Entrou em cartaz nos cinemas de todo mundo o aguardado filme
Joker (Coringa), do diretor Todd Phillips. A qualidade artística do filme é
inquestionável desde a direção, o roteiro, a fotografia, a trilha sonora e a
atuação magnífica do ator Joaquim Phoenix que protagoniza o lendário personagem
“vilão” das histórias em quadrinhos. O que marca ainda mais a relevância desta
obra cinematográfica é, sem dúvida alguma, a abordagem do enredo, a origem do
Coringa, através do gênero (drama) e uma construção narrativa crítica, densa e
complexa, absolutamente distinta dos alienantes filmes de ação e entretenimento
dos super-heróis hollywoodianos. A grande reflexão proposta pelo filme é a
crise da sociedade capitalista, sua decadência moral e civilizatória, em
resumo, a barbárie que atravessamos nos dias atuais. Esse é o ambiente
desesperador que constitui o personagem Arthur Fleck e o transforma em Coringa. A história vivida em uma metrópole da década de 1970, a
fictícia (Gotham City), uma referência a filmes como Taxi Driver e o Rei da
Comédia, é na verdade uma alegoria para retratar a ofensiva mundial do
capitalismo, aberta com a destruição contrarrevolucionária da URSS e suas
terríveis consequências na esfera econômica, política, militar, cultural e
ideológica em pleno curso no século XXI. O deslinde desse cenário é a
degradação das condições de existência do classe trabalhadora, a incrementação
da acumulação do capital e a sedimentação da barbárie social refletida na onda
reacionária de crescimento da extrema-direita, do fascismo, das seitas
religiosas (neopentecostais). Todo esse espectro ideológico consubstanciador
dos comportamentos sociais e políticos patológicos que catapultou as aberrações Donald Trump à Casa Branca nos EUA e ao Palácio do Planalto Jair Bolsonaro no Brasil, uma onda reacionária
que vem crescendo a passos largos também na Europa há alguns anos. Registre-se
que a LBI foi a primeira corrente política trotskista a prever em voz solitária
esse desenlace bárbaro com a queda do Muro de Berlim, o fim da URSS e dos
Estados operários do Leste Europeu enquanto toda esquerda e os revisionistas do
trotskismo festejavam “o fim do Stalinismo” e a “vitória da democracia” no
final dos 80 e início dos 90.
O trabalho do diretor Todd Phillips no filme é genial tanto
na qualidade técnica e artística como fazer da arte (cinema) um espaço crítico
do regime social vigente e abrir a discussão mesmo que subliminar de uma
alternativa, neste terreno árido da indústria cinematográfica, sobretudo,
Hollywoodiana. Tal intenção fica clara nas camadas utilizadas no filme para
mostrar a construção o personagem Coringa. A primeira é começar a retração do
personagem Arthur pelo comportamento psicótico, sua identificação individual e
subjetiva, ou seja, seu quadro particular de insanidade mental e ao mesmo
tempo interpor como potencializador da sua condição psíquica as interações
sociais de opressão e violência a que está submetido na sociedade burguesa.
Nesse quadro é forjado o personagem Coringa que,
infelizmente, o grande público, os críticos e mesmo a intelectualidade
artística não perceberam a profundidade do seu significado e, por conseguinte,
do próprio filme. Poucos atingiram e expressaram a compreensão real do filme, a
maioria se restringiu aos aspectos da excelência das técnicas cinematográficas
utilizadas e a impressionante interpretação realizada por Joaquim Phoenix ou
ficou perdida em elucubrações a respeito dos transtornos da psique humana,
jogando-o no lugar comum da sociopatia e o potencial perigo representado pelo
desejo de vingar-se da sociedade, em especial, daqueles que considera
responsáveis por sua condição.
Entretanto, a camada mais importante do filme, colocada como
pano de fundo, é a luta de classes, representada pelo ódio da população
explorada de Gotham City aos ricos (o capital) e seus representantes como o
magnata Thomas Wayne (pai do Batman), uma referência clara a Trump, que
personifica o velho “Coringa” retratado originalmente no seriado televisivo da
década de 60, um sociopata e direitista, o mais perigoso doente destruidor e de
maior potencial letal junto com os falcões militares que comandam o completo
industrial-militar ianque capazes das piores perversidades contra o gênero
humano, todo o oposto do Joker retratado pela atual película do diretor Todd
Phillips. A luta de classes é reafirmada como motor das transformações sociais e
a necessidade da superação do capitalismo se coadunam como forma de dar sentido
à vida e tornar viável uma alternativa de sociabilidade humana frente à
barbárie. Para nós Marxistas essa tarefa exige um verdadeiro “Coringa” do
proletariado, ou seja, um partido revolucionário comunista com peso de massas
ser construído no coração do monstro imperialista, nos EUA.
O filme abre uma oportunidade para uma percepção e discussão
dessa questão fundamental para a viabilidade histórica da humanidade, ou seja,
as mazelas provocadas pelo modo e relações de produção capitalistas, numa
condição de exploração tamanha que a própria razão filosófica de existir é
subtraída, restando o vazio, as neuroses e crescente pulsão de morte. A
disjuntiva máxima de Rosa Luxemburgo, “Socialismo ou Barbárie” se faz viva no
filme ainda que seu diretor obviamente não chegue a essa conclusão!
Enfim, o absurdo existencial, que é experimentado por Arthur,
simbolizado brilhantemente nas cenas das escadarias que sobe diariamente com
tanto sacrifício como se estivesse condenado a fazer sempre a mesma ação, está
alusão ao personagem mitológico Sísifo é uma referência a obra filosófica de
Albert Camus. Sua “maldição” de estar preso a uma vida de horror sem nada que a
justifique é quebrada ao perceber o potencial da “luta de classes”,
metaforicamente retratada pelo seu justo ódio contra aqueles que o oprimem e a
energia da utilização da violência. Quando isso ocorre na parte final do filme
o personagem alquebrado, humilhado e sem vida Arthur Fleck desaparece
completamente, surgindo então o Coringa com sua altivez, confiança e dotado de
um significado para existir, uma representação alegórica da sua imersão
consciente na luta de classes e através dos instrumentos de luta dos explorados
impor pela força e violência revolucionária a superação do capitalismo e a
edificação de sociedade sem classes, opressores e oprimidos.