40 anos após o triunfo da Revolução Sandinista, vemos encerrado
o ciclo da tomada do poder pelas guerrilhas reformistas da América Latina. Essa
realidade comprova que somente a construção de um autêntico partido
Marxista-Leninista de massas guiado por um programa comunista pode ser uma alternativa revolucionária concreta à ofensiva
neoliberal contra o proletariado do continente nos dias atuais. Comprou-se política e historicamente o ocaso
das guerrilhas reformistas, com a FSLN, que há exatos 40 anos, em 19 de julho
de 1979, entrou com suas colunas em Manágua, consolidando a vitória da
revolução popular sandinista sob o comando de Daniel Ortega, na época um
movimento insurrecional responsável por quebrar a espinha dorsal do Estado
burguês, derrotando e destruindo o exército nacional bancado pelos EUA. Dias
antes, vendo que a derrota era inevitável, o ditador Somoza fugiu para Miami,
tendo o abrigo do imperialismo ianque então sob a gestão “democrática” do
presidente Cárter.
Em comemoração a esta data histórica analisamos neste artigo minuciosamente tanto a vitória da revolução naqueles memoráveis dias como sua derrota pela via eleitoral quase duas décadas depois devido a política democratizante de sua direção pequeno-burguesa. A Revolução Sandinista foi a última insurreição popular armada vitoriosa a derrotar um governo títere do imperialismo, mas a política da direção reformista estrangulou todas as perspectivas de construir um Governo Operário e Camponês e tornar a Nicarágua um Estado operário em extensão para toda a América Central. Atualmente convertida a um partido da centro-esquerda burguesa e paladina do já falido “Socialismo do Século XXI”, a FSLN voltou a governar o país de pela via eleitoral e de forma completamente adaptada a democracia burguesa, sem grandes conflitos com o imperialismo ianque. Abstrair as lições programáticas dessa derrota em nossos dias é fundamental para a vanguarda militante combater a lógica reformista aplicada na Nicarágua já no final dos anos 80, onde o Sandinismo entregou a revolução em uma eleição burguesa em que previamente estava derrotado pela direita pró-ianque. Após vários anos dessa entrega sem luta, o Sandinismo retornou ao governo nacional pela via eleitoral, porém o regime da Nicarágua já não tem nenhum traço das conquistas revolucionárias de 1979. A melhor forma de comemorar o triunfo revolucionário de julho de 1979 é combater vigorosamente o imperialismo sem abrir mão da ácida crítica programática marxista a esquerda reformista como a FSLN. Este arco político defensor da colaboração de classes ressalta a democracia como valor universal e apresenta o respeito às urnas como “sagrado”, utilizando inclusive esse móvel programático para defender, por exemplo, a política de colaboração de classes da Frente Popular (PT) e aconselhar o PSUV de Maduro na Venezuela a seguir a mesma trajetória de capitulação da FSLN na Nicarágua. Para entender esse rico processo vamos abordar desde a gênese do Sandinismo, seu ascenso e derrota até o atual retorno de Daniel Ortega a presidência do país sem representar qualquer ameaça ao domínio da Casa Branca no continente centro-americano.
Em comemoração a esta data histórica analisamos neste artigo minuciosamente tanto a vitória da revolução naqueles memoráveis dias como sua derrota pela via eleitoral quase duas décadas depois devido a política democratizante de sua direção pequeno-burguesa. A Revolução Sandinista foi a última insurreição popular armada vitoriosa a derrotar um governo títere do imperialismo, mas a política da direção reformista estrangulou todas as perspectivas de construir um Governo Operário e Camponês e tornar a Nicarágua um Estado operário em extensão para toda a América Central. Atualmente convertida a um partido da centro-esquerda burguesa e paladina do já falido “Socialismo do Século XXI”, a FSLN voltou a governar o país de pela via eleitoral e de forma completamente adaptada a democracia burguesa, sem grandes conflitos com o imperialismo ianque. Abstrair as lições programáticas dessa derrota em nossos dias é fundamental para a vanguarda militante combater a lógica reformista aplicada na Nicarágua já no final dos anos 80, onde o Sandinismo entregou a revolução em uma eleição burguesa em que previamente estava derrotado pela direita pró-ianque. Após vários anos dessa entrega sem luta, o Sandinismo retornou ao governo nacional pela via eleitoral, porém o regime da Nicarágua já não tem nenhum traço das conquistas revolucionárias de 1979. A melhor forma de comemorar o triunfo revolucionário de julho de 1979 é combater vigorosamente o imperialismo sem abrir mão da ácida crítica programática marxista a esquerda reformista como a FSLN. Este arco político defensor da colaboração de classes ressalta a democracia como valor universal e apresenta o respeito às urnas como “sagrado”, utilizando inclusive esse móvel programático para defender, por exemplo, a política de colaboração de classes da Frente Popular (PT) e aconselhar o PSUV de Maduro na Venezuela a seguir a mesma trajetória de capitulação da FSLN na Nicarágua. Para entender esse rico processo vamos abordar desde a gênese do Sandinismo, seu ascenso e derrota até o atual retorno de Daniel Ortega a presidência do país sem representar qualquer ameaça ao domínio da Casa Branca no continente centro-americano.
DO PRIMEIRO FRACASSO DO NACIONALISMO NICARAGUENSE À
REVOLUÇÃO SANDINISTA
Já em meados do século passado, os EUA tinham a Nicarágua
sob seu domínio. Para preservá-lo, as forças militares ianques invadiram o país
quatro vezes desde 1855. Em 1928, um latifundiário, Augusto César Sandino,
aproveitando-se da redução dos efetivos militares ianques, declara guerra ao
governo local, dirigindo um movimento guerrilheiro que por pouco não chegou a
ocupar a capital, Manágua, no início da década seguinte. As tropas
norte-americanas voltam ao país montando um imenso operativo militar contra o
exército de Sandino. Mas os ianques acabam saindo derrotados e obrigados a
retroceder. Incapaz de vencê-lo, o governo Roosevelt busca cooptá-lo. É
celebrado um acordo que estabelecia a retirada dos marines, a escolha de um
presidente constitucional (Sacasa) e, o principal, a formação de uma Guarda
Nacional, cujo comandante indicado pelos EUA seria Anastácio Somoza. Pelo
acordo, fica estabelecido que a Guarda Nacional não poderia combater a
guerrilha. Pouco depois, temendo a possibilidade de um golpe, por parte da
Guarda Nacional, Sandino visita o presidente para alertá-lo, oportunidade em
que Somoza aproveitou-se para prender e assassinar Sandino e o próprio
presidente Sacasa, tomando o poder absoluto no país.
A família Somoza se apropria sozinha da melhor e maior parte
da economia do país, perpetuando-se por prorrogação de mandatos e eleições
manipuladas. Anastácio Somoza é assassinado, mas seu filho, Luiz, assume o
poder até 67, quando o Somoza III é "eleito" pela fraude. Em 1962, o
intelectual Carlos Fonseca funda um movimento guerrilheiro para combater a tirania
Somoza, será a Frente Sandinista de Libertação Nacional. Em 1972, Manágua é
devastada por um terremoto que deixa 6 mil mortos e 300 mil feridos. Somoza
percebeu nisso sua grande chance de multiplicar seus lucros, interditando o
centro da capital e obrigando a todos, inclusive setores empresariais
nicaragüenses, a comprar lotes de terras pertencentes ao clã Somoza na
periferia de Manágua por preços superfaturados. A ira da classe dominante ainda
foi maior, quando se descobriu que a quadrilha governista havia se apropriado
de toda a ajuda financeira americana para a reconstrução do país. Foi a gota
d’água para que os outros setores da burguesia, até então sócios minoritários
da quadrilha palaciana, uma vez sentido-se expropriada, passassem para o lado dos
sandinistas. O assassinato de Pedro Chamorro, diretor do principal jornal
liberal do país, La Prensa, em 78, aprofundou a fissura interburguesa.
A Guarda Nacional, montada pelos EUA em 1933, era o
principal sustentáculo da dinastia Somoza. Desde então, assassinou mais de 50
mil pessoas, 90% delas crianças e jovens entre 8 e 20 anos de idade. Com um
profundo ódio ao regime genocida, as forças militares decisivas para o levante,
que tomou o poder e destruiu a Guarda Nacional em junho e julho de 79, não vieram
da burguesia ou da guerrilha pequeno burguesa do campo, mas fundamentalmente
das milícias populares urbanas, como os Comitês de Defesa Sandinistas. Os CDS,
organizados por quadras nas cidades copiavam o modelo dos Comitês de Defesa da
Revolução Cubana. Mas, o ascenso revolucionário das massas exigia uma direção
política decidida para completar a revolução e levar a luta antiimperialista e
anticapitalista até as últimas conseqüências, necessidade que só poderia ser
atendida por um partido operário revolucionário. Na ausência deste partido, as
massas nicaragüenses tiveram de se apegar aos setores mais radicalizados dos
liberais nacionalistas, a FSLN.
Sob a inspiração das derrotas impostas ao imperialismo na
vizinha revolução cubana (59-60) e pela revolução vietnamita (1975), as massas
nicaragüenses aproveitaram-se das fissuras da classe dominante e derrotaram a
sanguinária ditadura Somoza. Esta derrota do imperialismo significou uma
vitória para o proletariado mundial, impulsionando a luta democrática e antiimperialista,
acelerando o debacle de várias ditaduras militares latino-americanas e,
particularmente, nos países vizinhos da América Central. Em El Salvador, na
Guatemala e Honduras, os massivos protestos e greves operárias levaram à queda
de governos cívico-militares e à radicalização da luta de classes sem
precedentes históricos naquela faixa terrestre do planeta.
POR QUE, APÓS A REVOLUÇÃO SANDINISTA, A NICARÁGUA NÃO
TORNOU-SE UMA NOVA CUBA
A revolução sandinista foi o segundo levante popular num lapso
de 20 anos (1959-1979) a derrotar as forças armadas da burguesia e do
imperialismo ianque em seu próprio "pátio traseiro". Uma análise
marxista das semelhanças e diferenças entre a revolução cubana e a nicaragüense
é fundamental para que se entenda que apesar de ambas as direções, Castro e a
FSLN, utilizarem a luta armada como via para o poder é na expropriação da
burguesia como classe, que está o cerne da questão. Ao contrário de impulsionar
a eliminação da propriedade privada sobre os meios de produção no país, a FSLN
limitou-se a expropriar as posses da família Somoza (40% das riquezas do país)
e buscou conter a luta anticapitalista das massas insurretas, preservando os
interesses da burguesia "antisomozista", cavando sua própria cova.
Este fator decisivo para a sorte de todo movimento operário insurrecional foi
enunciado pelos autores do Manifesto Comunista: "Em toda a parte os
comunistas apóiam todo movimento revolucionário contra a ordem social e
política vigente. Em todos esses movimentos, põem em primeiro lugar, como
questão fundamental, a questão da propriedade, não obstante o grau de
desenvolvimento alcançado na época" (Manifesto do Partido Comunista, Marx
e Engels).
Tanto o castrismo como os sandinistas são inimigos da
democracia operária, ambos buscavam forjar governos de unidade nacional, mas a
perspectiva de um governo frente populista fracassou em Cuba e a direção
pequeno-burguesa foi forçada por condições excepcionais: a entrada em cena do
proletariado das cidades ao qual se combinou à guerrilha rural, a imensa
debilidade da classe dominante nativa; a intransigência ultimatista do
imperialismo norte-americano, que ao contrário de tentar cooptar o castrismo
empurrou-o para uma saída operária. Ou seja, pela impossibilidade de manter a
frente popular, os castristas tiveram de ir além de onde queriam no curso de
ruptura com a burguesia, sendo levados a expropriar os capitalistas nativos e
as empresas multinacionais. Simultaneamente, a URSS e a China suplantaram as
relações comerciais rompidas pelo imperialismo, não por qualquer impulso
internacionalista das burocracias de Moscou ou de Pequim, mas tentando se
utilizar da posição militar estratégica de Cuba em futuras negociações com os
EUA.
As diferenças entre o Movimento 26 de Júlio de Castro e a
FSLN de Daniel Ortega não são de cunho ideológico, subjetivo, neste aspecto
ambos compartilham, desde o princípio de suas empreitadas, as ilusões
reacionárias da pequena burguesia de desenvolver um capitalismo nacional, livre
das mazelas da opressão imperialista. Enquanto foi possível (59 e meados de
1960) Castro tentou manter-se sob um programa democrático-radical e limitar as
expropriações às terras de Fulgêncio Batista.
A histeria anticomunista do imperialismo ianque em 59
(década do macarthismo) não deixou saída para Castro, nem para a amedrontada
burguesia cubana, que formou parte do governo de união nacional com Castro e
Che no comando do Exército após a derrubada de Batista. Temendo sofrer
represálias americanas o covarde patronato da ilha preferiu abandonar a frente
popular e fugir do país. Abandonado pela burguesia, acossado pelo imperialismo,
econômica (boicote ianque à compra do açúcar cubano e ao refino do petróleo
pelas multinacionais instaladas na ilha, as únicas existentes) e militarmente (invasão
gusana patrocinada pela CIA em praia Girón), o castrismo foi obrigado a se
apegar à classe operária, impulsionando ainda que burocraticamente as milícias
populares por cada bairro da cidade (os Comitês de Defesa da Revolução Cubana),
e nacionalizar as refinarias petroleiras (Shell, Texaco e Standard Oil), os
engenhos de açúcar, as companhias de telefone e eletricidade. O Estado
apropriou-se de 90% das indústrias do país.
Se as burocracias dos Estados operários alimentam ilusões
reacionárias de estabelecer uma "convivência pacífica" com a
burguesia em nível internacional, o sandinismo abortou as perspectivas de
transformar a Nicarágua em um Estado operário ainda que burocratizado, com a
política contrarrevolucionária de buscar a "convivência pacífica" com
o imperialismo dentro e fora do país, o que Castro, pela negativa absoluta do
imperialismo, não conseguiu.
Ao contrário de Cuba, na Nicarágua, sob a direção
sandinista, 57% da economia se manteve intocada nas mãos do setor privado. Na
indústria, apenas 25% da produção passou para as mãos do Estado e mesmo a
tímida Reforma Agrária, só veio a ocorrer de fato em meados da década de 80.
"PLURALISMO POLÍTICO" PARA OS
CONTRARREVOLUCIONÁRIOS, "NÃO ALINHAMENTO" CONTRA O IMPERIALISMO E
"ECONOMIA MISTA" CAPITALISTA: A FÓRMULA DA DERROTA
A guerrilha sandinista representou os setores da classe
média alijados do poder, que tentaram conseguir, por meio da luta armada, os
direitos democráticos que viram frustrados pela via institucional. Logo, a FSLN
comprometeu-se com a burguesia anti-somozista a estabelecer um governo de união
nacional que respeitasse a propriedade privada e a restabelecer a democracia
burguesa, ou seja, manter o capitalismo nicaragüense sem Somoza.
Ao chegar ao poder, a Frente Sandinista proclamou a
descoberta de uma via intermediária entre a ditadura do capital e a ditadura
proletária. O esquema dos sandinistas baseava-se no seguinte tripé utópico e
reacionário: "pluralismo político", "não alinhamento na política
internacional" e "economia mista". O resultado é que além de
preservar boa parte da burocracia estatal e das instituições jurídicas, a FSLN
tentou proteger da ira popular elementos supostamente "honestos e
patrióticos" do exército genocida de Somoza, e não poucos foram
incorporados ao Exército sandinista. Foi impedido o justiciamento da guarda
somozista, e até dos assassinos mais odiados. Somente três anos após a revolução,
quando a maioria dos assassinos do antigo regime já se encontrava fora do país
é que foram instaurados os tribunais populares e, ainda assim, de maneira
bastante tímida e controlada. Protegidos da vingança das massas, os genocidas
da Guarda Nacional fugiram para a fronteira de Honduras onde foram reagrupados
pela CIA, dando origem a mais sanguinária guerrilha contra-revolucionária já
montada na América Latina, os Contras. Esta atitude complacente da FSLN para
com os criminosos de Somoza possibilitou uma larga vantagem à contrarrevolução
imperialista na guerra civil que durou toda a década de 80 e pela qual os
explorados pagaram com o seu sangue, com mais de 100 mil nicaragüenses mortos.
Enquanto era criminosamente tolerante com a burguesia e a
reação, a FSLN estrangulava as forças da revolução, reprimindo a classe
operária, as organizações de esquerda. O governo sandinista combinou a
intervenção estatal nos sindicatos que ousassem fazer greve com a repressão
seletiva às organizações de esquerda. Em alguns casos, o governo preferiu
fechar fábricas ocupadas por trabalhadores em greve, para não fazer concessão
às suas reivindicações, do que abrir o "mal precedente" de ser
forçado a ir além dos limites pelo movimento operário. Logo nas primeiras semanas
após a revolução, foi posto na ilegalidade o grupo stalinista pró-Albânia
Frente Obrero (FO) e seu periódico, El Pueblo, foi confiscado, por este grupo
estar organizando ocupações de terras. No mês de agosto, o governo expulsou do
país a Brigada Simón Bolívar (BSB), ligada ao pseudo-trotskista argentino
Nahuel Moreno. Os principais dirigentes do Movimento de Ação Popular (MAP) e da
Liga Marxista Revolucionária foram presos, assim como alguns líderes sindicais
do Partido Socialista (PSN, stalinistas pró-Moscou). Mas a maior repressão à
esquerda foi o encar-ceramento de mais de cem militantes do Partido Comunista
(PCN) sob a acusação de boicotar a produção (em outras palavras, dirigir
greves), cerca de três deles foram condenados a mais de dois anos de prisão por
estarem a frente de uma ocupação de fábrica. Quase todos os ativistas de
esquerda foram encarcerados sob a mesma calúnia que lembram as mais sórdidas
pugnas stalinistas. São acusados de serem "agentes da CIA". Sem
dúvida, a dissolução das milícias populares, a repressão sandinista às greves,
ocupações de fábricas e de terras, seguidas da prisão de ativistas de esquerda
que lutam por mais conquistas para a revolução, prestou um serviço imensamente
maior aos propósitos da CIA, como nenhum mercenário que ela já assalariou.
Além dos trabalhadores urbanos e suas organizações sindicais
e políticas de esquerda, os camponeses e as minorias étnicas indígenas também
foram vítimas do governo sandinista pequeno burguês. A FSLN estava fortemente
empenhada em manter seus compromissos com o latifúndio anti-somozista e evitou
a todo o custo uma verdadeira reforma agrária no país. A Lei de Reforma Agrária
só foi formalmente votada em julho de 1981, dois anos depois da revolução, mas
a efetiva repartição de terras só veio a ocorrer em 1984. O campesinato pobre
que, em rota de coalizão com os médios e grandes proprietários no final da
década de 70, esperavam do sandinismo a reforma agrária, melhores condições de
crédito agrícola e de vida, viram suas ilusões se desfazerem a cada ano. E
pior, enquanto os preços de todos os outros bens de consumo cresciam com a
hiperinflação, os preços dos gêneros agrícolas foram congelados pelo governo.
Com as populações indígenas, as coisas não foram diferentes:
o covarde governo sandinista, enquanto mantinha intocáveis as terras dos
grandes latifundiários tratou de se apoderar das terras indígenas e de seus
recursos naturais, oprimindo sua cultura e seu idioma. O resultado não poderia
ser outro: os indígenas surnus, miskitos e ramas, assim como os camponeses
pobres arruinados pelo governo sandinista foram jogados nas mãos da reação e do
imperialismo, alistando-se em massa no exercito mercenário dos Contras.
Por sua vez, todas as liberdades e concessões eram
permitidas à burguesia anti-somozista, representada no governo por Violeta
Chamorro (proprietária do principal jornal da burguesia liberal, La Prensa,
utilizado na guerra psicológica para desestabilizar o regime) e Adolfo Robelo,
ligado aos latifundiários algodoeiros. Ambos se retiraram do governo em 1980
para chantagear o sandinismo a fazer mais concessões à reação. Adolfo Robelo
dedica-se a organizar a guerrilha anti-sandinista montada na Costa Rica,
enquanto dirige o Movimento Democrático Nicaragüense (MDN), partido que apesar
de dedicar-se a atividades de sabotagem da revolução e ao massacre de
camponeses, mantém-se ainda na legalidade.
Apesar dos bancos terem sido nacionalizados, outros setores
fundamentais da economia foram deixados nas mãos dos capitalistas que
provocaram o racionamento e a escassez de produtos de primeira necessidade para
forçar a alta dos preços ou simplesmente desmoralizar o governo sandinista. Uma
vez que a burguesia foi preservada, ela continuou a impor sobre o Estado
burguês sandinista seus interesses de classe que eram de assumir de novo o
poder para restabelecer o sistema convencional capitalismo-imperialismo,
enfraquecido com a derrubada da tirania pró-imperialista.
Evitando o erro cometido em Cuba, a política levada adiante
por Reagan para a Nicarágua nunca teve como objetivo a derrubada violenta do
governo sandinista. Washington pretendia manter os sandinistas no poder e
vencer a revolução pelo esgotamento. Em 1983, impõem sanções econômicas sobre a
Nicarágua e enviam uma tropa para patrulhar a costa nicaragüense. Em 85, os EUA
rejeitam a proposta de paz da FSLN e decretam embargo total. A única forma de
salvar a revolução seria romper o cerco imperialista através da impulsão das
revoluções em El Salvador e Guatemala, mas os sandinistas fazem tudo ao
contrário.
No plano internacional, a direção nacionalista da FSLN jogou
um papel abertamente contrarrevolucionário, não apoiando e, inclusive,
sabotando os movimentos guerrilheiros nos países vizinhos, particularmente na
Guatemala e em El Salvador. Tentou dar todas as garantias aos EUA de que não
fornecia ajuda militar a FMLN. Ao passo que reconhecia e estreitava suas
relações com os governos genocidas antiguerrilheiros armados pela CIA nestes
países, apoiava tacitamente a URNG e a FMLN para usar este apoio nas negociações
com o imperialismo e as burguesias da América Central. Cínico e criminoso papel
dos sandinistas, se já não seguiam o exemplo de Cuba – diga-se de passagem, sob
os conselhos do próprio Castro – levando a luta antiimperialista até a
expropriação da burguesia como classe, ainda aconselhavam a Frente Farabundo
Martí de Libertação Nacional salvadorenha a nem tomar o poder, como haviam
feito a FSLN.
Uma vez que conseguiu impor o refluxo ao movimento de
massas, a FSLN preparou o caminho da reação imperialista de volta ao poder pela
via da democracia burguesa. A elite militar sandinista tratou de enriquecer-se,
apropriando-se de boa parte das terras expropriadas durante a Revolução.
A vitória sobre a ditadura e a expropriação dos Somoza
possibilitou conquistas sociais (refeitórios e creches comunitárias gratuitas,
subsídios à alimentação, ampliação do seguro social, aumento dos recursos para
a universidade pública para 2% do orçamento nacional etc.) e ampliação dos
direitos políticos e de organização sindical. Mas em pouco tempo estas
conquistas foram sendo devoradas ou suprimidas paulatinamente a medida que o
sandinismo fortalecia o Estado capitalista e restabelecia as relações de
dependência e opressão nacional sob o imperialismo, submetendo finalmente o país
a um esforço de guerra no combate aos Contras, levando ao caos a economia do
país. Em 88, a inflação chega aos 30 mil % ao ano. Após desmoralizar, atomizar
e empurrar para a prostração as massas nicaragüenses, os desmoralizados
sandinistas perdem as eleições para Violeta Chamorro em março de 1990,
mantendo-se no governo através dos postos que ocupava na burocracia militar.
"PACTOS DEMOCRÁTICOS": A POLÍTICA DE COOPTAÇÃO DO
IMPERIALISMO
A estratégia do imperialismo triunfou, graças às utopias
reacionárias e suicidas dos reformistas da FSLN. A Nicarágua foi um laboratório
que permitiu ao governo Reagan, desenvolver sua política contrarrevolucionária
de combate ao comunismo em toda a América Latina, utilizando-se das vacilações
das direções nacionalistas, combinando o enfrentamento militar com a cooptação
política, através de "aberturas democráticas" controladas. Apesar da
imensa ajuda militar norte-americana para sufocar os movimentos de libertação
nacional, foi sem dúvida a política contrarrevolucionária das direções
guerrilheiras, como os sandinistas (anistiando os repressores, negando-se a
romper com a burguesia e o imperialismo, estrangulando politicamente a classe
operária e perseguindo camponeses e indígenas), que possibilitou o triunfo das
forças da reação.
As direções nacionalistas pequeno burguesas mostraram a
custo de muito sangue o fracasso da via
reformista armada na Nicarágua, El Salvador e Guatemala. A
direção sandinista transformou-se em nova burguesia interessada em manipular o
movimento de massas em favor da preservação e ampliação de "suas"
conquistas materiais e de seu poder político como partido burguês coadjuvante
do regime pró-imperialista. Também nos dois outros países centro-americanos, a
FMLN e a URNG renderam-se vergonhosamente aos regimes capitalistas títeres do
imperialismo, participando ativamente do circo eleitoral burguês, via para o
poder que antes criticavam por não ter acesso a ela.
A CRÍTICA MARXISTA DO GUERRILHEIRISMO PEQUENO BURGUÊS
A tática do foco guerrilheiro ou a guerra popular pela
formação dos Exércitos de Libertação Nacional é a encarnação militarizada da
luta da pequena burguesia por seu espaço no poder, caracteriza-se pelo
centrismo frente à burguesia, ao imperialismo e à classe operária, por
aventuras heróicas, pelo terrorismo individual, ações desesperadas e por tentar
dissolver os interesses classistas do proletariado nos objetivos policlassistas
das classes médias. A pequena burguesia é heterogênea e ocupa uma posição
secundária em relação aos meios de produção. Seja ela urbana ou agrária (o
campesinato) tem suas aspirações sociais quase sempre vinculadas à burguesia e
excepcionalmente ao proletariado; quase invariavelmente busca enriquecer,
acumular patrimônio e explorar cada vez mais o trabalho alheio, tendo como
modelo a grande burguesia.
A pequena burguesia não pode organizar a sociedade segundo
seus próprios interesses, ou converte-se em grande burguesia, ou sob uma
combinação de pressões excepcionais da luta de classes (negativa da burguesia
em constituir frentes populares, ofensiva revolucionária das massas, guerras) é
obrigada a expropriar a burguesia, tornando-se burocracia dirigente de um
Estado operário deformado, como ocorreu na Iugoslávia, China, Cuba e Vietnã.
O poder social da guerrilha não influi diretamente sobre os
meios de produção e, portanto, não organiza a classe mais progressista da
sociedade capitalista, o proletariado, nem entra em choque com os interesses de
preservação da propriedade privada. Um exemplo atual é o fato de permanecerem
intocáveis e até prosperarem as empresas capitalistas nas zonas controladas
pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.
Suas ações de terrorismo individual ou guerrilha isolada do
proletariado se opõem à estratégia da classe operária e prejudicam o
desenvolvimento da consciência de classe dos trabalhadores, substituída pela
crença de que sua libertação da opressão virá pelas mãos de heróis vingadores.
O guerrilheirismo tem sido um dos principais obstáculos para a construção de
partidos revolucionários na América Latina, porque tem desviado o recrutamento
de lutadores sociais que perdem suas ilusões no cretinismo parlamentar e no
tradeunionismo das direções tradicionais para esta modalidade militarizada da
política reformista. Por sua vez, criando simpatias messiânicas nas massas, a
guerrilha trata de desdenhar da luta política e econômica dos trabalhadores e
abortar a criação de conselhos populares e milícias proletárias e camponesas
disciplinadas pela democracia operária, o que tentam substituir por organismos
militarizados burocráticos.
A política reformista, mesmo em sua versão armada, é
contrarrevolucionária desde sua gênese. E a regra é que as direções pequeno
burguesas traiam o proletariado, através da política de frentes populares, o
último recurso da burguesia contra a revolução proletária. A direção centrista
do processo revolucionário tenta formar uma frente ampla com todos os setores
oposicionistas liberais da burguesia contra a reação, fazendo um criminoso
compromisso de respeitar a propriedade privada e as relações capitalistas de
dominação. Esta foi a política do menchevismo (e também a posição de Stálin e
Kamenev na direção do Partido Bolchevique) logo após a revolução de fevereiro
de 1917, chamando uma ampla aliança anti-czarista. O mesmo desvio cometeram os
centristas republicanos na Guerra Civil espanhola, diluindo o proletariado na
frente popular antifranquista.
Uma vez no poder, a direção pequeno burguesa sofre de um
verdadeiro pânico de romper com a burguesia e tenta frear o ímpeto
anticapitalista das massas, conciliar com a reação burguesa e perseguir a
esquerda revolucionária, esmagando qualquer forma de organização independente
do proletariado. Desta maneira, a direção centrista pequeno burguesa começa a
fragilizar as forças da revolução, minar as conquistas (sociais, políticas e
econômicas) surgidas do triunfo da revolução e prepara o caminho para a volta
da reação ao poder.
Sem a existência de circunstâncias extremamente excepcionais
(a extrema fragilidade da classe dominante que teme constituir um governo de
coalizão de frente popular, ascenso do movimento de massas através de greves
gerais, expropriações, formação de milícias populares, a existência do Estado
operário da URSS como contrapeso ao imperialismo), que fariam tais movimentos
pequeno burgueses irem além de suas limitações democratizantes, o mais longe
que tais movimentos podem chegar é à mesa de negociação de sua rendição
militar, em troca de um registro legal de acesso à democracia burguesa.
Nos conflitos objetivos entre o imperialismo ou o Estado
burguês e os movimentos guerrilheiros que não estejam a serviço do imperialismo,
os revolucionários marxistas se colocam incondicionalmente do lado dos últimos,
conformando frentes de ação com estas forças. Ao mesmo tempo, criticando os
métodos do terrorismo individual e a política de buscar uma saída negociada com
a manutenção da propriedade privada. Os revolucionários não descartam a
possibilidade de formar brigadas separadas da guerrilha ou de ingressar com
células comunistas, com sua própria política e disciplina, dentro dos exércitos
guerrilheiros para impulsionar o armamento de todo o povo, a expropriação do
conjunto da classe capitalista e para subordiná-los aos conselhos e milícias
operárias e camponesas.
A VOLTA DA FSLN NO COMANDO DE UM DÓCIL GOVERNO DA
CENTRO-ESQUERDA BURGUESA
Atualmente convertida a um partido da centro-esquerda
burguesa e paladina do já falido “Socialismo do Século XXI”, a FSLN voltou a
governar o país de forma completamente adaptada a democracia burguesia e sem
grandes conflitos com o imperialismo ianque, chegando, no máximo, a ajudar o
chavismo a impulsionar organismos políticos “independentes” da OEA, como a
Unasul e a Celac. O retorno de Daniel Ortega a presidência do país não
representou qualquer ameaça ao domínio da Casa Branca no continente
centro-americano, ao contrário, faz parte da própria política levada a cabo por
Trump até agora da "reação democrática", apoiada pelo Papa Francisco
e muitas vezes celebrada como “progressista” pela esquerda reformista.
Passados 40 anos do triunfo da revolução sandinista e de sua
posterior derrota pela via “democrática” para a reação burguesa podemos afirmar
que ao contrário das organizações centristas pequeno-burguesas como a FSLN, um
verdadeiro partido revolucionário baseia-se fundamentalmente na vanguarda
consciente da classe mais progressista do capitalismo, a classe operária, nos
seus organismos de poder (milícias proletárias, conselhos populares, sovietes),
suas formas de organização de luta (greves, ocupações, expropriações) e seus
métodos (violência revolucionária e ditadura proletária), o que o torna porta-voz
de uma classe com determinação a impor uma nova forma de organização da
economia (planificação econômica, coletivização dos meios de produção, controle
da produção interna pelos sovietes e controle do comércio exterior pelo Estado
operário) e da política, fusão das funções dos poderes do Estado burguês
(Legislativo, Executivo e Judiciário) em um único organismo de poder, o
soviete, baseado na mais ampla democracia operária. A ausência desse programa
revolucionário foi a grande lição nos legada pelo fracasso do Sandinismo, que
hoje governa a Nicarágua como um dócil governo da centro-esquerda, convertido a
gerente dos negócios da burguesia em comum acordo com o imperialismo, no máximo
aplicando ao lado dos ajustes neoliberais algumas “políticas compensatórias”
que mantém intactas as estruturas do poder capitalista de um país que foi palco
de uma heroica luta revolucionária dos trabalhadores do campo e da cidade, com
milhares pagando com sangue não só para derrotar a ditadura somozista mas para
erguer o Socialismo na pátria de Sandino!