30 anos da CUT: A transformação da central operária em autarquia estatal a serviço do grande capital
Por: Hyrlanda Moreira*
A Central
Única dos Trabalhadores (CUT) celebra nesta quarta-feira, 28 de agosto seus 30
anos com um ato político com a presença de Lula. Fundada no Pavilhão Vera Cruz,
em São Bernardo, durante a ditadura militar na época sob o comando do general
Figueiredo e opondo-se, via o chamado “novo sindicalismo”, aos pelegos do PCB,
PCdoB e MR-8, a CUT hoje está completamente integrada ao Estado capitalista.
Enquanto o ascenso das greves operárias no final dos anos 70 provocou o
nascimento da CUT, uma central operária que centralizava a luta dos
trabalhadores contra a ditadura militar, defendendo liberdade e autonomia
sindical, significando um acontecimento histórico progressivo, a ascensão do
governo de frente popular do PT, por sua vez, é um acontecimento político importante
porque completou o processo de integração e cooptação política e material da
CUT ao Estado burguês. Tal fato representa também um marco histórico que
decretou a morte e a falência política dessa entidade como instrumento de luta
das massas exploradas. Coube, por exemplo, ao VIII CONCUT em 2003 inaugurar
essa nova etapa histórica em que a CUT dá um salto de qualidade no caráter de
classe da Central. Se antes a CUT era um braço sindical do PT, depois de 10
anos da gestão da frente popular se consolidou como numa sucursal do próprio
governo de centro-esquerda, intervindo como guardiã dos interesses econômicos e
políticos da burguesia. O dia nacional de paralisação de 11 de julho e o teatro
montado para este 30 de agosto só comprovam o que afirmamos.
Desde o
primeiro mandato de Lula, a CUT se transformou em uma autarquia no Ministério
do Trabalho, integrada orgânica e materialmente ao governo da frente popular.
Não é à toa que abandonou a luta pela reposição e aumentos salariais,
estabilidade no emprego, passando a abraçar as propostas da burguesia
industrial paulista como “crescimento econômico”, reivindicando mudanças na
política econômica do governo, como redução de taxa básica de juros e isenção
de impostos para o setor automotivo. Sem nenhum constrangimento, a CUT apoiou
as reformas previdenciária, universitária, sindical e trabalhista do governo
Lula que subtraíram direitos históricos dos trabalhadores e estudantes, além de
representar, no caso da reforma sindical, a regulamentação legal do Estado para
garantir à CUT o controle completo sobre os sindicatos, combinando
centralização burocrática com a política de defesa dos interesses do capital. A
CUT, que neste momento comemora seus 30 anos, além de ser sustentada pelas
verbas do FAT e dos convênios governamentais, indica seus “quadros” para
assumirem postos-chaves no governo burguês da frente popular, o mesmo que ataca
os trabalhadores em greve. Diante disso, é necessário buscar uma intervenção
independente das massas exploradas, capaz de romper as mordaças das direções
governistas ao movimento operário, estudantil e popular, cujas greves e
mobilizações dispersas são criminosamente abortadas. Esta situação,
contraditoriamente, também abre uma possibilidade histórica que aponta para um
processo de reorganização sindical e política que implica no reagrupamento de
forças para superar a paralisia do movimento operário e popular. Neste sentido,
a LBI, que foi a primeira organização a denunciar o caráter paraestatal da CUT,
ao contrário daqueles que vendiam a farsa da “autonomia crítica” das entidades
em relação ao governo Lula, tendo convocado toda a vanguarda classista e
combativa do país a romper não só com a CUT, mas também com a UNE, e iniciar,
desde já, o processo de construção de um polo sindical revolucionário, cujo
caráter de frente única deve nuclear todos os setores explorados numa mesma
perspectiva de classe para derrotar o governo da frente popular e suas medidas
antioperárias.
Neste marco,
o surgimento da Conlutas em 2004 correspondeu historicamente ao esgotamento do
ciclo cutista, iniciado em 1983, enquanto uma referência de independência e
superação do velho sindicalismo getulista que perdurou até os últimos anos de
vida da ditadura militar. A ascensão da frente popular ao gerenciamento do
Estado burguês foi o golpe de misericórdia no espectro político de uma CUT que
já há algum tempo tinha consolidado seu “espaço” burocrático, impermeável à
luta das tendências classistas que ainda habitavam seu interior. Nós, da LBI,
fomos pioneiros em caracterizar este processo e propor a construção de uma nova
central, classista e independente dos patrões e seus capatazes da frente
popular. Estávamos balizados não só por um “desejo”, mas sim pelo surgimento de
toda uma nova vanguarda sindical e popular em clara rota de choque com os
neopelegos da CUT que tinham transformado a central em uma autarquia
semiestatal, conselheira de “esquerda” do governo monetarista e
pró-imperialista do PT. Neste contexto, surge a Conlutas, após um breve período
de vacilação do próprio PSTU em abandonar a parte que lhe cabia no aparelho
burocrático cutista, afinal passaram anos de convivência pacífica com a
“Articulação” (direção majoritária da CUT), chegando até mesmo a representarem
a central no congresso internacional da OIT, órgão imperialista a serviço das
grandes transnacionais econômicas. Fundada a Conlutas sob a orientação
revisionista do PSTU, que declarava apenas uma autonomia formal em relação ao
governo da frente popular (política de “oposição de esquerda” nos marcos do
regime vigente), estava colocada a tarefa para os setores classistas de travar
uma árdua luta política no sentido de não permitir uma rápida reedição da
trajetória de integração da CUT ao Estado capitalista. No congresso de 2006 já
se delineava a inflexão à direita da Conlutas, colocada a serviço da
candidatura reacionária de Heloísa Helena sem ao menos um debate minimamente
democrático em sua base. A precoce falência política da Conlutas não
corresponde aos mesmos fatores históricos do esgotamento da CUT. O PSTU, força
majoritária da nova central, está longe de assumir qualquer responsabilidade na
gestão estatal capitalista, não por sua própria vontade política e sim por sua
absoluta inexpressão eleitoral, mas isto não significa que esteja isento de
seguir os passos de colaboração de classes. A falta do ascenso do movimento
operário nestes últimos anos e a consolidação da hegemonia do projeto da frente
popular aprofundaram os desvios programáticos que marcaram a gênese da
Conlutas, fazendo com que os sintomas de burocratização do organismo se
transformassem em uma orientação “regimental” e política. No afã de unificar-se
com outras alas burocráticas “de esquerda”, a Conlutas embarcou em uma rota de
completa descaracterização de um projeto original classista, chegando mesmo ao
fiasco de um congresso de unificação com os sindicalistas reformistas do PSOL.
A estratégia de “crescimento” imposta pela direção da Conlutas, controlada pelo
PSTU auxiliado por pequenos satélites, resultou em um estancamento organizativo
ou até mesmo em diminuição de sua influência sindical. Ao contrário da própria
CUT, que em seu nascimento apostou fortemente nas oposições sindicais, a
Conlutas praticamente cassou o direito de representação das oposições em suas
instâncias internas. Afinal, para o PSTU trata-se de privilegiar acordos com a
burocracia sindical governista para ampliar o “fundo financeiro” da Conlutas e
abrir um canal direto de interlocução com o próprio governo Lula/Dilma.
Hoje, mais do
que nunca, quando a CUT celebra seus 30 anos, faz-se necessário travar uma
vigorosa delimitação programática com todas as variantes frente-populistas,
além da inevitável disputa política no interior do movimento operário e popular
em defesa da ruptura com a CUT, que deverá ser fruto não de uma manobra
superestrutural de forças políticas centristas, mas sim produto das discussões
e resoluções de um Congresso Nacional de Base do movimento de massas, convocado
ampla e democraticamente, para preparar um plano de lutas com um eixo ofensivo
de classe que, partindo das reivindicações históricas dos trabalhadores. Mais
do que um “encontro sindical”, este congresso tem a tarefa de colocar-se como
ponta de lança, mesmo que embrionariamente, desse novo polo classista. Tal
iniciativa política assenta-se na necessidade do movimento operário e popular
superar a política governista de suas direções para que possa dar uma resposta
à ofensiva do governo do PT, através da ação direta das massas, que aponte como
alternativa um governo operário e camponês. Sabemos que não é tarefa fácil, ao
contrário, trata-se de um hercúleo desafio que depende fundamentalmente da
capacidade dos setores que não se vergaram à cooptação das centrais “chapa
branca”, porta-vozes do governo da frente popular no movimento operário e da
disposição daqueles que fizeram a experiência no interior da Conlutas e sabem
que ela está completamente esgotada como ferramenta de organização classista
dos trabalhadores. Neste combate, a LBI não poupará esforços políticos no
sentido de agrupar em torno de uma plataforma revolucionária todas as oposições
classistas e coletivos revolucionários que estejam dispostos a estabelecer uma
frente única para apresentar esse reagrupamento como um canal de expressão
política às lutas dos setores operários mais explorados!
*Hyrlanda
Moreira foi fundadora da CUT e membro de sua direção entre 1986 e 2003,
encabeçando a chapa que unificou a esquerda revolucionária em 1997