Regime dos Aiatolás elege o “reformista” Hassan Rohani na tentativa de celebrar um acordo vergonhoso com o imperialismo ianque
As eleições no Irã,
ocorridas no último dia 14 de junho, deram a “inesperada” vitória em primeiro
turno ao “reformista” Hassan Rohani. O presidente eleito alcançou 50,7% dos
votos em uma clara escolha orquestrada pelo regime dos Aiatolás do candidato
mais simpático às potências capitalistas no espectro político-eleitoral
delimitado previamente pelo Conselho dos Guardiões, órgão comandado pelo líder
supremo, o aiatolá Ali Khamenei, que em maio vetou vários candidatos “liberais”
e “conservadores”. Rohani obteve 18,6 milhões de votos (50,68%) ficando à
frente do prefeito de Teerã, Mohammad Bagher Ghalibaf, que recebeu 6,07 milhões
e do chefe dos negociadores na questão nuclear, Said Jalili, com 3,17 milhões,
ambos mais próximos das posições da chamada “linha dura”. A vitória “surpresa”
já em primeiro turno de um clérigo moderado no espectro xiita foi montada
justamente para evitar a polarização interna no país persa. Não por acaso, logo
nesta segunda-feira, 17/06, ocorreu a convocação de Mahmud Ahmadinejad, ainda
presidente do país, pela Justiça Penal por acusações de corrupção. Tais fatos
demonstram claramente que a burguesia iraniana deseja criar as condições para
negociar um acordo com o imperialismo ianque que impeça a agressão militar ao
país persa em troca de amplas concessões no terreno de sua soberania nacional,
isolando os setores mais resistentes a tal giro servil. A base para alcançar
este novo objetivo é o recuo no programa nuclear iraniano, uma exigência da
Casa Branca para começar as negociações. Rohani, logo após a divulgação do
resultado, se encontrou com Khamenei, que lhe desejou sucesso, chancelando
oficialmente o nome já previamente “eleito” pela cúpula do regime islâmico. Na
reunião, Khamenei indicou publicamente a Rohani “as diretrizes necessárias para
seu futuro trabalho”, orientação que ficou mais que evidente no primeiro
pronunciamento do presidente eleito, declarando ser a favor de “mais
transparência” no programa nuclear do seu país, o que em outras palavras
significa ceder à chantagem do Pentágono, via Agência Internacional de Energia
Atômica, para “monitorar” o Irã, impedindo de fato o seu desenvolvimento
nacional tanto no campo militar, científico e econômico.
A Casa Branca lançou um
comunicado no domingo, 16, em que declara sua disposição de "colaborar"
com o novo presidente. Obama afirmou que a eleição de Rohani “é um sinal
potencialmente esperançoso se ele fizer jus às suas promessas de campanha de
ser aberto sobre o programa nuclear. Para se chegar a esse ponto, precisamos
que ele cumpra com as obrigações do programa nuclear, e se ele fizer isso,
haverá grande oportunidade para o Irã e as pessoas desse país ter o tipo de
futuro que seria justificável quererem” (G1, 16/06). Mais claro impossível!!!
Obama deseja que o presidente eleito comande, sob as ordens de Khamenei, um
recuo do armamento e da defesa nuclear iraniano, o que significa deixar o
caminho livre para o enclave nazi-sionista de Israel não ter um contraponto
militar na região e para novas agressões contras países não-alinhados
automaticamente com os EUA, como é o caso da Síria! Rohani esteve à frente das
negociações nucleares entre 2003 e 2005 sob a presidência do também
“reformista” Mohammad Khatami. Na época, o Irã aceitou a suspensão do
enriquecimento de urânio após negociações com a troika europeia (França,
Grã-Bretanha e Alemanha). No bojo das saudações a eleição de Rohani, o chefe de
gabinete da Casa Branca, Denis McDonough, declarou ainda que “Se o eleito
cumprir com a obrigação de agir claramente em relação ao ilícito programa
nuclear vai ter nos EUA um parceiro. Se ele estiver interessado, como disse em
sua campanha, em consertar as relações do Irã com o resto do mundo, está aí a
oportunidade de fazê-lo” (Idem). Rohani, que tomará posse em 3 de agosto, se
reuniu também com o presidente do Parlamento, Ali Larijani, adversário político
de Ahmadinejad, para discutir a formação de seu gabinete, que deve ser aprovado
pelos deputados em um claro sinal ao imperialismo que mudará a política externa
do país, como deseja os EUA. Ahmadinejad, que havia cumprido dois mandados e
adotava até então uma conduta de relativo enfrentamento com o imperialismo,
tanto que o país é alvo de várias sanções internacionais deliberadas pela ONU,
foi claramente alijado do processo eleitoral. Sua aproximação com o chavismo e
a centro-esquerda burguesa latino-americana contribuiu para ser rifado, além da
contestação pública de algumas decisões de Khamenei. Seu candidato, Esfandiar
Rahim Mashaei, foi vetado pelo Conselho dos Guardiões.
Rohani é um clérigo
“moderado” e respaldado pelos “reformistas", especialmente pelos
ex-presidentes Akbar Hashemi Rafsanjani e Mohamed Khatami. O apoio maciço a
Rouhani veio após Mohammad Reza Aref, o único reformista ligado ao
pró-imperialista “Movimento Verde” entre os candidatos à corrida presidencial,
ter anunciado que estava desistindo de sua candidatura seguindo um conselho do
ex-presidente Khatami. Por causa disso, Rouhani ganhou guarida de dois
ex-presidentes - Khatami e Rafsanjani, este último também
desqualificado das eleições pelo Conselho de Guardiães. Ambos haviam perdido
poder durante a gestão Ahmadinejad porque justamente defendiam uma aproximação
com o imperialismo ianque. Agora há um giro do Regime dos Aiatolás no sentido
contrário. O decidido respaldo das potências capitalistas aos “rebeldes”
mercenários pró-OTAN na Síria e os evidentes preparativos para a agressão
imperialista em um futuro próximo para derrubar o governo da oligarquia Assad,
que tem o Irã como aliado, certamente pesaram nesta decisão, já que a covarde
burguesia persa, com esta nova orientação, parece que deseja rifar Bashar Al
Assad para preservar o regime islâmico xiita, ainda que formalmente Rohani
tenha declarado que Assad deve permanecer até as eleições de 2014. Lembremos
que o objetivo central do Pentágono ao desestabilizar a Síria era neutralizar o
regime para debilitar o Hezbollah e seguir sem maiores obstáculos em seu plano
de atacar Irã. Ao que tudo indica, “preventivamente”, os Aiatolás agiram logo
em busca de um acordo vergonhoso com a Casa Branca e para isso “elegeram”
Hassan Rohani, que já foi negociador nuclear iraniano e, como representante dos
chamados “reformistas”, tem bastante trânsito junto a União Europeia, Israel e
EUA.
Também pesou nesta decisão
as sanções internacionais impostas ao Irã. As medidas provocaram um aumento do
desemprego, fizeram a inflação saltar para mais de 30% e causaram a
desvalorização do rial em quase 70%. O presidente eleito prega uma política
mais flexível em relação às grandes potências com o objetivo de amenizar as
sanções e pediu para que os países ocidentais “reconheçam os direitos da
República Islâmica nas negociações sobre energia nuclear. O princípio é tornar
mais ativas as negociações com o grupo 5+1 (Estados Unidos, França,
Grã-Bretanha, Rússia, China e Alemanha). A questão nuclear só pode ser
resolvida por meio de negociações. As ameaças e sanções não são eficazes”
(Actualidad, 16/06). Com relação à Síria ele defendeu a aproximação com as
petromonarquias aliadas dos EUA e que compõe o Conselho de Cooperação do Golfo
(CCG): “A prioridade do meu governo é fortalecer as relações com os países
vizinhos. Os países do Golfo Pérsico e árabes têm uma importância estratégica e
são nossos irmãos... A crise síria deve ser resolvida pelo povo sírio. Somos
contra o terrorismo, a guerra civil e a intervenção estrangeira. O governo deve
ser respeitado por outros países, até as próximas eleições (presidenciais de
2014) e, em seguida, é o povo quem decidirá” (G1. 16/06). Como se vê, Rohani
prepara o terreno para se afastar do regime sírio e negociar com o imperialismo
os termos para a não agressão.
A vitória de Hassan
Rohani marca o retorno dos chamados “moderados” e “reformistas” ao governo
persa, após um longo hiato iniciado depois das manifestações contra a reeleição
de Ahmadinejad em junho de 2009, chamadas a época de “Revolução Verde”. Hassan
Rohani apoiou os manifestantes que protestaram contra o resultado das eleições
e criticou o governo pela repressão aos protestos. O imperialismo também deu
respaldo às manifestações contra Ahmadinejad, acusando-o de fraudar as
eleições. Na época, não podendo derrubar o governo iraniano, Washington buscou
desestabilizá-lo, apoiando-se em um amplo setor da burguesia iraniana, alinhada
em torno da candidatura de Mir Hossein Moussavi, uma caixa de ressonância das
pressões imperialistas, turbinada após a campanha midiática contra os
resultados eleitorais. Desde então a Casa Branca impulsionou oposição interna
contra Ahmadinejad. No lastro da vitória alcançada com a fantasiosa “revolução
árabe”, que promoveu com sucesso a transição conservadora no Egito e na Tunísia
além de derrubar o regime nacionalista líbio e está impondo a desestabilização
do governo da oligarquia Assad na Síria, Obama veio trabalhando e pressionando
para construir no Irã um cenário de fortalecimento da oposição “reformista” que
hoje volta novamente ao governo, ainda que em sua versão mais domesticada pelo
aiatolá Ali Khamenei. O Regime dos Aiatolás entendeu a mensagem da Casa
Branca e agiu “elegendo” Hassan Rohani como parte de uma tentativa de um
acordo prévio com o imperialismo. Lembremos que a oposição interna a
Ahmadinejad sempre foi relativamente forte e durante todo o último período da
onda de “protestos contra as ditaduras sanguinárias” no Oriente Médio não
entrou em cena. Esse retardamento não foi ocasional, o imperialismo e seus
agentes internos esperaram primeiro enfraquecer ao máximo o regime da
oligarquia Assad e ter mais controle da Líbia através de sua balcanização para
desferir uma ofensiva militar direta contra o Irã, que pode ser temporariamente
retardada com a “eleição” de Rohani, ao custo de uma capitulação vergonhosa do
país persa.
Longe de expressar uma
unidade do regime político islâmico, o resultado das eleições com a artificial
vitória de Rohani no primeiro turno, demonstra a fissura crescente dentro da
cúpula teocrática do Regime dos Aiatolás, corroída pela sedução imperialista,
que teve em Obama um poderoso operador. Tanto a situação “linha dura” xiita
quanto a oposição “reformista” buscaram uma reaproximação estratégica com o
imperialismo ianque. Moussavi – ex-premiê durante a Guerra entre o Irã e o
Iraque – foi apoiado nas eleições de 2009 pelo imperialismo ianque, europeu,
pelo sionismo e pelos dois ex-presidentes do país que antecederam Ahrmadinejad.
Um dos quais, o arquicorrupto empresário e aiatolá Hashemi Rafsanjani, quem
detém nada menos que o posto de presidente da Assembleia dos Especialistas,
órgão composto por 86 aiatolás com poderes para destituir tanto o líder Supremo
do Irã, o aiatolá Ali Khamenei, quanto o Conselho de Discernimento (um
colegiado não eleito, que resolve conflitos legislativos entre o parlamento
iraniano, o Majlis, e o Conselho dos Guardiães). Hassan Rohani é relativamente
próximo a Rafsanjani, representante da parcela da burguesia que se ressente por
ser mantida afastada da globalização econômica pelos setores conhecidos como
linha-dura do regime islâmico. Agora este setor até então alijado vai ganhar
relativa força no novo governo, apesar da tutela de Khamenei.
Os revolucionários não
são partidários do Regime dos Aitolás no Irã, embora reconheçamos os avanços
anti-imperialistas conquistados pelas massas em 1979. Sempre alertamos que a
burguesia iraniana, diante de seu isolamento internacional e das sanções
impostas pela ONU, estava buscando um acordo estratégico com o imperialismo
ianque e europeu. A escolha de Hassan Rohani reforça tremendamente este rumo de
aberta concessão política, econômica e militar. Ainda assim, não está
descartado um incremento da pressão do imperialismo ianque e de Israel sobre o
país, exigindo sua rendição completa, perspectiva que sofre grande resistência
interna, particularmente pelas massas iranianas que viram a barbárie imposta à
Líbia e a destruição em curso na Síria. Justamente por isto, o governo de
Hassan Rohani não será tranquilo, já que uma capitulação vergonhosa pode levar
a enfrentamentos entre as diversas alas do regime. A atual perseguição a
Ahrmadinejad é uma expressão imediata desse temor, já que o futuro
ex-presidente poderia encabeçar a resistência a guinada pró-imperialista em
curso. Frente a esta situação ainda incerta, defendemos integralmente o direito
deste país oprimido a possuir todo arsenal militar atômico ao seu alcance. É
absolutamente sórdido e cretino que o imperialismo ianque e seus satélites
pretendam proibir o acesso à tecnologia atômica aos países que não se alinham
com a Casa Branca, quando esta arma “até os dentes” Estados gendarmes como
Israel com farta munição atômica. Como marxistas não dissimulamos em um só
momento o caráter burguês e obscurantista dos regimes nacionalistas do Irã ou
do próprio Hezbollah. Mas estes fatos em nada mudam a posição comunista diante
de uma possível agressão imperialista contra uma nação oprimida.
Não nos omitiremos de
estabelecer uma unidade de ação com o Regime dos Aiatolás, diante de uma
agressão imperialista, ainda que este esteja claramente dando sinais que irá
capitular. Por esta mesma razão, chamamos o proletariado persa a construir uma
alternativa revolucionária dos trabalhadores que possa combater
consequentemente o imperialismo e derrotar todas as alas do regime, denunciando
desde já o papel servil do futuro governo de Hassan Rohani. É bom lembrar que
os marxistas já estabeleceram uma frente única com os aiatolás na derrubada do
Xá Reza Pahlevi e seu regime pró-imperialista, apesar de conhecermos o caráter
de classe da direção religiosa muçulmana. A perspectiva de um governo
republicano em 2016 de corte abertamente fascista comandado possivelmente por
um representante do Tea Party ou alguém muito próximo de suas posições
arquireacionárias pode abrir caminho, mesmo com todas as concessões feitas pelo
regime dos Aiatolás e o futuro governo de Hassan Rohani, para uma vingança
contra a humilhação sofrida pelos EUA na desastrosa tentativa de intervenção
militar no Irã, ainda sob o governo democrata de Jimmy Carter. Não temos
nenhuma dúvida que o império pretende somar para suas empresas transnacionais
as reservas de petróleo do Irã às da Líbia e do Iraque para, desta forma, deter
a hegemonia absoluta do controle energético do planeta. Somente idiotas úteis à
Casa Branca podem ignorar estes fatos e declarar “solidariedade” às ações
militares da OTAN contra os “bárbaros ditadores” que se recusam a aceitar a
“democracia made in USA”. Os marxistas revolucionários defendem integralmente o
direito do Irã a possuir todo arsenal militar atômico ao seu alcance para se
defender do imperialismo e do sionismo. Porém compreendem que a tarefa de
defender o Irã inclusive contra sua burguesia nativa está, antes de mais nada,
nas mãos do proletariado mundial e das massas árabes. Somente elas podem lutar
consequentemente pela derrota do imperialismo em todo o Oriente Médio, abrindo
caminho para sepultar a exploração capitalista interna que condena a miséria os
explorados da região.