domingo, 13 de outubro de 2019

JOKER DE TODD PHILLIPS: UMA ALEGORIA CINEMATOGRÁFICA DA OFENSIVA REACIONÁRIA MUNDIAL INICIADA COM A DESTRUIÇÃO DA URSS E SEDIMENTADA COM A ERA DO “CORINGA” TRUMP


Entrou em cartaz nos cinemas de todo mundo o aguardado filme Joker (Coringa), do diretor Todd Phillips. A qualidade artística do filme é inquestionável desde a direção, o roteiro, a fotografia, a trilha sonora e a atuação magnífica do ator Joaquim Phoenix que protagoniza o lendário personagem “vilão” das histórias em quadrinhos. O que marca ainda mais a relevância desta obra cinematográfica é, sem dúvida alguma, a abordagem do enredo, a origem do Coringa, através do gênero (drama) e uma construção narrativa crítica, densa e complexa, absolutamente distinta dos alienantes filmes de ação e entretenimento dos super-heróis hollywoodianos. A grande reflexão proposta pelo filme é a crise da sociedade capitalista, sua decadência moral e civilizatória, em resumo, a barbárie que atravessamos nos dias atuais. Esse é o ambiente desesperador que constitui o personagem Arthur Fleck e o transforma em Coringa. A história vivida em uma metrópole da década de 1970, a fictícia (Gotham City), uma referência a filmes como Taxi Driver e o Rei da Comédia, é na verdade uma alegoria para retratar a ofensiva mundial do capitalismo, aberta com a destruição contrarrevolucionária da URSS e suas terríveis consequências na esfera econômica, política, militar, cultural e ideológica em pleno curso no século XXI. O deslinde desse cenário é a degradação das condições de existência do classe trabalhadora, a incrementação da acumulação do capital e a sedimentação da barbárie social refletida na onda reacionária de crescimento da extrema-direita, do fascismo, das seitas religiosas (neopentecostais). Todo esse espectro ideológico consubstanciador dos comportamentos sociais e políticos patológicos que catapultou as aberrações Donald Trump à Casa Branca nos EUA e ao Palácio do Planalto Jair Bolsonaro no Brasil, uma onda reacionária que vem crescendo a passos largos também na Europa há alguns anos. Registre-se que a LBI foi a primeira corrente política trotskista a prever em voz solitária esse desenlace bárbaro com a queda do Muro de Berlim, o fim da URSS e dos Estados operários do Leste Europeu enquanto toda esquerda e os revisionistas do trotskismo festejavam “o fim do Stalinismo” e a “vitória da democracia” no final dos 80 e início dos 90.

O trabalho do diretor Todd Phillips no filme é genial tanto na qualidade técnica e artística como fazer da arte (cinema) um espaço crítico do regime social vigente e abrir a discussão mesmo que subliminar de uma alternativa, neste terreno árido da indústria cinematográfica, sobretudo, Hollywoodiana. Tal intenção fica clara nas camadas utilizadas no filme para mostrar a construção o personagem Coringa. A primeira é começar a retração do personagem Arthur pelo comportamento psicótico, sua identificação individual e subjetiva, ou seja, seu quadro particular de insanidade mental e ao mesmo tempo interpor como potencializador da sua condição psíquica as interações sociais de opressão e violência a que está submetido na sociedade burguesa.

Nesse quadro é forjado o personagem Coringa que, infelizmente, o grande público, os críticos e mesmo a intelectualidade artística não perceberam a profundidade do seu significado e, por conseguinte, do próprio filme. Poucos atingiram e expressaram a compreensão real do filme, a maioria se restringiu aos aspectos da excelência das técnicas cinematográficas utilizadas e a impressionante interpretação realizada por Joaquim Phoenix ou ficou perdida em elucubrações a respeito dos transtornos da psique humana, jogando-o no lugar comum da sociopatia e o potencial perigo representado pelo desejo de vingar-se da sociedade, em especial, daqueles que considera responsáveis por sua condição.

Entretanto, a camada mais importante do filme, colocada como pano de fundo, é a luta de classes, representada pelo ódio da população explorada de Gotham City aos ricos (o capital) e seus representantes como o magnata Thomas Wayne (pai do Batman), uma referência clara a Trump, que personifica o velho “Coringa” retratado originalmente no seriado televisivo da década de 60, um sociopata e direitista, o mais perigoso doente destruidor e de maior potencial letal junto com os falcões militares que comandam o completo industrial-militar ianque capazes das piores perversidades contra o gênero humano, todo o oposto do Joker retratado pela atual película do diretor Todd Phillips. A luta de classes é reafirmada como motor das transformações sociais e a necessidade da superação do capitalismo se coadunam como forma de dar sentido à vida e tornar viável uma alternativa de sociabilidade humana frente à barbárie. Para nós Marxistas essa tarefa exige um verdadeiro “Coringa” do proletariado, ou seja, um partido revolucionário comunista com peso de massas ser construído no coração do monstro imperialista, nos EUA.

O filme abre uma oportunidade para uma percepção e discussão dessa questão fundamental para a viabilidade histórica da humanidade, ou seja, as mazelas provocadas pelo modo e relações de produção capitalistas, numa condição de exploração tamanha que a própria razão filosófica de existir é subtraída, restando o vazio, as neuroses e crescente pulsão de morte. A disjuntiva máxima de Rosa Luxemburgo, “Socialismo ou Barbárie” se faz viva no filme ainda que seu diretor obviamente não chegue a essa conclusão!

Enfim, o absurdo existencial, que é experimentado por Arthur, simbolizado brilhantemente nas cenas das escadarias que sobe diariamente com tanto sacrifício como se estivesse condenado a fazer sempre a mesma ação, está alusão ao personagem mitológico Sísifo é uma referência a obra filosófica de Albert Camus. Sua “maldição” de estar preso a uma vida de horror sem nada que a justifique é quebrada ao perceber o potencial da “luta de classes”, metaforicamente retratada pelo seu justo ódio contra aqueles que o oprimem e a energia da utilização da violência. Quando isso ocorre na parte final do filme o personagem alquebrado, humilhado e sem vida Arthur Fleck desaparece completamente, surgindo então o Coringa com sua altivez, confiança e dotado de um significado para existir, uma representação alegórica da sua imersão consciente na luta de classes e através dos instrumentos de luta dos explorados impor pela força e violência revolucionária a superação do capitalismo e a edificação de sociedade sem classes, opressores e oprimidos.