quarta-feira, 23 de outubro de 2019

49 ANOS DA MORTE DO “COMANDANTE TOLEDO” DA ALN: JOAQUIM CÂMARA FERREIRA, HEROI DO POVO BRASILEIRO, VÍTIMA DOS FASCISTAS DA DITADURA MILITAR!


Conhecido como “Comandante Toledo” ou o “Velho”, Joaquim Câmara Ferreira foi um dos principais dirigentes da ALN ao lado de Carlos Marighela. Entrou para o Partido Comunista Brasileiro (PCB) em 1933. Jornalista, dirigiu diversos periódicos do partido e, em 1937, quando Getúlio Vargas instaurou o Estado Novo, passou a atuar de forma clandestina. Esteve por vários anos preso, tendo sido torturado pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) paulista. Foi submetido a pau de arara, palmatória, afogamentos. Também enfiaram farpas de bambu embaixo de suas unhas, que foram definitivamente arrancadas. Durante as décadas de 1940 e 1950 esteve à frente da imprensa do PCB em São Paulo. Depois da anistia, em 1945, e da legalidade do PCB, Câmara se tornou um dos principais dirigentes do partido em São Paulo. Em 1948, viajou para a União Soviética para realizar estudos sobre política. Em 1964, foi preso pelos órgãos policiais por realizar uma palestra para operários em São Bernardo do Campo, sendo libertado pouco depois. Foi condenado pela ditadura militar a dois anos de reclusão. Rompido com o PCB, durante a ditadura militar, foi um dos fundadores da Ação Libertadora Nacional (ALN). Em 1967, foi um dos principais signatários do “Manifesto do Agrupamento Comunista de São Paulo” – que se tornou o embrião da ALN. Era considerado o número dois da ALN e participou diretamente da captura do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, em setembro de 1969, que garantiu a libertação de 15 presos políticos. 


O comandante Toledo – seu nome de guerra durante a guerrilha urbana – participou do rapto do embaixador estadunidense, que garantiu a libertação de inúmeros prisioneiros políticos. Foi preso no dia 23 de outubro de 1970, na Avenida Lavandisca, em São Paulo. Do local de sua prisão, Câmara foi levado, já sob tortura, para o sítio clandestino “31 de março”, utilizado pelo delegado fascista assassino Sérgio Fleury. No sítio, continuou sendo torturado, morrendo algumas horas após sua prisão. A presa política Maria de Lourdes Rego Melo é testemunha de que Joaquim Câmara Ferreira foi preso vivo e levado ao sítio clandestino do delegado, e que a sua morte se deu como consequência da violência das torturas. Morreu nas mãos dos seus algozes fascistas há 49 anos. Em nome da LBI prestamos nossa justa homenagem a esse herói da esquerda na luta contra a ditadura militar, seu nome entrou para a galeria de mártires do povo brasileiro e virou referência obrigatória para todos aqueles lutam até hoje contra a ditadura do capital e a dominação imperialista. Apesar de sua adesão ao stalinismo (PCB) e depois ao foquismo (ALN) com todos os equívocos derivados dessas opções política, Joaquim Câmara Ferreira é um exemplo de dedicação a causa revolucionária do proletariado mundial!

DO INÍCIO DA MILITÂNCIA STALINISTA À LUTA CONTRA O FASCISMO

Joaquim Câmara Ferreira nasceu em Jaboticabal no dia 5 de setembro de 1913. Seu pai, o engenheiro Joaquim Batista Ferreira Sobrinho, havia sido por três vezes prefeito dessa pacata cidade do interior paulista. A mãe, Cleonice Câmara, morreu depois de apenas vinte dias de ele ter nascido. Seguindo o caminho paterno, foi estudar na Escola Politécnica de São Paulo. Porém, no segundo ano, abandonou a engenharia e se transferiu para o curso de filosofia na Universidade de São Paulo (USP) que estava se iniciando. Também estava no início o seu engajamento político junto ao movimento comunista. Certo dia indo para a Politécnica viu alguém que atentamente lia um livro de Vladimir Ilitch Lênin. O jovem curioso se aproximou e começou uma discussão sobre o socialismo e o marxismo. O estranho era o comunista Adolfo Roitman – que já havia passado pelas prisões do novo regime de Vargas. Eles marcaram outros encontros, nos quais conheceria Noé Gertel e Caio Prado Jr. Em 1932, ao lado desses novos companheiros, organizou um núcleo do Socorro Vermelho Internacional, órgão de ajuda e solidariedade aos perseguidos políticos. No ano seguinte, estaria militando ativamente no PCB. Quem o recrutou foi Sebastião Francisco, secretário de organização do comitê estadual de São Paulo. A veterana comunista Sara Mello contou ao historiador Luiz Henrique de Castro Lima o que aconteceu: “Câmara falou o que esperava (do Partido) e esse companheiro disse: ‘Então, você pode se considerar hoje membro do Partido Comunista do Brasil’. Foi a maior sensação da vida de Câmara (...) o dia em que foi considerado membro do Partido Comunista do Brasil”.

FRENTE ÚNICA COM OS TROTSKISTAS PARA EXPULSAR OS “GALINHAS VERDES” FASCISTAS

Aqueles eram anos de ascensão do nazi-fascismo. Em janeiro de 1933 Hitler assumiu o poder na Alemanha. No Brasil, os integralistas começavam a se assanhar. Reagindo a isso, em 1934, os comunistas brasileiros criaram o “Comitê de luta contra a reação, o fascismo e as guerras imperialistas”, que ficaria conhecido simplesmente como “Comitê antiguerreiro”. À frente desse trabalho estava Joaquim Câmara Ferreira. Devido ao seu esforço, ele foi cooptado para o comitê estadual. Tinha então 21 anos de idade. Como membro da Juventude Comunista, participou da chamada Batalha da Praça da Sé, também conhecida como A Revoada dos Galinhas Verdes, em 7 de outubro de 1934, quando militantes antifascistas expulsaram as milícias integralistas que haviam ocupado a praça da Sé. Trotskistas, dirigentes do Comitê Regional do PCB paulistano e anarquistas, além de várias entidades operárias e sindicais, que formaram uma Frente única antifascista, colocaram para correr embaixo de balas um comício realizado pela AIB Ação Integralista Brasileira, uma instituição totalmente nazifascista. O Integralismo, uma versão tupiniquim do nazifascismo, tentou criar uma doutrina que pretendia "abrasileirar" o Fascismo Italiano e o Nazismo Alemão, defendendo a implantação deste regime político no Brasil. Nessa época desde o início dos anos 30, o fascismo estava num de seus pontos de maior ebulição política pelo mundo, na Espanha, na Itália, na Alemanha, na Polônia, na Hungria e em outras regiões, em maior grau nos países atingidos após a Primeira Guerra Mundial. No Brasil, era até certo ponto fácil encontrar publicações desse caráter de modo geral, sedes, realizações de comícios, tentativas de demonstração de força como desfiles, aliás, desfiles estes que eram marcados pelos uniformes verde-oliva e por estandartes do SIGMA (símbolo Integralista). Também não podemos nos esquecermos nunca que esse período histórico também marca o auge da LUTA ANTIFASCISTA no mundo encabeçado pelos movimentos operários e populares, aos quais se recusavam a seguir a orientação de paralisia vinda de Moscou e da III Internacional já sob o controle de Stalin. Os integralistas, assim como os nazistas na Alemanha criaram suas milícias armadas, uniformizadas e treinadas para a destruição e aniquilação dos seus adversários de classe, evidentemente que esses inimigos viscerais eram encabeçados pelos Trotskistas, setores da esquerda comunista e anarquistas. Nessa época (meados dos anos 30) o Brasil atravessava a hegemonia do regime ditatorial de Getúlio Vargas, que como seu antecessor na presidência Arthur Bernardes (1922-1926), cassou incessantemente o movimento operário , criando inclusive campos de concentração como o do Oiapoque (Crevelândia) e para lá foram enviados grande número de Comunistas e anarquistas, que ali desgraçadamente morreram... Voltando ao memorável dia 7 de outubro de 1934... Para aquela data havia sido convocado um comício para demonstração de força Integralista, nessa época era imenso o combate contra o fascismo e integralismo, eram realizados comícios antifascistas aos quais a Liga Comunista e o CR do PCB de São Paulo sempre se fizeram presentes ao lado de inúmeros companheiros anarquistas que estavam dispostos a lutar militarmente contra os camisas-verdes com a própria vida se preciso fosse... Pois bem, os antifascistas sabendo do comício Integralista, marcaram um contra comício ou contra manifestação para o mesmo dia e local... e esse dia ficou conhecido historicamente como "A batalha da Praça da Sé". Os grupos antifascistas se distribuíram nas intermediações da Praça da Sé, os principais pontos eram o Largo João Meneses, o pátio do convento do Carmo, no início da Avenida Rangel Pestana, o largo de são Bento e a Praça Ramos de Azevedo, os camisa-verdes deviam ser mais de três ou quatro mil, e era grande o contingente de integralistas que desembarcavam de trem vindos de cidades do interior como: Bauru, Jaú, Sorocaba, Campinas, Santos e outras. A Praça da Sé contava com 400 homens dos bombeiros e da cavalaria da polícia, havia também a guarda civil armada, logo as ruas que davam acesso à Praça da Sé estavam policiadas, quando os integralistas acharam que as provisões policiais eram suficientes, iniciam sua manifestação enviando moças e crianças (de propósito) uniformizadas com bandeiras com o sigma e se destinam para as escadas da catedral, onde já se encontram alguns integralistas. Nesse momento os antifascistas já estão a postos na praça, assim que as moças chegam, são recebidas com gritos de "morras" e "fora os galinhas-verdes" e outras qualificações... Alguns integralistas buscam reagir, e começa um princípio de tumulto com alguns tapas e safanões, logo acontecem alguns tiros sem que saiba de onde vem. Cerca de dez minutos depois o grosso das suas formações entram na praça ao seu hino oficial e dando "anauês"(saudação integralista nacional tal qual Heil Hitler na Alemanha). A praça ecoava gritos contra os integralistas e seus hinos... Na seqüência dos fatos, uma rajada de tiros é disparada acertando em cheio a três guardas civis, há versões de que esse disparo fora intencional ou acidental, para os antifascistas e para a população presente que não sabiam da acidentalidade ou não dos disparos, seus autores eram os integralistas, o ódio popular foi despertado e, daí a pouco, mostrou como é perigoso dispertá-lo... Após 10 ou 15 minutos dessa confusão, os integralistas refeitos do pânico dos disparos começam a lotar as escadarias da catedral, esse foi o início da contra-manifestação, algumas breves palavras foram pronunciadas por Fúlvio Abramo "Companheiros antifascistas, viemos a praça para não permitir que o fascismo tome conte da rua e dos nossos destinos", logo após esse pronunciamento começou um intenso tiroteio, por todos os lados os fascistas e os ativistas de esquerda trocando tiros... nesse momento muitos integralistas fugidos se retiram da praça, um último grupo de galinhas verdes continua a lutar contra os antifascistas, mas logo saem em revoada... a maioria dos covardes  integralistas fogem à toda a velocidade da praça para todas as direções, nos dias seguintes são recolhidas as camisas verdes abandonadas pelos seus donos fujões que as abandonaram na debandada que passou a ser conhecida como "A revoada dos galinhas-verdes". Na troca de tiros dezenas tombaram feridos de ambos os lados com alguns desses feridos sendo fatalmente atingidos... A vitoriosa Contra Manifestação de 7 de outubro de 1934, deu um duríssimo golpe nos fascistas fazendo com que eles refluíssem profundamente, até quase o seu total desaparecimento político no Brasil durante décadas.

Câmara Ferreira também participou da formação da Aliança Nacional Libertadora (ANL), que era presidida regionalmente por Caio Prado Jr. A ANL conheceu um rápido crescimento, mas logo foi colocada na ilegalidade pelo governo Vargas. Os comunistas reagiram organizando levantes armados, baseados na sua influência nos quartéis, no Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande do Norte.

Os movimentos foram derrotados e iniciou-se uma dura repressão contra a esquerda. Foram encarcerados milhares de militantes e dirigentes comunistas, entre eles Luiz Carlos Prestes e Antonio Maciel Bonfim, secretário-geral do PCB. Diante dessa situação, o que restou do secretariado do Comitê Central, comandado por Lauro Reginaldo da Rocha, o Bangu, se refugiou no Nordeste. Em 1937 esse órgão se transferiu para São Paulo.

STALINISTA, CÂMARA FERREIRA COMBATEU O “TROTSKISMO” NAS FILEIRAS DO PCB

No mesmo ano da "Batalha da Praça da Sé", o PCB viveu uma cisão de vulto. O mote foram as opções colocadas diante das eleições presidenciais. O Comitê Regional de São Paulo, liderado por Hermínio Sachetta, defendia o apoio à candidatura do paulista Armando Salles de Oliveira, mas na condição de que ele aceitasse um programa democrático assentado na anistia, aplicação da Constituição de 1934 e combate ao integralismo. Além do atendimento de algumas reivindicações populares, como o combate à carestia e pelo aumento dos salários. Ao contrário, o secretariado do Comitê Central definiu-se pela candidatura do nordestino José Américo de Almeida. Isso não deveria estar vinculado a nenhuma condição preliminar, a não ser à oposição ao integralismo em ascensão e à garantia da própria eleição. Aos poucos essa tese foi conseguindo a adesão da maioria dos comitês partidários.

Contudo, o que mais contribuiu para isso foi a posição assumida pela Internacional Comunista stalinizada a seu favor. Os que discordavam passaram a ser acusados como trotskistas, coisa que efetivamente não eram e acabaram expulsos do Partido. Câmara Ferreira, desde o primeiro momento, tomou posição ao lado da maioria do Comitê Central, combatendo o grupo de Hermínio Sachetta. Com a cisão as acusações se multiplicavam de lado a lado. Sachetta descreve assim esse episódio no livro 'O Caldeirão das Bruxas e Outros Escritos Políticos': “Após a derrota do levante de novembro de 1935, o jornalista Sacchetta (nome de guerra Paulo) dirigia o Comitê Regional de São Paulo e foi cooptado para o Birô Político do Comitê Central do PCB. Mais jovem, Câmara Ferreira (nome de guerra Alberto) trocou o curso de engenharia pela profissão de revolucionário. Em 1937, o Comitê Regional Paulista divergiu da linha preconizada pelo Comitê Central a respeito das eleições presidenciais. A divergência se aprofundou e levou a discussões agressivas e intransigentes. Com o apoio da Internacional Comunista, Lauro Reginaldo da Rocha (Bangu), secretário-geral do Comitê Central, venceu a disputa: os divergentes de São Paulo foram expulsos do partido sob a acusação de renegados trotskistas, a mais infamante para um militante comunista. Acontece que, ao travar-se a luta interna — conforme relata Heitor Ferreira Lima —, nenhum dos divergentes do Comitê Regional paulista era trotskista e, em seguida, apenas um deles — Sacchetta, precisamente — aderiu ao trotskismo. Tendo tomado posição ao lado do Comitê Central, Câmara Ferreira não podia mais continuar amigo de Sacchetta, com o qual se iniciara na vida partidária. A amizade se transformou em rancorosa inimizade. Da qual compartilhou Carlos Marighella, enviado a São Paulo pelo Comitê Central, em 1938, a fim de fortalecer a direção regional na luta contra os ‘fracionistas trotskistas’”. Joaquim Câmara Ferreira e Hermínio Sacchetta voltariam a se encontrar anos depois no combate à ditadura militar imposta em 1964.

ENFRENTOU O A DITADURA DO “ESTADO NOVO” DE VARGAS

Em 1939 Câmara Ferreira foi convocado para dar assistência ao Partido em diversos estados nordestinos. Algo muito perigoso tendo em vista a ofensiva policial desencadeada contra o PC do Brasil. Na volta, em março de 1940, foi preso no Rio de Janeiro. Todos os dirigentes nacionais estavam nas mãos da repressão e Partido ficara acéfalo. Segundo Gertel: “Câmara Ferreira foi torturado barbaramente com palmatória, afogamento, pau-de-arara e estiletes de madeira enfiados nas unhas”.

Apesar do suplício, ele não deu nenhuma informação que pudesse prejudicar o Partido. Um dia quebrou uma janela da delegacia – cortando os pulsos – e gritou: “estão me torturando! Viva Prestes!”. Por seus ferimentos, que impediam de usar uma das mãos, teve que ser operado ainda na prisão. Aquela seria uma experiência dolorosa que o marcaria por toda a sua vida. Ele foi condenado a sete anos de prisão pelo Tribunal de Segurança Nacional e por dois anos e meio permaneceu incomunicável na Casa de Detenção. Antes de ser preso havia conhecido Leonora Cardieri e tornaram-se namorados. O casamento seria feito na prisão de Ilha Grande em 1944. Solto um mês antes da anistia foi trabalhar no Diário de São Paulo. Entre 1946 e 1948 nasceram seus dois filhos: Roberto e Denise.

Ao contrário da maioria dos presos políticos – como Marighella –, Câmara Ferreira defendia a necessidade da Conferência da Mantiqueira, ocorrida em 1943, e o processo de reorganização do Partido que vinha sendo realizado por homens como Diógenes Arruda Câmara, Amarílio Vasconcelos, Maurício Grabois, Pedro Pomar, João Amazonas e Mário Alves.

Depois da anistia, em 18 de abril de 1945, e da legalidade do PCB, Câmara se tornou um dos principais dirigentes do partido em São Paulo. Foi um dos responsáveis pela criação de diretor-redator do jornal paulista Hoje. A publicação era diária e, entre 1945 e 1947, chegou a disputar a venda com grandes jornais como O Estado de S. Paulo. Em janeiro de 1947, os stalinistas tiveram uma grande vitória elegendo 11 deputados estaduais e dois federais, além de ajudarem a eleger Adhemar de Barros para o governo de São Paulo. Essa foi uma vitória de Pirro que refletia bem a política do stalinismo, pois logo ele se voltaria contra o Partido apoiando a sua cassação (1947) e de seus deputados (1948). A partir daí a repressão do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) paulista seria ainda mais dura com seu ex-aliado.

Um dos momentos mais dramáticos desses enfrentamentos foi a invasão da redação e oficinas do Hoje, ocorrida em 2 de janeiro de 1948. De madrugada, um delegado e dezenas de policiais compareceram à porta do jornal, comunicando que aquela edição seria apreendida. Câmara Ferreira exigiu um mandado judicial, que eles não tinham. Diante disso, tomou a decisão de resistir nem que fosse à bala. Dentro das oficinas havia mais de 40 empregados e o deputado comunista Estocel de Moraes. Em seguida, estourou um tiroteio que durou várias horas. O conflito terminou próximo ao amanhecer quando, já sem munição e num ambiente saturado de gás lacrimogêneo, os resistentes tiveram que se render. À exceção de Estocel, que tinha imunidade parlamentar, todos os demais foram conduzidos ao DOPS. Num primeiro julgamento Câmara foi condenado a um ano de prisão.

Quando saiu da cadeia ele reassumiu a direção do Partido em São Paulo e do Notícias de Hoje – novo nome adotado pelo jornal que havia sido proibido pela polícia. Este se transformaria no porta-voz dos operários durante a greve geral que sacudiu São Paulo em 1953. Nos dias da paralisação as vendas subiram de quatro mil para 25 mil exemplares por dia. Por trás disso estava o valente Câmara Ferreira. Entre 1948 e 1953, a linha do Partido foi marcada pelo esquerdismo e por uma retórica radicalizada contra os governos Dutra e Vargas. E isso acarretaria aos editores dos jornais comunistas – como Câmara Ferreira – muitos processos e breves detenções.

NA CRISE DO STALINISMO MUNDIAL COM A REVELAÇÃO DO “RELATÓRIO
KRUSCHEV” EM 1956, MANTEVE-SE NO PCB APOIANDO A POLÍTICA DE MOSCOU

Em meados da década de 1950, ninguém imaginava que o movimento comunista estava às portas de uma grande crise. Tudo começou em 1956 quando, no XX Congresso do Partido Comunista da União Soviética (PCUS), Kruschev denunciou parcialmente os crimes cometidos por Stalin apesar de manter sua política de coexistência pacífica com o imperialismo a nível mundial. A notícia transmitida inicialmente pela imprensa burguesa ocasionou um choque profundo e uma fratura ideológica que teria inúmeras consequências. Momentaneamente, no Brasil, houve o fortalecimento de uma corrente kruchoviana. Seu principal expoente foi Agildo Barata – um dos heróis do Levante de 1935. Alguns anos depois foi fundado o PCdoB de João Amazonas mas Câmara Ferreira manteve-se fiel ao PCB alinhado com o PCUS. Depois a direção nacional aprovou a Declaração de Março que representava uma adaptação da linha do partido brasileiro as orientações de Moscou e do PCUS. Pelas teses o regime de "democracia popular" (capitalista de transição ao 'socialismo') deveria ser conquistado gradualmente através de sucessivas reformas e de diversos governos de caráter democrático e nacionalista – sem a necessidade de uma ruptura revolucionária. Tal posição não obteve o consenso entre os stalinistas brasileiros e gerou grande polêmica.

As consequências da crise aberta entre 1956 e 1957 com o "Relatório Kruchev" foram avassaladoras: a União da Juventude Comunista (UJC) entrou em colapso e a maioria dos jornais regionais sofriam com a deserção ou afastamento de seus jornalistas abalados com as denúncias contra Stalin. O Notícias de Hoje também deixou de existir. O semanário Voz Operária – órgão oficioso do PCB – se transformou em Novos Rumos e Câmara Ferreira assumiu a chefia de sua sucursal paulista. Ele, num primeiro momento, se alinhou à nova política partidária. Por isso, segundo Gorender, esteve entre aqueles que ajudaram na elaboração das teses do V Congresso do PCB, que seguia no mesmo rumo da Declaração de Março de 1958. Depois de sua publicação, a discussão, através da Tribuna de Debates, foi muito acesa e radicalizada. Colocaram-se em trincheiras opostas antigos camaradas. De um lado, Prestes, Marighella, Gorender, Câmara Ferreira, Mário Alves; de outro, Amazonas, Grabois, Pomar, Lincoln Oest e Carlos Danielli. O resultado do confronto político e ideológico foi que a linha ligada ao PCUS saiu vitoriosa. Arruda, Amazonas e Grabois perderam seus lugares no Comitê Central e anos depois fundaram o PCdoB. Joaquim Câmara, alinhado à maioria, passou a compor o órgão dirigente nacional.

ROMPE COM O PCB, ADERE A LUTA ARMADA E FUNDA A ALN AO LADO DE MARIGHELLA

No interior do PCB gradualmente foram surgindo diferenças de opiniões. Dirigentes que haviam apoiado as teses do congresso agora demonstravam algumas dúvidas e propunham uma linha política um pouco mais à esquerda. Essas diferenças ainda pouco percebidas pela militância se tornariam explosivas com o golpe militar. A incapacidade de prever o que estava acontecendo e a inexistência de um movimento mais amplo de resistência popular aos golpistas geraram descontentamentos nas fileiras do PCB. Muitos começaram a procurar outras alternativas. Após a implantação da ditadura, o Comitê Central se dividiu. Em maio daquele ano a Comissão Executiva aprovou o documento Esquema para discussão. Ele trazia uma crítica às posições conciliadoras adotadas pelo PCB durante o governo Goulart e as responsabilizava pela derrota ocorrida quase sem luta. Essa resolução conseguiu ser aprovada porque os dirigentes que estavam disponíveis no Rio de Janeiro eram ligados à esquerda partidária, como Gorender, Mário Alves e Câmara Ferreira. Quando Prestes e outros membros da direção vinculados a ele – que eram a maioria – tomaram pé da situação procuraram reverter a decisão anterior.

O embate direto entre as duas linhas ocorreu durante a primeira reunião do Comitê Central e venceu aquela capitaneada por Prestes. O Esquema seria duramente criticado e impedido de circular, acusado de esquerdista. Seus defensores foram derrotados e perderam o espaço que tinham na direção nacional. O mesmo não aconteceu nos principais comitês partidários, especialmente nos estados de São Paulo e Guanabara. Ali a esquerda aumentou o seu prestígio e se preparou para o combate.

Às vésperas do VI Congresso do PCB o debate tomou nova dimensão e se radicalizou. A situação na direção nacional não era nem um pouco tranquila. Na Conferência de São Paulo, por exemplo, mesmo com a presença de Prestes, as teses oficiais foram derrotadas – conseguindo apenas 4 votos entre os 37 delegados presentes. Foi uma vitória consagradora para Marighella e Câmara Ferreira. Diante desse resultado desfavorável, o Comitê Central simplesmente interveio e impôs outra direção regional. O Congresso se realizaria em dezembro de 1967, mas sem a participação dos delegados da oposição. Uns haviam sido expulsos antes e outros não haviam recebido os pontos corretos que os levariam ao conclave. Esses métodos foram usados por aqueles que se diziam críticos do stalinismo.

Naquele processo conturbado surgiu a chamada “corrente revolucionária” que, num primeiro momento, congregava todos os descontentes com a linha reformista predominante. O que os unificava era a proposta de luta armada como forma privilegiada de pôr fim ao regime militar. Em breve, esse grupo explodiria e a partir dele se formariam diversas organizações clandestinas, como Ação Libertadora Nacional (ALN), o Partido Comunista Brasileiro Revolucionário (PCBR) e as Dissidências da Guanabara e São Paulo (DIs).

ENFRENTANDO A DITADURA DE ARMAS NAS MÃOS: NO COMANDO DO RAPTO DO EMBAIXADOR IANQUE

Marighella e Câmara Ferreira criariam o Agrupamento Comunista de São Paulo que logo daria origem à Ação Libertadora Nacional (ALN). Câmara foi o grande organizador tanto do “agrupamento” como da ALN, enquanto Marighella era o agitador e aquele que tinha maior expressão pública. Vários de seus camaradas afirmaram que Câmara Ferreira, ao contrário de Marighella, se mostrou inicialmente reticente em relação às teses militaristas e foquistas desenvolvidas por Régis Debray. Mas mesmo assim – seguindo a corrente – acabou mergulhando de corpo e alma na luta armada.

Como dissemos anteriormente, Sachetta e Câmara Ferreira que estavam rompidos desde a perseguição ao núcleo trotskista no PCB se uniriam pontualmente de novo contra outra ditadura: a militar. Assim descreve Sachetta: “Por que, então, Hermínio Sacchetta aceitou o convite que lhe trouxe Câmara Ferreira de colaborar com a ALN? Justamente com a ALN, cuja orientação estratégica (nacional-libertadora) e tática (luta armada imediatíssima) era tão oposta àquela que vinha expondo insistentemente no Bandeira Vermelha?  Imagino que, como tantos naquela época, Sacchetta queria realizar algo bem concreto contra a ditadura militar. Não se satisfazia com a doutrinação e a propaganda em pequenos círculos. Pôs de lado discordâncias teóricas, afastou velhos agravos e passou a ter encontros regulares com o antigo companheiro, durante muitos anos separado pela inimizade política. Esteve também com Marighella e selou o pacto da reconciliação e da luta comum. Apesar de sexagenário já abalado por um infarto, resolveu correr riscos que, por experiência, não ignorava. No final de janeiro de 1969, a direção da VPR teve urgente necessidade de tirar as armas expropriadas da Loja Diana do depósito secreto em que se encontravam. O depósito era conhecido de Hermes Camargo Batista, preso no episódio da pintura do caminhão em Itapecerica da Serra. A direção da VPR pediu a ajuda da ALN e Câmara Ferreira recorreu a Sacchetta. Este arrumou às pressas um lugar seguro. Em três viagens do Fusca guiado por Renato Caldas, foi posto a salvo o arsenal de carabinas, revólveres 38 e caixas de munição. Às oito e meia da manhã de 15 de agosto de 1969, um destacamento de doze guerrilheiros da ALN invadiu a estação transmissora da Rádio Nacional em Piraporinha, perto de Diadema (Grande São Paulo). Dominados os funcionários, um dos invasores interrompeu a ligação com o estúdio e ligou ao transmissor de ondas curtas uma gravação. Com o fundo musical do Hino da Internacional Comunista e do Hino Nacional, a gravação anunciou o nome de Carlos Marighella e reproduziu o manifesto lido por ele. Na meia hora em que a estação esteve sob controle da ALN, deu tempo para repetir a gravação. No mesmo dia 15, o jornal paulistano Diário da Noite lançou uma segunda edição com o texto integral do manifesto de Marighella captado pelo setor de radioescuta. A decisão de publicar o manifesto partiu do diretor de redação Hermínio Sacchetta. Os demais jornais se limitaram a noticiar o episódio da invasão da Rádio Nacional de São Paulo, pertencente à Rede Globo. Pegada de surpresa, a Polícia não pôde recolher das bancas senão pequena parte da segunda edição do Diário da Noite. Tão grave infração da censura não podia ser tolerada. A Polícia Federal prendeu o diretor de redação e o indiciou em inquérito criminal. Apesar da ficha de antecedentes nada recomendáveis do indiciado, o inquérito deu em nada e o suspeito de conivência subversiva foi solto após algumas semanas. Mas perdeu o emprego. Até hoje, corre a versão da casualidade da participação de Sacchetta no episódio. Agora, deve-se esclarecer em definitivo que não houve casualidade. Sacchetta recebeu previamente cópia do manifesto de Marighella das mãos de Câmara Ferreira, avisado do que ia ocorrer e da participação que a ALN esperava dele. Como não era iniciante inexperiente, Sacchetta tomou as precauções de cobertura, na previsão de que podia vir a enfrentar pesadas complicações. Orientou o setor de radioescuta do seu jornal para captar a transmissão da Rádio Nacional e, tão ‘surpreso’ quanto os colegas, decidiu desafiar a censura: furo de reportagem é dever profissional de jornalistas”

Câmara Ferreira esteve à frente da mais espetacular ação dos grupos guerrilheiros urbanos: o rapto do embaixador ianque Charles Burke Elbrick. A ideia da captura havia partido da Dissidência da Guanabara (DI-GB), mas ela não tinha quadros experientes para executar essa tarefa. Por isso, pediu a ajuda da ALN de São Paulo. O apoio foi acertado diretamente com Câmara Ferreira, sem que a ALN do Rio e mesmo Marighella soubessem de nada. A essa ação foram incorporados Virgílio Gomes da Silva (Jonas) e o próprio Câmara Ferreira (Toledo), ambos dirigentes da ALN. O primeiro seria o comandante militar e o segundo comporia o comando político, que ajudaria a elaborar o manifesto público e a lista de militantes presos que seriam trocados pelo embaixador, além de definir os delicados passos das negociações com a ditadura.

A operação, realizada na semana da pátria, foi um sucesso. Quinze revolucionários foram libertados e o manifesto saiu nos principais meios de comunicação. O texto divulgado concluía assim: “Finalmente, queremos advertir aqueles que torturam, espancam e matam nossos companheiros: não vamos aceitar a continuação dessa prática odiosa. Estamos dando o último aviso. Quem prosseguir torturando, espancando e matando ponha as barbas de molho. Agora é olho por olho, dente por dente.”

A ditadura saiu desmoralizada. Contudo, a resposta dos militares seria dura e desarticularia a ALN, eliminando seus principais dirigentes. Isso, de certo modo, já havia sido previsto por Marighella, que não soubera antecipadamente da ação e por isso mesmo havia se desentendido com Toledo. O ato espetacular havia jogado demasiada luz sobre uma organização que ainda não estava suficientemente preparada para se defender da ofensiva que seria desencadeada pelos órgãos de repressão.

Poucos dias depois, em 29 de setembro de 1969, Virgílio Gomes da Silva (o comandante Jonas) foi preso, brutalmente torturado e assassinado nas dependências da Operação Bandeirante (OBAN). Quase todos os envolvidos no rapto do embaixador foram presos. Em outubro, o comandante Toledo, como era conhecido, foi obrigado a sair do país até que as coisas se acalmassem. Mas elas não se acalmaram, pelo contrário se agravaram. Na França, recebeu a trágica notícia do assassinato de Carlos Marighella, ocorrido em 4 de novembro em plena Alameda Casa Branca na cidade de São Paulo. Isso o chocou profundamente. Em seguida, viajou a Cuba e teve uma audiência com Fidel Castro, o que reforçou sua autoridade frente ao movimento revolucionário brasileiro. Aos 56 anos faria um curso militar no Estado operário burocratizado cubano.

Sabendo o que se passava pela cabeça de Câmara Ferreira, vários amigos o aconselharam a permanecer no exterior. Diziam que se ele voltasse ao país seria como estar assinando a própria sentença de morte. Mas Câmara Ferreira estava decidido a assumir o seu posto de combate no Brasil. Pesava-lhe nos ombros o fato de que jovens continuavam lutando e morrendo num confronto cada vez mais desigual com a ditadura. E em dezembro de 1969 – dois meses depois de partir – Câmara Ferreira estava de volta e começava a empreender uma desesperada “fuga para frente”. Agora como principal dirigente da ALN, centralizou a organização e manteve a ofensiva militar, contra todas as possibilidades de vitória. Buscou constituir uma “frente armada”, envolvendo a ALN, o Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT) e a Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Procurou também congregar o MR-8 e o PCBR, sem grande sucesso. O seu grande objetivo era criar as condições para dar início à ação guerrilheira no campo. Num dos seus últimos textos escreveu: “A vanguarda foi se definindo, não sob a forma de uma única organização, mas de numerosas. Entretanto havia um denominador comum a todas elas: a compreensão de que a revolução brasileira se desenvolveria fundamentalmente no campo, que teríamos que travar uma guerra prolongada e que deveríamos concentrar nossos melhores esforços na preparação do desencadeamento da guerrilha rural”. Carlos Lamarca (então na VPR) e Joaquim Câmara Ferreira passaram a ser os principais expoentes da guerrilha urbana que não conseguiu se deslocar para o campo e, por isso mesmo, eles passaram a ser os alvos privilegiados da repressão.

TORTURADO PELA DITADURA MILITAR, TOMBA O “COMANDANTE TOLEDO” SEM DAR NENHUMA INFORMAÇÃO AOS FASCISTAS DE SEUS CAMARADAS DE LUTA REVOLUCIONÁRIA

Vítima de uma traição, no dia 23 de outubro de 1970, há exatos 49 anos, Câmara Ferreira foi preso por agentes do DOPS num encontro que teria no bairro de Moema em São Paulo. O velho camarada resistiu o quanto pôde à prisão. Entrou em luta corporal com os policiais que, com muito esforço, o enfiaram na viatura. Depois foi conduzido a um sítio – na verdade um centro clandestino de tortura – mantido pelo famigerado delegado Sérgio Paranhos Fleury. Torturado durante toda a viagem, como era praxe, sofreu um enfarte. Chegou bastante mal no local onde deveria ser interrogado, morrendo pouco tempo depois. Seus algozes não puderam extrair dele nenhuma informação, mas os revolucionários da LBI fazem até hoje uma justa homenagem a esse mártir da causa comunista no Brasil.