Morre Jacob Gorender: dos “Zig-Zags” estalinistas ao academicismo pequeno-burguês
Faleceu nesta
terça-feira (11/06), aos 90 anos, o ex-dirigente do PCB e historiador, Jacob
Gorender. Sua militância começou bastante cedo, aos 18 anos numa época em que o
nazifascismo tomava de assalto a Europa e pretendia dominar a URSS. Na
faculdade de direito em Salvador, sua terra natal (1941), Gorender começou a
participar do movimento estudantil onde conheceu Mário Alves, quem um ano
depois o recrutou para o PCB, dando vazão a sua inquietude de uma infância e
juventude permeadas por imensas dificuldades econômicas por que passava sua
família de pessoas simples. Após combater com a FEB na Segunda Guerra Mundial
em 1945, mudou-se para o Rio de Janeiro onde se estabeleceu por seis anos,
quando teve a oportunidade de conhecer Luiz Carlos Prestes e, depois, por volta
de 1953 deslocou-se para São Paulo, onde o dirigente do partido era Carlos
Marighella. Passou os anos 1955-7 na União Soviética junto a outros 50 jovens
sob a coordenação de Mauricio Grabois. Contudo, nos estertores da década de 50
um fato iria marcar a sua militância política: junto com vários outros
dirigentes de peso do “Partidão” (Giocondo Dias, Mário Alves, Armênio Guedes,
Prestes e Marighella) foi um dos redatores da chamada “Declaração de Março de
1958”, a qual marcaria uma guinada do partido rumo ao “nacional-desenvolvimentismo”
e na crença da necessidade da conquista de um “governo nacionalista” e
“democrático”, a fim de que este rompa as barreiras dos “resquícios feudais”
imperantes ainda no país. Trata-se da revolução por etapas (primeiro uma
revolução democrática dirigida pela burguesia “progressista” e somente depois
seria possível a revolução socialista), o que culminou posteriormente no apoio
do PCB à candidatura nacionalista do General Teixeira Lott em 1960 e na integração
política ao governo Jango. Após o golpe contrarrevolucionário de 1964, foi
expulso do PCB em 1967 por defender a luta armada contra o regime militar e
fundou ao lado de Mário Alves e Apolônio de Carvalho o PCBR, sendo preso e
torturado em 1970. Posteriormente, a obra de Gorender vai se concentrar na
crítica à visão “feudalista” e aos métodos partidários, aspectos nos quais a
imprensa “murdochiana” faz questão de salientar ao lado de sua produção
acadêmica. Nisto a obra seminal é “O escravismo colonial” (publicado em 1978) e
o autocrítico “Combate nas trevas” (1987), no qual teceu ácidas críticas ao
“messianismo” de Prestes e à atuação das esquerdas no pré e pós-golpe militar,
obra que marcou a ruptura com sua militância partidária mergulhando de vez no
academicismo pequeno-burguês, cuja marca é a negação da construção do partido
revolucionário.
O “amadurecimento” político de Gorender, pode-se assim dizer, deu-se após o conhecido XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, durante o qual explode o informe de Kruchev denunciando os crimes de Stalin com tremendas repercussões internas no PCB, fazendo com que a direção partidária tenha que conviver com várias divisões internas. Foi neste contexto de intensa luta interna que para evitar que o partido se dividisse e se enfraquecesse surgiu a proposta de mudar a sua orientação programática. Gorender à frente, participava do grupo “abridista” que preconizava que as discussões deveriam ser abertas para o conjunto da militância, sendo depois "engordado" com a participação de Mário Alves, Armênio Guedes, Giocondo Dias, Alberto Passos Guimarães, Apolônio de Carvalho (Jorge Amado participou de duas reuniões e não mais compareceu). Destas reuniões surgiu a ideia de mudar a linha do partido, o que aconteceu, de fato, com a “Declaração de 28 de março de 1958”: “A declaração teria de romper com a linha do chamado Manifesto de agosto de 1950, que pregava a luta armada, e oficialmente ainda estava em vigor. Nós estávamos no governo de Juscelino, não havia um único preso político, a imprensa era livre, os jornais do partido circulavam abertamente, então a nossa linha estava fora de sintonia. Assim, redigi a declaração, que foi uma obra coletiva proposta por nós e aprovada pelo Prestes. Essa declaração passou a ser a linha do partido” (Entrevista concedida a revista Margem Esquerda, 2007). Ou seja, é a expressão mais acabada da experiência estalinista de integrar o regime democrático-burguês já durante o governo JK, e uma vez iludidos com a “democracia dos ricos”, foram impotentes para organizar uma reação de massas ao golpe contrarrevolucionário de 1964.
O “amadurecimento” político de Gorender, pode-se assim dizer, deu-se após o conhecido XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética, durante o qual explode o informe de Kruchev denunciando os crimes de Stalin com tremendas repercussões internas no PCB, fazendo com que a direção partidária tenha que conviver com várias divisões internas. Foi neste contexto de intensa luta interna que para evitar que o partido se dividisse e se enfraquecesse surgiu a proposta de mudar a sua orientação programática. Gorender à frente, participava do grupo “abridista” que preconizava que as discussões deveriam ser abertas para o conjunto da militância, sendo depois "engordado" com a participação de Mário Alves, Armênio Guedes, Giocondo Dias, Alberto Passos Guimarães, Apolônio de Carvalho (Jorge Amado participou de duas reuniões e não mais compareceu). Destas reuniões surgiu a ideia de mudar a linha do partido, o que aconteceu, de fato, com a “Declaração de 28 de março de 1958”: “A declaração teria de romper com a linha do chamado Manifesto de agosto de 1950, que pregava a luta armada, e oficialmente ainda estava em vigor. Nós estávamos no governo de Juscelino, não havia um único preso político, a imprensa era livre, os jornais do partido circulavam abertamente, então a nossa linha estava fora de sintonia. Assim, redigi a declaração, que foi uma obra coletiva proposta por nós e aprovada pelo Prestes. Essa declaração passou a ser a linha do partido” (Entrevista concedida a revista Margem Esquerda, 2007). Ou seja, é a expressão mais acabada da experiência estalinista de integrar o regime democrático-burguês já durante o governo JK, e uma vez iludidos com a “democracia dos ricos”, foram impotentes para organizar uma reação de massas ao golpe contrarrevolucionário de 1964.
Em abril de 1968, no Rio
de Janeiro, foi fundado o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR),
sob a direção de Mário Alves, Apolônio de Carvalho, Jacob Gorender e outros
comunistas de esquerda (Marighella fora convidado, mas não compareceu, porque
já estava em vias de fundar a ALN). Neste tempo, em meio à crise do PCB
(Prestes, por exemplo, foi contra uma greve geral organizada pela CGT) após o
golpe militar, foram fundados vários outros grupos guerrilheiros que se
afastavam de qualquer orientação leninista, como a ALN de Marighella, VPR, Var
Palmares, POLOP, POC, MR8 etc. O PCBR, por seu turno, apresentava uma estrutura
organizacional híbrida com certa força no Rio de Janeiro, no Paraná, Espírito
Santo e no nordeste. O PCBR chegou a efetuar algumas ações armadas no Rio de
Janeiro e em Recife. Gorender dirigia o partido em São Paulo e não permitiu
nenhuma ação militar, o que indicava abertamente divergências políticas quanto
ao método, preferindo atuar através de imprensa e publicação de folhetos. Por
não assumir a rigidez militar das outras organizações logo sucumbiu à
repressão, Mario Alves foi assassinado após severas torturas, Gorender foi
preso e igualmente torturado nas dependências do DOI-CODI em São Paulo.
No período em que esteve
preso, dois anos, decidiu abandonar completamente a militância partidária,
dedicando-se a partir de então aos “estudos acerca da formação social
brasileira”. Em meados de 1974 trata de começar a redigir a sua maior obra, “O
Escravismo colonial”, terminada dois anos mais tarde, descartando com veemência
a velha tese stalinista de um suposto passado feudal do Brasil, apresentando em
seu lugar a defesa do caráter escravista colonial do passado brasileiro como um
“novo” modo de produção. Contudo, a sua “teoria” geral do escravismo colonial
pode ser considerada de certo ponto frágil, uma vez que rompe igualmente com um
pressuposto fundamental do marxismo, ou seja, a acumulação original do
capitalismo começa antes mesmo do trabalho socialmente remunerado. O Brasil se
insere na economia mundial mercantilista como um grande fornecedor de matérias-primas
para impulsionar a gênese da revolução industrial na Europa. A tentativa
teórica de Gorender em encontrar um “meio termo” entre as teses estalinistas do
Brasil feudal e o programa Trotsquista da revolução mundial permanente
fracassou completamente em todos as direções, sejam políticas ou acadêmicas.
Depois de “Escravismo
Colonial”, a obra que mais se destacou sob a pena de Gorender foi o livro
“Combate nas trevas - A Esquerda Brasileira: das ilusões perdidas a luta
armada” (1987), um divisor de águas em se tratando da ruptura com a perspectiva
marxista-leninista de construção do partido revolucionário. Para ele, esta
publicação funcionou como uma “autocrítica”, um corte em relação à sua
militância política prática e teórica nas hostes do PCB no período denominado
“democrático-populista” e depois no PCBR, além de colocar em questão os
diversos movimentos e organizações de esquerda que adotaram a luta armada como
resistência ao regime gorila implantado no pós-1964. Reitera que faltou à
esquerda uma reflexão mais profunda acerca de sua atuação neste período: “As
diversas correntes da esquerda, marxista e não-marxista, souberam tomar a
frente do movimento de massas, formular suas reivindicações e fazê-lo crescer.
Cometeram erros variados no processo, mas o erro fundamental consistiu em não
se prepararem a si mesmas, nem aos movimentos de massa organizados, para o
combate armado contra o bloco de forças conservadoras e pró-imperialistas” (O
Combate nas Trevas). Tal colocação “bastou” para Gorender “eximir-se” dos erros
cometidos pelos heroicos combatentes que sucumbiram assassinados pelo regime
militar, abrindo mão de lutar pela construção do genuíno partido revolucionário
no país para dedicar-se integralmente à vida acadêmica, distante da dura
realidade da luta de classes. Não por acaso, rejeitou vigorosamente todas as
tentativas de reconstrução do PCBR, no período posterior à clandestinidade,
chegando mesmo a desautorizar o grupo do dirigente comunista Bruno Maranhão de
representar a continuidade da organização política que fundara com Mário e
Apolônio.
Até às vésperas de sua
morte atuara como um mero comentarista dos acontecimentos mundiais, típicos de
um pequeno-burguês, ao ponto de criticar até mesmo Marx por este ter “ficado no
meio do caminho entre a utopia e a ciência” (Marxismo sem utopia, 1999) e que,
portanto, “É preciso atualizar o marxismo, retirar-lhes os elementos utópicos”
e arremata sem medo de renegar os mais elementares princípios do comunismo
acerca do papel do proletariado como vanguarda revolucionária: “Uma classe que
é impotente para formar a própria consciência revolucionária só pode ser
considerada, pela natureza do ser real, como uma classe também impotente para
fazer a revolução” (idem), refletindo as imposições de uma nova época, de
contraofensiva imperialista pós-queda do Muro de Berlim e a destruição
contrarrevolucionária da União Soviética. A trajetória de Gorender comprova que
se não estivermos sob o regime e disciplina partidária do marxismo-leninismo
fatalmente sucumbir-se-á às pressões da opinião pública imposta pela democracia
dos ricos. Somente a práxis revolucionária, balizada pelo norte do programa da
revolução socialista levada a cabo pelo proletariado e seu partido pode criar
as bases para a edificação de um novo modo de produção e uma sociedade de novo
tipo.