sexta-feira, 21 de junho de 2013


Falsa simetria entre “Diretas Já”, o “Fora Collor” e as atuais mobilizações pode levar a esquerda a cometer gravíssimos equívocos

Por ignorância ou mesmo por concepções políticas muito equivocadas, assistimos hoje a um “consenso” generalizado entre a esquerda (para não falar da própria mídia “murdochiana”) ao comparar na mesma escala política as atuais mobilizações nacionais com a campanha das “Diretas Já” e o “Fora Collor”. Este grave erro político levou a esquerda revisionista a abonar acriticamente a dinâmica assumida pelos protestos do “Passe Livre”, logo após estes terem assumido um caráter multitudinário nacional, com o “patrocínio” da imprensa burguesa (PIG). Em primeiro lugar, é preciso desmistificar a “identidade” política entre as “Diretas Já” e o “Fora Collor” que em comum mesmo só tiveram a massiva participação da juventude nas praças e atos públicos, mas com objetivos políticos totalmente díspares. A campanha das “Diretas Já” foi o desaguadouro concentrado de vinte anos da encarniçada luta democrática-popular contra o regime militar, representou as maiores manifestações populares (com forte presença proletária) que o país vivenciou desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Mais além da traição cometida pelo PT em 84, que aceitou desarmar o movimento de massas quando a emenda Dante Oliveira foi rejeitada no Congresso (abrindo assim o caminho para a transição pactuada do regime militar), a campanha das “Diretas” tinha um norte político inicial bem definido, ou seja, a realização de uma tarefa democrático-burguesa pendente que permitia aos comunistas revolucionários o estabelecimento de uma unidade de ação tática com setores das classes dominantes. Como Lenin assim definiu muito bem: “Marchar separados e golpear juntos”, era o móvel que permitia a convocação em frente única de gigantescos atos políticos contra o regime, onde a classe operária e a juventude mantiveram suas próprias bandeiras como: “Abaixo a ditadura militar” e “Por um governo dos trabalhadores”. Embora o desfecho das mobilizações pelas “Diretas” não tenha desembocado em nenhuma “revolução democrática” (sequer alcançaram a eleição direta para presidente), permitiu que o conjunto das organizações de esquerda no país, até então vivendo na semiclandestinidade, fossem livremente às ruas com suas bandeiras e colunas militantes. Pela primeira vez em vinte anos de ditadura a “foice e o martelo” ganhava as praças diante de milhões de brasileiros e só não concluiu o curso revolucionário das massas em função da operação política de desmobilização, batizada na época de “Transição/Transada” protagonizada pelo PT em aliança com os partidos da oposição burguesa (PMDB e PDT). As mobilizações democráticas dos anos 80, apesar do nascimento da conservadora “Nova República”, deixaram um “saldo” progressista que permitiu a legalização dos partidos comunistas (desgraçadamente os revisionistas preferiram permanecer debaixo das asas do PT e os Maoístas do MR8 ficaram na sombra do PMDB), assim como a convocação de um arremedo democratizante do que seria uma verdadeira assembleia nacional constituinte.

O governo Collor que sucedeu a chamada “Nova República” comandada por Sarney, desta vez “eleito” pelo voto popular, não conseguiu sustentação política necessária no interior das classes dominantes exatamente por representar um setor lúmpen e marginal da burguesia, utilizado como alternativa de emergência diante da vitória eleitoral roubada de Lula em 89. O movimento “Fora Collor”, de composição majoritariamente juvenil, foi impulsionado diretamente pela famiglia Marinho que resolveu abandonar sua “criatura” quando esta tornou-se inútil e obsoleta diante das perspectivas que a economia mundial estava abrindo para o Brasil. A mobilização dos jovens do “Fora Collor”, levados às ruas pela Rede Globo, assumiu como eixo a luta “contra a corrupção” e pela “ética na política” em função das “pequenas comissões” cobradas pelo tesoureiro de Collor (PC Farias) a empresários que pretendessem realizar “negócios” com o Estado brasileiro. Galvanizando rapidamente nas ruas o ódio por um governo que confiscou a poupança da população, o “Fora Collor” serviu como instrumento para a burguesia nacional agilizar a troca de uma “gerência” capitalista arcaica por outra neoliberal “moderna” (no marco do mesmo regime político), capaz de realizar as privatizações que o capital financeiro exigia. O “Impeachment” de Collor, longe de representar o “resgate da cidadania” ou o “Brasil passado a limpo”, como pregam até hoje os reformistas de todos os calibres, expressou um movimento da própria burguesia para utilizar melhor seu “fundo estatal”, apeando do poder um governo de “ladrões de galinha” em benefício de “tubarões” da corrupção em um mundo recém globalizado no início da década de 90. Movimentos como o “Fora Collor” e as “Diretas Já” muito pouco tiveram em comum (objetivos completamente distintos), a não ser o profundo desgaste popular comum aos governos Collor e do General Figueiredo.

As gigantescas mobilizações nacionais que ganharam as ruas nos últimos dias, a partir da luta inicial do Movimento Passe Livre, sequer foram ainda “batizadas”, tamanha é a confusão política e a ausência de uma “hegemonia” que possa definir claramente os objetivos deste movimento. A tentativa do “PIG” (sinônimo político da imprensa capitalista) em “pautar” os protestos de rua com consignas “contra a corrupção e os partidos políticos” lembra de alguma maneira a “operação” midiática do “Fora Collor”. Mas as semelhanças param por aí, já que o Impeachment de Collor conseguiu construir um certo “consenso nacional” lastreado no justo ódio da população ao seu governo. Agora a genuína revolta da juventude (não a instrumentalizada pela Rede GLOBO) tem como foco a opressão geral do regime capitalista, no curso de um governo de Frente Popular relativamente bem avaliado pela maioria da população trabalhadora. A rebeldia mais radicalizada da juventude é hoje um fenômeno mundial, até em países capitalistas considerados com excelente IDH (como a Suécia), é produto da falta de horizontes do regime burguês e da mediocridade da sociedade de classes. A “violência” difusa e geralmente “desfocada” demonstrada nas ações da juventude substituiu em certa medida a falta de um norte ideológico, consequência direta da etapa histórica contrarrevolucionária que atravessamos.

É bem verdade que organizações estranhas aos movimentos sociais, como o “Anonymous” tem conseguido imprimir sua marca política reacionária na maioria das cidades do país, notadamente em São Paulo. O braço político do PIG, a impopular oposição Demo-Tucana, tem grande dificuldade em se apresentar de “cara limpa” nos protestos e por isso utiliza apêndices como o “gigante despertou”, granjeando assim a simpatia de setores fascistizantes da classe média. Já o MPL, diante da enorme mitigação política do movimento nacional, resolveu suspender temporariamente suas convocatórias, no sentido de clarificar os rumos que os protestos poderão tomar, sem a utilização de sua chancela original. A repressão neofascista dirigida contra as organizações da esquerda, sejam ou não integrantes da base de apoio ao governo Dilma, é a expressão política concentrada da dinâmica social que vem assumindo este movimento e não são apenas “episódios isolados”, como tentam nos convencer os revisionistas mais embriagados com possibilidade de aproveitar o momento para se cacifar eleitoralmente.

Com a saída do MPL do “jogo” em pleno andamento, o PIG terá que assumir sozinho o “apadrinhamento” do movimento, fazendo seu tradicional “teatro” de apoiar as reivindicações “cívicas” e criticar as ações dos “vândalos”, ocorridas coincidentemente sempre no final das manifestações. Fica cada vez mais evidente que enquanto a Globo resolver suspender a grade de sua programação normal para transmitir “on line” os protestos, perdendo inclusive o faturamento dos anunciantes do período, estará incentivando em muito a participação tanto dos “cívicos” quanto dos “vândalos”. No campo “oficial”, Dilma fez um pronunciamento em rede nacional em apelo à “ordem”, além de promessas demagógicas genéricas para melhorar o serviço dos transportes públicos.

As centrais sindicais, “chapa branca” ou de “oposição”, vem mantendo o movimento operário totalmente à margem das mobilizações. A CONLUTAS em especial, em razão do PSTU apoiar quase que acriticamente o movimento, poderia convocar uma paralisação nacional dos trabalhadores, precedida de marchas com verniz de esquerda pautadas pelas verdadeiras reivindicações do proletariado, permanece inerte, orientando seus sindicatos a completa paralisia. Na ausência de uma perspectiva classista, o movimento nacional dos protestos seguirá refém de uma dinâmica mais à direita, a espera de um “mártir” ideal, vítima direta da repressão policial-militar do governo do PT. Se realmente chegarmos a este ponto de ebulição política, as condições para o “start” de uma ampla campanha do PIG pelo Impeachment da presidente Dilma estarão plenamente colocadas. Como Marx afirmou há um século e meio atrás: “A história se repete a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa!”...