Regime dos Aiatolás
dividido frente às negociações do “reformista” Rohani com o imperialismo para
celebrar um acordo nuclear
O Irã está sendo palco
de uma intensa disputa política entre as diversas alas que compõem o Regime dos
Aiatolás. Para se ter uma ideia, na véspera das rodadas de negociações entre o
governo Hassan Rohani e o Grupo 5+1 (China, Estados Unidos, França, Reino Unido,
Rússia e Alemanha) sobre o programa nuclear do país persa, uma imensa multidão
saiu às ruas para celebrar o 34º aniversário da tomada da embaixada americana
em Teerã, em sinal de descontentamento em relação à recente aproximação com
Washington. Aos gritos de “Morte à América” e “Morte a Israel”, milhares de
iranianos atenderam em 4 de novembro ao apelo de grupos políticos que se opõem
as conversações e queimaram bandeiras americanas e israelenses. Vários
dirigentes do regime estavam presentes incluindo o chefe do Bassidj (milícia
islamita) Mohammad Reza Naghdi. Foi uma demonstração de descontentamento com
Rohani, um moderado apoiado por reformistas. Desde a sua eleição, o novo
presidente tem mantido uma posição mais conciliadora com o imperialismo ianque
e as potências ocidentais, sob o pretexto de por um fim às sanções contra o
Irã. Em setembro, durante a Assembleia Geral da ONU em Nova York, Barack Obama telefonou
para Hassan Rohani, em um primeiro contato direto entre os líderes dos dois
países desde a Revolução de 1979. Essa atitude foi criticada inclusive pelo
Guia Supremo do Irã, aiatolá Ali Khamenei, que considerou “desapropriadas”
algumas ações de Rohani. As potências mundiais voltaram a se reunir com os
negociadores iranianos em Genebra nos dias 7 e 8 de novembro, depois de um
encontro realizado no mês passado entre as duas partes, no qual o Irã
apresentou uma nova proposta, mas não se chegou a um acordo porque Rohani
alegou que precisava do aval do aiatolá Ali Khamenei, ou seja, chamou as potências
capitalistas a pressionarem o Guia Supremo do Irã.
Diante das iniciativas de Rohani, o aiatolá Khamenei advertiu os negociadores: “Nós não devemos confiar em um inimigo que nos sorri. Os americanos sorriem para nós e dizem que querem negociar, mas ao mesmo tempo, eles dizem que todas as opções estão sobre a mesa”. O Guia Supremo, que tem a última palavra sobre o programa nuclear, forneceu seu apoio aos negociadores iranianos, mas também expressou seu pessimismo sobre a possibilidade de avançar nas negociações e lembrou as décadas de hostilidades e receios do Ocidente em relação ao Irã. A ala mais dura do regime iraniano também é cética e teme que os negociadores, liderados pelo ministro das Relações Exteriores, Mohamed Javad Zarif, façam muitas concessões ao imperialismo. Para o ex-negociador nuclear e candidato derrotado à presidência em junho, Saeed Jalili, “o slogan ‘morte à América’ (entoado durante a cerimônia) não é dirigido ao povo americano, mas ao governo dos Estados Unidos que oprime outros povos”. Segundo ele, “Nós dissemos ao mundo há 34 anos que a embaixada dos Estados Unidos era um local de espionagem e conspiração (...) hoje em dia, até mesmo amigos e aliados dos Estados Unidos chegaram à mesma conclusão”, acrescentou em referência aos recentes escândalos de espionagem americana em todo o mundo. Jalili havia sido criticado por Rohani devido sua recusa em fazer concessões como negociador nuclear. Sob o ex-presidente Mahmoud Ahmadinejad, as conversas sobre o assunto praticamente se restringiram a sanções e ameaças. Diante destas reações, o atual presidente iraniano declarou neste domingo, 10 de novembro, que o Irã não abandonará seus direitos nucleares, incluindo o enriquecimento de urânio, poucas horas depois de uma rodada de negociações internacionais que terminou sem acordo: “Há linhas vermelhas que não podem ser cruzadas. Os direitos da nação iraniana e nossos interesses são uma linha vermelha. E também o são os direitos nucleares no âmbito das regras internacionais, que incluem o enriquecimento de urânio em solo iraniano”. Uma nova reunião foi marcada para o dia 20 de novembro. Segundo Rohani: “Se quisermos concluir com êxito estas negociações, precisaremos do apoio do Guia Supremo (o aiatolá Ali Khamenei) e dos deputados”.
A vitória de Hassan
Rohani, um clérigo moderado no espectro xiita, foi montada justamente para
evitar a polarização interna que agora toma corpo no país persa. A burguesia
iraniana deseja criar as condições para negociar um acordo com o imperialismo
ianque que impeça a agressão militar ao país persa em troca de amplas
concessões no terreno de sua soberania nacional, isolando os setores mais
resistentes a tal giro servil. A base para alcançar este novo objetivo é o
recuo no programa nuclear iraniano, uma exigência da Casa Branca para começar
as negociações. Quando Rohani foi eleito, Obama lançou um comunicado em que
declarou sua disposição de “colaborar” com o novo presidente. O falcão negro
afirmou que a eleição de Rohani era “um sinal potencialmente esperançoso se ele
fizer jus às suas promessas de campanha de ser aberto sobre o programa nuclear.
Para se chegar a esse ponto, precisamos que ele cumpra com as obrigações do
programa nuclear, e se ele fizer isso, haverá grande oportunidade para o Irã e
as pessoas desse país ter o tipo de futuro que seria justificável quererem”
(G1, 16/06). Obama deseja que o atual presidente comande, sob as ordens de
Khamenei, um recuo do armamento e da defesa nuclear iraniano, o que significa
deixar o caminho livre para o enclave nazi-sionista de Israel não ter um
contraponto militar na região e para novas agressões contra países
não-alinhados automaticamente com os EUA, como é o caso da Síria! Rohani esteve
à frente das negociações nucleares entre 2003 e 2005 sob a presidência do
também “reformista” Mohammad Khatami. Na época, o Irã aceitou a suspensão do
enriquecimento de urânio após negociações com a troika europeia (França,
Grã-Bretanha e Alemanha), mas este caminho foi barrado por Ahmadinejad. Ele
cumpriu dois mandados como presidente do país e adotou uma conduta de relativo
enfrentamento com o imperialismo, tanto que o país é alvo de várias sanções
internacionais deliberadas pela ONU. Em função disso, ele foi claramente
alijado do processo eleitoral. Sua aproximação com o chavismo e a centro-esquerda
burguesa latino-americana contribuiu para ser rifado, além da contestação
pública de algumas decisões de Khamenei.
Lembremos que o objetivo
central do Pentágono ao desestabilizar a Síria é neutralizar o regime da
oligarquia Assad para debilitar o Hezbollah e seguir sem maiores obstáculos em
seu plano de atacar Irã. Ao que tudo indica, “preventivamente”, os Aiatolás
agiram logo em busca de um acordo vergonhoso com a Casa Branca e para isso
“elegeram” Hassan Rohani, que já foi negociador nuclear iraniano e, como
representante dos chamados “reformistas”, tem bastante trânsito junto a União
Europeia, Israel e EUA. Também pesou nesta decisão as sanções internacionais
impostas ao Irã. As medidas provocaram um aumento do desemprego, fizeram a inflação
saltar para mais de 30% e causaram a desvalorização do Rial em quase 70%. O
atual presidente prega uma política mais flexível em relação às grandes
potências com o objetivo de amenizar as sanções. A vitória de Hassan Rohani
marcou o retorno dos chamados “moderados” e “reformistas” ao governo persa,
após um longo hiato iniciado depois das manifestações contra a reeleição de
Ahmadinejad em junho de 2009, chamadas a época de “Revolução Verde”. Hassan
Rohani apoiou os manifestantes que protestaram contra o resultado das eleições
e criticou o governo pela repressão aos protestos. O imperialismo também deu
respaldo às manifestações contra Ahmadinejad, acusando-o de fraudar as
eleições. Na época, não podendo derrubar o governo iraniano, Washington buscou
desestabilizá-lo, apoiando-se em um amplo setor da burguesia iraniana, alinhada
em torno da candidatura de Mir Hossein Moussavi, uma caixa de ressonância das
pressões imperialistas, turbinada após a campanha midiática contra os
resultados eleitorais. Desde então a Casa Branca impulsionou a oposição interna
contra Ahmadinejad. No lastro da vitória alcançada com a fantasiosa “revolução
árabe”, que promoveu com sucesso a transição conservadora no Egito e na Tunísia
além de derrubar o regime nacionalista líbio e está impondo a desestabilização
do governo da oligarquia Assad na Síria, Obama veio trabalhando e pressionando
para construir no Irã um cenário de fortalecimento da oposição “reformista” que
hoje volta novamente ao governo, ainda que em sua versão mais domesticada pelo
aiatolá Ali Khamenei. O Regime dos Aiatolás entendeu a mensagem da Casa Branca
e agiu “elegendo” Hassan Rohani como parte de uma tentativa de um acordo prévio
com o imperialismo.
Longe de expressar uma
unidade do regime político, o governo de Rohani demonstra a fissura crescente
dentro da cúpula teocrática do Regime dos Aiatolás, corroída pela sedução
imperialista, que teve em Obama um poderoso operador. Tanto a situação “linha
dura” xiita quanto a oposição “reformista” buscaram uma reaproximação
estratégica com o imperialismo ianque, mas com clara diferenças de grau e
velocidade. Os revolucionários não são partidários do Regime dos Aitolás no
Irã, embora reconheçamos os avanços anti-imperialistas conquistados pelas
massas em 1979. Sempre alertamos que a burguesia iraniana, diante de seu
isolamento internacional e das sanções impostas pela ONU, estava buscando um
acordo estratégico com o imperialismo ianque e europeu. A escolha de Hassan
Rohani reforça tremendamente este rumo de aberta concessão política, econômica
e militar. Ainda assim, não está descartado um incremento da pressão do
imperialismo ianque e de Israel sobre o país, exigindo sua rendição completa,
perspectiva que sofre grande resistência interna, particularmente pelas massas
iranianas que viram a barbárie imposta à Líbia e a destruição em curso na
Síria. Justamente por isto, o governo de Hassan Rohani não está sendo
tranquilo, já que uma capitulação vergonhosa pode levar a enfrentamentos entre
as diversas alas do regime. Frente a esta situação ainda incerta, defendemos
integralmente o direito deste país oprimido a possuir todo arsenal militar
atômico ao seu alcance. É absolutamente sórdido e cretino que o imperialismo
ianque e seus satélites pretendam proibir o acesso à tecnologia atômica aos
países que não se alinham com a Casa Branca, quando esta arma “até os dentes”
Estados gendarmes como Israel com farta munição atômica. Como marxistas, não
dissimulamos em um só momento o caráter burguês e obscurantista dos regimes
nacionalistas do Irã ou do próprio Hezbollah. Mas estes fatos em nada mudam a
posição comunista diante de uma possível agressão imperialista contra uma nação
oprimida.
Não nos omitiremos de
estabelecer uma unidade de ação com o Regime dos Aiatolás, diante de uma agressão
imperialista, ainda que este esteja claramente dando sinais que irá capitular.
Por esta mesma razão, chamamos o proletariado persa a construir uma alternativa
revolucionária dos trabalhadores que possa combater consequentemente o
imperialismo e derrotar todas as alas do regime, denunciando desde já o papel
servil do governo Rohani. É bom lembrar que os marxistas já estabeleceram uma
frente única com os aiatolás na derrubada do Xá Reza Pahlevi e seu regime
pró-imperialista, apesar de conhecermos o caráter de classe da direção
religiosa muçulmana. A perspectiva de um governo republicano em 2016 de corte
abertamente fascista comandado possivelmente por um representante do “Tea
Party” ou alguém muito próximo de suas posições arquirreacionárias pode abrir
caminho, mesmo com todas as concessões feitas pelo regime dos Aiatolás e o
governo Rohani, para uma vingança contra a humilhação sofrida pelos EUA na
desastrosa tentativa de intervenção militar no Irã, ainda sob o governo
democrata de Jimmy Carter. Não temos nenhuma dúvida que o império pretende
somar para suas empresas transnacionais as reservas de petróleo do Irã às da
Líbia e do Iraque para, desta forma, deter a hegemonia absoluta do controle
energético do planeta. Somente idiotas úteis à Casa Branca podem ignorar estes
fatos e declarar “solidariedade” às ações militares da OTAN contra os “bárbaros
ditadores” que se recusam a aceitar a “democracia made in USA”. Os marxistas
revolucionários defendem integralmente o direito do Irã a possuir todo arsenal militar
atômico ao seu alcance para se defender do imperialismo e do sionismo. Porém,
compreendem que a tarefa de defender o Irã inclusive contra sua burguesia
nativa está, antes de tudo, nas mãos do proletariado mundial e das massas
árabes. Somente elas podem lutar consequentemente pela derrota do imperialismo
em todo o Oriente Médio, abrindo caminho para sepultar a exploração capitalista
interna que condena a miséria os explorados da região.