sábado, 5 de outubro de 2019

CANUDOS VIVE! RESISTÊNCIA CAMPONESA NÃO SE RENDEU E LUTOU ATÉ A MORTE CONTRA O ATAQUE DA REPÚBLICA BURGUESA QUE ACABAVA DE NASCER SOB O TACÃO DOS MILITARES


Para compreendermos com o método marxista a Guerra dos Canudos e a violência estatal com que foi esmagada a revolta camponsa em 5 de outubro de 1897, há 122 atrás, é preciso restabelecer o cenário histórico em que ela ocorreu. Não se pode entender Canudos isoladamente, sem conhecer as circunstâncias históricas e políticas que provocaram a maior mobilização camponesa de toda república brasileira. O Brasil estava em permanente ebulição social desde 13 de maio de 1888 com a assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel. A Questão Militar que vinha se arrastando desde 1883, com o debate em torno da doutrina do soldado-cidadão, que defendia a participação dos oficiais nas questões políticas e sociais do país, teve uma conclusão repentina, com o golpe militar republicano de 15 de novembro de 1889. A derrubada da Monarquia, que de imediato foi sem derramamento de sangue, terminou por provocar reações anti-republicanas. Uma nova constituição foi aprovada em 1891, tornando o Brasil uma república federativa e presidencialista copiando o modelo norte-americano. Separou-se o estado da Igreja e ampliou-se o direito de voto (aboliu-se o sistema censitário existente no Império e permitiu-se que todo o cidadão alfabetizado pudesse tornar-se cidadão). As dificuldades políticas da implantação da República se aceleraram com a crise inflacionária provocada pelo Encilhamento, quando o Ministro da Fazenda, Rui Barbosa, autorizou um aumento de 75% na emissão de papel-moeda nacional. Houve muito desgaste do novo regime devido ao clima de especulação e de multiplicação de empresas sem lastro (mais de 300 em um ano apenas). 


O presidente da República, Marechal Deodoro da Fonseca chegou a fechar o Congresso, o que serviu de pretexto para a Marinha de Guerra rebelar-se exigindo e conseguindo sua renúncia, o que ocorreu em 23 de novembro de 1891. Deodoro doente retirou-se, sendo substituído pelo alagoano vice-presidente Mal. Floriano Peixoto. Em fevereiro de 1893 estoura no Rio Grande do Sul a revolta federalista, quando "maragatos" se insurgem contra o governo provincial de Júlio de Castilhos, conduzindo o estado a uma dolosa guerra civil. Neste mesmo ano em setembro, ocorre o segundo levante da Armada, novamente liderado pelo Almirante Custódio de Melo, seguida pela adesão do Al. Saldanha da Gama, que chega a bombardear o Rio de Janeiro, Floriano Peixoto mobiliza a população para a defesa da capital e Custodio de Melo resolve abandonar a baía da Guanabara para juntar-se aos maragatos que haviam ocupado Desterro (em Santa Catarina). A guerra na região sul militarmente se encerra com a morte de Gumercindo Saraiva o guerrilheiro maragato em 1894, e com derrota da incursão do Al. Saldanha da Gama na fronteira do Rio Grande do Sul com o Uruguai em 1895. A guerra tinha produzido mais de 12 mil mortos em uma parte deles havia sido vítima de degolas de parte a parte. Coube ao novo presidente, Prudente de Morais, alcançar a pacificação que é assinada em Pelotas em agosto de 1895. Foi nesse pano de fundo turbulento, marcado por transformações repentinas de regime, pela abolição da escravidão, pelo golpe republicano, pelo fechamento do Congresso, pelo estado de sítio, por dois levantes da Armada e por uma cruel Guerra Civil, que a população urbana ouviu com espanto a notícia, em novembro de 1896, que uma expedição de 100 soldados havia sido derrotada pelos jagunços do interior da Bahia. Começava então a Guerra de Canudos.

Provavelmente se o quadro político brasileiro dos primeiros anos de República não fosse tão conturbado talvez os episódios de Canudos tivessem outro desenlace. Mas a notícia de que tropas regulares haviam sido desbaratadas pelos fiéis do Conselheiro fez com que as autoridades republicanas e a própria população dos grandes centros urbanos, particularmente do Rio de Janeiro, visse naquilo a mão ardilosa dos reacionários monarquistas.

Era evidente que o Conselheiro pregava contra a república, estimulando a que não se lhe pagassem tributos e até espantasse os funcionários que representavam a justiça e o casamento civil, não se pode negar seu conteúdo místico e religioso. Canudos assemelha-se às incontáveis rebeliões religiosas, lideradas por fanáticos, chamados de profetas, que se dizem enviados ou mensageiros dos céus. Reúnem ao seu redor um bando de seguidores aos quais é assegurada não só a salvação como muitas vezes a imortalidade. Repudiam o mundo ao seu redor, denunciado como corrupto e de estar a serviço das "forças demoníacas". Só os justos se salvarão. Só aqueles que se dedicam inteiramente as rezas e a comunidade dos crentes serão os eleitos. Seu comportamento visionário e agressivo para com os outros considerados "infiéis" e seu fanatismo militante faz com que se indisponham com o resto da população urbana. Os atritos daí decorrentes, fazem com que a polícia ou a milícia termine por se envolver com eles. As tentativas de apaziguamento fracassam. Eles resistem a qualquer proposta de dispersar. Ao contrário, a presença das autoridades faz com que os "conselhistas" se aglutinem com maior fervor em torno do profeta. Armam-se e o profeta lhes assegura que caso morram na defesa da Nova Jerusalém, Jesus lhes garantirá a vida por mais mil anos ainda.

Antônio Conselheiro já era uma figura bastante conhecida nos sertões nordestinos desde a década de 1870. Era caixeiro de loja e graças a uma infelicidade pessoal - foi abandonado pela mulher - partiu para uma vida de eremita, cruzando o sertão de cima a baixo. Por onde andava procurava consertar os cemitérios e melhorar as igrejas. A fama das suas prédicas começou a se espalhar e gente miserável começou a segui-lo. Sua aparência assemelhava-se aos profetas bíblicos, com uma vasta cabeleira que lhe caia pelos ombros e vestido com um brim comprido que lhe chegava aos pés e um cajado nas mãos. Parecia um personagem saído diretamente das Velhas Escrituras. Hostilizado pela maioria dos padres do interior que não lhe suportavam a concorrência e a crescente popularidade, o Conselheiro resolveu, em 1893, isolar-se em Canudos, um lugarejo paupérrimo, nas margens do rio Vasa-barris, no sertão baiano. Rebatizou-a de Monte Santo. Em pouco tempo um fluxo constante de romeiros para lá se dirigiu. O Conselheiro rejeitava a república. Considerava-a coisa "satânica por ter instituído o casamento civil". Como a Igreja Católica acomodou-se com a "nova ordem", coube a ele liderar a rebeldia. Tratava-se de constituir uma outra sociedade igualitária onde os princípios dogmáticos da religião seriam estritamente obedecidos. Não se bebia em Canudos, e o maior delito era não comparecer as rezas coletivas. Em pouco tempo o Conselheiro formou uma espécie de pequeno estado regional dentro do estado nacional. A burguesia então uma confirmou uma frente. Coronéis do latifúndio assustados com a fuga de mão de obra e com os surgimento de uma outra liderança aproximaram-se da igreja que via nele um herético. Um desentendimento com um lugarejo vizinho foi o pretexto que o governo aguardava para mandar intervir militarmente. No início de novembro de 1896 uma força de 100 praças, sob o comando do Ten. Manuel Ferreira, foi enviada para Juazeiro e depois para Uauá onde é destroçada pelo ataque dos jagunços em 21 de novembro.

Foram necessárias mais três expedições militares, a última com quase 5 mil homens e artilharia para submeter a "Tróia de taipa". A população lutou bravamente até o fim. Umas 300 mulheres, velhos e crianças se renderam. Os homens sobreviventes foram degolados e os que resistiram até o fim foram baionetados numa luta corpo-a-corpo que se travou dentro do arraial, no dia do assalto final, em 5 de outubro de 1897. Antônio Conselheiro foi morto em 22 de setembro, provavelmente vítima de bombardeio aéreo. O Gen. Artur Oscar determinou que os 5.200 casebres fossem pulverizados a dinamite. E assim, onze meses depois do início do confronto de Uauá, terminou Canudos. Os camponeses pobres, por sua vez, mesmo produzindo fenômenos como as guerras de Canudos e do Contestado, careciam completamente de um projeto político de unidade nacional das lutas para pôr fim à exploração de classe. Em essência, a luta pela reforma agrária radical é um choque entre a estrutura latifundiária e reacionária existente no país e a defesa da pequena e média propriedade camponesa, um embate que enfraquece o Estado semicolonial, que assenta sua dominação em uma aliança entre a oligarquia agrária e a burguesia industrial. Para os Marxistas não se trata de um julgamento moral de Conselheiro, para além de sua reacionária religiosidade e alinhamentos ideológicos com a monarquia, Canudos representou um catalizador social da anacrônica realidade agrária no Brasil, servindo como um "farol de luta" para os camponeses nordestinos combaterem militarmente a injusta concentração de terra das grandes oligarquias, representadas politicamente pelos "coronéis" de toda a imensa região "sertânica". Hoje, essa luta mantém-se de pé, 122 anos depois da Revolta de Canudos! Esta lição os genuínos revolucionários apreenderam em anos de combate pela revolução agrária, contra o latifúndio e pela autodefesa dos trabalhadores. Como diz a letra da Internacional Comunista, travemos nós juntos uma "guerra aos senhores", ao latifúndio e a burguesia!