BIBI "IZQUIERDO" FERREIRA: A DIVA DA DRAMATURGIA
BRASILEIRA QUE TEVE A CORAGEM DE PROTAGONIZAR "GOTA D'ÁGUA", UM
MANIFESTO CONTRA A POLÍTICA HABITACIONAL DO REGIME MILITAR QUE INSPIROU A
CRIAÇÃO DOS "MOVIMENTOS POPULARES DE BAIRROS E FAVELAS"
“Eles pensam que
a maré vai, mas nunca volta (…) Quando eles virem invertida a correnteza, quero
ver se eles resistem à surpresa e quero saber como eles reagem à ressaca”
Os palcos brasileiros não poderão mais contar com o
protagonismo da grande diva da dramaturgia nacional, faleceu hoje (13/02) aos 96
anos Abigail Izquierdo Ferreira, nossa "eterna" BIBI FERREIRA, após
quase um século de atividade contínua no bom combate da arte teatral, como um
instrumento de reflexão crítica e ontológica da realidade social e histórica.
Bibi não era só uma atriz, filha do cânone Procópio Ferreira e nascida
literalmente em uma ribalta, estreiou com poucos meses de vida substituindo uma
boneca de porcelana que tinha sido danificada. Bibi Ferreira tinha a coragem
dos grandes artistas que assumem o campo do progressismo e da resistência, daí
surgiu sua enorme admiração pela cantora Edith Piaf, uma combatente contra a
ocupação nazista na França em plena Segunda Guerra Mundial. Foi também na luta
de resistência contra o regime militar no Brasil, que Bibi teve sua
"têmpera de coragem" forjada quando protagonizou em 1976 a peça
"Gota D'água", cuja dupla autoria contava com as assinaturas de Chico
Buarque e de Paulo Pontes, este seu último companheiro afetivo morto no final
do mesmo ano de 1976. A peça de Paulo e Chico era uma releitura do clássico
grego "Medéia", completamente voltada para a realidade brasileira,
mais especificamente o início da crise da política habitacional da Ditadura,
posta à tona com o fim do chamado "Milagre Econômico ". Logo
censurado o texto, "Gota D'Água" conseguiu estrear no teatro Teresa
Rachel (Rio de Janeiro) graças a ousadia e o próprio prestígio de Bibi que
após 116 cortes dos censores, bancou pessoalmente o espetáculo com a direção do
legendário Gianni Ratto. A peça que tinha Bibi no papel da valente Joana(
moradora do imaginário conjunto habitacional "Meio-Dia"), ficou em
cartaz de dezembro de 1975 até fevereiro de 1977 no Rio e depois seguiu para
São Paulo, onde fez mais 650 apresentações, sendo considerada uma das produções
mais longevas da história do teatro brasileiro. Na esteira do grande sucesso
político de "Gota D'Água", começaram a surgir as associações de
bairros nas principais cidades do país, questionando justamente a política das
COHAB's que "empurravam" para uma periferia desassistida milhões de
trabalhadores e desempregados pela crise capitalista. Em 1983 , Bibi voltou aos
palcos com o musical "Piaf a Vida de uma Estrela da Canção", o
espetáculo obteve grande sucesso de público e crítica, e por sua magistral
atuação recebeu os prêmios Mambembe e Molière em 1984. Foi revivendo a figura
de Edith Piaf nos palcos (não só do Brasil mas também na França) com quem Bibi
teve grande identificação, que nossa Diva do teatro ficou mais conhecida das
novas gerações. Bibi Ferreira nunca aceitou papéis em novelas, afirmava que não
se sentia à vontade vivendo personagens vazios na "telinha global".
Acreditava que seu temperamento crítico de atriz comprometida com a "arte
maior" não se adequava a interpretação de qualquer "folhetim
comercial". A maior Dama do teatro brasileiro havia anunciado sua
aposentadoria dos palcos em um post nas redes sociais em setembro do ano
passado: “Nunca pensei em parar, essa palavra nunca fez parte do meu vocabulário,
mas entender a vida é ser inteligente. Fui muito feliz com minha carreira. Me
orgulho muito de tudo que fiz. Obrigada a todos que de alguma forma estiveram
comigo, a todos que me assistiram, a todos que me acompanharam por anos e anos.
Muito obrigada!”, desta forma se despediu Bibi que agora passa a habitar o
Pantheon dos "monstros sagrados" da dramaturgia mundial.