O grande comício da Central do Brasil, realizado há exatos
55 anos, no dia 13 de março de 1964, foi o último fôlego do governo
nacionalista burguês do presidente João Goulart diante das forças mais
reacionárias e golpistas, apoiadas pelo imperialismo ianque, que tramavam
abertamente para implantar um regime político semifascista da ditadura militar.
Jango e os generais que lhe davam “apoio” estavam conscientes de que a
realização de um grande comício das massas radicalizadas aceleraria em muito a
dinâmica golpista em pleno curso. Mas, pressionado pela ala “esquerda” de seu
comando trabalhista, como Brizola, Darci e Almino Afonso, resolveu bancar a
iniciativa, que envolvia vários segmentos políticos, desde as ligas camponesas,
passando pelo CGT dos burocratas sindicais do PTB e até o velho Partidão. O
comício pelas “reformas” superou todas as expectativas, não só pelo número de
participantes, mas fundamentalmente pela radicalidade de suas reivindicações,
que incluíram até o armamento dos trabalhadores. Durante o comício, que reuniu
cerca de 300 mil trabalhadores e estudantes, Jango assinou decretos de
nacionalização das poucas refinarias de petróleo existentes no Brasil e a
desapropriação terras com mais de 100 hectares ao longo das ferrovias e
rodovias federais, para fins de reforma agrária. Sem o apoio dos setores decisivos
da burguesia financeira e industrial, que estava cada vez mais vinculada aos
interesses do imperialismo, Jango prometeu implantar o projeto nacional
reformista das chamadas “Reformas de Base”, em defesa das quais vinham
crescendo as mobilizações de operários, camponeses e estudantes em todo o país.
As “reformas” pretendidas inicialmente pelo PTB “Janguista” nem de longe
ameaçavam a ordem capitalista vigente, ao contrário eram parte de um projeto
maior “desenvolvimentista” da burguesia nacional que buscava a ampliação de um
mercado interno de consumo e a redução da dependência financeira e industrial
do país em relação a economia norte-americana. Mas a alta cúpula militar não
pensava exatamente desta maneira, apesar de uma ala de generais como Castelo Branco
e os irmãos Geisel concordarem com a ideia de superar o atraso nacional pela
via da industrialização do país. Este era o ponto de “acordo” entre Jango e
seus assessores militares mais próximos, que logo depois vieram a protagonizar
o golpe fascista contra seu “comandante em chefe”, mas uma “pequena” diferença
política os separavam, era justamente o papel a ser jogado pelas massas
proletárias e camponesas da nação. Para a “inteligência nacionalista militar” o
proletariado urbano e rural deveria ficar completamente a margem de qualquer
projeto “desenvolvimentista”, além de considerarem “sagrados” os vínculos
comerciais do Brasil com os EUA. Na ausência do consenso com seu gabinete
militar, Jango resolve tocar em frente o comício da "Central" o que
provocou a unificação “automática” dos oficiais supostamente “leais” a
legalidade do governo (Castelo e Amaury Kruel) com os facínoras golpistas do
quilate de um Costa e Silva. Naquela histórica noite, onde milhares de
trabalhadores afluíram ao chamado do governo, na expectativa de uma brusca
guinada à esquerda de Jango, um comando militar terrorista, comandado pelo
coronel Murici, planejava um atentado a vida do presidente para precipitar o
golpe naquele mesmo dia, foram contidos no local pelo general Orlando que lhes
“pediu” mais duas semanas para “finalizar” a deposição de forma mais
organizada. No palanque da “Central”
suando muito ao lado de sua bela mulher, Maria Thereza, Jango parecia já
pressentir o seu fim, mas não se acovardou e desferiu seu “petardo trabalhista
e nacionalista”: “Aqui estão os meus amigos trabalhadores, vencendo uma
campanha de terror ideológico e sabotagem, cuidadosamente organizada para
impedir ou perturbar a realização deste memorável encontro entre o povo e o seu
presidente, na presença das mais significativas organizações operárias e
lideranças populares deste país... A democracia que eles querem é a democracia
para liquidar com a Petrobras; é a democracia dos monopólios privados,
nacionais e internacionais, é a democracia que luta contra os governos
populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício” (Trecho do discurso
de Jango na Central do Brasil).
As “Reformas de Base” eram apresentadas como uma solução
para a crise gerada pelo atraso nacional. Visando a ampliação do mercado
interno, medidas como a desapropriação dos latifúndios improdutivos e a
distribuição de terras às massas camponesas tinham como objetivo, além de
fomentar o crescimento do número de trabalhadores com poder de compra,
estendendo os direitos trabalhistas às massas assalariadas agrícolas, aumentar
a produção de gêneros alimentícios a baixo custo para ampliar o mercado
consumidor de produtos da indústria nacional. Para aumentar o poder aquisitivo
dos trabalhadores urbanos, além do salário mínimo, repouso remunerado, férias e
13º salário, o governo prometia uma nova política habitacional que estimularia
a redução dos custos dos aluguéis. O projeto das Reformas de Base buscava
também a ampliar o mercado externo por meio da ampliação das relações
comerciais com os Estados operários, como China e a URSS. Para conter a sangria
de recursos financeiros, propunha a limitações às remessas de lucro das
empresas estrangeiras para o exterior.
Essas medidas estavam longe de
representar uma ameaça ao capitalismo. O ascenso do movimento operário e
popular, cujas mobilizações, impulsionadas pela luta em defesa das reformas de
base, vinham crescendo rapidamente desde o início da década de 1960, era o que
realmente constituía o centro das preocupações da burguesia e do imperialismo
ianque. As grandiosas manifestações de massas em defesa das reformas eram
utilizadas por João Goulart muito mais para chantagear os setores reacionários
da burguesia e o imperialismo, exigindo que estes fizessem a opção entre o projeto
burguês nacionalista das reformas ou a revolução social e o comunismo. A essa
chantagem, os setores conservadores da burguesia nacional, com o apoio da
igreja católica e do imperialismo ianque, responderam com a reacionária Marcha
da Família com Deus pela Liberdade ( que os neonazistas pretendem reeditar
agora) e com golpe contrarrevolucionário de 1º de abril de 1964, como uma ação
preventiva diante do crescimento do movimento de massas operárias e camponesas,
que se manifestava em inúmeras greves e embriões de de duplo poder, como as
Ligas Camponesas no Nordeste.
Na verdade, as "reformas de base" nunca sairiam do
"papel", ou seja, do plano das intenções nacionalistas da impotente
burguesia brasileira. Historicamente,
estas reformas capitalistas constituem tarefas de uma revolução
democrático-burguesa e, portanto, já não podem ser mais realizadas pela
burguesia, que se tornou uma classe reacionária na atual etapa de hegemonia do
capital financeiro. Na fase histórica do capitalismo monopolista em sua égide
imperialista, essas tarefas só podem ser realizadas por um poder
revolucionário, como parte da revolução proletária e da construção do
socialismo. O governo Goulart e dos setores nacionalistas da burguesia eram
politicamente incapazes de levar adiante o seu próprio projeto reformista, o
que ficou confirmado quando o governo não organizou qualquer resistência contra
os golpistas, ao contrário demoveu toda a resistência militar ao golpe,
deixando isolados todos que pretendiam organizar a luta armada. Por sua vez, os stalinistas do PCB, que
tinham o controle de parte do movimento operário, não desejavam a revolução
socialista e a Ditadura do Proletariado, "preferindo" fazer das
reformas nacionalistas do governo Jango e da política de colaboração de
classes, os fundamentos de seu programa, preparando assim o caminho para a
derrota sangrenta do proletariado.
Diante do acirramento da luta de classes, os governos
burgueses sempre utilizaram as chamadas reformas estruturais ou de base como
instrumento para enganar as massas trabalhadoras e preparar o caminho da
derrota do proletariado. Hoje, 55 anos depois do comício da Central do Brasil e
sob a égide de um governo comandado por um fascista como Bolsonaro, o papel da
vanguarda classista mais consciente, que reivindica o legado do Marxismo
Leninismo, continua sendo o de construir um autêntico partido operário
revolucionário para combater a reação burguesa e assegurar a independência
política da classe operária, apontado a Revolução Proletária e o Socialismo
como único caminho da vitória do proletariado diante das forças reacionárias
que governam o Brasil nestes dias.