sexta-feira, 2 de agosto de 2019

30 ANOS SEM O “REI DO BAIÃO”: HOJE O LIXO CULTURAL “TOCADO” PELAS GRANDES GRAVADORAS CAPITALISTAS IMPÔS O FIM DO GENÚINO FORRÓ DEFENDIDO COM BRAVURA PELO MESTRE LUIZ GONZAGA


No dia 2 de agosto de 1989, há exatos 30 anos morria, em Recife (PE), o “Rei do baião”, o músico e compositor Luiz Gonzaga. Apreciado por grandes nomes da música brasileira como Dorival Caymmi, Gilberto Gil e Caetano Veloso, ele ficou conhecido por composições como “Baião” (1946), “Asa Branca” (1947), “Siridó” (1948), “Juazeiro” (1948), “Qui Nem Jiló (1949) e “Baião de Dois” (1950). Grande instrumentista, popularizou ritmos como baião, o xote e o xaxado, hoje tão vilipendiados pela indústria do lixo cultural imposto pelas grandes gravadoras capitalistas e retrocesso musical que avança em nosso país. Em 13 de dezembro de 1912, na pequena cidade de Exu, 603 Km de Recife, “viu o mundo a minha cara” ao falar de si mesmo. Desde criança enterneceu-se pelos encantos que a sanfona de seu pai (Januário) carregava e revezava com a enxada de pobre roçador. Sua mãe (Santana) repreendia-lhe severamente com puxões de orelha quando dedilhava suas primeiras notas no instrumento. Porém, com apenas oito anos tocou em uma festa ao lado do pai, o que lhe rendeu a sua primeira sanfona, adquirindo fama na região. Um fato decisivo em sua vida foi a paixão pela filha de um importante coronel da cidade, quem negou peremptoriamente o namoro. 

Gonzaga, indignado, tomou umas “truacas” (cachaças) e resolveu partir para cima do famigerado coronel com uma pequena peixeira, mas acabou sendo impedido por sua mãe que lhe aplicou uma tremenda surra. Em razão disto, triste, resolveu fugir para o mato e decidiu que iria se alistar no Exército. Partiu para o Crato (região do Cariri) para vender sua sanfona e comprar uma passagem de trem para Fortaleza onde se alistou. Graças à desobediência a sua mãe, partiu para ganhar o mundo e uma vida rica em experiências e conhecimento musical! No entanto, esta vasta lição de vida e musical vem sendo completamente desfigurada pela grande mídia burguesa (TV e rádio) que coloca as irritantes “bundas” de forró para “homenagearem” um dos mais importantes ícones da música popular de raiz no Brasil de todos os tempos. Esta é mais uma consequência nefasta da etapa contrarrevolucionária por que passamos, a de reação ideológica imposta pelo imperialismo e o “mercado” da indústria cultural bestializante que tem a finalidade de destruir qualquer referência de resistência ainda existente para alimentar “novos” padrões de consumo, tudo o que é descartável e superficial.

O début de Luiz Gonzaga começou durante o período da chamada “Revolução de 30”. Quando soldado do Exército foi possível conhecer vários estados até “montar acampamento” em Juiz de Fora (MG), ocasião em que conheceu um exímio sanfoneiro, Domingos Ambrósio, que lhe introduziu as notas musicais mais elaboradas de valsas, fados, tangos e sambas, deixando o jovem Gonzaga fascinado. Resolve então ganhar a vida com a música, dando baixa no Exército em 1939, seguindo para São Paulo e Rio de Janeiro onde se estabeleceria por vários anos. Seu “aprendizado” musical e de vida desenrolou-se perambulando pelos bares frequentados por prostitutas, pelos cabarés da Lapa, nas ruas e vários programas de calouros. Incongruentemente se apresentava tocando músicas estrangeiras, vestindo terno e gravata... Entretanto, não demorou para que um grupo de estudantes cearenses aconselhasse-o a voltar às suas origens musicais, às da terra de seu pai. E foi nestas bases que se inscreveu num programa de calouros no rádio apresentado por Ary Barroso, com uma música de sua autoria “Vira e mexe”, a qual ficara em primeiro lugar e recebendo calorosos aplausos, o que lhe valeu a abertura das portas para seu primeiro contrato com a Rádio Nacional, pelas mãos do diretor Paulo Gracindo. Gonzagão passou a dividir o palco da rádio com expoentes da MPB do quilate de Mario Lago e Ataulfo Alves, as grandes sensações da época. Teve oportunidade de conhecer artistas de todo o país, sendo que neste aspecto reside o conteúdo universal de sua obra expressa na maturidade. Neste ínterim, trocou experiências com o “gaiteiro” gaúcho Pedro Raimundo que, para surpresa de Gonzagão, se apresentava sempre de “pilcha” (indumentária do gaúcho dos pampas), acendendo-lhe a ideia de também exibir-se com roupas ligadas a sua terra: o chapéu inspirado no cangaceiro Virgulino Ferreira (Lampião), a quem admirava, o gibão e outras peças características do vaqueiro nordestino.

1946 foi o ano que Gonzagão voltou para Exu, cujo encontro com o pai é celebremente detalhado na música “Respeita Januário”, em uma parceria que se inicia com o cearense Humberto Teixeira (“Baião”, “Juazeiro”, “Légua Tirana”, “Assum Preto”, “Paraíba”, etc.) e duraria até 1979 com a morte de Humberto. Um ano depois, comporia juntamente com seu parceiro, já completamente “enraizado” em suas origens, a bela e sofrida “Asa Branca”, o seu maior sucesso (sendo gravada inclusive no exterior por diversos outros artistas dos EUA, Itália, Japão). Neste período nasce também a parceria com Zé Dantas (Humberto candidatou-se a deputado), um legítimo homem do campo. Gonzagão brincava afirmando “Eu sentia até o cheiro de bode nele”! Juntos compuseram a lamentosa “Vozes da seca”. Em 1950 ganha o apelido de “Rei do Baião” após uma apresentação em São Paulo. Luiz Gonzaga desponta como um dos maiores vendedores de disco, condição inédita até então para um artista no Brasil. Era popular e reconhecido em todo o território nacional, docemente reverenciado por inúmeros artistas de peso da MPB, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gonzaguinha, Milton Nascimento, Geraldo Vandré, Clara Nunes etc.
O mais importante é como a mídia murdochiana tratou de “homenagear” o “Rei do Baião apresentando como seus “herdeiros” as “bundas” de forró eletrônico. Para a indústria cultural o que vale é consumir “bunda”, dança tipo aeróbica e os corpos sarados dos dançarinos “forrozeiros”, algo que não tem nada a ver com o genuíno baião, o que equivale a legitimar o lixo cultural que o mercado impõe e repete à exaustão do jabá para “viciar” os ouvidos da grande massa. Ao forró eletrônico corresponde a mesma desvirtualização que aconteceu com a chamada música sertaneja, quando valores incomensuráveis da qualidade de Pena Branca e Xavantinho foram relegados por nomes como Zezé de Camargo e Luciano ou pela porcaria do “sertanejo universitário” descartável atual (os Victor & Leo, João Bosco & Vinicius) cada vez mais urbano, “pop” e desenraizado da autêntica cultura popular.

Hoje, fazem 30 anos que o “Rei do Baião” partiu, deixando saudade e uma imensa lacuna na música popular brasileira. Luiz Gonzaga, junto a seus parceiros, foi quem melhor cantou a vida cotidiana do povo nordestino, suas agruras, a seca, seus amores muitas vezes ingênuos, enfim a luta do sertanejo contra a exasperação da fome. Muito além de suas posições políticas, durante a ditadura militar e suas relações com o coronelismo, que foram reais, cabe destacar o seu relevante papel para a edificação de uma autêntica cultura popular de raiz que vem lamentavelmente sendo destruída pela mídia global permeada apenas pelo consumo fácil de mercado, a mentalidade do descartável, da superficialidade das relações, a péssima qualidade musical e estimulando a belicosidade e a idiotização das novas gerações. A mercantilização da cultura transforma um gênero tipicamente rural, o forró de raiz, em uma estilização completamente distinta, urbana e artificial. Cabe aos revolucionários, o papel de resistir em todas as frentes de atuação às imposições ideológicas e de mercado que visam a destruição da boa música nordestina e brasileira, que não vacila em “homenagear” Luiz Gonzaga vilipendiando sua magnífica obra musical.