Por que Lula, Gilmar Mendes e Jobim se encontraram em
Brasília?
O encontro entre Lula e Gilmar Mendes obviamente não
foi um acaso. Ele ocorreu por pedido do ex-presidente da república, que usou como
interlocutor Nelson Jobim, para sondar Gilmar Mendes sobre a possibilidade de um acordo
envolvendo a votação no STF do caso do mensalão, particularmente com relação à
delicada situação de José Dirceu. A reunião foi agendada com antecedência de
três dias por Clara Ant, secretária de Lula e realizada no escritório de Jobim
como parte da tentativa do ex-presidente livrar Dirceu da prisão ou mesmo
tentar adiar o julgamento do caso para 2013, em um ano não eleitoral e,
portanto, com menos holofotes, já que tudo indica que a maioria dos juízes do “Supremo”
vai seguir a recomendação do Procurador-Geral da República, Roberto Gurguel, de
punir exemplarmente o ex-chefe da Casa Civil de Lula, como desejam setores do
próprio governo Dilma e a oposição demo-tucana. O encontro tratou-se de uma
negociação entre as quadrilhas burguesas que controlam os poderes da república
e rapinam o botim estatal. O que Gilmar levaria em troca para “aliviar” a barra
de Dirceu? A continuidade de suas negociatas milionárias na condição de membro
do STF através de vendas de sentenças e pareceres, já que no interior deste covil
de bandidos de toga a maioria dos juízes (6 dos 11) foi indicada por Lula e
estes poderiam “dificultar” a vida de Mendes no tribunal. Para se ter uma
pequena ideia do grau de corrupção em que os juízes do STF estão envolvidos,
basta saber que no dia da prisão de Cachoeira, 29 de fevereiro, o próprio
Gilmar Mendes iria dar um parecer no STF sobre a legalidade ou não de um
decreto do governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), sobre a liberação do
jogo de caça-níqueis em bares e casas de show. Com o escândalo, a decisão foi
adiada...
Só ingênuos ou membros da imprensa “chapa branca”
podem acreditar e difundir a versão de que Lula foi alvo de uma “armadilha”
montada por Jobim e Gilmar, dois expoentes da “direita arquirreacionária”, como
“vendem” alguns blogs e publicações de “esquerda” a soldo da frente popular. Na
verdade, Jobim cumpriu no encontro com Gilmar Mendes a mesma função que tinha
no governo Lula e até pouco tempo exercia na gestão de Dilma: ser uma “ponte”
entre o núcleo duro petista com setores da oposição demo-tucana e do judiciário
mais refratários ao lulismo. Não por acaso, o ex-ministro da defesa foi mantido
no gabinete de Lula e depois reconduzido ao governo Dilma, mesmo após anunciar
que votaria em Serra nas eleições presidenciais de 2010. Jobim, como membro do
PMDB, próximo a FHC e ao PSDB, além de ter livre acesso a Lula, foi e continua
sendo uma peça chave nas relações interpartidárias burguesas que sustentam o
governo da frente popular e garantem sua estabilidade política. Nada mais
“normal”, até porque foi ex-ministro da Justiça no governo do PSDB, presidente
do STF e indicado por FHC para o “Supremo”, de ser utilizado por Lula para
buscar um acordo ou no mínimo uma sondagem com Gilmar Mendes, também indicado
pelo tucano para o STF, um facínora conhecido por sua truculência de corte
fascistizante.
O “vazamento” da conversa pela revista Veja, cujo teor
foi integralmente confirmado por Gilmar Mendes, ocorreu justamente porque não
se chegou a um acordo em um primeiro momento, já que Mendes sabe que setores de
peso do próprio PT e mais particularmente do núcleo próximo a presidente Dilma
querem ver Dirceu punido, principalmente após ser público que o ex-capo petista
ter provocado a queda de Antônio Palocci. As disputas internas no interior da quadrilha
petista na verdade refletem as articulações internas para a eleição
presidencial de 2014, já que Dirceu, Rui Falcão e os nomes mais chegados a Lula
estão extremamente preocupados diante da possibilidade do ex-presidente não
poder concorrer em função de seu debilitado estado de saúde. Neste caso, a
certa reeleição de Dilma significa o enfraquecimento do chamado “campo
majoritário” dentro do PT, deslocando o máximo de poder para o staff político
sob controle direto da atual presidente. Não por acaso, enquanto a Revista Veja
ataca virulentamente Dirceu, Lula e os setores “radicais” do PT, elogia
rasgadamente Dilma em seus editoriais, pois a oposição burguesa sem chance de
vitória eleitoral em 2014 visa fragilizar o lulismo, mais particularmente o
núcleo histórico do petismo de São Paulo e manter boas relações com a ex-poste
e seu séquito tecnocrata ascendente. No meio dessa “guerra de foice” petista,
nada melhor para Dilma rifar desde logo Dirceu através de uma decisão do STF
que retiraria definidamente o ex-chefe do esquema do mensalão de seu caminho.
Em mais um lance revelador das escaramuças palacianas,
a imprensa noticiou que o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, o
mesmo que estava sendo pressionado pelos aliados de Dirceu para que depusesse
na CPMI de Cachoeira visando fazê-lo recuar no pedido de prisão do petista
devido ao esquema do mensalão, agora vai encaminhar para a primeira instância a
representação que pede uma investigação contra o ex-presidente Lula. Nada como
um dia depois do outro... Ontem mesmo, partidos da oposição protocolaram o
pedido contra o ex-presidente por causa da reunião com Mendes, alegando que ele
teria cometido crime por pedir o “adiamento do julgamento do processo do
mensalão”. Como não poderia deixar de ser, DEM, PSDB e PPS tendo ao seu lado o
PSOL, acionaram a PGR afirmando que Lula cometeu três crimes: tráfico de
influência, corrupção ativa e coação no curso do processo judicial. O PSOL,
como paladino da “ética na política”, considera a conduta de Lula como um
“ataque as instituições republicanas e a independência entre os poderes”,
atuando junto com a oposição conservadora na farsa que serve para encobrir dos
trabalhadores o fato de que Lula não fez mais do que atuar nos bastidores tal como
agem todos os representantes do Estado burguês, que fazem suas negociatas em
torno do assalto ao botim estatal.
Todas essas “revelações” só comprovam o que já
afirmava Marx no Manifesto do Partido Comunista: o Estado burguês é um comitê
executivo dos negócios dos capitalistas, sendo os governos seus gerentes de
plantão. A partir dessa compreensão, não há qualquer surpresa no fato de Lula,
Jobim e Mendes terem se encontrado em Brasília no último dia 26 de abril para
seguir mantendo o pacto das elites parasitárias contra o povo trabalhador,
voltado sempre a livrar os políticos burgueses de qualquer punição, enquanto
mantém na cadeia milhares de trabalhadores atrás das grades. Nesse conluio não
existem “anjos ou demônios”, mas sim inimigos de classe dos trabalhadores,
sejam eles ligados ao PT, PSDB ou PMDB. Como todos são faces da mesma moeda, os
trabalhadores devem compreender que essas escaramuças fazem parte da disputa
entre os partidos burgueses e suas próprias máfias internas. Denunciar o
conjunto do regime político e suas instituições é fundamental para romper as
ilusões na democracia dos ricos visando forjar uma alternativa revolucionária
própria de poder dos explorados.