A Líbia e os bárbaros
efeitos da “Revolução Árabe” dois anos após o assassinato de Kadaffi pela OTAN
e seus “rebeldes”
A poucos dias de se
completarem dois anos do assassinato do coronel Kadaffi (20 de outubro) após
a intervenção militar das tropas da OTAN em apoio aos “rebeldes”, a Líbia volta
às manchetes dos jornais e aos noticiários de TV no mundo inteiro. O motivo foi
o sequestro do primeiro-ministro do país, Ali Zidan, que comanda o governo
fantoche formado pelo ex-CNT (Conselho Nacional de Transição). O sequestro é
mais um capítulo da disputa interna entre os mercenários que controlam a Líbia
após o fim do regime nacionalista burguês. Ali Zidan foi capturado no começo da
manhã desta quinta-feira, 10 de outubro, em Trípoli, por homens armados que o
pegaram no hotel Corinthia, onde estava hospedado. Uma brigada de mercenários
vinculada de forma oficiosa ao Ministério do Interior, que a mídia murdochiana
intitulou de “Célula de Operações dos Revolucionários da Líbia”, anunciou que
tinha Zidan em seu poder. Horas depois ele foi libertado em um acordo entre os
bandos “rebeldes” para ampliar os poderes dos sequestradores no governo líbio
servil aos interesses das transnacionais do petróleo. Vários grupos terroristas
islâmicos controlam partes do país e negociam diretamente com as sete irmãs a
entrega do óleo cru líbio, além de disponibilizarem o território do país para
ser base militar de apoio aos bandos contrarrevolucionários que atuam na Síria.
Esta é a bárbara face da realidade que vive a Líbia atualmente, cinicamente
apresentada pelos revisionistas do trotsquismo como palco da vitoriosa
“Revolução Árabe”.
Ao que tudo indica, a ação da “Célula de Operações dos Revolucionários da Líbia” também foi uma resposta à captura pelos EUA de um líder da Al-Qaeda no país. Esta foi uma das operações realizadas no fim de semana passado pelas forças especiais ianques, os Seal, que também executaram outra intervenção no porto somali de Barawe. Abu Anas al-Libi é acusado de participação nos ataques contra as embaixadas dos EUA no Quênia e Tanzânia em 1998 e o FBI oferecia uma recompensa de cinco milhões de dólares por ele. Sabendo que a Líbia hoje não passa de uma colônia controlada pela OTAN em parceria com os bandos mercenários, o secretário de Estado ianque, John Kerry, afirmou que a operação das FFAA dos EUA foi legal: “Abu Anas al-Libi é uma figura proeminente da Al-Qaeda e um objetivo legal e apropriado para o exército americano. Os Estados Unidos farão tudo o que estiver em seu poder, dentro da legalidade e de maneira apropriada, para fazer cumprir a lei e proteger nossa segurança. Não damos detalhes de nossas comunicações com governos estrangeiros sobre nenhum tipo de operação” (G1, 05/10). O primeiro-ministro da Líbia, Ali Zeidan, que foi sequestrado logo depois da ação ianque, havia declarado em relação à captura do dirigente da Al Qaeda pelos EUA que líbios acusados de crimes deveriam ser julgados no próprio país, mas que a ação militar ianque não prejudicaria as relações bilaterais: “Nossa relação com os EUA é importante, e nos importamos com ela, mas também nos importamos com nossos cidadãos, o que é o nosso dever. Os EUA nos ajudaram na nossa revolução. Nossa relação não será afetada por esse fato, que irá se resolver da forma necessária” (G1, 05/10). Segundo a administração Obama, a operação se insere na autorização para o uso da força militar concedida em 2001 pelo Congresso, que permite ao Executivo empregar a força contra qualquer nação, grupo ou pessoa envolvida nos ataques de 11 de setembro de 2001. Abu Anas al-Libi está preso em um navio no Mediterrâneo.
Os EUA se deparam com
uma situação contraditória na Líbia, já que agora sequestram líderes da
Al-Qaeda, cujas milícias fundamentalistas islâmicas combateram junto a OTAN
para depor o legítimo regime parido da revolução democrática e nacionalista de
1969, comandada por Kadaffi, que destituiu a monarquia entreguista. Por ironia
da história, as armas que em 2012 assassinaram o embaixador ianque J.
Christopher Stevens em Bengazi e agora servem aos mercenários da suposta
“Célula de Operações dos Revolucionários da Líbia” para sequestrar seu títere
do CNT, Ali Zidan, foram fornecidas pelos próprios abutres imperialistas que
hoje saqueiam as riquezas do país. A intervenção do imperialismo na Líbia
reproduz o mesmo “roteiro” acontecido no Afeganistão há mais de vinte anos,
primeiro potenciam militarmente “rebeldes” fundamentalistas para derrubar um
governo nacionalista burguês, para depois verem seus “aliados táticos”
protagonizarem ações contra alvos ianques e suas marionetes. O “filme” agora se
repete na Líbia...
Neste quadro de crise da
ocupação imperialista, que tenta inutilmente dar uma fachada democrática ao
novo regime, a tendência das massas é de luta contra o embuste que prometia
“liberdade”, mas acabou trazendo a fome e o desemprego para o proletariado
líbio, destruindo suas conquistas sociais históricas que o colocavam no mesmo
patamar de países europeus, segundo a própria ONU. A esquerda revisionista que
saudou freneticamente a aliança entre a OTAN e os “rebeldes” para derrubar a
“ditadura Kadaffi”, agora fica em completo silêncio frente à barbárie que se
impôs na Líbia. Estes revisionistas não possuem o menor critério de classe e
costumeiramente se emblocam com o imperialismo “democrático” contra setores das
burguesias nacionais, tradicionalmente atrasadas e conservadoras. O centro da
“fúria” da esquerda revisionista está direcionado atualmente aos regimes
nacionalistas “ditatoriais” e não mais ao imperialismo, principal inimigo dos
povos. Por isso, correntes como a LIT/PSTU hoje se dedicam a “conspirar” junto
ao Departamento de Estado ianque contra os governos de Cuba, Venezuela, Síria e
Irã, deixando de lado os “socialistas e democratas” imperialistas como Hollande
e Obama, não mais considerados “ditadores”... pela escória morenista. O
trotskismo nada tem a ver com esta canalha corrompida do revisionismo, os
bolcheviques não nos aliamos a OTAN para “derrubar ditadores”! A classe
operária líbia deverá fazer seu ajuste de contas histórico com os saqueadores
imperialistas, e não será pelas mãos das milícias fundamentalistas (alimentadas
pela CIA) que obterá suas conquistas de volta. Impulsionando uma frente de ação
política e militar com as forças da resistência nacional Kadafista contra os
saqueadores imperialistas e seus “agentes” nativos, a tarefa da construção do
Partido Revolucionário Leninista se coloca mais que nunca na ordem do dia, para
superar as direções burguesas vacilantes e publicitar o socialismo.
O assassinato de Kadaffi
pelas mãos da OTAN e seus “rebeldes” (que em 20 de outubro completa dois anos)
foi sem dúvida uma vitória do imperialismo e representou uma derrota para os
trabalhadores, porque anunciou o incremento da ofensiva neocolonialista sobre o
país e toda a região. A situação política atual da Líbia aponta para um
recomeço da guerra civil, só que desta vez com características bem mais
complexas e totalmente fragmentadas. As milícias “rebeldes” iniciaram uma luta
intestina pelo saque do país, disputando a “preferência” da intermediação dos
negócios com as metrópoles imperialistas. Nem mesmo a cidade de Benghazi
escapou da disputa “fratricida” dos rebeldes, a própria sede atual do governo
do CNT foi invadida várias vezes por manifestantes que exigiam o cumprimento
das inúmeras “promessas” feitas durante a empreitada para destruir as
conquistas da revolução democrática que derrubou a monarquia corrupta. Por sua
vez, houve o ataque, em setembro de 2012, à representação diplomática dos EUA
na cidade de Benghazi, cidade até então considerada segura pela OTAN, que
resultou na morte do embaixador na Líbia Christopher Stevens. O desemprego a
falta de habitação e a fome castigam severamente as massas, destituídas de
todas as suas conquistas sociais históricas após a ascensão do governo do CNT.
Os amos imperiais dos bandos “rebeldes” só cobram a “fatura” da guerra e pouco
se importam com a miséria do povo.
O país que apresentava,
até o início de 2011, o maior IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) da África,
um PIB per capta superior ao brasileiro e uma taxa de crescimento de 10,64%,
segundo dados do próprio FMI, encontra-se agora às voltas com uma infraestrutura
liquidada, principalmente pelos “bombardeios humanitários”. De fato, os
vencedores e, sobretudo, as brigadas salafitas da Cirenaica que se havia
apoderado de Benghazi e da capital Trípoli, começaram a praticar uma autêntica
limpeza étnica acreditando que os imigrantes africanos se juntariam aos fiéis
de Kadaffi, ainda majoritários nas regiões de Sirte e da capital Trípoli. Sob o
olhar dos soldados da OTAN, dos diplomatas europeus e das transnacionais, em
Trípoli, e nas demais cidades da Líbia aconteceram horrendos massacres de
“Black People” (homens negros), acusados de terem sido soldados de Kadaffi.
Depois vieram as prisões em massa. Muitos deles foram e continuam sendo
torturados para se obter uma confissão que permita as novas autoridades da
Líbia justificarem um tratamento tão desumano com pessoas cuja única culpa é
serem negros e de origem africana. Calcula-se que nas prisões e nos ditos
“campos de controle” há, ainda, cerca de 150 mil africanos. Outros 400 mil
foram reintegrados nos trabalhos humildes e braçais que os líbios se recusam
fazer. Cerca de 50 mil foram mortos durante a dita libertação, enquanto outros
200 mil foram obrigados a sair pelas fronteiras do sul em direção ao Sudão, à
Eritréia, ao Chade e ao Mali, passando do mal para o pior. Restam na Líbia,
aproximadamente, menos de 400 mil africanos que desde janeiro de 2012 tentam
desesperadamente atravessar o canal da Sicília para fugir de um país que virou
um inferno.
Está em curso a divisão
do país por grupos tribais ligados ao imperialismo ianque, francês e britânico.
Longe dos salões luxuosos dos “Amigos da Líbia”, as ruas das principais cidades
do país são ocupadas agora por milícias armadas, onde tiroteios, sequestros e
torturas tornaram-se lugares comuns. As vítimas preferenciais desses grupos
formados pelos ex-rebeldes são os simpatizantes do antigo regime e africanos
subsaarianos. Registre-se que essas ocorrências são todas pós-queda de Kadaffi
e obviamente não têm causado sequer suspiros de indignação em nome dos
“direitos humanos”. Hoje, o genuíno trotskismo se posta ao lado da resistência
nacional líbia em combate aos trânsfugas que, como a LIT, se colocam a serviço
da Casa Branca em nome da defesa da fantasiosa “revolução árabe”, clamando para
que a mesma sanha neocolonialista seja vitoriosa na Síria e no Irã.