32 ANOS DA MORTE DE NAHUEL MORENO: OS HERDEIROS (LIT E UIT)
DO CAMALEÃO REVISIONISTA TRAEM O MESTRE ENCONTRANDO-SE DE MÃOS DADAS COM O
IMPERIALISMO E O GOLPE DE ESTADO EM CURSO NA VENEZUELA AO DEFENDEREM O “FORA
MADURO”...
Em 25 de janeiro de 1987, há 32 anos atrás, morria em Buenos
Aires Hugo Miguel Bressano Capacete, conhecido na esquerda trotskista mundial
como Nahuel Moreno. Sua militância política iniciara-se muito cedo em meio à
efervescência operária dos anos 40, quando aos 20 anos de idade ajudou a fundar
um pequeno núcleo político-sindical denominado Grupo Operário Marxista (GOM).
Em quase 50 anos de militância foi o responsável pela fundação de várias
organizações revisionistas na Argentina e América Latina, além de exercer
influência sobre pequenos agrupamentos em outros países no qual desembocara a
sua última “obra” a LIT. Para entendermos um pouco o pensamento de Moreno é
necessário aportarmos à crise que se abateu sobre a IV Internacional após a
morte de Leon Trotsky, em razão da inexperiência e debilidade da direção
política. Ou seja, como Trotsky prognosticara, a Segunda Guerra Mundial
provocou um enorme ascenso revolucionário na Europa e em várias regiões do
planeta, no entanto os dirigentes da Quarta, Mandel, James Cannon, Joe Hansen,
Pierre Frank, Michel Pablo, Lívio Maitán, Pierre Lambert, Gerry Healy e outros,
não se colocaram à altura de suas tarefas, uma vez que esta não se tornou uma
organização de massas, posto que segundo Moreno vários prognósticos de Trotsky
para o período não se confirmaram. Moreno passa em razão deste “fracasso” a
elaborar suas próprias explicações para os novos fenômenos surgidos no
pós-guerra, as chamadas “atualizações programáticas” do Trotskismo. Estas
supostas “atualizações” do Programa de Transição resultaram na síntese do
revisionismo Morenista, tendo como ápice desta nova “teoria” a caracterização
das chamadas “revoluções democráticas ou políticas”, quase sempre movimentos
reacionários, manietados pelo imperialismo, dirigidos contra os Estados
operários ou regimes nacionalistas burgueses.
Seus herdeiros no Brasil, o PSTU, a CST e residualmente a
Resistência (um agrupamento meio Morenista, meio social-democrata), avançaram
desde sua morte na política de alianças com o imperialismo contra o
“autoritarismo stalinista” ou o que dizem ser “ditaduras sanguinárias”
nacionalistas burguesas como Assad na Síria ou Maduro na Venezuela. Na verdade toda uma camada de militantes da “nova geração” das correntes
que ainda reivindicam o Morenismo sequer foi educada sob as bases programáticas
do Trotskismo, estão em plena sintonia com o discurso vazio do “novo” e da
busca de uma “nova práxis”, o que significa realmente um desconforto da
pequena- burguesia com a mínima disciplina partidária bolchevique, considerada
uma peça arcaica de museu ou mesmo um libelo do “autoritarismo stalinista”,
mais ainda reivindica formalmente pelos “velhos Morenistas”. Este nicho da
esquerda revisionista forjada ideologicamente na era pós-soviética, aderiu a
democracia como um valor universal, para eles bem superior politicamente a
qualquer regime dos Estados Operários, considerados como o foco da falta de
liberdades e irradiador do pensamento dogmático e conservador de uma “esquerda
ultrapassada”. Fenômenos partidários como o PSOL, PODEMOS etc... são a genuína
referência destes militantes e das organizações “Morenistas” 32 anos após a
morte de seu “mestre”. O PSTU brasileiro encabeça a defesa da plataforma
pró-imperialista escandalosa que a LIT adotou no mundo. Na Venezuela unem-se a
direita nas ruas para derrubar Maduro! A LIT declara “Fora Maduro” e afirma que
“A cada dia, mais e mais setores chegam à conclusão de que com este governo não
há saída e que a Venezuela não tem futuro... Aumenta a cada dia aqueles que
dizem Fora Maduro! O povo diz: “Maduro, vá embora já!”.” (Sitio LIT, 08.06). A
CST (UIT) apregoa “AS RUAS!! Pela saída de Maduro” (06.06), com os Morenistas
fazendo claramente o jogo da reação burguesa, do fascismo e dos EUA. Trata-se
de uma Frente Única pró-imperialista com a OEA, o Grupo de Lima, Trump, Macri e
Bolsonaro que neste momento executa um golpe de estado... As próprias massas
precisam ultrapassar as limitações da política nacionalista burguesa do
Chavismo ou este acabará sendo derrotado pela reação pró-imperialista no curso
de concessões cada vez maiores para tentar inutilmente “equacionar” os
conflitos. Entretanto nossa crítica Marxista se dá na trincheira de luta
anti-imperialista, denunciando as limitações do chavismo e a necessidade de
superá-lo pela via da revolução socialista e não como fazem os filisteus do
MES, PSTU e CST fazendo coro com Trump e Bolsonaro contra Maduro, ou seja, de
mãos dadas com o imperialismo ianque e seus vassalos!
Não por acaso, o PSTU festejou o afastamento de Dilma pelas
mãos da direita, acrescenta o Brasil na longa lista de países em que esta
corrente internacional, estabeleceu no último período unidade política com o
imperialismo e a reação burguesa contra governos frente populistas, reformistas
e nacionalistas como na Líbia, Síria, Ucrânia, Egito, Venezuela e mais
recentemente no Brasil. O PSTU defendeu a prisão de Lula afirmando que é um
corrupto burguês, ao mesmo tempo que declarou que esta tarefa cabe a famigerada
Lava Jato, uma operação jurídico-policial organizada pelo imperialismo para
desmontar a Petrobras. Ao final, em um giro de 180º próprio das tradições
oportunistas do Morenismo, chamou a apoiar o candidato presidencial do PT em
2018.
Ao contrário do PSTU, todo Marxista deve ter como princípio
que as instituições da República Capitalista não servem para a luta da classe
operária, Lula representa uma ala da burguesia que se chocou com os interesses
do setor das classes dominantes diretamente ligada aos interesses econômicos
dos EUA, por isso a Lava Jato surgiu para “descobrir” corrupção na Petrobras e
nos dirigentes petistas, enquanto não “descobriu” nada em relação ao PSDB que
tentou destruir a maior empresa estatal do país. A condenação de Lula pelas
mãos do imperialismo não tem nada de progressiva e tampouco de democrática, não
estão condenando Lula pelos privilégios de um burocrata que tem um padrão de
vida de um próspero pequeno burguês, e sim pelo projeto petista de se
“esforçar” inutilmente para impulsionar uma burguesia nacional. Por esta razão
o Imperialismo liquidou o segundo governo de Vargas e o de Dilma. Trotsky não
tinha nenhuma simpatia por Vargas ou pelo general Cardenas no México (ambos
nacionalizaram o petróleo em seus países), porém afirmou exaustivamente que
diante de um confronto entre o Imperialismo e o nacionalismo burguês cerraria
fileiras com este último. Os Morenistas do PSTU desconhecem esta lição do
Leninismo e cansam de estabelecer unidade de ação com o Imperialismo, seja na
Venezuela, Síria ou criminosamente na Líbia onde aplaudiram a devastação do país
pelas bombas da OTAN. Por isso, outros agrupamentos chamam o PSTU para que
também seja coerente aqui no Brasil e faça unidade com a reação burguesa em
terras nacionais. Nada mais normal quando se lê o que escreveu Eduardo Almeida,
dirigente do PSTU e da LIT: “Acaso a diferença de tratamento da justiça
burguesa em relação ao PT, nos deve fazer defender o PT? Ao contrário. Nós
defendemos a prisão e expropriação dos bens de todos os corruptos. E isso
significa exigir a prisão de Lula e também de Aécio e Renan pelo envolvimento
na Lava Jato, de Alckmin pelo roubo da merenda escolar, e assim por diante. Ter
uma política diferente nos tornaria cúmplices de Lula, e enfraqueceria
completamente a luta contra a corrupção também do PSDB e do PMDB”. (Eduardo
Almeida, Sobre o processo de Lula, 15 de setembro de 2016). Os “herdeiros”
revisionistas de Moreno (LIT & UIT) nos últimos 321 anos foram além de seu
“mestre” na política de conciliação de classes e adaptação a democracia
burguesa e ao imperialismo!
O agrupamento Resistência, por exemplo, foi totalmente
coerente e tratou de “limpar” os vestígios do Trotskismo ainda presentes na
velha corrente Morenista. Bem mais assemelhada à estrutura orgânica de uma DS
(Ex-Mandelista e atualmente petista) o grupo rompeu com a LIT mas parece que
não consegue se desvencilhar completamente do passado Morenista e apesar de ter
realizado algumas rupturas programáticas com a LIT (como parece ser a posição
diante da destruição reacionária da antiga URSS e sobre a famigerada operação "Lava
Jato"), em linhas gerais continua seguindo as posições abertamente
pró-imperialistas de sua antiga matriz. Como pudemos ver sobre o recente ataque
imperialista a nação soberana da Síria, a Resistência reproduziu a escandalosa
conduta política da LIT, recusando estabelecer a defesa do regime Assad diante
da covarde agressão da OTAN. Depois com a grave crise desatada na Nicarágua,
tendo como pretexto uma malfadada reforma da previdência social, editada pelo
governo Sandinista nos moldes impostos pelo FMI, a Resistência seguindo a
pressão da "opinião pública" pequeno burguesa e do sindicalismo mais
rasteiro, resolveu "descobrir" tardiamente a completa degeneração da
FSLN, e apoiar os "protestos sociais" impulsionadas pela reação local
(Federação Patronal) e o Departamento de Estado dos EUA. O curioso na
trajetória de oportunismo metamórfico da Resistência, é que justamente no
Brasil não apoiaram (mesmo que retrospectivamente) as manifestações
reacionárias contra o governo Dilma, que tinham como um dos seus motes a
oposição da reforma da previdência, implantada parcialmente pelo ministro Levy.
Ora todos os Marxistas sabemos que a profunda degradação política dos
Sandinistas teve como "inspiração" os governos do PT, do qual foram
diretamente aconselhados (inclusive com assessoria econômica) em mais de uma
década de gestão estatal. Se é plena verdade que Daniel Ortega hoje não já não
tem o menor traço do antigo guerrilheiro socialista, podemos afirmar o mesmo do
"sindicalista combativo" Lula, ambas lideranças políticas corrompidas
ideologicamente pelo poder do capital financeiro em suas "gerências"
do Estado Burguês. Porém da mesma forma que a reação não poderia tolerar mais
de uma década de gestões da Frente Popular no Brasil, com sua política de
"compensação social" e conciliação de classes, bastou eclodir com
força a crise econômica para que o imperialismo "pautasse" a
derrocada do governo petista, impulsionando as "Jornadas de Junho" em
2013. A Nicarágua, sob o governo neoliberal de "centro-esquerda" de
Daniel Ortega, atravessa agora sua "Jornada de Abril", com o pretexto
de combater mais um "ajuste" monetarista da FSLN, setores
reacionários da classe média e juventude de direita (uma espécie de MBL
brasileiro) saíram violentamente às ruas para exigir a sumária deposição dos
antigos guerrilheiros, atualmente convertidos ao "Consenso de
Washington". O mais "peculiar" desta conjuntura política
nicaraguense é que os setores organizados da classe trabalhadora, que ainda
seguem a disciplina da FSLN, embora não apoiassem a desastrada reforma da
previdência, não se mobilizaram contra o governo do casal Ortega, para
obviamente não se confundirem com setores nacionais reacionários,
historicamente ligados à Casa Branca. Os EUA querem ver fora do governo da
Nicarágua, o mais rápido possível, a direção da FSLN. Os motivos são claros,
Ortega tenta estabelecer um novo eixo econômico de seu país com a China e
Venezuela, naturalmente em uma perspectiva capitalista de desenvolvimento, como
tentou no Brasil os governos petistas com os BRIC's. O governo Trump não pode
admitir esta "via de competição" no próprio "quintal" do
império ianque, por isso impulsiona uma vigorosa campanha logística para
derrubar o governo da FSLN, que ameaça se manter no poder central por um longo
período histórico. Não nutrimos a menor simpatia política pelo atual governo
burguês da FSLN, que "entregou e enterrou" a grande maioria das
conquistas da grande revolução armada que derrubou o ditador Somoza em 1979.
Desgraçadamente Ortega seguiu os conselhos contrarrevolucionários do Castrismo
e negou-se a "transformar a Nicarágua em uma nova Cuba". De lá pra
cá, a FSLN converteu-se em uma organização pequeno burguesa, alinhada ao
"regime da Democracia dos Ricos", e compondo seu governo de "União
Nacional" com setores capitalistas nativos. Porém uma questão é
estabelecer a oposição da classe operária ao Sandinismo, outra completamente
distinta é lutar contra o governo Ortega na mesma trincheira da reação local e
do imperialismo ianque. O grupo Resistência na “prova de fogo" da luta de
classes internacional, mostrou novamente o quanto inconsistente é sua ruptura
com o Morenismo, não conseguem honrar o legado programático de Lenin e Trotsky
diante da ofensiva imperialista contra os povos. Se no Brasil são rebocados
pela plataforma de colaboração de classes do petismo, no plano mundial ainda
são tragados pela reação ideológica da Social Democracia
Pode-se dizer, sem medo de errar, que Hugo Miguel Bressano,
foi o grande mestre latino-americano do revisionismo. A posição uniforme desses
grupos em torno da defesa contrarrevolucionária da queda da URSS, das greves
policiais e agora mais recentemente da chamada “Primavera Árabe”, apresentados
em uníssono como acontecimentos progressivos para o proletariado mundial, tem
sua origem político e teórica nas formulações de Moreno, que quando vivo propôs
abertamente e escreveu um texto sobre a “Atualização do Programa de Transição”
no qual inaugurou a profunda revisão e negação das posições justas e corretas
do velho bolchevique. Nada melhor que estudar a trajetória de Moreno 30 anos
após sua morte para tirar as lições de seus erros teóricos e políticos a fim de
superá-los no combate pela reconstrução da IV Internacional.
Neste momento, a militância revolucionária tem raras
oportunidades de conhecer um balanço crítico, trotskista, da trajetória de
Moreno, em meio a uma considerável variedade de grupos Morenistas que trata de
fazer uma biografia apologética de seu fundador. A maioria destes grupos
revisionistas tem a preocupação de ocultar ou atenuar os desvios de Moreno com
algumas declarações autocríticas, como o PTS, por exemplo, pois “afinal, errar
é humano”. Este tipo de biografia é inútil para a superação dos erros,
imprestável para a causa da reconstrução revolucionária da IV Internacional,
mas serve à manutenção dos aparatos oportunistas.
Em seu livro “Stalin, o grande organizador de derrotas”, o
fundador do Exército Vermelho traçou alguns prognósticos para o caso a
Internacional Comunista, sob a orientação de Stalin, continuasse sua política
de equívocos na condução das forças do proletariado revolucionário. Assegurava
que se a Internacional seguisse com sua nefasta política, o resultado
inevitável seria sua liquidação e posterior extinção da URSS. Isto, por sua
vez, provocaria “um dano infinito ao proletariado mundial”. Mesmo neste caso, a
revolução proletária saberia levantar a cabeça novamente, mas ao custo de
grandes sacrifícios para o proletariado mundial. Temos visto a confirmação
integral deste prognóstico nos últimos 15 anos, isto sem levar em conta o
trágico destino da humanidade consequente do retardo da revolução proletária
desde quando Trotsky fez este prognóstico até os dias atuais quando os
revolucionários seriam obrigados “a recosturar o fio de sucessão rompido e a conquistar
novamente a confiança das massas”. Nas últimas décadas o proletariado mundial
tem cedido muitas posições, os Estados operários da URSS, do Leste europeu e a
Iugoslávia foram engolidos pelo capitalismo e os demais estão em vias de o
serem. A confiança das massas no socialismo se arrefeceu.
Era do campo das correntes que reivindicam o trotskismo que
se deveria esperar uma resposta à altura para as tarefas do momento. Porque foi
Trotsky quem legou aos seus partidários a mais profunda e acabada análise
acerca da degeneração do primeiro Estado operário da história, da miséria da
teoria da revolução por etapas, do socialismo em um só país e do nascimento do
fascismo imperialista mediante a traição das direções stalinistas e
socialdemocratas à revolução mundial, etc. Na própria corrente morenista, a
maior organização internacional a se reivindicar da IV Internacional na América
Latina durante os últimos suspiros da URSS, falava-se muito que diante do
debacle do stalinismo agora era a vez do trotskismo. Mas, lamentavelmente,
neste momento, os grandes filamentos da IV Internacional, e em especial a LIT,
foram não só atingidos em cheio pela ofensiva ideológica anticomunista que se
seguiu à restauração do capitalismo na pátria da Revolução de Outubro, como também
funcionaram como caixa de ressonância da ofensiva ideológica anticomunista do
imperialismo que se acentuou na década de 90 e se seguiu sem qualquer reversão
qualitativa até os dias atuais. Neste período, nenhuma corrente foi tão
castigada, perdeu tantos quadros, se dividiu em tantos pedaços e, de forma
complementar, acentuou tanto sua degeneração programática como a própria
corrente morenista. Isto não ocorreu por acaso, e exatamente por isto, ao
completarem-se 30 anos da morte de Moreno, é imprescindível discutir
exaustivamente como se chegou a esta situação e realizar precisamente o caminho
oposto ao do chauvinismo e do ufanismo que tem sido a tônica das comemorações
realizadas pelos distintos troncos do morenismo neste momento.
No início da década de 40, Bressano ingressou no PORS
(Partido Operário da Revolução Socialista), organização que tentou unificar o
conjunto das tendências trotskistas argentinas sob a orientação do Comitê
Executivo da IV Internacional. O PORS teve vida efêmera, mas antes de desintegrar-se
o próprio Bressano foi excluído após três meses de militância. A decepção com
sua primeira corrente trotskista levou-o a aderir à Liga Operária
Revolucionária (LOR), grupo dirigido por Libório Justo (cujo pseudônimo era
“Quebracho”). Quebracho batizou Bressano com o pseudônimo Nahuel, que significa
tigre em idioma indígena araucano, e Moreno pela cor de seu cabelo. Libório era
filho do ex-presidente general Agustín P. Justo e foi militante do PC
argentino. Teve o mérito de ser um dos fundadores do trotskismo no país junto
com Mateo Fossa. Mas logo veio a romper com a IV Internacional com acusações
delirantes de que Trotsky era agente de Wall Street, por sua defesa da
nacionalização do petróleo mexicano.
Em 1943, Libório se retira da militância e Moreno passa a
organizar e dirigir seu próprio grupo político que com o passar dos anos terá
distintas composições e receberá distintos nomes (GOM, Palabra Obrera, PRT,
PRT-La Verdad, PST, MAS). Foi em 1944 que o morenismo como corrente política
surgiu na Argentina, com a criação do Grupo Operário Marxista. Moreno abandona
os círculos boêmios e acadêmicos da esquerda bonaerense e passa a prestar
assessoria ao Sindicato dos Trabalhadores em Frigoríficos, durante a greve da
fábrica Anglo-Ciabasa.
A fundação de sua própria corrente não fez com que Moreno
rompesse com a influência política de Quebracho e adotasse as posições genuínas
do trotskismo acerca do populismo nacionalista burguês na América Latina, já
bastante conhecidas e aprofundadas em torno da experiência de Lázaro Cárdenas
no México. O GOM nasce caracterizando o peronismo de “semifascista” e defende a
destruição da Central Geral dos Trabalhadores. Longe de ser um desvio peculiar
de Quebracho, esta caracterização era majoritária na esquerda argentina cujas
maiores correntes eram o PS e o PC, partidos que faziam seguidismo à oposição
burguesa claramente pró-imperialista ianque encabeçada pela UCR. Muitos
Morenistas argumentam que se deve levar em conta o fato de que na época Moreno
tinha apenas 20 anos. É verdade, mas esta orientação frontalmente distinta do
trotskismo foi defendida pelo GOM pelos nove anos seguintes e como veremos mais
tarde, a emenda foi ainda pior que o soneto.
Esta política sectária em relação ao peronismo fez com que o
grupo que possuía 110 militantes em seu primeiro congresso, decaísse para 85
membros no segundo e ainda sofresse uma ruptura que viria a se juntar ao grupo
de J. Posadas, um popular dirigente trotskista argentino que já naquela época
fazia seguidismo ao nacionalismo burguês peronista. Além disto, como a própria
LIT reconhece, “Entre 1944 e 1948 tivemos também um desvio nacional-trotskista,
ou seja, acreditar que havia solução para os problemas do movimento trotskista
dentro do próprio país. Só em 1948 começamos a intervir na vida da
Internacional, participando de seu Segundo Congresso” (Un Breve Esbozo de la
Historia de la LIT-CI, Alicia Sagra, maio/1995). A vinculação internacional não
apresentou uma solução para os problemas, mas trocou um desvio por outro.
Então, quase dez anos depois da fundação do GOM, e já sob orientação pablista
do Comitê Executivo da IV Internacional (ver adiante o capítulo “Pablista de
primeira hora”), Moreno opera uma revisão de 180 graus em sua política,
partindo para o entrismo profundo no peronismo na década de 50.
Embora este giro seja apresentado como um grande avanço: “A
intervenção nas lutas operárias e na Internacional tornou possível a superação
dos desvios e o fortalecimento de grupo” (idem), o que ocorreu foi um mimetismo
implementado pelo GOM da política nacionalista já levada a cabo pelo posadismo
sob orientação da Internacional. Esta espécie de internacionalismo já havia
sido duramente criticada pelos marxistas revolucionários e, em particular, por
Trotsky: “Como todos sabem seu internacionalismo é a soma aritmética das
políticas nacionais oportunistas. Não temos nada a ver com isto. Nossa
orientação internacional e nossa política nacional estão indissoluvelmente
ligadas” (Carta aberta a todos os militantes da Leninbund, 06/02/1930).
Em 1957 o GOM ingressa no Partido Socialista da Revolução
Nacional, organização pertencente ao movimento peronista e passa a fazer parte
da direção da Federação Bonaerense do PSRN. O agrupamento morenista passa a
editar o jornal Palabra Obrera, como “órgão do peronismo operário
revolucionário” publicado “sob a disciplina do General Perón e do Conselho
Superior Peronista”. Moreno apresenta esta tática descaradamente oportunista
como se fosse análoga ao “entrismo” nos Partidos Socialistas francês e estadunidense
como teria recomendado Trotsky às organizações da Oposição de Esquerda na
década de 30.
O entrismo aplicado pela IV Internacional dirigida por
Trotsky que ficou conhecida como “o giro francês” era uma operação temporal a
serviço de uma estratégia de construção de um partido revolucionário. O
objetivo da fração trotskista seria arrancar aos setores mais avançados – no
preciso momento que estes oscilam à esquerda dentro de um aparato partidário
centrista ou reformista de massas, mediante a experiência comum “interna” – da
influência das direções reformistas para a construção de um partido
revolucionário. O “giro” deve concluir-se com uma ruptura da fração trotskista
no momento em que muda o sentido da oscilação da esquerda para a direita, ou
seja, quando estas direções consumam a traição às massas. No entanto, o
“entrismo” de Moreno era a semidissolução de seu grupo no peronismo, uma
decisão política que ele próprio justificava afirmando a necessidade de formar
um “partido centrista de esquerda legal” (1954: año clave del peronismo, 1955).
Recentemente a LIT justifica que “Moreno aplicou a tática
que Trotsky havia aconselhado ao pequeno grupo peruano em relação ao APRA: o
entrismo” (Ante las infamias del PO sobre Nahuel Moreno, Alicia Sagra, sítio da
LIT na Internet, 17/02/2007). O APRA (Aliança Popular Revolucionária Americana)
foi fundado em 1924 pelo peruano Haya de la Torre. Em seu apogeu houve
movimentos apristas em Cuba, México, Peru, Costa Rica, Haiti y Argentina. Foi o
primeiro movimento a reivindicar a necessidade de unificação econômica e
política da América Latina contra a dominação imperialista, seria uma espécie
de precursor de correntes como o chavismo atual. O APRA posteriormente
degenerou em um partido reformista liberal e anticomunista.
Trotsky assinala que “o Kuomintang na China, o PRM no
México, e o APRA no Peru são organizações totalmente análogas. É a frente
popular em forma de partido. Corretamente apreciada, a frente popular não tem
na América Latina um caráter tão reacionário como na França ou na Espanha. Tem
duas facetas. Pode ter um conteúdo reacionário na medida em que está dirigida
contra os operários, pode ter um caráter progressivo na medida em que está
dirigida contra o imperialismo. Apreciando a frente popular na América Latina
sob a forma de um partido político nacional, fazemos uma distinção em relação a
França e a Espanha. Mas esta diferença histórica de apreciação e esta diferença
de atitude só estão permitidas com a condição que nossa organização não
participe do APRA, Kuomintang e o PRM, que conserve uma total liberdade de ação
e crítica absoluta” (Discusión sobre America Latina, 04/11/1938). E mais
adiante assinala, que o APRA “é um partido-frente popular. Uma frente popular
está incluída no partido, com toda combinação desta natureza. A direção está
nas mãos da burguesia e a burguesia teme seus próprios operários. Por este
partido, ainda que seja suficientemente forte para tomar o poder pela
revolução, tem medo de comprometer-se nesta via. Não tem nem a coragem nem o
interesse de classe para mobilizar os camponeses e os operários e os
substituirá por manobras militares (...) Por suposto, não podemos entrar em um
partido assim, mas podemos construir ali um núcleo para ganhar operários e
separá-los da burguesia. Mas sob nenhuma circunstância devemos repetir a
idiotice de Stalin com o Kuomintang na China” (idem).
Verifiquemos o caso argentino. Ao contrário do APRA que é um
partido ilegal de oposição que pode, mas se nega a tomar o poder, Perón detinha
o poder e o entregou pacificamente para os golpistas da UCR em 1955. Guardadas
as proporções, Moreno repete a idiotice de Stalin em relação ao Kuomintang,
ingressou nas 62 Organizações peronistas com o fundamento de manter a “unidade
da classe operária”, não preserva nenhuma independência organizativa e muito
menos a total liberdade de ação ou a crítica absoluta, se disciplina, defende
que frente ao golpe é preciso aceitar a renúncia de Perón e designar sua
substituição por um senador da CGT.
Mesmo após a traição de Perón a suas bases, retirando-se sem
luta diante do golpe militar de 1955, quando os burocratas sindicais peronistas
pactuam com o general Eduardo Lonardi, líder do golpe gorila contra o
proletariado, o morenismo segue disciplinadamente a covarde direção populista
burguesa, enquanto o movimento operário resiste protagonizando heróicas greves
com ocupação de fábrica. Defendendo o entrismo sui generis de Moreno, a LIT
tentou justificar: “O ‘entrismo’ impõe algumas condições, neste caso o de pôr
no periódico que editava a corrente de Moreno (Palabra Obrera) que se aceitava
a disciplina do General Perón. Condição fácil de aceitar porque nestes momentos
Perón não impunha nenhuma disciplina. Por isto a partir de Palabra Obrera se
podia chegar a milhares de lutadores questionando os manejos da burocracia,
chamando a organização política independente da classe operária e enfrentando
políticas de Perón como o chamado a votar em Frondizi. Quando Perón começou a
impor disciplina, como foi o caso do voto em Frondizi em 1958, a corrente de
Moreno começou a organizar a saída das ´62´” (Ante las infamias del PO sobre
Nahuel Moreno, Alicia Sagra, 17/02/2007). As “62” referem-se às 62 organizações
peronistas.
Tradicionalmente a falta de disciplina sobre o movimento
operário não é uma das características mais reconhecidas nos líderes
populistas. Todavia custa a acreditar ainda mais que Perón só veio disciplinar
suas bases quando já havia perdido o poder e estava no exílio. Mas é aí que nos
chama a atenção uma verdadeira falsificação histórica. A verdade é que Moreno
acatou disciplinadamente o chamado a votar em Frondizi, candidato presidencial
de um setor da UCR que orquestrou o golpe gorila e pró-imperialista de 1955.
Graças ao apoio do peronismo e de seus satélites como o morenismo, Frondizi foi
eleito e, ao assumir a presidência, estabeleceu o Plano Conintes que permitia
declarar zonas militarizadas os principais distritos industriais e autorizava a
detenção de ativistas sindicais e militantes políticos opositores. Por sua vez,
a tal saída das fileiras do peronismo que Moreno teria começado a organizar em
1958, segundo advoga agora a LIT, mais morenista que Moreno, só ocorreu de fato
em 1964, ou seja, seis anos depois! A justificativa cai completamente por terra
se lembramos de que ao total, o “entrismo” de Moreno no peronismo durou sete
anos!
Este “entrismo” foi típico do trotskismo após 1951. Pablo
orientou o ingresso durante 17 longos anos no stalinismo e neste aparato
“contra-revolucionário até a medula” dissolveu várias seções da IV Internacional.
Mais recentemente, sob a justificativa de “lutar a partir de dentro”, o
entrismo no PT brasileiro por parte de várias correntes trotskistas (incluindo
a Convergência Socialista morenista e a Causa Operária altamirista), durou mais
de dez anos (em alguns casos irreversíveis, como no dos setores majoritários do
mandelismo e do lambertismo, resultou na quase completa dissolução destas
correntes no lulismo). Como se pode notar, o entrismo “sui generis” destes
senhores nada tem a ver com os fundamentos e a concepção de Trotsky para a
tática do entrismo.
No plano internacional, Moreno alinha-se com as posições do
grego Michel Raptis (Pablo), principal dirigente da Internacional desde o seu
II Congresso realizado em 1948. Pablo, impressionado com o enorme prestígio
capitalizado pelo stalinismo após a vitória do Exército Vermelho sobre o
nazismo, a criação dos Estados operários no Leste europeu e a revolução
chinesa, defendia a dissolução dos partidos trotskistas nos PCs para
pressioná-los à esquerda, vendo o stalinismo como um substituto para a
construção do partido revolucionário na luta contra o imperialismo. Moreno
viria a ser, como ele próprio destacou, “um pablista de primeira hora”. Se a
marca distintiva do pablismo é recusa em construir a direção revolucionária do
proletariado para adaptar-se a direções stalinistas, social democratas,
nacionalistas pequeno burguesas, etc., a marca do morenismo é adaptar-se a
estas direções de forma tão “dinâmica” como quem troca de roupa.
O pablismo, nome dado ao revisionismo de Pablo e Mandel,
seguido por Moreno e Posadas, difundia que o estouro da terceira guerra mundial
era inevitável, que não daria tempo construir a IV Internacional e que o
stalinismo se converteria em revolucionário. Decidiu então que os trotskistas
deveriam fazer entrismo nos PCs (embora em alguns países, como na Alemanha e na
Inglaterra, a tática entrista de Pablo tivesse sido aplicada à
socialdemocracia), o que fizeram muitos grupos europeus por 20 anos. Esta
orientação significou uma capitulação à burocracia stalinista, que se
estenderia também pouco depois a outras direções burguesas e pequeno-burguesas,
como fizeram Moreno e Posadas na América Latina. Isto provocou a quase extinção
do trotskismo na Europa e o domínio tranquilo do movimento operário por
direções populistas burguesas, como é o caso argentino em que o peronismo segue
à cabeça da quase totalidade das direções sindicais nas últimas seis décadas.
Esta escandalosa revisão liquidacionista do trotskismo foi
questionada por vários setores da Internacional, particularmente, pela maioria
da seção francesa do Partido Comunista Internacionalista, liderada de Pierre
Lambert, que logo é expulsa e acaba levando consigo a seção inglesa, Socialist
Labour League (SLL), dirigida por Gerry Healy e o Socialist Workers Party (SWP)
norte-americano de James P. Cannon, dando origem a primeira grande cisão da IV
Internacional em 1953. Os antipablistas fundaram o Comitê Internacional (CI)
que, apesar de se apresentar como uma alternativa ao revisionismo do
Secretariado Internacional (SI) pablista, caracterizavam-se pela frouxidão
organizativa (eram uma mera federação de partidos sem nenhum centralismo).
Em 2007, as correntes Morenistas e alguns biógrafos
defensores de Moreno como Hermán Brienza vêm reconstruindo a sua trajetória,
tentando encontrar justificativas principistas para seus zigue-zagues e
ressaltar traços de genialidade no dirigente argentino em meio a tantos
desvios. Dentre estas novas descobertas está a de que em sua ruptura com o
pablismo de 1953 “o principal motivo da discórdia foi o processo político
boliviano”, uma vez que Moreno teria defendido que a consigna correta para o
momento seria o chamado a “Todo poder à Central Operária Boliviana!” em
oposição à orientação defendida por Pablo, Mandel e cia. que respaldaram a
política menchevique do Partido Operário Revolucionário (POR) boliviano,
dirigido por Guillermo Lora, de apoiar o governo burguês de Paz Estenssoro, do
Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR). De fato, a traição da revolução
boliviana foi o resultado mais desastroso da política pablista na América
Latina, mas a posição de Moreno à época da dualidade de poderes foi idêntica a
de seus pares internacionais.
Paz Estenssoro, candidato do MNR, partido da burguesia
nativa, vence as eleições presidenciais. As oligarquias tradicionais se negam a
reconhecer a derrota para o MNR e entregam o poder a uma Junta Militar
presidida pelo General Hugo Ballivián. Em abril de 1952, o MNR, junto a uma
fração do Comando do Exército, orquestrou um golpe palaciano contra Ballivián.
Diante da resistência das forças leais do Exército, os golpistas acovardam-se e
debandam, mas os trabalhadores espontaneamente dão continuidade às batalhas de
rua e derrotam as tropas do odiado General Ballivián. O proletariado,
organizado em torno da Federação dos Trabalhadores Mineiros (FSTMB), dos
Sindicatos de La Paz e dos camponeses, constroem milícias que tomam de assalto
os arsenais e os quartéis, cercam as tropas nas cidades, derrotam sete
regimentos e dissolvem o Exército, pilar de sustentação do Estado capitalista.
Ao final, “as forças rendidas do Exército desfilaram pela cidade custodiadas
pelas milícias revolucionárias encabeçadas pelo ‘Comando Operário’” (J.
Valdivia Altamirano, A revolução de 9 de abril de 1952).
Uma semana depois, 17 de abril, foi fundada a COB, um
organismo de frente única das massas armadas. Seu dirigente era Juan Lechín,
membro da ala esquerda do MNR que passara antes pelas fileiras do POR. Em 1947,
o POR e a FSTMB firmaram um bloco político eleitoral que elegeu dez candidatos
ao parlamento (2 senadores, entre os quais G. Lora, e 8 deputados). Em 1952 o
POR possuía influência de massas e dois membros na direção executiva da COB.
Apesar desta força, o POR não passava de um conselheiro de esquerda do MNR.
Opunha-se a que a Central Operária rompesse com a burguesia nacionalista e seu
governo, negava-se a convocar a ocupação das minas e a tomada do poder pelo
proletariado, limitando-se à tática oportunista do ministerialismo ao propor o
ingresso de “ministros operários” no governo capitalista. As milícias armadas
centralizadas na COB eram o único poder efetivo e militar existente,
responsáveis inclusive por guarnecer o Palácio Quemado (presidencial). Mas, sem
uma direção revolucionária que orientasse a luta rumo ao estabelecimento de um
governo operário e camponês, a direção da COB entregara o poder político para
Paz Estenssoro, chamando as massas a confiar nele. Sem poder militar próprio,
Estenssoro tomou várias medidas demagógicas enquanto ganhava tempo para
reconstituir o Exército, desarmar as massas e burocratizar a COB.
Esta heroica luta do proletariado boliviano foi aonde o
trotskismo chegou mais próximo da tomada do poder. Um governo operário e
camponês no coração do continente mudaria qualitativamente toda a história da
luta de classes. Todavia, nem a IV Internacional, nem tampouco sua seção no
país estiveram a altura da tarefa. O POR desarmou a revolução e o combativo
proletariado boliviano para a tomada do poder, reivindicando um governo
encabeçado pela ala esquerda do MNR, de frente popular. Vale lembrar que em
1946, sob influência do POR, o Congresso da FSTMB aprovou um programa baseado
na teoria da revolução permanente de Trotsky que ficou conhecido como “Teses de
Pulacayo”. Estas resoluções apontavam a falência da burguesia nacional e a
necessidade de uma revolução socialista como única via para a libertação
proletária e que os dirigentes mineiros jamais entrariam em um governo burguês.
Todavia o POR e a burocracia sindical da FSTMB transformaram estas resoluções
em letra morta na revolução de 1952. Juan Lechín ingressou como “ministro
operário” do gabinete de Paz Estenssoro para conter a luta dos mineiros pelo
controle operário das recém-nacionalizadas minas de estanho. A posição do
marxismo em relação a um governo como o de Paz Estenssoro, foi expressa por
Lenin em suas “Teses de abril” quando combateu a política de Stalin e Kamenev
de apoiar o governo provisório de Kerensky. Foi esta posição intransigente de
Lenin o que possibilitou o avanço da revolução proletária contra a política
menchevique e social-democrata de colaboração de classe e da defesa de
ministros operários em governos burgueses. A linha do POR, patrocinada pelo
conjunto da IV Internacional pablista, foi a linha combatida por Lenin e
Trotsky em 1917. A traição do POR à revolução de 1952 foi o início do fim deste
partido, que hoje não passa de uma seita moribunda.
No calor dos acontecimentos, o SI da IV Internacional
defende em uníssono a política menchevique, orientando o POR a apoiar o governo
do MNR e, inclusive, entrar no MNR, caracterizado por Pablo como o “partido da
pequena burguesia mineira”. Foi somente um ano depois, em 1953, quando já está
em curso a ruptura com o pablismo que viria a construir o Comitê Internacional
que Moreno vem a reivindicar a consigna de “Todo poder à COB”. Tarde demais
para romper com o oportunismo, a COB havia se burocratizado e integrada ao
regime, a revolução se encontrava em refluxo e abortada graças à política do
POR e da Internacional menchevique com a qual Moreno comungava.
Em seus últimos meses de vida, Trotsky se dedicou a dissipar
estas dúvidas, sabendo opor-se principistamente ao caminho da prostração
política. “Se admitimos que é verdade que a causa das derrotas residem nas
qualidades sociais do próprio proletariado, então a situação da sociedade
moderna deverá ser considerada como desesperadora. Sob as condições do capitalismo
decadente, o proletariado não cresce nem numérica nem culturalmente. Portanto,
não existem motivos para esperar que em algum momento se coloque à altura das
tarefas revolucionárias. A questão se apresenta de forma completamente
diferente para aquele que tem claro o profundo antagonismo que existe entre a
exigência orgânica, profunda e insuperável das massas trabalhadoras para se
libertarem do sangrento caos capitalista e o caráter conservador, patriótico e
completamente burguês da direção do movimento operário, que sobrevive por si
mesma. Devemos escolher entre uma destas duas concepções irreconciliáveis” (Em
defesa do marxismo, 25/09/1939). Embora muitos dirigentes do II Congresso da IV
Internacional não manifestassem de forma clara e explícita este diagnóstico,
suas conclusões políticas refletiam exatamente a concepção dos representantes
atemorizados e impressionistas do pseudomarxismo que renunciou à tarefa de
erguer uma verdadeira direção revolucionária capaz de dirigir o proletariado
rumo à conquista do poder, preferindo apegar-se às saias das direções
conservadoras, patrióticas e burguesas do movimento operário.
Não foi a traição à revolução boliviana pela direção do SI
um motivo suficientemente convincente para que Moreno rompesse com o pablismo.
Em 1953, no III Congresso da IV Internacional, Pablo resolve entregar a direção
do Bureau Latino-Americano (BLA) da Internacional ao argentino J. Posadas,
reconhecer o POR posadista como seção oficial e rebaixar a organização de
Moreno a simpatizante na Argentina. O fato levou o “pablista de primeira hora”,
a se alinhar com o Comitê Internacional, formado pelos antipablistas, e fundar
o seu próprio bureau, o Secretariado Latino-Americano do Trotskismo Ortodoxo
(SLATO).
Logo a princípio, os “trotskistas ortodoxos” do SLATO
qualificaram de “direitista” o movimento guerrilheiro 26 de julho contra
Batista, e de “gorila” o seu dirigente Fidel Castro, assim como eram chamadas
as ditaduras latino-americanas. Mas o próximo reagrupamento internacional e a
onda foquista que se seguiu à Revolução cubana viriam a mudar radicalmente as
posições de Moreno sobre a questão.
Embora em 1959, Moreno defina a revolução cubana de
“Revolución Gorila”, comparando-a com o Golpe Militar de 1955 na Argentina,
posteriormente se ratificaria, declarando-se castrista. “No caso de Fidel
Castro não temos dúvida em considerá-lo junto com Lenin e Trotsky, um dos
maiores gênios revolucionários deste século” (Dos métodos frente a la
revolución latinoamericana, 1964). No mesmo texto, Moreno propôs uma profunda
revisão do trotskismo e do marxismo em geral, ao defender que o proletariado
não deveria ser necessariamente a vanguarda da revolução socialista: “Temos
superado o esquema trotskista de que só o proletariado é a vanguarda da
revolução” (idem) e chega a reconhecer que afora o castrismo não há outra
corrente revolucionária na América. Sob esta política “se abre uma forte crise
quando em 1964, ganho pela direção cubana rompe Vasco Bengochea, quem foi junto
com Moreno, o principal dirigente de nossa organização” (Un Breve Esbozo de la
Historia de la LIT-CI, Alicia Sagra, maio/1995).
O curso foquista do morenismo só estava começando. A partir
desta nova orientação política Moreno aproximou-se da Frente Revolucionária
Indoamericana Popular, organização dirigida por Mario Roberto Santucho. Da
fusão da FRIP com o Palabra Obrera surge, em 25 de maio de 1965, o Partido
Revolucionário dos Trabalhadores. É neste período que Moreno escreve “A América
Latina e a OLAS” e “As revoluções chinesa e indo-chinesa”. Tendo se orientado
profundamente em direção ao foquismo castrista, em 1968 “provoca-se uma ruptura
que levou aos principais quadros do partido a defender as posições foquistas”
(Un Breve Esbozo de la Historia de la LIT-CI, Alicia Sagra, maio/1995).
A adesão ao castrismo provoca uma nova cisão no CI em 1963.
Moreno e o SWP americano demonstram que não aprenderam nada com a política
liquidacionista imposta pelo pablismo à IV Internacional e a traição à
revolução boliviana e resolvem se reunificar com o SI, com o qual haviam
rompido dez anos antes, passando a se chamar Secretariado Unificado da IV
Internacional. O SU tem como principal dirigente Ernest Mandel, a quem Moreno
acusava de “pablista” na década anterior; agora apresentado pelo mesmo Moreno como
“revolucionário” (!?) .Permanecem no CI a OCI do francês P. Lambert (o qual
viria a fundar a corrente OSI, Jornal “O Trabalho”, no Brasil) e o SLL do
inglês G. Healy. O CI adota uma posição sectária em relação a Cuba após a
revolução, não a reconhecendo como um Estado operário, mas sim como um regime
capitalista governado pela ala nacionalista da burguesia.
O SU, por sua vez, vai ao outro extremo, considera Castro
como um “trotskista inconsciente” e Cuba como um “Estado operário são”. O
ex-anticastrista, Moreno, passa a defender a construção de partidos castristas
em todo o continente, aspirando a tornar-se uma representação da OLAS
(Organização Latino-Americana de Solidariedade, criada por Castro para difundir
movimentos foquistas na América Latina) na Argentina, defendendo o foquismo
como uma nova via para a revolução e apresentando o castrismo como uma
alternativa ao stalinismo.
Na Argentina, a experiência do Partido Revolucionário dos
Trabalhadores não dura mais do que quatro anos. A direção do SU, em sua adesão
febril ao guerrilheirismo pró-cubano passa a privilegiar o agrupamento de
Santucho no interior do PRT, provocando um racha no partido onde o PRT-Santucho
(depois rebatizado como ERP, Exército Revolucionário do Povo, nome que tornou
este agrupamento conhecido mundialmente, por suas ações foquistas), passa a ser
reconhecido como seção oficial do SU, enquanto o PRT-Moreno é rebaixado à
condição de mero simpatizante, ainda que siga reivindicando a internacional
mandelista. Entre 1967 e 1968 conclui-se a cisão que levaria a conformação do
PRT-La Verdad (Moreno) e PRT-El Combatiente (Santucho).
É a partir de então que tendo aderido profundamente às
concepções guerrilheiristas de Mandel como tarefa central na América Latina até
o IX Congresso Mundial do SU da IV Internacional, vem a descobrir os desvios
deste pouco antes do X Congresso da internacional mandelista. Escreve em 1973 o
texto “Un documento escandaloso” em resposta ao “En defensa del leninismo, en
defensa de la Cuarta Internacional” de Mandel, escrito sob o pseudônimo de
Ernest Germain. Em seguida, também em nome do leninismo, Moreno anuncia sua
intenção de construir na América Latina partidos social-democratas, tendo como
exemplos os grandes partidos reformistas europeus.
1972 é o ano da nova guinada do morenismo, desta vez, do
guerrilheirismo à “institucionalização”, propondo-se novamente a criar um
“partido centrista de esquerda legal”. Liga-se então a Juan Carlos Coral,
dissidente do Partido Socialista Argentino (agrupamento social-democrata que já
na década de 40 aliava-se às oligarquias locais e aos agentes imperialistas na
Argentina em nome de combater o peronismo), para “refundar o Partido
Socialista”, criando o Partido Socialista dos Trabalhadores que, nas eleições
do ano seguinte, chega a obter mais de 180 mil votos. A fórmula eleitoral de
unidade com a socialdemocracia tem como exemplo de partido os PSs português e
espanhol, que serviram de modelo para criar ou fazer crescer as futuras seções
Morenistas latino-americanas. O PST passa a assumir então características
marcadamente neo-esquerdistas. Torna-se um ferrenho crítico do guerrilheirismo,
e defensor da unidade de todos os socialistas num único partido, aspiração
contida no nome de batismo da seção brasileira do morenismo, a Convergência
Socialista, que no Brasil abrange até mesmo os chamados “socialistas do MDB”.
Com o golpe militar e a instauração da ditadura Videla em
1976, Moreno se vê obrigado a exilar-se e, como a maioria das organizações de
esquerda argentina, o PST foi proscrito. Moreno vai para a Colômbia onde funda
ali um outro PST. Em Bogotá, formou a Brigada Simón Bolívar para combater junto
a Frente Sandinista de Libertação Nacional na Nicarágua. Já por seu nome de
batismo a Brigada dá indícios de que seus propósitos têm mais a ver com o
latino-americanismo burguês do tipo aprista, hoje reencarnado no chavismo, que
com o internacionalismo proletário.
Em 1979, quando sua brigada é expulsa da Nicarágua pelo
governo da FSLN, o seu então “camarada” Mandel apoia firmemente as medidas
repressivas dos sandinistas contra os Morenistas. “O SU envia uma delegação a
Manágua para dizer que éramos um grupo ultra-esquerdista com o qual não tinham
nada a ver, e vota uma resolução proibindo a construção de partidos por fora do
sandinismo. A negativa em defender militantes revolucionários torturados pela
burguesia e o fato de terem votado essa resolução interna que na prática era um
decreto de expulsão de nossa corrente obrigaram nossa ruptura definitiva com o
SU” (Un Breve Esbozo de la Historia de la LIT-CI, Alicia Sagra, maio/1995). Com
“camaradas de Internacional” como estes quem precisa de inimigos? Foi somente a
partir desta traição vinda de sua própria Internacional, que Moreno passa a
qualificar o mandelismo como “centro do revisionismo mundial” e o próprio
Mandel como um elemento sem nenhum caráter. Todavia, esta conduta escroque do
mandelismo é apenas a consumação de suas concepções pablistas que até então não
haviam sido motivo suficiente para que Moreno rompesse com o SU.
A OCI de Lambert solidariza-se com o grupo de Moreno, que
após romper com o SU de Mandel, resolve fundir-se com o agrupamento
internacional lambertista. O novo agrupamento de Moreno-Lambert, a “IV
Internacional - Comitê Internacional”, adota uma Tese Política - escrita por
Moreno, a pedido de Lambert - que se autoproclama, “o documento mais importante
do marxismo desde 1938”. Todavia, como reconhece Moreno ele “tivesse uma
omissão importante, o problema da Frente Popular” (Nossa experiência com o
Lambertismo, 1986). Estranho não? Que um documento tão importante tenha deixado
uma lacuna tão fundamental, coincidentemente quando Moreno e Lambert estavam
apoiando a candidatura da frente popular de Miterrand à presidência da França!
E mais “estranho” ainda é que Moreno só tenha notado este esquecimento na
elaboração do documento cinco anos depois de rompido com Lambert, justamente
acusando-o de frente populista!!!
Bem distinto desta dupla, Trotsky ressaltava que “No momento
atual, a questão das questões é a frente popular. Os centristas de esquerda
procuram apresentar esta questão como uma manobra tática ou até técnica, para
poder melhor vender sua mercadoria na sombra da frente popular. Na realidade, a
frente popular É A QUESTÃO PRINCIPAL DA ESTRATÉGIA PROLETÁRIA desta época.
Também oferece o melhor critério para distinguir entre o bolchevismo e o
menchevismo” (“Carta ao RSAP holandês”, julho/1936; grifo no original). A
durabilidade do novo agrupamento sem princípios é inversamente proporcional ao
tamanho do seu messianismo autoproclamatório. Não durou um ano. Moreno rompe
com Lambert acusando-o de fazer seguidismo aos “campos burgueses
progressistas”, no caso, ao PS francês durante o governo social-imperialista de
Miterrand. No documento “A traição da OCI”, Moreno também critica as teses
etapistas da III Internacional. “A concepção não só da revolução por etapas,
senão também o apoio ou defesa do ‘campo burguês progressivo’ nos países
coloniais e semicoloniais, principalmente os mais atrasados. Trata-se, pois, de
um menchevismo ‘sui generis’, que tem um aspecto revolucionário, já que integra
esta revolução por etapas dentro da revolução socialista mundial, principalmente,
e se insiste na independência política da classe operária européia” (A traição
da OCI, 1982).
De fato, a corrente de Lambert liquidou-se como corrente
trotskista a partir de sua capitulação vergonhosa ao governo de Miterrand,
tornando-se a partir de então e em todas as partes, mero assessor de esquerda
da social democracia, vide a guinada pró-Lulista da corrente OT no Brasil e o
papel que esta desempenha na esquerda mundial até hoje.
Contradizendo várias de suas críticas acertadas, a
capitulação do lambertismo aos “campos burgueses progressivos”, o próprio
Moreno faz sua versão das concepções etapistas em “1982, começa a revolução”
revisando a teoria da revolução permanente de Trotsky e transformando-a em uma
teoria menchevique de “revoluções democráticas”. Neste ano, ainda em Bogotá,
Moreno funda a Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional
(LIT-QI) e após regressar à Argentina, muda o nome do PST argentino para
“Movimento Al Socialismo” – MAS. Em seu folheto “Revoluções do Século XX”
(1984) caracteriza que “na Argentina, Bolívia e Peru houve uma revolução” com a
mudança de regimes da ditadura militar para a democracia burguesa, fazendo ele
mesmo seguidismo dos campos burgueses democráticos e dos processos de transição
para a democracia burguesa no continente latino americano, chegando a dizer que
o governo Alfonsín seria produto de uma revolução.
Já no início da década, Moreno havia começado a organizar
uma síntese de suas revisões do legado teórico de Trotsky. Em 1980 escreve o
documento principal de sua corrente: “A Atualização do Programa de Transição”,
onde afirma que Trotsky se equivocou em vários dos prognósticos do “Programa de
Transição”. Ao contrário de uma revisão marxista do programa fundacional da IV
Internacional, como fez Trotsky do Manifesto Comunista, o que Moreno formula é
uma justificação teórica para o abandono completo do legado trotskista e,
portanto, do marxismo revolucionário, transformando sua trajetória empírica e
oportunista em teoria. Sendo assim, ele formula “sua tese” das “revoluções
inconscientes” (ou “revoluções de Fevereiro ou democráticas”), quando em um
primeiro momento o eixo da atividade política das massas não seria a tomada do
poder, mas a luta por substituir regimes ditatoriais por democracias burguesas.
Somente depois de vencida esta etapa é que viria o momento das “revoluções
conscientes” (ou “revoluções de Outubro”). Esta caracterização choca-se
profundamente com a tese central da teoria da revolução permanente,
desenvolvida por Trotsky desde 1905 que sinteticamente defende que só a
ditadura do proletariado pode assegurar a realização das mais elementares
tarefas democráticas.
De fato, a “teoria” de Moreno nada tem de nova ou original.
Trata-se de um retorno às velhas e surradas posições etapistas, formuladas pela
socialdemocracia reformista do início do século XX, requentadas pelos
mencheviques, pelos stalinistas e duramente combatidas por Trotsky. Moreno
também não foi o único na época a empreender uma cruzada revisionista contra a
revolução permanente. Jack Barnes, o dirigente do SWP dos EUA (o SWP ou Partido
Socialista dos Trabalhadores foi dirigido por James P. Cannon entre 1938-1953,
Farrell Dobbs de 1953 a 1972 e a partir de então por Barnes), já havia atacado
as teses da Revolução Permanente, defendendo a teoria etapista da “revolução
democrática”, com seu documento “Their Trotsky and Ours” (O Trotsky deles e o
nosso). Este foi só o primeiro passo para que o SWP renunciasse formalmente ao
trotskismo em 1985 e perdesse boa parte de sua influência política construída a
duras penas desde a época de Trotsky e Cannon. Moreno esquivou-se do mesmo
destino, declarou que Trotsky não havia dado suficiente importância às
revoluções democráticas enquanto prostituiu barbaramente os fundamentos
teóricos da IV Internacional.
Se para Lenin e Trotsky, como regra geral, somente um
genuíno partido do tipo bolchevique é capaz de orientar as massas à tomada do
poder e à ditadura do proletariado e, na sua ausência, as direções centristas e
reformistas traem ou sabotam os processos revolucionários e, que apenas sob
condições excepcionais (ofensiva revolucionária das massas, boicote da
burguesia ao chamado a conformar a frente popular, pressão do imperialismo,
crise econômica, guerra etc.) os centristas seriam capazes de ir mais além de
onde pretendiam numa ruptura com a burguesia, para Moreno (e não por
coincidência, também para toda escola pablista) é o oposto: “a variante que
Trotsky qualificava de ‘altamente improvável’ é a única que tem se deu nestes
35 anos” (Teses de Atualização do Programa de Transição, 1980). Em outras
palavras, o que para Trotsky era exceção, foi tomado como regra por Moreno.
Mas de longe, a história dos últimos 65 anos deu razão a
Trotsky que morreu cinco anos antes do fim da II Guerra, e não a Moreno que
teve a possibilidade de verificar com seus próprios olhos a confirmação do
prognóstico do Programa de Transição. Se contarmos a quantidade de processos
revolucionários abortados neste período (França, Espanha, Grécia, Itália,
Bolívia, Argélia, Portugal, Indonésia, Chile, Camboja, Nicarágua, Peru,
Guatemala, El Salvador, só para citar alguns exemplos clássicos) em comparação
aos países onde a burguesia foi expropriada por correntes centristas e
stalinistas (Europa Oriental, Iugoslávia, China, Vietnã, Cuba, Coréia do
Norte), veremos com toda a clareza que os primeiros casos são a esmagadora
maioria (dentre os quais inclusive estão metrópoles imperialistas) e que os
segundos apenas ocorreram pela combinação de circunstâncias extremamente excepcionais
que empurraram as direções centristas destes processos a romper com sua própria
estratégia conciliacionista pequeno-burguesa ou burguesa.
Se para Moreno a regra é que as direções centristas, ao
contrário de abortar, são capazes de levar adiante os processos revolucionários
(como também defendia Pablo), caberia aos Morenistas estabelecer uma frente com
estas direções para impulsionar o que o dirigente da LIT denominou de
“revolução democrática” ou “de fevereiro”. O desdobramento prático das
premissas de Moreno é uma concepção etapista particular de revolução e a
orientação política em favor de uma frente popular que a realize.
Para justificar teoricamente a sua adaptação aos fenômenos
pequeno-burgueses ou burgueses, como o foquismo, o nacionalismo, a socialdemocracia
e o centrismo stalinista, Moreno afirmou que Trotsky havia deixado lacunas
teóricas que ele se incumbiria de preenchê-las. Por exemplo, de “que também nos
países coloniais e semicoloniais era necessário fazer uma revolução no regime
político: destruir o fascismo para conquistar as liberdades da democracia
burguesa, embora fosse no terreno dos regimes políticos da burguesia e do
Estado burguês. Concretamente não propôs que era necessário uma revolução
democrática que liquidasse o regime totalitário fascista, como parte ou
primeiro passo da revolução socialista e deixou pendente este grave problema
teórico” (Revoluções no Século XX, 1984).
De fato, Moreno tem razão. Trotsky não propôs uma revolução
democrática para estabelecer um regime democrático burguês contra o regime
totalitário fascista, como parte ou primeiro passo da revolução socialista. Não
por descuido teórico, como tenta passar Moreno, mas tão somente porque defendia
a construção da frente única operária e travou uma luta encarniçada contra o
stalinismo porque se opunha à “teoria etapista” da revolução que justificava as
frentes populares com os ditos setores progressistas e democráticos da
burguesia. Para o fundador da IV Internacional, a revolução democrática só
poderá triunfar por meio da ditadura do proletariado. Do contrário, “uma
revolução democrática ou um movimento de libertação nacional podem dar à
burguesia a possibilidade de intensificar e estender a exploração da classe
operária. A intervenção do proletariado como força autônoma na luta política
pode evitar completamente toda a possibilidade da burguesia de continuar com a
exploração” (Stálin, o grande organizador de derrotas, 1928).
A teoria da “revolução democrática” de Moreno coloca-se
abertamente contra as Teses da Revolução Permanente de Trotsky. Na revolução
democrática cabe ao proletariado respeitar os limites da primeira fase da
revolução que se situa “no terreno dos regimes políticos da burguesia e do
Estado burguês”, o que não é outra coisa que o etapismo defendidos tanto pelos
mencheviques, quanto pelo stalinismo.
A diferença é que a teoria etapista para os mencheviques e,
depois, para o stalinismo se justificava por razões econômicas, no sentido do
desenvolvimento do capitalismo em relação aos modos de produção atrasados
(feudalismo, escravismo), pois advogam que enquanto um determinado país ainda
não tiver eliminado os resquícios de etapas pré-capitalistas era preciso que
atravessasse por uma revolução democrático-burguesa, onde o proletariado
jogaria um papel subordinado à burguesia liberal nativa. Já o morenismo
justifica o seu etapismo do ponto de vista do desenvolvimento do regime
político burguês em direção à democracia.
A teoria da Revolução Permanente sustenta que nos países
atrasados a burguesia local é incapaz de avançar rumo à resolução das tarefas
democráticas e toda conquista democrática faz parte da luta anticapitalista,
que tem de ser levada a cabo pelo proletariado através de sua vanguarda
consciente, o partido marxista revolucionário, contra os capitalistas nativos.
Por sua vez, Moreno descarta o elemento subjetivo e cai num claro desvio
objetivista, advogando que qualquer transição democrática dirigida por quem
quer que seja, independente de ter sido protagonizada pelo proletariado ou
orientada por um partido bolchevique, já é uma revolução democrática e faz
parte objetivamente de uma primeira etapa da luta pelo socialismo. É sob estas
concepções que os Morenistas justificam seu apoio aos processos
contrarrevolucionários no Leste Europeu, a respeito dos quais trataremos mais
adiante.
Através da teoria da revolução democrática, os Morenistas
tratam de abstrair o conteúdo social de uma revolução. A evolução desta
concepção é a principal geradora de terríveis equívocos e capitulações nas
fileiras do morenismo. Passam a chamar a qualquer coisa que vêem pela frente de
revolução democrática ou de fevereiro, desde os processos de expropriação das
burguesias nos Estados operários surgidos no pós-guerra, até a transição
pactuada da ditadura à pseudodemocracia no Brasil, batizada pelos próprios
generais de “abertura lenta e gradual”, passando ainda pelas revoluções
abortadas pela frente popular na Nicarágua ou pelo fundamentalismo reacionário
do Irã.
Os processos de transição democrática ou a instauração de um
governo de frente popular são táticas burguesas para desviar a luta de classes
e restabelecer a governabilidade capitalista sobre bases “democráticas”,
substituindo o desgastado governo anterior. Nesta manobra, para obter êxito, a
burguesia terá de conseguir cooptar a direção do movimento operário para
limitar a luta “no terreno dos regimes políticos da burguesia e do Estado
burguês”. E é aí que entram os Morenistas, como força auxiliar das direções
burocráticas do movimento de massas para dar uma justificativa teórica ao apoio
dado por estas direções traidoras a transição pactuada pela burguesia e calcada
na colaboração de classes. Animados com as possibilidades de desfrutar
plenamente das vantagens da democracia parlamentar, os Morenistas tratam de pintar
com cores revolucionárias a manobra burguesa, enquanto tentam consolar as
massas insatisfeitas com a continuidade da escravidão capitalista,
propagandeando que a verdadeira revolução de outubro estaria reservada para a
posteridade.
A concepção morenista de "revolução democrática",
segundo a qual a substituição de um governo fascista por um de características
pseudodemocráticas, ou seja, “uma revolução no regime político” é o prenúncio
da Revolução de Outubro é oposta pelo vértice à teoria da Revolução Permanente,
defendida por Trotsky. Para o dirigente do Exército Vermelho, o proletariado
deve estar na linha de frente da defesa das tarefas democráticas e mesmo das
liberdades democráticas contra o fascismo, inclusive sem negar a possibilidade
de ações comuns pontuais com agrupamentos burgueses de oposição. Porém, o
partido revolucionário deve nessa luta democrática ter seu próprio programa e,
mantendo sua independência de classe, apontar que a defesa mais consequente da
democracia é através da vitória da revolução proletária, ou seja, da classe
operária construir seu próprio poder.
Trotsky nos ensinou que “para os países de desenvolvimento
atrasado, e em particular, para os países coloniais e semicoloniais, a teoria
da revolução permanente significa que a verdadeira e completa solução das
tarefas democráticas e de libertação nacional, não pode ser outra que não seja
a ditadura do proletariado, que se coloca à cabeça da nação oprimida, e em
primeiro lugar, das suas massas camponesas” (Tese 2 da Revolução Permanente,
1930). Apesar dos primeiros objetivos da revolução socialista serem os
democráticos em países atrasados ou governados sob o fascismo, o proletariado
tem que estar à cabeça dessa luta para superar o próprio regime burguês e só dessa
forma estará trabalhando pela vitória da Revolução de Outubro.
Trotsky não defendia que a luta democrática estivesse
dissociada da tarefa do proletariado em instaurar seu próprio poder, como prega
Moreno, e sim “que a vitória da revolução democrática só é concebível por meio
da ditadura do proletariado, que se apoia na sua aliança com o campesinato e
que, em primeiro lugar, decide as tarefas da revolução democrática” (Tese 4 da
Revolução Permanente, 1930).
Está claro que a revolução democrática de Moreno está muito
mais próxima das ideias dos renegados da socialdemocracia europeia do que do
marxismo revolucionário . “A democracia idealizada pela burguesia não é, como
pensam Bernstein e Kautsky, uma casca vazia que se pode, tranquilamente, encher
sem se importar com o conteúdo. A democracia burguesa só pode servir à
burguesia” (90 anos do Manifesto Comunista, L. Trotsky, 1937).
Moreno vem rever também as posições de Lenin e Trotsky sobre
as guerras interburguesas. Já nos cursos internos de formação, o dirigente
argentino ensina que a Segunda Guerra mundial não foi uma guerra
interimperialista, combinada com o ataque a URSS, mas, em essência, uma guerra
entre o fascismo e a democracia. Vale a pena resgatar as pérolas programáticas
da LIT: “Provavelmente Nahuel Moreno tenha razão ao afirmar que Trotsky cometeu
o maior erro de sua história ao caracterizar e apontar a política para a Segunda Guerra Mundial. Ele
viu a diferença com a Primeira [guerra] no caráter contra-revolucionário em
relação a ameaça a URSS, porém não viu que este caráter contra-revolucionário
se expressava em nível mundial no enfrentamento entre dois regimes, o fascista
contra o democrático-burguês (...). Para Trotsky, o centro de sua política era
o derrotismo revolucionário. Moreno opinou o contrário e considerou que o
enfrentamento entre regimes era o ingrediente” (A história das internacionais
socialistas, Alicia Sagra, janeiro/2005). Daí se desenvolve a caracterização
que o triunfo da frente popular mundial entre o imperialismo e o stalinismo,
seria o grande triunfo da “revolução democrática” (que deveria ter sido apoiada
pelos trotskistas), o que abriria a era de revoluções socialistas iminentes em
todo o planeta. As posições deste tipo significavam um abandono total das
posições essenciais do “Manifesto da IV Internacional frente a guerra
imperialista e a revolução proletária mundial”, redigido por Trotsky e adotado
pela conferência internacional reunida em Nova York em maio de 1940 que
criticava antecipadamente qualquer conduta impressionista frente ao avanço do
nazismo sobre as outras nações europeias e ratificava o prognóstico anterior
acerca das perspectivas revolucionárias, defendendo a necessidade de promover o
“derrotismo” em todos os países imperialistas e a defesa incondicional, o
defensismo, da URSS.
É bem sabido que as nações imperialistas “democráticas” não
deixaram nem só por um momento de atuar como potências coloniais nem deixaram
de explorar a guerra para enfraquecer a URSS. Em plena invasão alemã, o governo
francês se recusou a trazer de volta suas esquadras estacionadas na Síria, pois
para a burguesia francesa, pior que a ocupação nazista era comprometer sua
dominação no Oriente Médio. Enquanto Hitler avançava sobre a URSS, as potências
imperialistas “democráticas” aliadas, as quais Moreno reivindicou
retrospectivamente que os trotskistas deveriam apoiar, não moveram um dedo em
seus contingentes militares nas colônias para frear o avanço das tropas alemãs
e japonesas, revelando assim quais eram suas prioridades. É difícil definir se
este foi o maior erro de Moreno pela quantidade e qualidade de erros que ele
nos oferece para optar. No entanto, podemos julgar que foram suas
caracterizações mais presunçosas contra Trotsky. Deixemos que o próprio
fundador do Exército Vermelho o responda: “realmente, é preciso ser muito
cabeça oca para reduzir os antagonismos e conflitos militares mundiais a luta
entre o fascismo e a democracia. É preciso saber desmascarar todos os
exploradores, escravistas e ladrões sob a máscara com que se ocultam!” (La
lucha antiimperialista es la clave de la liberación, una entrevista con Mateo
Fossa, 23/09/1938).
Por mais daninho que o revisionismo de Moreno tenha sido ao
trotskismo, como expressão dos tempos – de reação democrática anticomunista – o
revisionismo de seus seguidores no século XXI consegue fazer pior, provando que
em política revolucionária não vale o “quanto pior melhor” e que a degeneração
da degeneração não é a regeneração. Se Moreno caracterizava a transição de uma
ditadura para a democracia burguesa como uma revolução, os atuais Morenistas
aviltaram tanto a noção de revolução que por fim, a simples substituição de um
presidente desgastado por seu vice ou por outro representante burguês qualquer,
ou seja, a troca de fusíveis da burguesia, passou a ser chamado de revolução.
Deste mal são acometidos inclusive os que renegam peremptoriamente o morenismo
como suas variantes originárias da juventude do MAS, como o PTS. Vale lembrar
que, embora estas organizações vejam uma revolução em cada esquina, quando mais
estiveram à prova, em 2001, durante o levante popular na Argentina ao qual eles
também caracterizaram como revolução, recorreram ao velho programa da revolução
democrática morenista, opondo-se à organização proletária rumo à construção de poder
dual dos trabalhadores e da população oprimida para defender em conjunto (assim
como o PO, MST, etc.) uma saída parlamentarista de Assembleia Nacional
Constituinte (à qual acrescentaram a adjetivação revolucionária para
embelezá-la), que naquele momento na Argentina representava um programa para a
recomposição do regime político.
“O que mais é necessário é que as frases não obscureçam o
entendimento nem embotem a consciência. Quando se fala em ‘revolução’, de ‘povo
revolucionário’, de ‘democracia revolucionária’, etc., em nove da cada dez
casos se trata de mentiras ou autoengano. É preciso perguntar: que classe faz a
revolução? Contra quem se faz a revolução? Contra o czarismo? Neste sentido, na
Rússia são hoje revolucionários a maioria dos latifundiários e dos
capitalistas. Uma vez consumado o fato [da revolução política de fevereiro] até
os reacionários se apoiam nas conquistas da revolução. Na atualidade, o modo
mais frequente, mais abjeto e mais nocivo de enganar as massas, é elogiar a
revolução neste sentido. A conclusão é clara, só o poder proletário, apoiado
pelos semiproletários, pode dar ao país um poder realmente firme e
verdadeiramente revolucionário. Será realmente firme, pois não se apoiará, por
necessidade, no “conciliacionismo” instável dos capitalistas com os pequenos
proprietários, dos milionários com a pequena burguesia” (V.I. Lenin: “Acerca
del poder revolucionario firme” 06/05/917). E olha que Lenin referia-se a
própria e genuína revolução democrática e de fevereiro! Os Morenistas assumidos
ou envergonhados recorrem incuravelmente ao “modo mais abjeto e mais nocivo de
enganar as massas” para propor, como lhes ensinou seu mestre Moreno, fóruns
conciliacionistas com a burguesia como uma ANC em pleno levante popular na
Argentina.
A posição dos marxistas acerca de uma revolução tem por
obrigação de ser inequívoca. Trotsky afirma que “a revolução é uma prova aberta
entre as forças sociais em luta pelo poder” (Resultados e Perspectivas, 1906).
E confirma anos depois da revolução de outubro “... a revolução não é outra
coisa que a luta pelo poder, uma luta política que as classes travam não com as
mãos vazias, mas por meio de instituições políticas concretas” (A Revolução
Permanente, 1929).
Apenas formalmente os Morenistas ainda reconhecem que a
democracia burguesa é a ditadura da burguesia de forma dissimulada. Na prática,
estes senhores buscam ser os campeões do antiautoritarismo, e para eles a
democracia funciona como um elixir milagroso. Assim como o Rei Midas que a tudo
transformava em ouro, o PSTU, a CST e mais recentemente o MAIS tenta travestir
todos os conceitos marxistas sob a ótica da democracia burguesa. Então o
socialismo ganha a adjetivação de “socialismo com democracia”, para tentar
distinguir o seu socialismo da idéia negativa apregoada tanto de forma
subestimada pela burguesia mundial, como de forma superestimada pelo stalinismo
dos Estados operários burocratizados. Aqui reside uma imensa ignorância do
marxismo e uma ainda maior concessão ao stalinismo e também ao imperialismo em
reconhecer que o regime transitório e deformado comandado pela burocracia era
alguma forma de socialismo. Para os verdadeiros trotskistas, o socialismo nunca
existiu e só existirá como um fenômeno histórico quando a luta de classes
alcançar a fase inferior da sociedade comunista. Os que acreditam que é
possível coabitarem o socialismo e a democracia no mesmo período histórico
terão de renunciar primeiro ao marxismo, que provou cientificamente que estes
dois elementos são historicamente incompatíveis. É a mesma coisa que acreditar
que o homo sapiens e o tiranossauro conviveram na mesma época. Para Lenin “a
extinção do Estado implica a destruição da democracia (...) a democracia não é
idêntica à subordinação da minoria à maioria. Democracia é o Estado que reconhece
a subordinação da minoria à maioria, ou seja, uma organização chamada a exercer
a violência de uma classe contra a outra, de uma parte da população contra a
outra” (Capítulo IV.6, Engels e a superação da democracia, em O Estado e a
Revolução, 1918). No socialismo, o Estado, como um instrumento de dominação de
classes, “se extingue porque já não há capitalistas, já não há classes e, por
isso mesmo, não tem cabimento reprimir nenhuma classe” (Cap. V.3, Primeira fase
da sociedade comunista, idem).
Se, como vimos, as “revoluções de fevereiro” de Moreno nada
têm a ver, em suas várias facetas em que é aplicada a analogia, com a derrubada
do Czar e ascensão ao poder de Kerensky, a ideia de “Revolução de Outubro”
morenista, utilizada como consolo diante das limitações de seus “fevereiros”,
nem de longe encontra similar na tomada de poder ou tampouco no governo
dirigido por Lenin e Trotsky. Segundo o PSTU, “o Estado Proletário, (...) é um
Estado baseado na mais ampla liberdade de organização e expressão para todas as
correntes e partidos políticos. (...) A todos, inclusive aos partidos burgueses
que tenham apoio entre a massa trabalhadora, devem ser garantidas as liberdades
democráticas de associação, reunião e expressão de suas posições, desde que não
defendam a luta armada contra o regime” (Programa para a Revolução Proletária,
anteprojeto de programa para o PSTU, março de 1994). Isto nada tem a ver com
ditadura do proletariado, trata-se, melhor dizendo, de sua negação. É a
confissão adiantada do PSTU que caso “sob condições (muito) excepcionais”
chegasse ao poder, daria todas as garantias “democráticas” para que a burguesia
tivesse plenas condições para reorganizar-se e afogar em sangue qualquer
processo revolucionário.
Em sua Pré-Tese para o I Congresso do PT, a então
Convergência Socialista, referindo-se ao tipo de Estado descrito acima,
argumenta que “é o socialismo das mais amplas liberdades de imprensa, de
organização, de liberdade de pensamento, (...) um regime assim não é utópico,
ele existiu de forma pioneira e embrionária durante um curto período, depois da
revolução russa de 1917. Foi o regime de Lenin e Trotsky, antes de ser
destruído pela contra-revolução stalinista” . Não pode existir algo tão
fantasioso da realidade como as ilusões democratizantes de um pequeno-burguês
acerca do socialismo ou do paraíso celestial. O período em que a URSS foi
dirigida por Lenin e Trotsky, que corresponde ao comunismo de guerra, quando
foi empregado o terror vermelho contra o terror branco, para o PSTU é algo tão fictício
que certamente não encontraríamos paralelo nem nas fantasias de Alice no País
das Maravilhas. O PSTU pretende conciliar o inconciliável, a ditadura
proletária com a democracia burguesa. Deixemos que o velho Engels responda ao
PSTU: “Estes senhores nunca viram uma revolução? Uma revolução é,
indiscutivelmente a coisa mais autoritária que existe; é um ato mediante o qual
uma parte da população impõe sua vontade a outra parte por meio de fuzis,
baionetas e canhões; meios mais autoritários não existem; e o partido
vitorioso, se não deseja ter lutado em vão, tem que manter este domínio pelo
terror que suas armas inspiram aos reacionários. A Comuna de Paris duraria mais
de um dia, se não houvesse empregado esta autoridade do povo armado frente aos
burgueses? Não podemos, pelo contrário, reprovar-lhe o não se haver servido o
bastante dela? Assim, pois, de duas uma: ou os antiautoritários não sabem o que
dizem, e neste caso não fazem mais que semear confusão; ou sabem e, neste caso,
traem o movimento do proletariado. Num ou noutro caso servem à reação” (Sobre o
Autoritarismo, artigo escrito para o Almanaque Republicano, 1847).
Moreno morre no conturbado ano de 1987. Logo após ao inicio
do ano de 1990, em seu III Congresso Mundial, no começo da década em que explodiria
em quase uma dezena de partes, a direção da LIT, euforizada pela onda
restauracionista que varria o Leste europeu declara que “do mesmo modo em que
os últimos meses significaram uma virada histórica para a humanidade, eles
foram para a LIT-QI o salto para ganhar influência em setores de massas. Os
dois acontecimentos estão relacionados. O trotskismo está vivo porque a
revolução mundial matou o stalinismo e colocou em marcha uma grandiosa luta de
massas, e porque a LIT-QI analisou corretamente os acontecimentos e atuou
coerentemente de acordo com eles” (Correio Internacional, julho/1990).
Lamentavelmente não foi a revolução mundial que derrubou o
stalinismo, mas sim a contrarrevolução imperialista, naquela parte do planeta
onde os trabalhadores já haviam expropriado os capitalistas. Bandos políticos
abertamente burgueses, agentes diretos do imperialismo tomaram o poder e deram
início à maior pilhagem das condições de vida que os trabalhadores daqueles
países já viram, arrancaram seus direitos de pleno emprego, a saúde, moradia e
educação gratuitas, converteram a segunda maior potência do planeta numa
semicolônia escravizada pelo imperialismo. O remédio (a restauração burguesa)
foi pior do que a enfermidade (a burocracia stalinista) e matou o doente (Estado
operário degenerado). Por sua vez, a caracterização impressionista e
completamente invertida dos processos contrarrevolucionários do Leste foram
para a LIT a prova de fogo em que a corrente de Moreno saiu reprovada e
atomizou-se. O documento prossegue em suas “análises corretas dos
acontecimentos”: “Quando a revolução política triunfou na Polônia, derrubou o
Muro de Berlim e liquidou as ditaduras de partido único na Alemanha,
Tchecoslováquia, Hungria, Bulgária, Romênia e, por fim, na URSS, para a LIT-QI
já não houve a menor dúvida. A virada histórica das massas estava enterrando o
stalinismo e abrindo no mundo uma nova etapa da revolução socialista. Está se
abrindo a hora do socialismo com democracia. Sobre o Leste, o Congresso definiu
que, depois da fase democrática da revolução, esta segue em frente” (idem).
A LIT justifica a posição que a coloca objetivamente na
trincheira da contrarrevolução a partir do legado de Moreno: “Trotsky
acreditava, e assim escreveu muitas vezes, que só um partido revolucionário (um
partido da IV Internacional) poderia dirigir uma revolução vitoriosa contra o
stalinismo. Nahuel Moreno pôde apoiar-se nas primeiras tentativas (derrotadas)
de revolução política para prever teoricamente um desenvolvimento diferente da
mesma através de fases que, por analogia, chamou de ‘Fevereiro’ e ‘Outubro’”
(idem).
É escandaloso o malabarismo oportunista que a partir desta
caracterização tenta justificar a oposição da LIT ao defensismo revolucionário
estabelecido no Programa de Transição, buscando camuflar que o “desenvolvimento
teórico diferente” de Moreno é justamente o oposto do que defendia Trotsky. A
partir da teoria de que a chegada dos agentes da contrarrevolução ao poder se
tratava de uma “revolução de fevereiro”, a LIT justifica sua concepção etapista
também nos Estados operários deformados e por sua vez propõe uma frente popular
com todos que defendem a democracia contra a ditadura da burocracia stalinista.
Sob a caracterização de que qualquer direção de massas que se enfrente com o
stalinismo é progressista, a LIT aprofunda ainda mais o seu revisionismo
antimarxista para impulsionar uma aliança com as direções burguesas e
pequeno-burguesas restauracionistas através de um programa que tenta conciliar
o “socialismo com a democracia”. Não por acaso, os Morenistas reivindicam a
legalização de todos os partidos no Estado operário deformado, ou seja, o
direito de organização política dos restauracionistas em oposição à defesa de
legalização apenas dos partidos soviéticos, como defendia Trotsky. Além de que
os marxistas sempre se opuseram a que o socialismo fosse adjetivado (com
democracia, real, etc.), desmascarando o revisionismo dos que assim o fizeram,
está claro também que a democracia defendida pelos Morenistas não é a
democracia operária, mas a democracia burguesa, que é diametralmente oposta ao
socialismo.
Sob o escudo "teórico" de defender uma “revolução
de fevereiro” também nos Estados operários, a LIT reivindica um programa
democratizante restauracionista oposto à revolução política. Trata de
esclarecer que “o primeiro movimento da revolução política esteve regido por
uma tarefa central: acabar com o regime totalitário do stalinismo. Todas as
demais reivindicações, algumas de importância determinante, como as nacionais
ou as de caráter econômico-social, estavam combinadas e subordinadas ao combate
contra a dominação dos partidos comunistas” (idem). Assim estabelece a priori
um programa mínimo para a frente restauracionista sob a consigna de “todos
juntos contra o stalinismo”.
A caracterização etapista da contrarrevolução vem mais uma
vez acompanhada com tudo a que tem direito, caracterizando os novos governos
como “novos regimes e governos kerenskistas declaradamente restauracionistas”
(idem). Os governos restauracionistas, nem de longe se assemelham a um governo
do tipo kerenskista e a situação que os pariram muito menos. A derrubada do
czar, a instabilidade política baseada na dualidade de poderes e a existência
do Partido Bolchevique impulsionaram as condições para a Revolução de Outubro.
De forma inversa, a confusão das massas traumatizadas por décadas de
stalinismo, sem nenhuma organização operária revolucionária de vanguarda ou de
massas que as dirigisse permitiu a volta da burguesia ao poder, mais de 70 anos
após ter sido expropriada, a instauração de governos mafiosos antioperários nada
tem de progressivo. Muito pelo contrário, significa um profundo retrocesso sob
um terreno que já havia sido conquistado pelo proletariado mundial. Esta
analogia absurda e oportunista mostra que o morenismo não entende, ou melhor,
não quer entender absolutamente nada do que seja uma revolução democrática, de
fevereiro nem o que seja um governo de características kerenskistas. Contra
este tipo de malabarismo, o grande fundador do Exército Vermelho alertava que
“de trágicas circunstâncias históricas não é possível sair-se com estratagemas,
frases ocas e pequenas mentiras. Devemos dizer às massas a verdade, toda a
verdade e nada menos que a verdade” (Conversando com L. Trotsky, por Mateo
Fossa, 1938).
Trotsky faz uma analogia no livro “Em defesa do Marxismo”, comparando
a defesa da URSS em escala mundial com a defesa da democracia em escala
nacional. Em ambos os casos, assinala que é preciso combinar a tática da frente
única (não descartando a possibilidade de fazer uma frente militar com a
burocracia stalinista diante dos agentes restauracionistas internos ou
externos) com a revolução proletária (no caso da URSS, revolução política).
Moreno também faz a sua analogia, só que a utiliza num sentido bem distinto em
que a revolução proletária é substituída pela revolução democrática e a frente
única pela frente popular.
É preciso recordar que antes da destruição dos Estados
operários, o morenismo apoiou todos os movimentos que serviram de ponta de
lança do imperialismo contra a URSS e os países do Leste europeu, desde o apoio
à reacionária guerrilha islâmica impulsionada pela CIA no Afeganistão, até os
burocratas nacionalistas da Lituânia (e também da Bósnia e Croácia, ainda
durante a existência do Estado operário iugoslavo) que a LIT apoiou sob a
consigna de “independência das nacionalidades”, sobrepondo a questão nacional e
as reivindicações democráticas burguesas à defesa das bases sociais
conquistadas pela expropriação da burguesia nos Estados operários.
Na Polônia, durante anos, a LIT reivindicou um governo de Lech
Walessa, uma vez atendidas as preces Morenistas em 1989, se mostrou ainda mais
descarada a capitulação de sua corrente ao setor restauracionista de Walessa,
anunciando como uma revolução política a instauração de um governo lacaio da
restauração burguesa, que assumiu o poder com as mãos livres para destruir as
condições de vida dos trabalhadores polacos, após pactuar com a burocracia
stalinista que esmagou a base do Solidariedade no golpe de dezembro de 1981.
Aqui, mais uma vez, o morenismo vai ao extremo do oportunismo e à capitulação
às direções pró-imperialistas. A política correta na Polônia era de colocar-se
no campo da resistência operária protagonizada pelas bases do Solidariedade em
oposição à orientação de sua direção de não enfrentar o golpe que conduziu à
restauração capitalista, selada posteriormente por Walessa e Juaruselsky.
Revisando as Teses da Revolução Permanente, Moreno despreza
o papel do elemento subjetivo nos processos revolucionários, afirmando que
“esse foi um tremendo erro ... (porque no pós-guerra)... houve processos de
revolução permanente que expropriaram a burguesia, fizeram uma revolução
operária e socialista sem ser liderados pela classe operária e sem partidos
comunistas revolucionários. Quer dizer, os dois sujeitos de Trotsky, o social e
o político faltaram ao encontro histórico. (...) temos que formular que não é
obrigatório que seja a classe operária e um partido marxista revolucionário os
que dirijam o processo da revolução democrática para a revolução socialista
...” (Escola de Quadros, Argentina, 1984).
O revisionista argentino tratou de fazer alguns acertos
preventivos em sua própria teoria da revolução permanente, através de uma
combinação de regras do senso comum com algo que se aproxima muito da crença da
existência de um destino governante da história. Uma delas foi a de estabelecer
que “nesta época revolucionária, todo avanço que não for seguido por outro
avanço significa um retrocesso” (Tese II, Teses para a Atualização do Programa
de Transição, 1980). Outra que se desprende da primeira advoga que “enquanto o
proletariado não superar sua crise de direção revolucionária, não conseguirá
derrotar o imperialismo mundial e, em conseqüência, todas as lutas estarão
pontilhadas de vitórias que inevitavelmente conduzirão a derrotas
catastróficas” (idem).
Os Morenistas não se contentam com a restauração na URSS e
no Leste europeu e declaram criminosamente que “continua o combate pela
derrubada dos regimes totalitários na China, Albânia, Coréia do Norte, Vietnã e
Cuba (independentemente da forma que tome a revolução política em cada um
deles), em todos os quais já começou a contagem regressiva” (Correio
Internacional, julho de 1990). Nada mais sórdido e criminoso, defendem a
derrubada dos regimes burocráticos, inclusive, em favor da possibilidade mais
factível que, pela ausência de um genuíno partido revolucionário, assumissem no
seu lugar regimes capitalistas (a ditadura da burguesia) ávidos por liquidar
com as condições de vida das massas. Mas, como se não bastasse tamanha manifestação
de antidefensismo, reivindicam esta via contrarrevolucionária,
“independentemente” da forma truculenta que venham assumir os novos regimes
totalitários, que lançarão mão de todos os expedientes (terror das máfias,
guerras fratricidas, privatizações, demissões em massa, etc.) para
reconquistarem o espaço expropriado dos capitalistas há várias décadas. Na
verdade, ao contrário dos verdadeiros trotskistas que se colocam
incondicionalmente em defesa dos Estados operários, os Morenistas estão incondicionalmente
pela restauração capitalista, ou seja, contra os Estados operários ainda
existentes, como Cuba e Coréia do Norte.
Moreno assentou as bases para que os distintos herdeiros ,
" oficiais e oficiosos" , de sua corrente internacional viessem a
saudar a restauração capitalista no Leste europeu como grandes revoluções
democráticas e que a partir de então era a vez do morenismo crescer no mundo
todo. Poucos anos depois destes prognósticos exitistas feitos durante os
processos contrarrevolucionários de 89 a 91 era a própria internacional
morenista que reconhecia sua disfunção: “Muitos camaradas se perguntam se a LIT
já acabou ou está preste a acabar. Uma única opinião é unânime no conjunto da
LIT: estamos em meio a uma crise monumental” (LST-BDI, “Rapport sur la crise de
la LIT, la situation actualle et nos tâches”, 28/07/1993). Em 2006, depois da
internacional morenista anunciar aos quatro ventos sua recuperação, sai da LIT
o MST boliviano assim como o POS mexicano. A então seção mexicana alertava para
o fato de que os documentos internos de discussão do pré-Congresso do PSTU
“evidenciam que estamos diante de uma situação de extrema gravidade. Não
unicamente no partido brasileiro, mas no conjunto da internacional” (POS,
Nacional-trotskismo, burocratismo y menchevismo pueden destruir al PSTU y a la
LIT, 02/07/2006). Após seu “coma” na década de 1990, hoje a LIT está reduzida
ao PSTU brasileiro e seus satélites, uma dúzia de pequenos grupos ou núcleo de
militantes carentes de imprensa partidária, que mantém relações políticas
irregulares entre si. A incorporação de um grupo de militantes italianos,
oriundos de um racha da organização política que participava da federação
menchevique internacional impulsionada pelo PO argentino, é a “grande
conquista” da LIT depois de vários anos.
Como prognosticava Trotsky em seu “Em defesa do Marxismo”,
conjunto de documentos defensistas “malditos” que foram jogados no esquecimento
pelo autoproclamado movimento trotskista, uma atitude falsa, errônea acerca do
primeiro Estado operário do planeta, a mais rica experiência da luta pelo poder
pelo proletariado, ameaçava com a existência de todo o partido, pois aqueles
que são incapazes de defender as posições já alcançadas, nunca conquistarão
outras novas.
Sob a experiência de varias batalhas no interior da IV
Internacional acerca desta questão, J. P. Cannon, dirigente do SWP dos EUA, fez
o seguinte depoimento: “como assinalei na conferência anterior [maio de 1929],
já desde 1917 se demonstrou mais e mais que a questão russa é a pedra de toque
para toda corrente do movimento operário. Aqueles que tomam uma posição
incorreta sobre a questão russa deixam o campo revolucionário cedo ou tarde. A
questão russa tem sido debatida inumeráveis vezes em artigos, folhetos e
livros. Mas a cada guinada importante dos fatos ela vem à tona de novo. Ainda
em 1939 e 1940, tivemos que lutar novamente sobre a questão russa com uma
corrente pequeno-burguesa em nosso próprio movimento” (A história do trotskismo
norte-americano, V Conferência: Os dias de cão da Oposição de Esquerda,
03/1944).
A revolução russa é a pedra de toque de toda corrente do
movimento operário, porque a partir dela se abriu uma nova era para a
humanidade, provou que é possível, não apenas por algumas semanas como foi a
Comuna de Paris, mas por anos, que o proletariado conquiste em mantenha em suas
mãos o poder estatal. E mais do que isto, faça-o de forma consciente, enquanto
classe para si, como haviam prognosticado Marx e Engels, através de seu partido
comunista revolucionário e internacionalista. Independente da degeneração
stalinista posterior, que só ocorreu como subproduto da revolução russa não ter
se repetido mundo afora, foi provado. É possível! Então quando a burguesia
mundial aproveita-se do trabalho nefasto realizado por décadas pelo stalinismo
e toma de volta o terreno que o proletariado havia lhe expropriado – em nome
daqueles que “teriam que resistir até a última das trincheiras” na defesa da
URSS, como diria Trotsky – os pseudotrotskistas aplaudiram como revoluções políticas
(que na concepção de Trotsky é sinônimo de revolução antiburocrática
socialista, soviética) a privatização dos Estados operários. Com esta posição
os pseudotrotskistas atravessassem o rubicão como a seu momento fizera a fração
antidefensistas do SWP encabeçada por Shachtman e Burnham. O fato dos
shachtmanistas modernos fazerem coro mimetizando os gritos de vitória do grande
capital imperialista, da socialdemocracia, do Vaticano e de toda a reação
mundial mostra a que vileza e a que distância chegaram os epígonos de Trotsky
de sua ideias mais elementares. “Toda tendência política que, desesperançada,
diz adeus à URSS, sob o pretexto de seu caráter ‘não proletário’, corre o risco
de transformar-se em um instrumento passivo do imperialismo. Evidentemente nossa
tendência não exclui a trágica possibilidade de que o primeiro Estado operário,
debilitado por sua burocracia, venha a cair sob os golpes mancomunados de seus
inimigos internos e externos. Mas, se isto ocorrer, a pior das variantes
possíveis, adquirirá enorme importância para o curso posterior da luta
revolucionária, pergunta QUEM seriam os culpados da catástrofe. Sobre os
internacionalistas revolucionários não deve cair nem uma sombra de culpa. Na
hora do perigo mortal, terão de resistir até a última das trincheiras” (A
natureza de classe da URSS, 1933).
No século XXI, a esclerose teórica destas direções
cristalizou-se, convertendo-se em um obstáculo intransponível para que os
dirigentes pudessem sequer verificar as razões da crise que devastou suas organizações,
então no curso de seu raciocínio pularem de uma questão a outra para fugir de
um balanço verdadeiro. Em 2005, no VIII Congresso da LIT, foram elaborados,
finalmente, os documentos de “reavaliação das Teses de 90”. Mas longe de
revisar suas posições hediondas, a LIT reafirmou de maneira cretina que “a
partir do ano de 1989, se abriu uma nova etapa revolucionária, a quarta, que se
origina em um dos maiores triunfos da história da luta de classes: a derrota do
aparato contra-revolucionário stalinista” (Resoluções do VIII Congresso Mundial
da LIT, julho/2005). O que se fez foi aprofundar os erros ao extremo ao ponto
de argumentar que o processo que levou a destruição dos Estados operários do
Leste europeu e da URSS representaria a terceira maior vitória histórica dos
trabalhadores no século XX, ao lado da própria construção da URSS e da derrota
do nazi-fascismo durante a Segunda Guerra Mundial, também realizada pelo
proletariado da URSS!!!
Transformando suas vergonhosas autojustificações em teorias
a direção da LIT recorre ao artifício “teórico” de reescrever a história
argumentando que o capitalismo já havia sido restaurado na URSS, por Gorbachev,
em 1986, e que, portanto, o alvo da “revolução política de 90”, saudada
euforicamente pela LIT, seria o capitalismo já restaurado. Um truque pueril que
parece ter sido aprendido da escola de falsificação stalinista da história da
URSS. Resolvem, então, o problema por decreto: “A partir de fevereiro-março de
1986, a ex-URSS não é mais um Estado operário burocratizado, e sim um Estado
burguês” (Quando o Estado soviético passou a ser capitalista, sítio do PSTU,
01/09/2005). Apesar de Gorbachev ter tomado medidas de mercado para oxigenar a
economia soviética planificada burocraticamente e em crise, medidas estas que
sob a política desastrosa da camarilha stalinista favoreceram a pressão
imperialista sobre a URSS, porque estavam subordinadas à política de
“coexistência pacífica” e nada tinham em comum com a NEP leninista, essa
orientação não alterou o caráter de classe da URSS. Retrospectivamente os
“espertos” dirigentes Morenistas acreditam que podem criar uma cortina de
fumaça em torno de sua culpa, dizendo “adeus a URSS” mais cedo (cinco anos
antes). Usam como álibi o argumento de que na época em que eles são acusados de
saudaram o assassinato do Estado operário “ele já estava morto mesmo”. Assim,
acreditam livrar a cara de sua corrente pela cumplicidade na destruição
contrarrevolucionária da URSS, uma vez que o crime adquiria menor importância.
Uma vez declarando que a restauração capitalista já ocorreu
também em Cuba, a LIT lava suas mãos para a defesa das conquistas
revolucionárias (ainda que já bastante descaracterizadas elas continuam
existindo) da ilha e torna-se despudoradamente “um instrumento passivo do
imperialismo” como diria Trotsky. Não contente com toda destruição causada pela
restauração capitalista na URSS e no Leste europeu, com uma fraseologia
democratizante e anticomunista a LIT lembra que
“Existem diferenças entre o resto [URSS e Leste Europeu] e China e Cuba,
já que nestes países as massas não derrubaram ainda os regimes de partido único
nem destruíram os respectivos partidos comunistas” (Resoluções do VIII
Congresso Mundial da LIT, julho/2005). Sua revista “teórica”, Marxismo Vivo nº
14, incorpora definitivamente ao seu programa a plataforma
contrarrevolucionária burguesa para Cuba, substituindo por completo as tarefas
da revolução política pela defesa da democracia burguesa contra a ditadura do
partido único. Esta organização pequeno-burguesa reconhece abertamente que este
é o programa da grande burguesia mundial, constatando que a política do
imperialismo para Cuba “é pressionar para que sejam legalizados os partidos
políticos e o processo sucessório de Fidel seja decidido nas urnas” (Marxismo
Vivo nº14, 2006).
Longe de sonhar com uma “revolução democrática” que
mascarasse a restauração capitalista, Trotsky advertiu uma e outra vez sobre os
perigos de confundir as bandeiras da oposição antiburocrática operária à
oposição restauracionista. Assim, por exemplo, se opôs explicitamente à palavra
de ordem de “Abaixo Stalin” nos anos 30. “É verdade que a consigna ‘Abaixo
Stalin’ no partido como no exterior está cada vez mais popular... Não obstante,
acreditamos que este ‘slogan’ é falso. Alguém pode ver uma vantagem nesta
consigna, mas ao mesmo tempo, indubitavelmente, seu perigo. Assumir uma
camuflagem e dissolver-se politicamente no descontentamento geral com o regime
stalinista é algo que nós não podemos fazer, nem devemos fazer nem faremos”
(Abaixo Stalin não é nossa consigna, Escritos, março/1933). Para concluir este
ponto queremos destacar a posição de Trotsky sobre a Ucrânia: “Os nacionalistas
ucranianos consideram correta a consigna de uma Ucrânia independente. Mas se
opõem a relacionar esta consigna com a revolução proletária. Querem uma Ucrânia
independente democrática e não soviética. (...) A consigna de uma Ucrânia
democrática está historicamente ultrapassada. Sua única função é consolar os
intelectuais burgueses” (La independencia de Ucrania y el confusionismo
sectario, 30/07/1939).
Reconhecer a importância devida às consignas democráticas
nada tem a ver com fazer da democracia burguesa o eixo estrutural do programa
do partido. Esta delimitação adquire ainda maior relevância quando se trata de
lutar pelas consignas democráticas em Estados de natureza de classe distintas
como são os Estados operários e os Estados capitalistas. Diante de um Estado
operário burocratizado os marxistas revolucionários não defendem retroceder em
direção à democracia burguesa, ou seja, não acreditam que em face à
burocratização da ditadura do proletariado a saída esteja em retomar a ditadura
da burguesia. Defendem sim o avanço em direção à democracia dos conselhos
revolucionários. Por esta razão o Programa de Transição não defende a volta à
democracia burguesa e a legalização de todos os partidos de uma maneira geral,
mas unicamente defende a democracia soviética, a legalização dos partidos
soviéticos e o conjunto das liberdades que os conselhos populares decidirem. “A
Plataforma da Oposição de Esquerda não contempla, naturalmente, uma democracia
absoluta e auto-suficiente, acima da realidade política e social. Necessitamos
da democracia para a ditadura do proletariado e dentro dos marcos desta
ditadura” (Es necesario concertar un acuerdo intrapartidario honesto,
30/3/1933).
Na ausência de uma seção da IV Internacional no interior dos
Estados operários burocratizados do Leste europeu com a firmeza dos trotskistas
de Vorkuta (campo de concentração stalinista) – fato que aponta que o pablismo
de todos os epígonos de Trotsky postergou-se muito além da influência de Pablo
– o vazio deixado pelo marxismo revolucionário foi ocupado pelo programa da
democracia burguesa patrocinada pelo imperialismo. Não havia uma terceira via,
somente trotskistas defensistas ou restauracionistas pró-imperialistas. No meio
as massas proletárias atomizadas, identificando falsamente as idéias do
marxismo com a de seus algozes stalinistas, sem qualquer referência genuína do
marxismo e confundidas por agentes restauracionistas, dentre os quais, não
poucos agentes do aparato estatal stalinista. Assim, até o fim da URSS
continuaram vigentes as advertências de Trotsky contra os perigos de confundir
o programa da luta pela democracia soviética com o da democracia burguesa. O
mesmo vale para Cuba. Para eximir-se da tarefa de montar um núcleo trotskista
defensista e organizador da revolução política na Ilha, os Morenistas já
jogaram foram a criança com a água da bacia decretando que a restauração
capitalista já se completou e que nada mais há que defender como conquista
operária. Os Morenistas sustentam que em Cuba já não existem mais as bases do
Estado Operário, sufocadas pela falta de liberdades e pela restauração
capitalista, vejamos o que disse o grupo MAIS recentemente: "Reivindicamos
a revolução cubana e o que representou o processo revolucionário para o povo
cubano e latino-americano, ao mesmo tempo, que somos opositores da Burocracia castrista
e o seu curso de restauração do capitalismo em Cuba e a falta de liberdades
democráticas na ilha", para logo depois fecharem a sentença de óbito:
"Aos poucos foi caindo a planificação da economia, o monopólio do comércio
exterior e a propriedade estatal dos meios de produção." (site do MAIS).
Neoliberais e Morenistas tem em comum a caracterização de que em Cuba vige hoje
as leis de mercado, formatadas por um regime político autoritário, como o de
Putin na Rússia. Não se trata aqui de debater a trajetória
contrarrevolucionária do Castrismo, que entre tantas "pérolas" detém
o "feito" de ter condecorado em Havana o assassino de Trotsky, Ramon
Mercader, ou mesmo recordar o boicote político e material feito contra seu
camarada Che Guevara na guerrilha da Bolívia. Esta é a própria natureza da
burocracia stalinista, defender as bases socializadas da economia, ao mesmo
tempo em que impulsiona sua plataforma de colaboração de classes em nível
mundial. Porém pretendemos esclarecer o atual caráter do regime social em Cuba,
que nada tem a ver com o "modelo" russo ou mesmo chinês. Neste
sentido é completamente incorreto atribuir a morte de Fidel com o "fim do
ciclo", pelo simples fato de que em Cuba permanecem até hoje os mesmos
mecanismos econômicos elementares que foram instaurados logo no início dos anos
60. É certo que a política do Castrismo "flexibilizou" muitos pontos,
realizando tardiamente uma "NEP" em direção a pequenas atividades
comerciais e de serviços, que podem ser exploradas por empreendedores
individuais. Com o fim da parceria comercial com a URSS também houve a
necessidade de abrir setores da economia para monopólios internacionais, como o
turismo por exemplo. Entretanto mais de 70% do PIB cubano continua sob o rígido
controle do Estado Operário, o que permitiu manter as conquistas sociais
fundamentais da revolução de 59, ao contrário do que ocorreu na Rússia.
Consiste em um completo equívoco teórico asseverar que em Cuba não existe a
planificação central da economia, tomando apenas como base apenas a abertura em
alguns segmentos onde o Estado não possuía capacidade de investimento. Os
principais meios de produção, industriais e agrários do país não estão nas mãos
de grupos capitalistas em Cuba, e este é motivo fulcral para que o Congresso
Norte-Americano não retire o embargo comercial imposto à ilha, apesar dos
"apelos" feitos por Obama. O regime stalinista se mantém de pé e com
ele as conquistas da revolução cubana sobrevivem apesar do brutal cerco
imperialista, esta constatação elementar não significa afirmar que as pressões
políticas pela restauração capitalista não tenham se avolumado no marco da
aproximação do Estado com monopólios internacionais. O fim da URSS e a
posterior crise da Venezuela, iniciada com a morte de Chavez, impuseram um
freio nos dois períodos de expansão econômica vívidos em Cuba, ou seja, anos 70
e início do século XXI. A situação de recessão mundial detonada com o crash
financeiro de 2008 (queda das exportações), obrigou a burocracia Castrista a
renegociar novas áreas de "livre comércio" no país, as tendências
políticas em favor da introdução de instituições da democracia burguesa na Ilha
Operária cresceram na mesma proporção da crise econômica. Portanto seria um
crime histórico para os genuínos Trotskistas darem como perdida (ou abandonarem)
a luta para se manter vivas para o povo cubano as imensas conquistas da
revolução, ao contrário daqueles que "cantam loas" para comemorar o
"fim do ciclo" dos Estados Operários.
Passados 32 anos da morte de Moreno podemos afirmar que seu
“legado teórico” baseado na deformação completa do Marxismo Revolucionário e do
próprio Trotsquismo vem liquidando a própria corrente Morenista a nível
mundial, totalmente adaptada à democracia burguesa e ao imperialismo. Todos os
grupos filiados a LIT e seus “simpatizantes” permanecem no terreno
antidefensista, quando a questão envolve os Estados Operários sobreviventes,
isto sem falar é claro da vergonhosa posição política que sustentaram no calor
dos fatos da luta de classes no final dos 80 e início dos anos 90. Não
acreditamos em uma suposta autocrítica do MAIS, por exemplo, com relação à
política da LIT com relação a restauração capitalista da URSS, que nunca foi
esboçada em relação ao apoio incondicional emprestado aos furiosos militantes
da direita imperialista que “sacaram” suas picaretas para derrubarem o Muro de
Berlim e agora repetiram mais recentemente na Ucrânia. Aliás “Muro” este que
passaram décadas repetindo como papagaios da furibunda reação capitalista que
se tratava da “vergonha” mundial da esquerda stalinista. A Resistência não é
uma ruptura de “esquerda”, estão ideologicamente à direita do PSTU e no mesmo
prumo "teórico" pró-imperialista do Morenismo, em resumo toda
“família” revisionista 32 anos após a morte de Nahuel Moreno caminha rumo à
direita, ou seja, no terreno político ou no campo ideológico. A profunda
identidade que os une a social-democracia de “esquerda” como o PSOL no Brasil é
a prova cabal do que afirmamos... O próprio Moreno deve está se revirando no
túmulo com a acentuada degeneração de seus “herdeiros políticos” que colocam em
risco a própria existência da corrente internacional que ele fundou!