesso do escritor baiano na TV: a adaptação de Walter George Durst do romance “Gabriela, cravo e canela”, levada ao ar com direção de Walter Avancini, Sônia Braga no papel-título e Armando Bogus interpretando Nacib. Hoje, a burguesia e a Rede Globo em particular que acolheu o “novo” Jorge Amado ainda nos anos 70 se sente autorizada a “prostituir” totalmente sua obra na nova interpretação de “Gabriela” para TV, ao ponto de um prostíbulo do interior nordestino virar um verdadeiro “Moulin Rouge” parisiense. Também pudera, o escritor baiano que antes denunciava as oligarquias agora é homenageado pomposamente por elas! Já no período da chamada “redemocratização”, a partir de 1985 o renegado Jorge Amado serviu figurativamente às oligarquias mais reacionárias e a transição conservadora que manteve a classe dominante que explora o povo pobre descrito em suas obras à frente da gerência do “novo governo civil”, papel que desempenhou até a sua morte em 2001, apesar de sempre proclamar que se mantinha totalmente afastado da “política”. Suas obras nesse último período (“Descoberta da América pelos Turcos”, “O Compadre de Ogum” ...) refletem um processo de alienação voltada para temas religiosos desvinculados de lutas sociais. Em “Navegação de Cabotagem”, um livro de memórias lançado em 1992, Jorge Amado pontua bem sua involução: “Redijo e envio telegrama a Gorbachev. Agradeço-lhe a ação decisiva com que pôs término à guerra fria, tornou mais distante e mais difícil uma terceira guerra mundial, atômica, será o fim da vida sobre a Terra, me disse Frédéric Joliot-Curie em Helsinque, em 1955. Agradeço-lhe igualmente a ação decisiva com que abriu perspectivas para o estabelecimento da democracia nas nações que constituíram o império soviético e viviam sob a ditadura. Eu o saúdo e a Raisa, sua mulher, tão gentil em Moscou no trato com Zélia e comigo: meu escritor predileto, Gabriela é meu livro de cabeceira, ainda não sendo verdade, apenas gentileza ou astúcia política, foi agradável de ouvir pois Raisa é bela e inteligente. Com Gorbachev estive apenas uma vez, no jantar que ofereceu a Sarney, no Kremlin: citou-nos, a mim e a Oscar Niemeyer, no discurso com que saudou o presidente brasileiro. Vejo-o no vídeo no momento em que deixa o poder, não o faz com o desafogo de quem se liberta de um fardo e, sim, com desencanto, decepcionado, vencido, perdeu as últimas batalhas da guerra que empreendeu para mudar a face da URSS e do comunismo. Gosto cada vez mais de Gorbachev, em verdade devo dizer que voltei a me solidarizar com ele no momento do golpe de estado, os ortodoxos em desespero na investida final para dar marcha atrás e proclamar ainda uma vez o stalinismo”.

Quando dos 100 anos do nascimento de Jorge Amado, em agosto de 2012, o então presidente do Congresso Nacional, seu “amigo” José Sarney comandou no arquicorrupto e reacionário parlamento burguês homenagens póstumas ao escrito e ex-stalinista, proclamando essas palavras lapidares “Jorge Amado é a mais forte presença de escritor na vida brasileira, não só por sua obra literária inigualável, mas por sua capacidade de agir para construir o bem”. A burguesia sabe homenagear aqueles que atacaram genuínos comunistas, serviram à política de colaboração de classes e colocaram sua genial capacidade artística e cultural a serviço de um “mundo de paz” para a classe dominante, enquanto povo pobre e os trabalhadores, assim como os marginalizados em geral, tão bem descritos nas obras de Jorge Amado povoam essas “terras do sem fim” vivendo miseravelmente em verdadeiros subterrâneos da barbárie capitalista!