O Jornal Luta Operária nº179 (Maio/2009) publicou o
obituário de G. Lora resgatando nossa intensa luta política como Marxistas Revolucionários com as várias vertentes educadas por sua tradição teórica na
Bolívia, Brasil e Argentina. Reproduzimos abaixo esse texto histórico quando se
completam os 10 anos de sua morte.
Guillermo Lora, dirigente histórico do Partido Operário
Revolucionário boliviano faleceu no dia 17 de maio de 2009 com 87 anos em La
Paz. Foi o personagem mais importante do século XX na Bolívia. Dedicou sua vida
à militância política, desde a juventude, nos anos 40, quando levou o programa
da IV Internacional ao proletariado mineiro. Autor das famosas Teses de
Pulacayo, Lora fincou seu legado político na luta da classe operária do país.
Foi um dos últimos velhos dirigentes trotskistas da geração de Cannon, Moreno,
Mandel e Lambert a falecer. Não temos por objetivo neste obituário resgatar o conjunto
das muitas e duras polêmicas que realizamos com Lora. Porque, longe de
compartilhar da hipocrisia cristã de que "todo mundo fica bom quando
morre" continuaremos a polemizar com o lorismo sempre que a luta em defesa
do trotskismo ortodoxo fizer necessário. Mas o que buscamos resgatar neste
momento é exatamente nossa intensa luta política como marxistas revolucionários
por intervir sobre a vanguarda boliviana que se reivindica trotskista e que tem
em Lora sua maior expressão, e também sobre as várias vertentes educadas por
sua tradição teórica na Bolívia, Brasil e Argentina.
BOLÍVIA
Logo ao nascer, em maio de 1995 a LBI, através do
Coordenador Geral do DCE da UECE, Marco Antônio Queiroz, foi convidada por Juan
Pablo Bacherer para participar de seu tribunal moral internacional presidido
por Estaban Volkov (neto de Trotsky). Por duas décadas Bacherer havia sido o
segundo homem na hierarquia do POR boliviano e foi expulso por Lora sob graves
acusações morais. Após a expulsão, Juan Pablo fundou a Oposição Trotskista ao
POR. O objetivo do tribunal não era fazer um julgamento das posições políticas
defendidas pelo POR, nem tampouco por J. P. Bacherer, uma tarefa que só poderia
ser resolvida pelo desenvolvimento da luta de classes, mas elucidar as graves
acusações morais lançadas contra um militante trotskista de ilibada trajetória
revolucionária. Todavia a LBI não fez parte do Tribunal porque sua participação
foi vetada com o aprofundamento das relações entre Bacherer e o Partido Obrero
argentino, corrente de Jorge Altamira com a qual acabávamos de romper.
Criticamos duramente a aproximação de Bacherer com o PO que comungava dos
mesmos desvios do POR (defesa da etapista Frente Única Antiimperialista,
antidefensismo, nacional trotskismo,...). Tanto o partido de Altamira como o de
Lora carregavam a herança revisionista da corrente internacional de Lambert da qual
haviam saído e que tinha, por exemplo, dado a orientação contra-revolucionária
ao POR em 1952 de apoiar a ala esquerda do burguês MNR ao contrário de
organizar a tomada do poder pelos mineiros armados. Depois da separação da TQI,
tendência internacional dirigida pelo PO e pelo POR até 1985, a exceção da LBI,
as dissidências de cada um destes dois partidos acabaram se ligando ao outro,
trocando, programaticamente, "seis por meia dúzia". Por exemplo,
fazendo o caminho inverso ao de Bacherer, o POR argentino é uma ruptura do PO
que se ligou a Lora, assim como a TPOR brasileira originou-se a partir de
ex-militantes da altamirista Causa Operária que passam a corrente de Lora.
Pouco tempo depois, Bacherer veio a falecer, vítima de uma
embolia cerebral, não podendo confirmar o quanto foram corretas nossas críticas
ao curso oportunista do altamirismo no qual a Oposição Trotskista embarcou,
cuja maior expressão foi o chamado do PO argentino a "votar em Evo Morales
e no MAS" (El Obrero Internacional Nº4, 12/2005) recorrendo à velha tática
etapista da Frente Única Antiimperialista. Uma escandalosa capitulação diante
do fato de que Evo e o MAS credenciaram-se junto ao grande capital para gerir a
crise do regime semi-colonial no altiplano com uma política de contenção
burguesa das rebeliões populares que sacudiram o país no início do século XXI,
política contra-revolucionária que acabou por promover um giro à direita na
convulsiva situação política do país em favor do fascismo-separatista e da
chantagem imperialista sobre a Bolívia.
ARGENTINA
Em 1998, foi a vez do POR argentino, dirigido por Fernando
Armas, romper com Lora e abrir uma jornada de discussões programáticas com a
LBI, movimento que resultou na preparação conjunta entre a LBI e o POR
argentino das Jornadas de Debates Internacionais pela reconstrução da IV
Internacional. Mas antes das Jornadas, que tiveram a participação da LRP
estadunidense e do PST colombiano, se realizarem, o POR acabou por
auto-excluir-se das mesmas condicionando sua participação nas Jornadas à
participação de um "grupo" oportunista e frente populista, a
"Fração Trotskista", formado por um só indivíduo que havia rompido
com a TPOR brasileira e hoje, apesar de não mais existir é apresentado pela
revisionista LOI-DO argentina como sua seção no Brasil.
Apesar da inflexão temporária à esquerda que o POR havia
realizado a partir de uma profunda luta programática travada pela LBI, que fez
com que o partido argentino se aproximasse de nossas posições no campo do
defensismo revolucionário, da questão nacional, da concepção leninista de
partido e da estratégia da revolução proletária, o POR revelou sua incapacidade
de combater a política de frente popular em suas próprias fileiras. A partir
deste entrave retrocedeu de toda evolução programática que havia realizado
desde sua ruptura com o lorismo. Não por acaso Trotsky insistia: "No
momento atual, a questão das questões é a frente popular. Os centristas de
esquerda procuram apresentar esta questão como uma manobra tática ou até
técnica, para poder melhor vender sua mercadoria na sombra da frente popular.
Na realidade, a frente popular É A QUESTÃO PRINCIPAL DA ESTRATÉGIA PROLETÁRIA
desta época. Também oferece o melhor critério para distinguir entre o
bolchevismo e o menchevismo" ("Carta ao RSAP holandês",
julho/1936; grifo no original). Novamente a luta de classes dá razão às nossas
críticas a Armas quando diante do levante popular argentino de dezembro de
2001, o POR defende "uma frente que unifique todos que lutam", ou
seja, uma frente policassista com maoístas, com a burocracia sindical
peronista, etc. A partir de então o POR vem assumindo posições cada vez mais
oportunistas na luta de classes. O "obituário crítico ao velho
revolucionário boliviano" (site do POR-Masas argentino) escrito por
Fernando Armas sobre o falecimento de Lora é carente de qualquer conteúdo
programático, mas carregado de ressentimentos políticos e pessoais, sendo a
expressão mais recente da falência da corrente argentina.
BRASIL
No Brasil, toda e qualquer simpatia da base militante do
TPOR pelas posições políticas e programáticas da LBI foram burocraticamente
cerceadas por Lora e pela direção da TPOR que lançou mão do artifício de criar
uma cortina de fumaça sobre as duras polêmicas que fizemos com o lorismo acerca
da Revolução Boliviana de 1952, Frente Revolucionária Antiimperialista,
contra-revolução na URSS, concepção de partido, apoio à greve de polícias e
etc. no folheto "Trotskismo versus Revisionismo - Polêmica da LBI com o
POR boliviano e a TPOR brasileira". Neste folheto, feito a partir de uma
coletânea de artigos publicados no Jornal Luta Operária, fizemos questão de
oferecer ao leitor de forma franca e honesta o conjunto das posições do debate.
Publicando na íntegra vários artigos feitos por Lora e pela TPOR contra nossa
corrente. Para cercear o debate franco e aberto a TPOR passou a proibir com
argumentos morais a sua própria militância mais nova e da base de ter qualquer
contato com a LBI, de comprar nossos jornais e publicações de nossa corrente,
algo tão absurdo que lembra o artigo 13 do estatuto do PCB de 1945 que proibia
aos militantes do Partido "qualquer contato direto ou indireto com
trotskistas ou outros inimigos da classe operária".
Apesar desta metodologia completamente oposta ao trotskismo
realizamos um chamado a TPOR para a realização de um Primeiro de Maio classista
e independente dos patrões, do Estado, dos burocratas pelegos, da frente
popular e da Igreja Católica em 2009 em São Paulo, ato político que construímos
com o POM, outra cisão da TPOR. Mas ao nosso chamado a TPOR nem atendeu nem
respondeu. Neste momento, realizamos plenárias comuns pela construção de uma
oposição classista no SINDIUTE, sindicato dos professores do Ceará travando ao
mesmo tempo o debate acerca de nossas diferenças políticas e programáticas.
Em 2002, a LBI tomou contato com a Corrente Revolucionária,
formada a partir de uma ruptura com a TPOR de militantes docentes do Rio Grande
do Norte. Naquele mesmo ano, a LBI convocou em conjunto com a CR a "Iª
Plenária Internacional de Organizações e Coletivos Classistas e Revolucionários
em Defesa de um Programa Marxista Contra o Imperialismo e a Frente
Popular". A CR se dissolveu porque radicalizou os desvios
ultra-sindicalistas do lorismo, renunciando à construção do partido revolucionário
em favor de uma política trade-unista.
Apesar de nossas profundas divergências políticas com Lora,
acreditamos que a melhor homenagem que prestamos a sua militância de toda vida
dedicada à causa do operariado é dar continuidade com tenacidade à construção
do partido mundial da revolução socialista contra as ilusões burguesas e frente
populistas como o governo Evo Morales, inimigo da revolução e da ditadura
proletárias e atual títere centro-esquerdista do imperialismo na Bolívia. Neste
momento, de perda para todos os que acreditam nos ensinamentos do Secretário
Geral do POR boliviano e para seus entes queridos, a LBI dedica um abraço
fraterno e revolucionário para todos os seguidores e familiares de Guillermo
Lora.