No final do mês de setembro de 1992, há exatos 26 anos, o
Congresso Nacional votava o relatório da CPI do “PC Farias” que encaminhava a
perda do mandato do então presidente da república Fernando Collor de Melo por
crime de responsabilidade, era o início do fim para o alagoano conhecido como o
“caçador de marajás”. A “histórica” sessão do Congresso, presidida pelo
deputado gaúcho Ibsen Pinheiro (pouco tempo depois o próprio parlamentar
peemedebista foi cassado pelos seus pares) teve um resultado acachapante a favor
do “impeachment”, 441 votos sim e somente 38 contra, pela primeira vez a
burguesia brasileira descartava um presidente eleito, pela via institucional,
sem recorrer aos tradicionais golpes de estado comandados por milicos treinados
pela CIA. As acusações que pesavam contra Collor foram concentradas contra seu
tesoureiro de campanha, o lendário “PC Farias”, por ter recebido de “propina”
de corrupção um automóvel Fiat Elba, uma verdadeira piada da vida real,
chancelada como verídica por todos seus ex-apoiadores, como seu próprio irmão
(Pedro) e a poderosa organização mafiosa Globo. Fiel politicamente até o fim ao
amigo Collor somente o falecido ACM, que com uma fração de seu partido, o PFL,
lhe brindou os 38 votos contrários a sua cassação. Mas, o “inferno astral” do
primeiro presidente eleito após o fim do regime militar, começou mesmo no mesmo
dia que assumiu o governo, em março de 1990, com um decreto de congelamento da
poupança popular, Collor iniciava uma sinuosa trajetória de “rupturas” que
poucos anos depois acabaram por deflagrar o movimento dos “Cara Pintadas”,
considerado pelos revisionistas da LIT, como a “segunda revolução democrática
no país” (a primeira teria sido a campanha das “Diretas Já”), na verdade mais
uma manobra política das classes dominantes que granjeia o apoio das massas.
Para compreender as razões da queda de Collor, de um ângulo marxista, será
necessário retroceder um pouco mais na história e voltar ao final dos anos 80,
precisamente no processo de esgotamento da chamada “Nova República” do biônico
Sarney.
No ano de 1989, o Brasil se preparava para realizar o
“sonho” das eleições diretas, após cinco anos de uma gestão estatal de profunda
crise política, estamos nos referindo ao presidente Sarney que chega ao fim de
seu mandato biônico, “eleito” pelo Colégio Eleitoral da ditadura, sem nenhum
apoio popular. O oligarca maranhense, ex-presidente da ARENA (partido dos
militares golpistas de 64), que assumiu o comando da “Nova República” por conta
da estranha morte do governador mineiro Tancredo Neves, tinha na figura do
então líder do PRN, Collor de Melo, seu principal adversário político no campo
da burguesia. Como o isolado Sarney não tinha sequer um partido político para
enfrentar as eleições de 89 (que eram exclusivamente para a presidência da
república), rejeitado tanto pelo PMDB como pelo PFL, partidos da base de apoio
do regime, resolveu impulsionar materialmente o minúsculo PCB, lançando a
candidatura do deputado Roberto Freire, único candidato que não “batia” no
“cachorro morto” Sarney. Em um quadro de completa crise dos partidos
tradicionais da burguesia, o PMDB sob controle do decrépito Ulisses e o PFL nas
mãos do esclerosado Aureliano Chaves, a possibilidade concreta do operário
petista “radical” Lula ganhar as eleições presidenciais acionou o “alerta
vermelho” da burguesia nacional, que de forma emergencial organizou às pressas
a “alternativa” Collor, mesmo consciente dos riscos posteriores que esta opção
política engendraria.
As eleições de 89 se iniciam desbloqueando um sentimento de
revolta das massas com os cinco anos da falida “Nova República”, os
atos-comícios de Lula logo se tornam multitudinais, superando inclusive os da
campanha das “Diretas Já”. Acompanhando este fenômeno, o movimento operário
assiste um colossal assenso de massas, a CUT protagoniza importantes greves
nacionais, se consolidando como a central sindical do proletariado brasileiro.
As candidaturas do PMDB, PFL e PTB naufragam eleitoralmente desde o início e
Freire, o candidato do Sarney, não passa de um folclore do “comunismo”
domesticado. A burguesia tenta conter a “avalanche” Lula com a aposta no
populista Brizola do PDT, que não consegue chegar ao segundo turno, crivado
pelo “caçador de marajás” e o “sapo barbudo” que a elite dominante não admitia
engolir.
Não restando outro caminho à burguesia, orientada
diretamente pelo imperialismo ianque, opera a maior fraude político eleitoral
da história do país e empossa Collor como vitorioso das eleições presidenciais
de 1989. O PT capitula vergonhosamente e desmobiliza suas bases sociais contra
o escandaloso estelionato eleitoral, mesmo diante dos apelos do próprio Brizola
que denuncia vigorosamente o roubo descarado sofrido pelo PT. Collor toma posse
como um presidente a frente de um partido lumpen burguês (PRN) e sem base no
Congresso Nacional. Logo de saída, a nova equipe econômica promove uma
trapalhada para tentar conter a inflação, gerando uma profunda recessão no
consumo, é o encerramento do curto namoro entre Collor e as oligarquias
capitalistas que começaram a preparar antecipadamente sua saída do poder.
Com o surgimento das denúncias plantadas na mídia
“murdochiana” que o braço direito de Collor, Paulo Cesar Farias, gostava de se
dedicar a recolher pequenas “comissões” para seu “chefe”, ficou fácil montar um
“teatro” político onde Collor era apontado como o presidente mais corrupto da
história da República, logo ele o produto criado pela Globo como o “caçador de
marajás”. Diante da “comoção nacional” contra a corrupção, os estudantes logo
foram às ruas e sob o comando da UNE, presidida pelo picareta Lindberg Farias,
deram vida ao movimento pretendido pela burguesia para retirar Collor do
Planalto e começar a ofensiva neoliberal das privatizações, que exigiriam um
novo presidente com forte legitimação social. Posto para fora o “ladrão de
galinhas”, sob a aura de ter ocorrido uma verdadeira “revolução democrática” no
Brasil, o establichment político organiza uma rápida transição com o governo de
“união nacional” de Itamar, onde em um balão de ensaio se realiza a primeira
grande privatização, a da CSN em Volta Redonda, sob o silêncio criminoso do PT.
Passados 26 anos do “Fora Collor” e as vésperas de uma eleição
presidencial polarizada entre o PT e a direita, a esquerda reformista ainda
insistem no “conto fabuloso” do resgate da democracia pelas mãos das
instituições do regime político burguês. Defendem até hoje as instituições do
Estado burguês como fórum legitimo “para o julgamento de governantes
corruptos”. Teriam que responder porquê a cada “revolução democrática” que
caracterizam ocorrer, sempre se sucedem gerências estatais ainda mais
entreguistas e subordinadas ao capital imperialista. Como nos ensinou Marx há
bem mais de um século, sabemos claramente que a melhor forma de dominação do
capital se expressa pela via do regime democrático burguês e que a única e
verdadeira revolução da classe operária é a socialista, onde as velhas
instituições da república representativa são demolidas para dar lugar à
democracia direta dos conselhos soviéticos.
O governo Collor que sucedeu a chamada “Nova República”
comandada por Sarney, desta vez “eleito” pelo voto popular, não conseguiu
sustentação política necessária no interior das classes dominantes exatamente
por representar um setor lúmpen e marginal da burguesia, utilizado como
alternativa de emergência diante da vitória eleitoral roubada de Lula em 89. O
movimento “Fora Collor”, de composição majoritariamente juvenil, foi
impulsionado diretamente pela famiglia Marinho que resolveu abandonar sua
“criatura” quando esta tornou-se inútil e obsoleta diante das perspectivas que
a economia mundial estava abrindo para o Brasil. A mobilização dos jovens do
“Fora Collor”, levados às ruas pela Rede Globo, assumiu como eixo a luta
“contra a corrupção” e pela “ética na política” em função das “pequenas
comissões” cobradas pelo tesoureiro de Collor (PC Farias) a empresários que
pretendessem realizar “negócios” com o Estado brasileiro. Galvanizando
rapidamente nas ruas o ódio por um governo que confiscou a poupança da população,
o “Fora Collor” serviu como instrumento para a burguesia nacional agilizar a
troca de uma “gerência” capitalista arcaica por outra neoliberal “moderna” (no
marco do mesmo regime político), capaz de realizar as privatizações que o
capital financeiro exigia. O “Impeachment” de Collor, longe de representar o
“resgate da cidadania” ou o “Brasil passado a limpo”, como pregam até hoje os
reformistas de todos os calibres, expressou um movimento da própria burguesia
para utilizar melhor seu “fundo estatal”, apeando do poder um governo de
“ladrões de galinha” em benefício de “tubarões” da corrupção em um mundo recém
globalizado no início da década de 90.