segunda-feira, 5 de agosto de 2024

PRIMEIRA-MINISTRA DE BANGLADESH ALINHADA A ÍNDIA RENUNCIA: MAIS UMA “REVOLUÇÃO COLORIDA”? 

A primeira-ministra do Bangladesh, Sheikh Hasina, renunciou nesta segunda-feira (05/08) e saiu do país, depois de massivos protestos.  O chefe do Exército, general Waker-Us-Zaman, confirmou num discurso televisivo que Hasina tinha deixado o país e anunciou a formação de um Governo interino. “Será formado um Governo provisório e através deste Governo serão realizadas todas as atividades do país". Ele apelou ao fim da violência e disse que a formação do Executivo provisório será agora discutida com o Presidente, Shahabuddin Chuppu. Acrescentou que “os assassinos” e os responsáveis pelas “injustiças” cometidas contra os estudantes durante os protestos serão levados à justiça. "Por favor, continuem a confiar no exército. Assumo toda a responsabilidade por salvar as vidas e as propriedades", concluiu o general. A então primeira-ministra deixou o país num helicóptero militar com a irmã e que se dirigiu para o Estado de Bengala Ocidental, no leste da Índia, do outro lado da fronteira. Bangladesh ocupa uma posição estratégica entre Mianmar, um antigo aliado chinês, agora devastado por conflitos internos, e a Índia, o gigante asiático com o qual a China tem um antigo conflito de fronteira.

A seguir ao anúncio, as televisões mostraram milhares de pessoas a sair para as ruas da capital, Dhaka, em júbilo e a gritar palavras de ordem. Milhares invadiram também a residência oficial de Hasina, ‘Ganabhaban’, com palavras contra ela e os punhos em alto em sinal de vitória. Apesar do recolher obrigatório em vigor, ativistas estudantis tinham convocado para hoje uma marcha até à capital para pressionar Hasina a demitir-se, um dia depois de confrontos mortais em todo o país terem feito quase 100 mortos.

Na segunda-feira, pelo menos seis pessoas foram mortas em confrontos entre a polícia e manifestantes nas áreas de Jatrabari e Dhaka Medical College na segunda-feira, informou o jornal Daily Star. Os protestos começaram no mês passado, depois de grupos de estudantes terem exigido o fim de um polêmico sistema de quotas em cargos públicos. A repressão da polícia potenciou os pedidos de demissão da Chefe do Governo.

Antes dos manifestantes invadirem o complexo, o filho de Hasina instou as forças de segurança do país a bloquear qualquer tomada de poder. “O seu dever é manter o nosso povo e o nosso país seguros e defender a Constituição”, disse Sajeeb Wazed Joy, residente nos Estados Unidos, numa mensagem publicada online. “Isso significa que você não deve permitir que nenhum governo não eleito chegue ao poder nem por um minuto, é seu dever”, acrescentou.

O principal fator dos protestos que estão atingindo o Bangladesh é o envolvimento encoberto dos Estados Unidos que, assim, se livraram de uma figura não diretamente alinhada a Casa Braca na região, afirmou o marechal aposentado indiano Muthumanikam Matheswaran. "Acho que o principal fator foi o fato de os EUA considerarem Hasina muito próxima da China, ignorando a sua amizade com a Índia. Mas Hasina era vista como uma política independente. Os EUA atingiram seu objetivo ao tirá-la do poder", disse Matheswaran em uma entrevista à Sputnik.

Segundo o marechal, os Estados Unidos podem desestabilizar qualquer país se isso for do seu interesse. Nesse caso, os EUA aproveitaram os protestos estudantis para derrubar um governo democraticamente eleito, apoiando os islamitas radicais. "Quando se trata de seus interesses, não se importam com nenhum parceiro estratégico ou aliado, o que já vimos muitas vezes na história. Buscam uma situação em que possam aproveitar a instabilidade da região para suas necessidades estratégicas", explicou. O militar lembrou também o destino de Mianmar que, segundo ele, já foi desestabilizado. Matheswaran avisou que "agora é a vez de Bangladesh".

A revolta não tem precedentes na história recente de Bangladesh. Durante uma década, todos os movimentos de protesto pararam rapidamente com o primeiro destacamento da polícia de choque. Desta vez, depois dos primeiros ataques às universidades na segunda-feira, os estudantes voltaram às ruas em números ainda maiores. Querem um sistema aberto de acesso a empregos públicos, cobiçado num país onde o desemprego juvenil é muito elevado. A partir de agora já não se trata apenas de quotas. Os manifestantes opõem-se ao uso brutal da força pela polícia. Os alunos anunciaram que não vão permitir que seus colegas morram à toa.

Um porta-voz dos Estudantes Contra a Discriminação, o principal grupo organizador dos protestos, disse que dois dos seus líderes foram presos ontem. Um líder do Partido Nacionalista do Bangladesh, o principal partido da oposição, também foi preso esta manhã.

Os tiroteios policiais são a causa de mais de metade das mortes registadas desde o início desta semana, segundo fontes hospitalares. O governo cortou a ligação à Internet, uma medida que continua em vigor, dificultando gravemente as comunicações dentro e fora do Bangladesh. Os sites públicos permanecem inacessíveis e os principais jornais, incluindo o Dhaka Tribune e o Daily Star, não conseguem atualizar os seus perfis nas redes sociais desde quinta-feira. A Bangladesh Television, a emissora pública, também permanece off-line depois que os manifestantes incendiaram sua sede em Dhaka no mesmo dia.

Desde o início de julho, as manifestações têm sido quase diárias. Seu objetivo era alcançar o fim das cotas de contratação no serviço público. As cotas reservam mais da metade dos cargos para grupos privilegiados. A discriminação beneficia grupos pró-governo que apoiam a primeira-ministra Sheikh Hasina, que venceu as suas quartas eleições consecutivas em Janeiro, após uma votação sem oposição real.

Na preparação para as eleições gerais no início deste ano, os EUA emitiram declarações pedindo uma eleição livre e justa e impuseram sanções a vários funcionários do governo de Bangladesh por violações de direitos humanos e corrupção. Hasina também reafirmou a posição de Bangladesh sobre Taiwan. “Bangladesh defende firmemente o princípio de uma só China e apoia a posição da China sobre Taiwan”, disse ela.

A relação política congelada entre a primeira-ministra Hasina e os EUA ficou claramente visível quando o Departamento de Estado dos EUA, em 22 de julho, apelou ao governo da Liga Awami para "defender o direito ao protesto pacífico", com o porta-voz Mathew Miller dizendo: "Condenamos qualquer violência contra manifestantes pacíficos".

A retórica belicosa das autoridades norte-americanas faz alusão recorrente à suposta “ilegitimidade” dos governos do Irã, Venezuela, Síria, Coreia do Norte, Mianmar, Bangladesh, Nicarágua e até da Rússia. Muitos especialistas consideram as ações das forças especiais dos EUA durante as "revoluções coloridas" como uma das ferramentas com as quais os Estados Unidos expandem suas esferas de influência política e atingem seus objetivos econômicos.