"CHACINA DA LAPA" COMPLETA 42 ANOS: HONRAR A MEMÓRIA E A LUTA DOS MILITANTES DA ESQUERDA
COMUNISTA QUE TOMBARAM NA RESISTÊNCIA REVOLUCIONÁRIA CONTRA A DITADURA MILITAR!
No momento em que Cesare Battisti será preso para ser
extraditado por sua militância nas organizações da luta armada na Itália,
demonstrando que a sanha contra os revolucionários de ontem e de hoje
encontra-se mais viva do que nunca com a ascensão do neofascista Bolsonaro ao
governo central do país, é de fundamental importância relembrar e abstrair as
lições da “Chacina da Lapa” que ocorreu em 16 de dezembro de 1972, há exatos 42
anos atrás. Seria uma reunião de grande relevância para os rumos políticos do Comitê
Central do PCdoB que ocorria neste trágico dia mas as conclusões programáticas
do encontro clandestino (o mais representativo realizado após o encerramento
das atividades da guerrilha do Araguaia) não puderam chegar ao fim devido à
brutal ação policial fascista do regime militar contra o que restava no país da
direção partido após a derrota sofrida na região norte do Brasil. No centro da
pauta do CC estava o debate acerca do balanço político da ação militar
guerrilheira do partido, realizada sob orientação ideológica do Partido
Comunista Chinês. Não por coincidência a fração stalinista dirigente que
defendia o “grande acerto” da tática Maoista encontrava-se “refugiada”
justamente em Pequim. A doutrina de Mao Tsé Tung consistia fundamentalmente de
forjar a luta armada no campo e a partir deste movimento impulsionar um
"bloco de classes" com a burguesia nacional anti-imperialista para a
tomada do poder estatal. A ausência na reunião de dirigentes que na época se
colocavam mais "fiéis" a linha do PC chinês ameaçava mudar os rumos
do partido, estamos falando fundamentalmente de João Amazonas e Renato Rabelo
(atual dirigente "cânone" do PCdoB), que juntos se recusavam a fazer
qualquer movimento de autocrítica em relação aos desastrosos resultados
políticos da guerrilha do Araguaia. Do outro lado geográfico e político estavam
Pedro Pomar e Angelo Arroyo, este último comandante e sobrevivente da guerrilha
e que vivenciou a morte do dirigente histórico Maurício Grabois no desigual
combate militar com as forças da repressão. Pomar já tinha manifestado para a
militância partidária que estava em seu entorno suas diferenças de avaliação
política com Amazonas, secretário geral de fato do partido, gerando um profundo
“mal-estar” no interior da direção stalinista que não tolerava dissidências
internas. Pomar teria sido chamado para uma viagem de “advertência” a Albânia,
até então alinhada com a China de Mao, não efetivada em função do grave estado
de saúde em que se encontrava sua companheira. Como permaneceu no Brasil, Pomar
resolveu levar adiante suas posições e dar a batalha de suas ideias no âmbito
do CC do partido. Iniciada a histórica reunião do PCdoB no dia 11 de dezembro,
na rua Pio XI do bairro da Lapa em São Paulo, terminaria sob o assalto covarde
das forças de repressão do regime, levando a morte de Pomar, Arroyo e Drummond,
outros cinco dirigentes foram presos e torturados (entre eles Haroldo Lima e
Aldo Arantes) e dois não foram presos. Jover Telles e José Novaes saíram da
“casa aparelho” em dupla e foram os únicos a escapar do cerco policial. Algum
tempo depois a direção do PCdoB imputaria a responsabilidade criminosa do
ataque terrorista ao partido na “conta” de Jover Telles denunciado como um
“infiltrado” no CC. Segundo esta versão, sustentada por Amazonas, Telles teria
sido capturado pelo DOPS dias antes da “Chacina” e negociado sua liberdade em
troca da delação do partido. Mas o estranho é que somente em 1983, no sexto
congresso do PCdoB, se “oficializaria” a expulsão definitiva do “traidor”, ou
seja, quase sete anos após os gravíssimos acontecimentos da Lapa. Seguindo a
trilha das “denúncias” de Amazonas contra seus opositores internos nos
deparamos com outra acusação, desta vez o alvo seria o líder camponês José
Novaes, que ao contrário de Telles e Wladimir Pomar (filho de Pedro e também
preso na Lapa), resolveu organizar uma dissidência no seio do PCdoB. Diante das
circunstancias criadas (e nunca totalmente esclarecidas) em torno da militância
de Telles, este decide abandonar a política, Wladimir toma o rumo da
socialdemocracia europeia ingressando "dissolvido" dos ideais
comunistas no PT em 1980. Coube a Novaes, principal referência política da
dissidência na vanguarda de esquerda, reunir os outros companheiros do PCdoB
que estavam em processo de ruptura com o stalisnismo (Ozeas Duarte, Genoino
Neto e Jorge Paiva), fundar uma nova organização comunista, que viria a se
tornar o PRC em 1984. Mas se não foram os “camaleões” (alcunha pejorativa
atribuída por Renato Rabelo aos dissidentes do PCdoB) os delatores do aparelho
da Lapa, a quem mais interessaria a morte de Pedro Pomar e Arroyo? Quem teria
de fato “vazado” para os genocidas a informação da reunião que poderia ter
mudado a linha Maoista do PCdoB? Seria o Telles o delator ou o próprio Amazonas
teria "cantado" a reunião do partido para os facínoras do DOPS? No
seio dos aparatos burocráticos stalinistas tudo é possível, até tratar como
"agentes do imperialismo" gigantes revolucionários como foi Trotsky.
A primeira questão que deve ser respondida é porque somente
ao final da reunião do CC (que durou vários dias) a polícia da ditadura decidiu
agir, pondo em risco o próprio sucesso da operação criminosa. Registros do DOPS
revelaram que os agentes do regime militar sabiam da reunião no aparelho da
Lapa com pelo menos dez dias de antecedência, mas só intervieram após o CC do
PCdoB se inclinar, por uma pequena margem de maioria, na autocrítica da
guerrilha do Araguaia. Poderia Telles ter "sinalizado" para a
repressão o momento de intervir? Na incursão da casa da rua Pio XI, a policia
militar fuzilou sumariamente Pedro Pomar e Ângelo Arroyo, o jovem militante
Drummond morreu posteriormente em uma heróica tentativa de fuga na sede do
próprio DOPS. Os outros membros do CC foram presos e torturados, mas mantidos
vivos. Com a queda do CC, até então resistindo politicamente no Brasil, somente
restou ao PCdoB a direção instalada no exílio, e esta era completamente
favorável à desconsideração das resoluções programáticas aprovadas na Lapa
naquele trágico dezembro de 76. Amazonas logo reagrupou o “velho” Diógenes
Arruda (ex-tesoureiro e homem forte do Partidão), exilado em Portugal, e junto
a Dynéas Aguiar e Rabelo consolidou uma maioria alinhada com o PTA da Albânia,
dirigido por Enver Hodja. O expurgo tardio de Telles, fato não habitual no
mundo stalinista, leva a crer que Amazonas poderia ter "incentivado"
o delator e somente anos depois, já com uma situação estabilizada para ambos,
acusar a "traição de classe" do ex-camarada de direção partidária.
Com a chegada da “anistia” política ao país em 1979, a
direção nacional do PCdoB se reorganiza, sob as bases políticas da recém
ruptura do partido com o Maoismo (seguindo os passos do PTA albanês) agora
considerado como uma das principais vertentes do revisionismo, pondo fim à defesa
da guerrilha camponesa como "tática revolucionária" para o país. Esta
inflexão programática confunde os dissidentes da pseudomaioria “Amazonista” que
não conseguem se unificar, mesmo tendo ganho a última conferência partidária.
Neste período as suspeitas que recaiam sobre o próprio Amazonas, pela delação
da Lapa, se dissiparam em função da “quebra” política de Telles e da própria
criação da corrente estudantil “Caminhando” (embrião do PRC), impulsionada
nacionalmente por Genoino Neto e Adelmo Genro. O crescimento organizativo da
tendência “Caminhando” foi vertiginoso, a ponto de chegarem a presidência da
UNE na figura do baiano Ruy Cezar, recentemente falecido. Era a “gota d'água”
que faltava para o PCdoB incluir Genoino na lista de “traidores”, ao lado de
Novaes e Telles, só que neste caso a acusação de Amazonas se relacionaria à
guerrilha do Araguaia, onde o ex-presidente do DCE da UFC foi preso. Com a
ofensiva do PCdoB sobre os “camaleões”, o ex-militante do partido que teria
toda a autoridade moral para elucidar o verdadeiro festival de calúnias
stalinistas, seria Wladimir Pomar. Filho do grande quadro teórico Pedro Pomar,
assassinado na Chacina da Lapa, Wladimir esteve presente naquela reunião do CC,
também na condição de dirigente do partido. Mas o filho não tinha a mesma
estatura ideológica do pai Pedro, e optou por calar-se para o movimento
operário diante da intensa polêmica aberta no marco da esquerda comunista,
resumiu- se a escrever alguns livros sobre a vida do PCdoB. Wladimir seguiu o
“tranquilo” o curso de assessor “intelectual” da burocracia sindical Lulista, o
que lhe rendeu até pouco tempo atrás muitas vantagens financeiras (foi
responsável por intermediar negócios do governo Lula no âmbito do comércio
exterior com a China).
Os “Ziguezagues” programáticos do PCdoB ao longo de sua
história o descredenciaram totalmente perante a vanguarda revolucionária
mundial, como transitar da acusação de social imperialistas para China e Cuba e
hoje considerar estes países como “berço do socialismo”. O respeito e admiração
adquiridos com a morte heroica de seus militantes durante a Guerrilha do
Araguaia e nos anos de “chumbo” da ditadura viraram pó quando o partido
deliberou estabelecer as alianças políticas com oligarquias burguesas
conservadoras com Tancredo, Sarney. Sobreviventes da Chacina da Lapa, como
Haroldo Lima (ex-ANP) chegaram a defender a entrega do petróleo nacional para
as transnacionais imperialistas de energia e combustíveis. A plataforma
estratégica da “luta armada” dos anos 70 foi logo substituída pela apologia da
democracia burguesa como valor universal, levando o PCdoB para a vala comum da
socialdemocracia, disfarçada de “neodesenvolvimentista”. Mais recentemente, o
PCdoB anunciou a incorporação do PPL, um partido que foi um dos que empunharam
ao lado da direita, do MBL e de Bolsonaro o “Fora Dilma” nas marchas de 2015 e
2016. Juntou-se aos venais herdeiros do MR-8 que sempre prestaram seus serviços
sujos para a burguesia desde a chamada “redemocratização” renegando o passado
revolucionário da antiga organização da luta armada, passaram a ser capangas de
Quércia e Newton Cardoso contra a esquerda classista, nos últimos anos foram
apêndices do PSDB contra o PT. Os mártires da “Chacina da Lapa” desgraçadamente
não têm herdeiros políticos, nem no campo do decomposto PCdoB, nem tampouco no
terreno dos “dissidentes” que acabaram por dissolver organicamente o PRC na
“gosma” ideológica burguesa do PT. 42 anos depois caberá a uma nova geração de
combatentes classistas, forjada na têmpera revolucionária do enfrentamento,
primeiro com as gestões petista da Frente Popular e agora com o governo
neofascista de Bolsonaro, honrar a memória e a luta de todos os militantes da
esquerda comunista que caíram sob o tacão assassino da ditadura do capital.