sexta-feira, 12 de julho de 2019

12 DE JULHO DE 1904, NASCIA PABLO NERUDA: A TRAJETÓRIA DO GENIAL POETA CHILENO QUE APESAR DE TODA SUA RADICALIDADE ARTÍSTICA NÃO CONSEGUIU ROMPER COM A POLÍTICA DE COLABORAÇÃO DE CLASSES DO STALINISMO


Muitos militantes e ativistas de esquerda admiram a obra poética de Pablo Neruda. Seria “lugar comum” elogiá-la (ainda que criticamente) por suas denúncias das injustiças sociais e a beleza cortante de seus escritos. Como Trotskystas Revolucionários, amantes da arte e da literatura como nos ensinou o fundador da IV Internacional no livro “Literatura e Revolução”, desejamos aqui brevemente abordar no dia do nascimento de Neruda (12.07.1904), exatamente há 115 anos, a trajetória política do poeta chileno que foi militante do Partido Comunista, senador pelo Chile e chegou a ser indicado como pré-candidato a Presidente da República pelo PC, se caracterizando como um ardoroso stalinista em toda sua vida política e artística, tanto que fez um poema de ode a Stálin lamentando a morte do dirigente-maior da burocracia soviética em 1953, texto que reproduzimos abaixo. 


Esse lado da “obra” de Neruda em geral é “esquecido” ou “negligenciado” pela esquerda reformista, que apenas enaltece sua trajetória artística e seu dedicado apoio a Unidade Popular de Allende (PS). Em 1945, Neruda entrou para o Partido Comunista e foi eleito senador no Chile. Em 1948, perdeu seu mandato e passou à clandestinidade, devido às críticas que fazia ao presidente Gabriel González Videla. O escritor e poeta viajou por vários países, na maioria das vezes como exilado político. Em 1950, publicou Canto Geral, no México. É uma de suas obras mais importantes sobre os povos da América e suas lutas. Em 1953 recebeu o Prêmio Lênin da Paz da URSS stalinizida. No ano de 1971, Neruda ganhou o Prêmio Nobel de Literatura no lastro de sua figura que simbolizava a defesa da “Paz Mundial”, ou melhor, de coexistência pacífica com o imperialismo. Em 1970, sua imagem e participação política eram de tal importância, que foi indicado pelo Partido Comunista para a Presidência da República. Entretanto, renunciou, capitulando à candidatura frente-populista de Salvador Allende, que ganhou as eleições. Pablo apoiou o governo de Allende até o fim, mesmo quando esse se recusou a conclamar os trabalhadores a resistirem ao golpe militar promovido pelo chacal Pinochet. Em 1973, com o assassinato de Salvador Allende, Pinochet assumiu o poder instalando uma ditadura militar. Doze dias depois, morreu o poeta e político Pablo Neruda, sendo possivelmente envenenado pelos agentes da ditadura chilena, usando um método análogo ao que a GPU utilizou na França para assassinar o filho e dirigente da IV Internacional, Leon Sedov. Seu cortejo fúnebre foi o primeiro grande ato contra a ditadura Pinochet. No meio da multidão, as palavras de ordem políticas se somaram às lágrimas da perda. Embora tenha entrado no Partido Comunista Chileno apenas em 15 de julho 1945, a aproximação de Neruda ao PC iniciou-se durante a Guerra Civil Espanhola, a partir de seu posicionamento inicial, antifascista e republicano. Nessa época, Neruda era Cônsul na Espanha. Ele perdeu o cargo de Cônsul, devido a sua aberta participação política na Guerra Civil Espanhola. Nas palavras do próprio Neruda: “Embora eu tenha me tornado militante muito mais tarde no Chile, quando ingressei oficialmente no partido, creio ter-me definido como um comunista diante de mim mesmo durante a guerra da Espanha. Muitas coisas contribuíram para a minha profunda convicção”. A motivação inicial, ainda na Espanha, um misto de revolta pelo assassinato covarde do poeta Federico Garcia Lorca e de solidariedade com a luta do povo espanhol levaram a apoiar a política criminosa do PC na Espanha, de perseguição e eliminação física dos trotskistas, anarquistas e do POUM. Neruda, nem na época da Guerra Civil Espanhola, nem nunca em sua vida, avaliou as táticas equivocadas do PC stalinista e da Internacional Comunista como contribuições da derrota do proletariado local e mundial. Aderiu acriticamente ao stalinismo desde o primeiro momento e nunca aceitou de fato que houvesse uma degeneração do Estado Operário Soviético. Em suas memórias cita Stálin “Eu já tinha tido a minha dose de culto à personalidade no caso de Stalin. Mas naquele tempo Stalin nos aparecia como o vencedor avassalador dos exércitos de Hitler, como o salvador do humanismo mundial. A degeneração de sua personalidade foi um processo misterioso, até agora enigmático para muitos de nós”. A sua idolatria com Stalin como o herói que teria derrotado Hitler, oculta todos os expurgos do PC soviético e a eliminação física dos adversários, como nos processos de Moscou e nos assassinatos dos membros da Oposição de Esquerda do partido, na URSS e ao redor do mundo. Desses crimes, o assassinato de Trotsky no México foi um golpe tremendo no proletariado internacional e sua organização, principalmente na recém fundada IV Internacional. Embora não tenha participado nem do atentado comandado pelo pintor David Alfaro Siqueiros em maio de 1940 ou do assassinato em 20 de agosto do mesmo ano por Ramón Mercader, Neruda nunca condenou essas ações. Ao contrário usou sua condição de cônsul para conseguir asilo político em 1941 a Siqueiros no Chile, em um acordo com o governo mexicano e chegou a defender o assassinato publicamente como uma necessidade histórica. Em resumo, as qualidades poéticas de Neruda não encobrem sua trajetória política de agente “iluminado” do stalinismo, ainda que no final da vida ele tenha tenuemente esboçado uma crítica a apologia que ele mesmo fez do dirigente soviético sem, no entanto, se autocriticar de ter apoiado por toda vida a orientação criminosa de Stálin e muito menos de ter avalizado a política de colaboração de classes do PC no Chile que pavimentou o caminho para o golpe militar e a ditadura de Pinochet!

Em Sua Morte (Pablo Neruda, em Homenagem a Stálin)

Camarada Stalin, eu estava junto ao mar na Ilha Negra,
descansando de lutas e de viagens,
quando a notícia de tua morte chegou como um choque de oceano.
Foi primeiro o silêncio, o esturpor das coisas, e depois chegou do mar uma onda grande
de algas, metais e homens, pedras, espuma e lágrimas estava feita esta onda.
de história, espaço e tempo recolheu sua matéira
e se elevou chorando sobre o mundo
até que diante de mim veio para golpear a costa
e derrubou em minhas portas sua mensagem de luto
com um grito gigante
como se de repente se quebrasse a terra.
Era em 1914.
Nas fábricas se acumulavam sujeiras e dores.
Os ricos do novo século
repartiam-se a dentadas o petróleo e as ilhas, o cobre e os canais.
Nem uma só bandeira levantou suas cores
sem os respingos do sangue.
De Hong Kong a Chicago a polícia
buscava documentos e ensaiava a metralhadoras na carne do povo.
As marchas militares desde a aurora
mandavam soldadinhos para morrer.
Frenético era o baile dos estrangeiros
nas boates de Paris cheias de fumo.
Sangrava o homem.
Uma chuva de sangue
caía do planeta,
manchava as estrelas.
A morte estreou então armaduras de aço.
A fome
Nos caminhos da Europa
foi como um vento gelado aventando folhas secas e quebrantando ossos.
O outono soprava os farrapos.
A guerra havia eriçado os caminhos.
Olor de inverno e sangue
emanava da Europa
como de um matadouro abandonado.
Enquanto isso os donos
do carvão,
do ferro,
do aço,
do fumo,
dos bancos,
do gás,
do ouro,
da farinha,
do salitre,
do jornal El Mercúrio,
os donos de bordéis,
os senadores norte-americanos,
os flibusteiros
carregados de ouro e sangue
de todos os países,
eram também os donos
da História.
Ali estavam sentados
de fraque, ocupadíssimos
em dispensar-se condecorações,
em presentear-se cheques na entrada
e roubá-los na saída,
em presentear-se ações da carnificina
e repartir-se a dentadas
pedaços de povo e de geografia.
Então com modesto
vestido e gorro operário,
entrou o vento,
entrou o vento do povo.
Era Lênin.
Mudou a terra, o homem, a vida.
O ar livre revolucionário
transtornou os papéis
manchados. Nasceu uma pátria
que não deixou de crescer.
É grande como um mundo, mas cabe
até no coração do mais
humilde
trabalhador de usina e oficina,
de agricultura ou barco.
Era a União Soviética.
Junto a Lênin
Stalin avançava
e assim, com blusa branca,
com gorro cinzento de operário,
Stalin,
com seu passo tranqüilo,
entrou na História acompanhado
de Lênin e do vento.
Stalin desde então
foi construindo. Tudo
fazia falta. Lênin
recebeu dos czares
teias de aranha e farrapos.
Lênin deixou uma herança
de pátria livre e vasta.
Stalin a povoou
com escolas e farinha,
imprensas e maçãs.
Stalin desde o Volga
até a neve
do norte inacessível
pôs sua mão e em sua mão um homem
começou a construir.
As cidades nasceram.
Os desertos cantaram
pela primeira vez com a voz da água.
Os minerais
acudiram,
saíram
de seus sonhos escuros,
levantaram-se,
tornaram-se trilhos, rodas,
locomotivas, fios
que levaram as silabas elétricas
por toda extensão e distância.
Stalin
construía.
Nasceram de suas mãos
cereais,
tratores,
ensinamentos,
caminhos,
e ele ali
simples como tu e como eu,
se tu e eu conseguíssemos
ser simples como ele.
Porém aprenderemos.
Sua simplicidade e sua sabedoria,
sua estrutura
de bondoso coração e de aço inflexível
nos ajuda a ser homens cada dia,
diariamente nos ajuda a ser homens.
Ser homens! É esta
a lei Staliniana!
Ser comunista é difícil.
Há que aprender a sê-lo.
Ser homens comunistas,
é ainda mais difícil,
e há que aprender de Stalin
sua intensidade serena,
sua claridade concreta,
seu desprezo
ao ouropel vazio,
à oca abstração editorial.
Ele foi diretamente
desenlaçando o nó
e mostrando a reta
claridade da linha,
entrando nos problemas
sem as frases que ocultando
o vazio,
direto ao centro débil
que em nossa luta retificaremos
podando as folhagens
e mostrando o desígnio dos frutos.
Stalin é o meio-dia,
A madureza dos homens e dos povos.
Na guerra o viram
as cidades queimadas
extrair do escombro
a esperança,
refundida de novo,
fazê-la aço,
a atacar com seus raios
destruindo
a fortificação das trevas.
Mas também ajudou as macieiras
da Sibéria
a dar suas frutas debaixo da tormenta.
Ensinou a todos
a crescer, a crescer,
plantas e metais,
criaturas e rios
ensinou-lhes a crescer,
a dar frutos e fogo.
Ensinou-lhe a Paz
e assim deteve
com seu peito estendido
os lobos da guerra.
Diante do mar de Ilha Negra, na manhã,
icei a meia haste a bandeira do Chile.
Estava solitária a costa e uma névoa de prata
se mesclava à espuma solene do oceano,
Em metade do seu mastro, no campo de azul,
a estrela solitária de minha pátria
parecia uma lágrima entre o céu e a terra.
Passou um homem do povo, saudou compreendendo,
e tirou o chapéu.
Veio um rapaz e me apertou a mão.
Mais tarde o pescador de ouriços, o velho búzio
e poeta,
Gonzalito, acercou-se para acompanhar-me sob a bandeira.
"Era mais sábio que todos os homens juntos", me disse
olhando o mar com seus velhos olhos, com velhos
olhos do povo.
E logo por longo instante não nos falamos nada.
Uma onda
estremeceu as pedras da margem.
"Porém Malenkov agora continuará sua obra", prosseguiu
levantando-se o pobre pescador de jaqueta surrada.
Eu o fitei surpreendido pensando: como, como o sabe?
De onde, nesta costa solitária?
E compreendi que o mar lhe havia ensinado.
E ali velamos juntos, um poeta
um pescador e o mar
ao Capitão remoto que ao entrar na morte
deixou a todos os povos, como herança, a vida.