domingo, 5 de maio de 2019

05 DE MAIO DE 1818, NASCIA KARL MARX: A PRINCIPAL REFERÊNCIA TEÓRICA DO PROLETARIADO MUNDIAL


Em homenagem ao nascimento do maior mestre do proletariado mundial, Karl Marx, este artigo procura reconstruir "modestamente" os estudos de economia política que nosso cânone revolucionário realizou em Paris, Manchester e Bruxelas entre 1843 e 1847 e que culminaram na publicação de "A miséria da filosofia", considerando historicamente o destino político e pessoal de Marx durante as revoluções de 1848 e o primeiro período de seu posterior exílio em Londres.Também nessa época, ele consolidou sua convicção de que uma nova revolução social só poderia surgir a partir de uma crise econômica mundial. Entretanto a economia política não foi a primeira paixão intelectual de Marx, tratava-se de uma disciplina que acabava de surgir na Alemanha de sua juventude e seu interesse por ela só apareceu depois de diversos outros assuntos. Nascido em Trier em 1818, numa família de origem judaica, Marx iniciou sua vida acadêmica em 1835 estudando direito nas universidades de Bonn e Berlim. Em seguida, interessou-se pela filosofia (particularmente pelo hegelianismo dominante na época) e acabou se graduando na Universidade de Jena em 1841, com a tese "A diferença entre as filosofias Demócrita e Epicurea da Natureza". Ele decidiu, então, iniciar uma carreira acadêmica, mas a filosofia de Georg Wilhelm Friedrich Hegel deixou de ter apoio oficial quando Friedrich Wilhelm IV subiu ao trono na Prússia e Marx, tendo sido membro da Juventude Hegeliana, teve de mudar de planos. Entre 1842 e 1843 ele se dedicou ao jornalismo, cobrindo assuntos contemporâneos, e trabalhou para o "Rheinische Zeitung", o diário da cidade de Colônia (Alemanha) do qual ele logo se tornou o jovem editor chefe. Entretanto, pouco após ter aceitado o posto e começado a publicar seus próprios artigos sobre questões econômicas, embora apenas em seus aspectos legais e políticos a censura atacou o jornal e o obrigou a pôr fim na experiência, “retirando-se do palco público para os estudos”. Ele então prosseguiu com seus estudos sobre o Estado e as relações legais (áreas nas quais Hegel era uma autoridade reconhecida) e em 1843 escreveu o manuscrito que foi postumamente publicado como "Crítica da filosofia do direito de Hegel", no qual desenvolveu a convicção de que a sociedade civil formava a base real do regime político, apresentando suas primeiras reflexões sobre a importância dos fatores econômicos na formação da totalidade das relações sociais. Marx iniciou então um “estudo crítico rigoroso da economia política”, apenas depois de se mudar para Paris. A partir desse momento, suas reflexões, que haviam sido basicamente de uma natureza filosófica, histórica e política, se voltaram para a nova disciplina que constituiria o cerne de sua pesquisa futura. De fato, na universidade Marx havia adquirido o hábito de compilar resumos de obras, frequentemente acompanhados por reflexões que elas lhe sugeriam. Os chamados "Manuscritos de Paris" são especialmente interessantes. Ao mesmo tempo em que fazia esses estudos, Marx fez anotações em três cadernos que seriam publicados postumamente como "Manuscritos econômico-filosóficos de 1844", no qual ele dá atenção especial ao conceito de trabalho alienado. Em direção oposta dos principais economistas e do próprio Hegel, Marx viu esse fenômeno por meio do qual a produção do trabalhador se opõe a ele como “algo estranho, como um poder independente do produtor” e não como uma condição natural ou imutável, mas como característica de uma estrutura específica de relações sociais: O modo capitalista de produção e o trabalho assalariado. Algumas das pessoas que visitaram Marx nesse período dão testemunho da intensidade do seu ritmo de trabalho. O jornalista radical Heinrich Bürgers escreve no final de 1844: “Marx iniciou investigações profundas no campo da economia política com um projeto de escrever uma obra crítica que iria refundar a ciência econômica”. Entusiasmado com a esperança de um levante social iminente, Friedrich Engels, que conheceu Marx em Paris no verão de 1844 iniciando com ele uma relação de amizade e uma solidariedade teórico-política que duraria pelo resto de suas vidas, insistiu na primeira carta de uma correspondência que duraria quarenta anos, que Marx publicasse seus textos econômicos o mais rápido possível: “Tome providências para que o material que você coletou seja publicado logo. Já está mais do que na hora!” (Engels a Marx, início de outubro de 1844). Mas o sentimento de inadequação que Marx tinha em relação ao seu conhecimento o impediu de completar e publicar seus manuscritos. Entretanto, ele escreveu com Engels "A sagrada família", uma tirada polêmica contra Bauer e outras figuras do movimento da esquerda hegeliana do qual Marx havia se afastado em 1842. Tendo publicado esse trabalho, Engels lhe escreveu novamente no início de 1845, insistindo para que o amigo completasse o trabalho em preparação. Mas a insistência foi inútil. Marx ainda sentia a necessidade de continuar seus estudos antes de dar forma final aos rascunhos que havia escrito. De qualquer modo, ele estava certo de que logo poderia publicar e no dia 1o de fevereiro de 1845 , depois de ter sido expulso da França por ter colaborado com o "Vorwärts!", um jornal publicado em alemão por trabalhadores, ele assinou um contrato com o editor Karl Wilhelm, da Darmstadt, para a veiculação de um trabalho em dois volumes a ser intitulado “Crítica da política e da economia política”. Em fevereiro de 1845 Marx se mudou para Bruxelas, onde conseguiu permissão para fixar residência desde que “não publicasse nada sobre a situação política atual”. Ele permaneceu ali até março de 1848 com sua esposa Jenny von Westphalen e sua primeira filha, Jenny, nascida em Paris em 1844. Durante esses três anos, especialmente em 1845, ele progrediu de modo frutífero em seus estudos de economia política. Em março de 1845 Marx iniciou o trabalho em uma crítica, que nunca chegou a completar, do livro do economista alemão Friedrich List sobre “o sistema nacional de economia política”. Ao mesmo tempo, Marx aprofundou-se em questões associadas à maquinaria e à indústria de larga escala. Já em Manchester, Marx examinou a vasta literatura em inglês sobre economia, uma tarefa essencial para o livro que tinha em mente. Compilou nove cadernos de citações, os "Cadernos de Manchester", nos quais novamente as principais referências eram de manuais de economia política e livros sobre a história da economia. Ainda na capital belga, além dos estudos sobre economia, Marx trabalhou em outro projeto que considerou necessário diante das circunstâncias políticas. Em novembro de 1845 ele teve a ideia de escrever com Engels, Joseph Weydemeyer e Moses Hess uma “crítica da moderna filosofia alemã como exposta por seus representantes, Feuerbach, Bruno Bauer e Stirner, assim como do socialismo alemão como exposto por seus diversos profetas”. O texto final, foi publicado postumamente com o título de "A ideologia alemã". Para rastrear o progresso da “Economia” em 1846, é novamente necessário analisar as cartas de Marx a Leske. Em agosto ele informou ao editor que “o manuscrito do primeiro volume” já estava praticamente pronto “há muito tempo”, mas que ele não “queria publicá-lo sem uma nova revisão, tanto na questão do conteúdo quanto do estilo”. Ele continua: “É claro que um escritor que trabalha sem parar não pode, no final de seis meses, publicar exatamente aquilo que escreveu seis meses antes”. Entretanto, Marx procuraria concluir o livro no futuro próximo: “A versão revisada do primeiro volume estará pronta para publicação no final de novembro. O segundo volume, de natureza mais histórica, virá logo depois”. Mas esses relatos não correspondiam ao estado real de seu trabalho, já que nenhum de seus manuscritos poderia ter sido descrito como “praticamente pronto” na medida em que o editor ainda não havia recebido nem sequer o primeiro esboço no início de 1847, decidindo assim anular o contrato. Esses atrasos constantes não deveriam ser atribuídos a qualquer tipo de descuido da parte de Marx. Ele nunca abandonou a atividade política nesses anos e na primavera de 1846 promoveu o trabalho do “Comitê de Correspondência Comunista”, cuja missão era organizar uma aliança entre as várias ligas de trabalhadores na Europa. Entretanto, o trabalho teórico sempre foi sua prioridade, como testemunham as pessoas que o visitavam regularmente nesse período. Suas notas de trabalho e seus escritos publicados fornecem provas adicionais de sua diligência. Entre o outono de 1846 e setembro de 1847 ele completou três grandes cadernos com citações, em geral relacionadas à história da economia. Em dezembro de 1864, depois de ter lido o "Système des contradictions économique ou Philosophie de la misère", de Pierre-Joseph Proudhon, que ele achou “muito fraco”, Marx decidiu escrever uma crítica diretamente em francês, para que seu oponente, que não lia em alemão, fosse capaz de entendê-lo. O texto ficou pronto em abril de 1847 e publicado em julho com o título de "Misère de la philosophie: Réponse à la Philosophie de la misère de M. Proudhon". Tratava-se do primeiro escrito publicado por Marx sobre economia política, que expunha suas ideias sobre a teoria do valor, a abordagem metodológica apropriada para uma compreensão da realidade social e o caráter historicamente transitório dos modos de produção. Enquanto os conflitos sociais se intensificavam na segunda metade de 1847, as atividades políticas exigiam mais tempo de Marx. Em junho, a Liga Comunista, uma associação de trabalhadores e artesãos alemães com filiais internacionais, foi fundada em Londres; em agosto, Marx e Engels estabeleceram uma Associação de Trabalhadores Alemães em Bruxelas; e, em novembro, Marx se tornou vice-presidente da Associação Democrática de Bruxelas, que se dividia entre uma ala revolucionária e uma parte democrática mais moderada. No final de 1847, a Liga Comunista deu a Marx e a Engels a tarefa de escrever um programa político. Pouco tempo depois, em fevereiro de 1848, esse texto foi publicado com o título de "Manifesto do Partido Comunista". Suas palavras iniciais: “Um espectro ronda a Europa, o espectro do comunismo”, estavam destinadas a marcar o verdadeiro temor de classe da burguesia em relação à revolução socialista.

A publicação do "Manifesto Comunista" não poderia ter sido mais apropriada. Logo em seguida, um movimento revolucionário de abrangência e intensidade sem precedentes lançou a ordem política e social do continente europeu numa crise. Os governos estabelecidos tomaram todas as contramedidas possíveis para pôr fim às insurreições e em março de 1848 Marx foi expulso da Bélgica para a França, onde uma república acabara de ser proclamada. Naturalmente, ele deixou de lado seus estudos de economia política e intensificou suas atividades jornalísticas em prol da revolução, ajudando a pensar num rumo político socialista. Em abril de 1849 ele publicou uma série de editoriais sobre a crítica da economia política, pois acreditava que a hora havia chegado, em que “era preciso lidar mais diretamente com as próprias relações sobre as quais a existência da burguesia e sua ordem, assim como a escravidão dos trabalhadores, se fundam”. Cinco artigos baseados em palestras que ele havia proferido em dezembro de 1847 para a Associação de Trabalhadores Alemães em Bruxelas apareceram com o título "Trabalho assalariado e capital", em que Marx apresentava ao público, de modo mais extenso do que no passado e na linguagem mais compreensível possível para os trabalhadores, sua concepção dos modos por meio dos quais o trabalho assalariado era explorado pelo capital. Entretanto, o movimento revolucionário que surgiu em toda a Europa em 1848 foi derrotado num curto espaço de tempo. Entre as razões para a vitória do lado autoritário e conservador estavam a recuperação da economia, a debilidade da classe trabalhadora – que em alguns países mal podia contar com uma estrutura organizacional, e a retirada do apoio das classes médias às reformas, que se aproximaram da aristocracia para impedir o movimento em direção a um radicalismo excessivo. Tudo isso permitiu que as forças políticas reacionárias retomassem um controle firme sobre as rédeas do governo. Após um período de intensa atividade política, em maio de 1848, Marx recebeu uma ordem de expulsão da Prússia e voltou à França. Mas, quando a revolução foi derrotada em Paris, as autoridades ordenaram que ele se mudasse para Morbihan, então uma região desolada e infestada de malária da Bretanha. Diante desse “atentado velado contra minha vida”, ele decidiu abandonar a França e ir para Londres, onde acreditava existir “condições positivas para começar um jornal em alemão”. Marx permaneceria na Inglaterra como exilado pelo resto da vida, mas a reação europeia não poderia tê-lo isolado num lugar melhor para que escrevesse sua crítica da economia política. Na época, Londres era o mais importante centro econômico e financeiro do mundo, o “demiurgo do cosmos burguês”. Marx chegou à Inglaterra no verão de 1849, aos 31 anos. Sua vida na capital inglesa estava longe de ser tranquila. Sua família, que contava com seis membros após o nascimento de Laura em 1845, de Edgar em 1847 e de Guido logo após sua chegada em 1849 (teve de morar por um longo período em condições precárias no Soho, um dos bairros mais pobres de Londres à época). Além dos problemas familiares, Marx estava envolvido num comitê de ajuda aos exilados alemães, que ele financiava com o apoio da Liga Comunista e cuja missão era dar assistência a diversos refugiados políticos em Londres. Marx aprofundou a análise econômica iniciada antes de 1848. A partir desse ponto histórico a crise econômica adquiriu uma importância fundamental em seu pensamento, não apenas economicamente, mas também sociológica e politicamente. Além disso, ao analisar os processos de especulação e superprodução galopantes, ele se aventurou a prever que “se o novo ciclo de desenvolvimento industrial que começou em 1848 seguir o mesmo curso daquele de 1843-1847, a crise acontecerá em 1852”. A crise futura, enfatizava, também atingiria o campo e “pela primeira vez a crise industrial e comercial coincidirá com a crise da agricultura”. As previsões de Marx realizadas nesse período de mais de um ano se provaram equivocadas. Porém, mesmo nos momentos em que ele estava mais firmemente convencido de que uma nova onde revolucionária era iminente, suas ideias eram bem diferentes daquelas de outros líderes políticos europeus exilados em Londres. Embora Marx estivesse errado a respeito do desenvolvimento da situação econômica, ele considerava indispensável o estudo do atual estado das relações econômicas e políticas para os objetivos da atividade política. Ao contrário daqueles que esperavam que outra revolução surgisse do nada, Marx estava convencido, no outono de 1850, de que ela não aconteceria sem uma nova crise mundial. A partir desse ponto, ele se distanciou das falsas esperanças de uma revolução iminente e viveu em “completo isolamento”. Como escreveu Wilhelm Pieper, um membro da Liga Comunista, em janeiro de 1851: “Marx leva uma vida bastante retirada e seus únicos amigos são John Stuart Mill e Loyd. Sempre que se faz uma visita, ele recebe o visitante com categorias econômicas no lugar de cumprimentos”. Nos anos seguintes, Marx, de fato, viu poucos amigos em Londres e manteve contato próximo apenas com Engels, que nesse ínterim tinha se estabelecido em Manchester. Em fevereiro de 1851 Marx escreveu a Engels: “Fico enormemente satisfeito com o isolamento público e autêntico no qual nós dois, você e eu, nos encontramos. Está inteiramente de acordo com nossas atitudes e princípios."

Durante os três anos em que Marx interrompeu seus estudos de economia política, houve uma sucessão de eventos econômicos, desde a crise de 1847 até a descoberta de ouro na Califórnia e na Austrália, cuja importância o levou a retomar a pesquisa, ao mesmo tempo em que revisava suas anotações antigas para tentar dar a elas uma forma acabada. Suas leituras adicionais foram resumidas em 26 livros de anotações, dos quais 24 (também contendo textos de outras disciplinas) ele compilou entre setembro de 1850 e agosto de 1853, numerando-os entre os chamados "Cadernos de Londres". Nesse mesmo período, Marx teve que enfrentar problemas pessoais terríveis, especialmente a morte de seu filho Guido no ano de 1850, em condições econômicas precárias a ponto de ele se ver forçado a delegar os cuidados de sua filha Franziska, nascida em março de 1851, a estranhos. Nestas condições Marx se voltou mais uma vez para o estudo dos clássicos da economia política. Para melhorar sua situação financeira, Marx decidiu retomar a atividade jornalística e começou a procurar um jornal. Em agosto de 1851 ele se tornou correspondente do "New York Tribune", o jornal de maior circulação nos Estados Unidos, escrevendo centenas de páginas durante um período intenso que se estendeu até fevereiro de 1862.Ele escreveu sobre os principais eventos políticos e diplomáticos da época, além de uma questão econômica e financeira após a outra, de modo a se tornar em poucos anos um jornalista respeitado. Marx prosseguindo com sua elaboração política, entre dezembro de 1851 e março de 1852, escreveu "O dezoito brumário de Luís Bonaparte", mas, devido ao estado de censura de seus escritos na Prússia, teve de publicar seu texto em Nova York. Em outubro de 1852 o governo prussiano iniciou o julgamento de membros da Liga Comunista que haviam sido presos no ano anterior. A acusação era a de que eles haviam participado de uma organização internacional de conspiradores liderados por Marx contra a monarquia prussiana. Entre outubro e dezembro, para demonstrar que as acusações eram infundadas, Marx começou a “trabalhar para o partido contra as maquinações do governo”e elaborou "Revelações sobre o julgamento comunista em Colônia". Publicado anonimamente na Suíça em janeiro de 1853, esse curto trabalho não obteve o efeito desejado, pois uma grande parte da cópia foi confiscada pela polícia prussiana e o texto circulou apenas nos Estados Unidos, entre um número reduzido de leitores. Ao contrário do que afirmavam as maquinações orquestradas pelos ministros do governo prussiano, Marx estava muito isolado politicamente nesse período. A dissolução da Liga Comunista, que aconteceu de forma efetiva em 1851 e se tornou oficial no final de 1852, reduziu enormemente o número de seus contatos políticos. Aquilo que diversas forças policiais e oponentes políticos definiam como o “grupo de Marx” contava com poucos membros realmente engajados. Na Inglaterra, além de Engels, os únicos homens que poderiam ser considerados “marxianos” eram Pieper, Wilhelm Wolff, Wilhelm Liebknecht, Peter Imandt, Ferdinand Wolff e Ernst Dronke. Em outros países, onde a maioria dos exilados políticos havia buscado refúgio, Marx tinha relações próximas apenas com Weydemeyer e Cluss nos Estados Unidos, Richard Reinhardt em Paris e Lassalle na Prússia. Marx sabia muito bem que embora esses contatos criassem uma rede que resistia em tempos difíceis, não eram numerosos o suficiente para “constituir um grupo”. Nesse período a crise econômica foi um tema constante nos artigos de Marx para o "New York Tribune". Em “Revolução na China e na Europa”, de junho de 1853, no qual relacionou a revolução anti-feudal chinesa que começara em 1851 com a situação econômica geral, Marx novamente expressou sua convicção de que em breve chegaria “um momento em que a extensão dos mercados não será capaz de atender à extensão das manufaturas britânicas, e essa desproporção deverá causar uma nova crise com a mesma certeza como causou no passado”. Em sua opinião, na sequência da revolução, uma contração imprevista do grande mercado chinês “acenderá o pavio da mina superlotada do sistema industrial moderno e causará a explosão da crise geral que há muito tempo se prepara e que, espalhando-se, será seguida de perto por revoluções políticas no continente”. É claro que Marx não via o processo revolucionário de modo determinista, mas estava seguro de que a crise econômica era um pré-requisito indispensável para sua erupção no cenário mundial.

Finalmente, em algum momento entre o fim de 1854 e o início de 1855, Marx retomou seus estudos de economia política. Porém, após a interrupção de três anos, ele decidiu reler seus antigos manuscritos antes de prosseguir. Porém, justamente no momento em que Marx parecia pronto para reiniciar seu trabalho, dificuldades pessoais mais uma vez causaram uma mudança de planos. Em abril de 1855, ele foi afetado profundamente pela morte de Edgar, seu filho de oito anos. A saúde e a situação econômica de Marx permaneceram desastrosas por todo o ano de 1855 e sua família aumentou com o nascimento de Eleanor, em janeiro. Ele frequentemente reclamava a Engels sobre problemas nos olhos, nos dentes e uma tosse terrível, além do fato de que “a decadência física também afeta o cérebro". Uma outra complicação foi causada por um processo que Freund, o médico da família, moveu contra Marx por falta de pagamento. Para escapar disso tudo, teve de passar algum tempo entre meados de setembro e início de dezembro vivendo com Engels em Manchester e permanecendo escondido em casa por algumas semanas após seu retorno. A solução foi encontrada devido a um “acontecimento feliz”: uma herança de 100 libras após a morte de um tio de noventa anos de Jenny.

Assim, Marx só conseguiu retomar seu trabalho sobre economia política em junho de 1856, escrevendo alguns artigos para o "The People’s Paper" sobre o Crédit Mobilier, o principal banco comercial da França, que ele considerava “um dos fenômenos econômicos mais peculiares de nosso tempo”. No final de 1856, ao contrário das crises anteriores, a tempestade econômica não começou na Europa, mas nos Estados Unidos. Nos primeiros meses de 1857 os bancos de Nova York aceleraram o volume de empréstimos, apesar da queda nos depósitos. O aumento da atividade especulativa resultante piorou as condições econômicas gerais e, depois que a filial de Nova York do Ohio Life Insurance and Trust Company se declarou insolvente, o pânico que se seguiu levou a inúmeras falências. A perda de confiança no sistema bancário produziu contração de crédito, redução dos depósitos e a suspensão das ordens de pagamento. Pressentindo a natureza extraordinária dos acontecimentos, Marx imediata- mente retomou seu trabalho. Em 23 de agosto de 1857 (exatamente um dia antes do colapso do Ohio Life que semeou pânico na opinião pública), ele começou a escrever sobre o colapso econômico. O início explosivo da crise lhe deu um motivo adicional que havia estado ausente nos anos anteriores. Após a derrota de 1848, Marx tinha enfrentado toda uma década de retrocessos políticos e grande isolamento pessoal. Porém, com a eclosão da crise, ele vislumbrou a possibilidade de participar de uma nova rodada de revoltas sociais e achou que sua tarefa mais urgente era a análise dos fenômenos econômicos que seriam importantes para o início da revolução. Isso significava escrever e publicar o quanto antes o trabalho que havia planejado por tantos anos. De Nova York a crise se espalhou rapidamente para o resto dos Estados Unidos e, após algumas semanas, para todos os centros do mercado mundial na Europa, na América do Sul e no Oriente, tornado-se a primeira crise financeira internacional da história. Notícias desses desenvolvimentos causaram grande euforia em Marx, servindo de combustível para uma grande explosão de produção intelectual. O período entre o verão de 1857 e a primavera de 1858 foi um dos mais prolíficos de sua vida, ele escreveu mais em apenas alguns meses do que nos anos anteriores. Em dezembro de 1857, escreveu a Engels: “Estou trabalhando como um louco todas as noites nos meus estudos econômicos para ter pelo menos um esquema geral", chamado posteriormente de "Grundrisse". O trabalho de Marx se tornou mais notável e abrangente. Entre agosto de 1857 e maio de 1858 ele completou oito cadernos conhecidos como os "Grundrisse" enquanto escreveu, como correspondente do "New York Tribune", dezenas de artigos sobre o desenvolvimento da crise na Europa, entre outras coisas. Por fim, entre outubro de 1857 e fevereiro de 1858, compilou três cadernos de anotações, intitulados "Cadernos da crise". Ao contrário das anotações que fizera anteriormente, nesse caso não se tratava de uma compilação de passagens dos trabalhos de outros economistas, mas de uma grande quantidade de notas, tomadas de diversos jornais diários, sobre os principais desenvolvimentos da crise, tendências da bolsa de valores, flutuações do mercado e falências importantes na Europa, nos Estados Unidos e outras partes do mundo. No que se refere aos "Grundrisse", na última semana de agosto, Marx fez um plano para o caderno “M” que deveria servir como a introdução para o trabalho; em seguida, em meados de outubro, ele deu continuidade aos outros sete cadernos (I-VII). No primeiro e em parte do segundo, escreveu o chamado "Capítulo sobre o dinheiro", que lida com o dinheiro e o valor, enquanto nos outros ele escreveu o chamado "Capítulo sobre o capital". Aí ele aloca centenas de páginas sobre o processo de produção e circulação de capital e introduz alguns dos temas mais importantes de todo o manuscrito, tais como o conceito de mais-valia e as formações econômicas que precederam o modo de produção capitalista. Entretanto, esse esforço imenso não permitiu que ele completasse o trabalho.

Na realidade, porém, não houve sinal do tão aguardado movimento revolucionário que supostamente irromperia com a crise. Dessa vez, outra razão que impediu que Marx completasse o manuscrito foi sua consciência de que ele ainda estava longe de dominar criticamente todo o material. Os "Grundrisse", portanto, permaneceram um rascunho. Após ter trabalhado cuidadosamente, entre agosto e outubro de 1858, na introdução do "Capítulo sobre o dinheiro", no manuscrito ele publicou em 1859 um livro curto que não obteve ressonância pública: "Uma contribuição para a crítica da economia política". Oito anos de estudos intensos e enorme esforço intelectual passariam antes da publicação do Livro I de "O capital". Se levarmos em conta não apenas os trabalhos mais conhecidos já traduzidos, mas também os manuscritos e livros de anotações, a imensidão e a riqueza do projeto teórico de Marx surgem sob uma ótica de superação do capital pela via da revolução e da instauração da Ditadura do Proletariado. As pesquisas de Marx entre o período dos "Manuscritos econômico-filosóficos de 1844" e de "A ideologia alemã", e em seguida entre os "Grundrisse" e os vários rascunhos de "O capital", finalmente se tornaram acessíveis aos investigadores de esquerda. Isso tornou possível seguir os diversos estágios intermediários da evolução de suas ideias tanto nos anos 1850 quanto após a publicação do primeiro volume de "O capital", sugerindo uma interpretação mais rigorosa de sua teoria revolucionária. O suposto mito da negação da teoria "rígida" da luta de classes pela "descoberta" de novas formulações de Marx (sobre a teoria do valor) não pode se sustentar em nenhuma investigação científica séria e que não esteja a serviço da desmoralização do Marxismo enquanto teoria revolucionária do proletariado mundial. Foi o que tentaram alguns membros da chamada "Escola de Frankfurt", a partir da publicação dos manuscritos "Grundrisse" de Marx no ano de 1941 em Moscou pelo Instituto Marx-Engels e Lenin, sob a orientação desastrada de Stalin logo após mandar assassinar Riazanov, um grande teórico e dirigente Bolchevique que estava organizando um resgate rigoroso de toda produção intelectual dispersa de Marx, recolhida cuidadosamente na Alemanha e Inglaterra. A primeira publicação dos "Grundrisse", sob a égide do regime stalinista, esteve crivada de deformações (tanto intencionais como de natureza linguística) das quais os novos "teóricos" do Kremlin sequer podiam perceber. Sem Riazanov e Rosdolsky (o primeiro fuzilado pela GPU e o segundo preso pela SS nazista) a primeira edição do "Grundrisse" foi feita sob o sangue dos dois maiores estudiosos dos manuscritos de Marx, Lenin chegou a afirmar que Riazanov conhecia até a autenticidade das vírgulas de Marx. Sob a supervisão editorial e teórica dos que depois vieram a conformar o "Eurocomunismo", os "Grundrisse" ganharam o status de mito antimarxista (um Marx "light") nas principais universidades do planeta, tanto que hoje muito é difícil aferir o que realmente de Marx foi deturpado em sua publicação. Quando celebramos o nascimento de Karl Marx, os Marxistas Revolucionários devem cerrar fileiras no combate teórico e prático contra as tentativas de "revisão acadêmica" do legado programático Comunista, que continua mais atual e vigoroso do que nunca, seja na constatação da decadência histórica do capitalismo, ou em cada heróica batalha travada pela classe operária mundial!