O livro “Em defesa do Marxismo” de Leon Trotsky é uma
coletânea de cartas e documentos chaves de polêmicas dentro do Partido
Socialista dos Trabalhadores (Socialist Workers Party- SWP) dos Estados Unidos travadas há 80 anos, iniciada exatamente em setembro de 1939. A obra começa com uma carta
de Trotsky para a James Cannon e segue com correspondências sobre a situação da
URSS na II Guerra Mundial, abordando polêmicas envolvendo o caráter social e
político do Estado Operário soviético. O debate sobre que campo se postar em
meio a luta contra o imperialismo e sua máscara “democrática” não é novo, foi
justamente nas fileiras de seu próprio partido que Trotsky travou a última e
mais importante luta política de sua vida, no sentido de dar uma aplicação
prática aos conceitos teóricos que fundamentam o programa da IV Internacional.
A seção mais importante da IV Internacional, o SWP (norte-americano), organização
que detinha uma vasta referência junto ao proletariado industrial, foi atingida
por pressões pequeno-burguesas da opinião pública imperialista em relação à
posição a ser tomada diante de uma guerra contra a URSS. É formada no interior
do SWP uma fração liderada por Max Shachtman e James Burhnam (depois esta
fração acaba por ganhar algumas seções inteiras da IV, como no caso do Brasil,
com o alinhamento de Mario Pedrosa), que rejeitava a defesa incondicional da
URSS, assim como se negava a estabelecer uma frente única com o stalinismo
neste terreno sob a justificativa do caráter contrarrevolucionário deste
último.
O programa de fundação da IV Internacional já apontava a
necessidade do estabelecimento da frente única entre a “fração Reiss”
(referindo-se a Ignace Reiss, trotskista soviético assassinado posteriormente
por Stalin) com a burocracia termidoriana do Kremlin, no caso de alguma ameaça
ao Estado operário, “esta perspectiva torna bastante concreta a defesa da URSS.
Se amanhã a tendência burguesa fascista, isto é a ‘fração Butenko’, entra em
luta pela conquista do poder, a ‘fração Reiss’ tomará inevitavelmente, lugar no
outro campo da barricada... Se a ‘fração Butenko’ se achar em aliança militar
com Hitler a ‘fração Reiss’ defenderá a URSS contra a intervenção militar,
tanto no interior do país, quanto a nível internacional. Qualquer outro
comportamento seria uma traição” (Programa de Transição).
O próprio Trotsky no final dos anos 30 teve que combater
esta posição liquidacionista no seio da seção norte-americana da IV
Internacional, o SWP, representada pela fração antidefensista de Shachtman e
Burnham. Para este setor do “velho” SWP que deu origem ao revisionismo atual,
Stalin era igual a Hitler, um “ditador sanguinário”, esta caracterização impediria,
portanto a possibilidade de se estabelecer qualquer política de frente única
com o Stalinismo na defesa das bases sociais do Estado operário soviético. No
seu livro “Em defesa do marxismo”, Trotsky elaborou um artigo, “De um simples
arranhão ao perigo de uma gangrena”, onde desconstrói na gênese a stalinofobia,
tanto praticada pelos revisionistas da atualidade. Para Trotsky: “Stalin
derrubado pelos trabalhadores significava a revolução, mas Stalin derrubado
pelos imperialistas representava a contrarrevolução”. Não por coincidência, os
dirigentes revisionistas do SWP acabaram seus dias de vida como colaboradores
diretos do imperialismo norte-americano, inclusive a serviço das suas
intervenções militares para “salvar a democracia”.
Mais uma vez Trotsky entra em cena, como um gigante, para
defender o marxismo-revolucionário, contra aqueles que pretendiam
"rejeitar, desqualificar e destruir os princípios teóricos e os
fundamentos políticos do nosso movimento" (Carta Aberta ao camarada
Burhnam, Leon Trotsky). A justificativa supostamente "esquerdista" da
fração Shachtman "nem Hitler, nem Stalin" para a neutralidade em caso
de agressão ao Estado operário é demolida por Trotsky da seguinte forma:
"uma coisa é solidarizar-se com Stalin, defender sua política e outra, é
explicar à classe trabalhadora mundial que apesar dos crimes de Stalin não
podemos permitir que o imperialismo mundial esmague a União Soviética,
restabeleça o capitalismo e converta a terra da revolução em uma colônia. É
esta aplicação que proporciona bases para nossa defesa da União Soviética"
(Balanço dos Acontecimentos finlandeses, Leon Trotsky). Quanto à consideração
feita pela fração que a burocracia stalinista por seus crimes cometidos contra
revolução já seria uma nova classe social, Trotsky volta a carga. "Na sua
política atual, tanto interna como externa, a burocracia coloca em primeiro e
principal lugar a defesa de seus próprios interesses parasitários. Nesta
medida, travamos uma luta mortal contra ela, mas em última análise, através dos
interesses da burocracia, de uma forma muito retorcida, refletem-se os
interesses do Estado operário. Assim não lutamos de forma nenhuma que a
burocracia salvaguarde (a seu modo!) a propriedade estatal!" (Em defesa do
Marxismo, Leon Trotsky).
Sobre a eliminação do stalinismo no interior do Estado
operário, Trotsky deixa bem claro a quem consistiria essa tarefa: "o
proletariado tem razões suficientes para derrubar a burocracia stalinista
corrompida até a medula, mas não pode, nem direta, nem indiretamente, deixar
esta tarefa a Hitler ou a Mikado. Stalin derrubado pelos trabalhadores é um
grande passo para o socialismo, Stalin eliminado pelos imperialistas é a
contrarrevolução que triunfa" (Idem).
A luta fracional
instalada no interior do SWP (e também da IV) era o reflexo direto das pressões
da luta de classes. As posições defendidas pela fração pequeno burguesa de
Shachtman e Burhnam, recusando-se à defesa incondicional da URSS, colocavam-se
objetivamente no campo da política do imperialismo “democrático”. A evolução
política destes elementos (apesar de terem obtido as mais amplas liberdades no
interior do SWP), que rompendo com o trotskismo, foram abrigar-se, primeiro, no
seio da social-democracia para depois acabarem nos braços do maccarthismo
anticomunista, confirmou plenamente a caracterização de Trotsky sobre o caráter
de classe hostil ao proletariado deste agrupamento. Ao longo da II Guerra
Mundial os autênticos trotskistas souberam combater as tropas nazistas lado a
lado do exército vermelho, em defesa da URSS.
Passados 80 anos do livro “Em defesa do Marxismo”, a Quarta
Internacional fundada por Trotsky já não mais existe, foi destruída pelos
epígonos do trotskismo, que eufeministicamente ainda se reclamam formalmente
(outros agora não mais) do legado de Trotsky. Estes revisionistas foram os
mesmos que durante a destruição do Estado operário soviético pelo bando
criminoso e restauracionista de Yeltsin saudaram o fim da URSS como uma
“triunfante revolução democrática”, não tendo o menor descaramento de emblocarem-se
com a contrarrevolução imperialista. Os shachtmanistas de hoje, tendo a cabeça
os morenistas da LIT, não por coincidência, cometeram a mesma traição dos de
ontem, ao renegarem a defesa incondicional da URSS. Em nome da fantasiosa
“revolução árabe” se colocaram ao lado da OTAN e de seus “rebeldes” mercenários
para derrotar as supostas “ditaduras sanguinárias” no Oriente Médio, quando na
verdade estava em curso um processo de desestabilização dos decadentes regimes
nacionalistas daquela região! A escória política revisionista da mesma cepa dos
que caluniavam Trotsky de capitular a Stálin, respondemos com as sábias lições
nos deixada pelo “velho bolchevique”, plenamente válidas até nossos dias:
“Stalin derrubado pelos trabalhadores: é um grande passo para o socialismo.
Stalin eliminado pelos imperialistas: é a contrarrevolução que triunfa” (Em
Defesa do Marxismo).
Temos plena consciência que nos últimos anos de sua vida
Trotsky se dedicou a formar a nova geração de militantes e a fundação da Quarta
Internacional. Como pontuamos, travou sua última grande batalha contra uma ala
de seus partidários que sucumbiram à reação democrática imperialista. Morreu
com a convicção de que “o dever dos revolucionários é defender todas as
conquistas da classe trabalhadora, ainda que tenham sido desfiguradas pela
pressão de forças hostis. Aqueles que são incapazes de defender as posições
tomadas, nunca conquistarão outras novas”