quinta-feira, 14 de novembro de 2019

20 ANOS SEM O MESTRE ZÉ KETI: A VOZ DO MORRO COM O "SHOW OPINIÃO" QUE POLITIZOU O SAMBA BRASILEIRO

"Podem me prender
 Podem me bater
 Podem até deixar-me sem comer
 Que eu não mudo de opinião.
 Aqui do morro eu não saio não
 Aqui do morro eu não saio não!"
(Samba “Opinião”, 1964)


Hoje fazem 20 anos que nos deixou o genial mestre do samba Zé Keti, no dia 14 de novembro de 1999. Esse é o apelido de José Flores de Jesus, um dos maiores sambistas cariocas de todos os tempos. Zé Quietinho ou Zé Quieto eram os seus apelidos de infância. Quieto virou Kéti porque a inicial K do nome artístico era a letra que na época era vista como de sorte, nomeava dirigentes políticos como Krushev, Kubitscheck e Kennedy. O próprio sambista divulgou a versão numa de suas falas do Show Opinião, estrelado por ele de 1964 a 1965 ao lado de Nara Leão e João do Vale em plena ditadura militar. Ao longo de 60 anos de carreira, foram mais de 200 composições, inúmeros prêmios, discos e homenagens recebidas, além da admiração dos melhores intérpretes da música popular brasileira. Ele foi também um dos principais responsáveis pela divulgação do samba, por ter trazido a música do morro para o asfalto, estabelecendo uma ligação direta entre dois universos do mundo carioca, o da Favela e o da Zona Sul. 


Foi graças a Zé Keti que intelectuais de esquerda, que resistiam à ditadura militar no início dos anos 60, começaram a gostar da música mais popular, que também virou instrumento de resistência as perseguições impostas pelo regime assassino. O auge dessa resistência musical foi o Show Opinião, quando Zé Keti percorreu o Brasil dividindo o palco com Nara Leão, João do Vale e, depois, Maria Bethânia. Cantou o samba, as favelas e suas dores mas também a malandragem e seus amores em meio a repressão imposta pela ditadura militar.



Nasceu no bairro de Inhaúma, em 16 de setembro de 1921, embora tivesse sido registrado, em 6 de outubro. Em 1924, foi morar em Bangu na casa do avô, o flautista e pianista de João Dionísio Santana, que costumava promover reuniões musicais em sua casa, das quais participavam nomes famosos da música popular brasileira como Pixinguinha, Cândido (Índio) das Neves, entre outros. Filho de Josué Vale da Cruz, um marinheiro que tocava cavaquinho, cresceu ouvindo as cantorias do avô e do pai. Após a morte do avô, em 1928, mudou-se para a Rua Dona Clara. Mudou-se para Bento Ribeiro em 1937 e, logo depois, passou a frequentar a Portela por intermédio do compositor Armando Santos, diretor da escola. Em 1940, ingressou na Polícia Militar, onde serviu por três anos. Em 1945, entrou para o grupo de compositores da Portela - que ainda não era estruturado como "ala" - escola que mais tarde assumiu como a sua de coração. Em 1950, afastou-se da escola por problemas em relação à autoria de algumas composições e foi para a União de Vaz Lobo (1954), só retornando à Portela no início da década de 1960. Em 1960, abriu uma barraca de peixes na Praça Quinze, em sociedade com Luiz Paulo Nogueira, filho do senador udenista Hamilton Nogueira. Foi responsável pela revitalização do samba, na época em que surgiu a bossa nova.

Em 1961 lançou, na quadra de ensaios da Portela, o samba Velha guarda da Portela, obtendo sucesso. Nesse ano ainda, o cantor Germano Matias gravou com êxito o samba Malvadeza Durão. Em 1962, o compositor, aproveitando o sucesso do samba A voz do morro, idealizou um conjunto homônimo que começou a ensaiar com a participação de Nelson Cavaquinho, Cartola, Elton Medeiros e Jair do Cavaquinho. Em 1964, ao lado de Nara Leão e João do Vale, encenou o show Opinião, em que lançou alguns sambas de sucesso, como Opinião, Acender as velas e Diz que fui por aí (com Hortênsio Rocha). Por essa época, Nara Leão gravou em seu primeiro disco solo (Nara) o samba Diz que fui por aí. Em seu disco Opinião de Nara, ela incluiu duas outras composições suas, Opinião e Acender as velas. Também em 1964, Germano Matias lançou Nega Diná e O assalto e, no ano seguinte, o compositor recebeu convite da Musidisc para gravar seus sambas numa fita a ser entregue aos cantores da gravadora, para escolha de repertório. Lá compareceu, levando outros sambistas até então desconhecidos, como Paulinho da Viola, Nescarzinho do Salgueiro, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Oscar Bigode e Zé Cruz, que fizeram o acompanhamento e apresentaram seus sambas. A gravadora resolveu lançar então o LP Roda de samba, com o conjunto de sambistas denominado A Voz do Morro, concretizando antigo plano seu. Esse mesmo conjunto, com Nelson Sargento, gravou mais dois LPs, um pela Musidisc (1965) e outro pela RGE (1966).

O compositor teve ainda dois sambas, em parceria com Elton Medeiros – Mascarada e Samba original – gravados no LP Na madrugada, interpretado por Paulinho da Viola e Elton Medeiros, lançado pela RGE em 1966. Para o Carnaval de 1967, compôs a marcha-rancho Mascara negra (com Hildebrando Pereira Matos), embora a primeira parte tenha sido atribuída ao irmão deste, Deusdedith Pereira Matos. Foi um dos maiores êxitos de sua carreira. Ele teve uma voda intensa. No cinema, em 1957 teve seus sambas Malvadeza Durão e Foi ela incluídos no filme Rio, zona norte, de Nelson Pereira dos Santos. Em 1958, sua música A flor do lodo foi incluída no filme Grande momento, de Roberto Santos. Seus sambas também seriam incluídos nos filmes Boca de ouro (1962), de Nelson Pereira dos Santos. A falecida (1965), de Leon Hirszman, e A grande cidade (1966), de Carlos Diegues.

Nas décadas de 1970 e 1980, morou em São Paulo. Em 1990, de volta ao Rio de Janeiro, participou de uma remontagem do show Opinião. Em 30 de dezembro de 1994, durante show de Paulinho da Viola com a Velha Guarda da Portela, no Leme, Rio de Janeiro, subiu ao palco a convite e cantou várias músicas. Em 1996, aos 75 anos de idade e mais de 200 músicas compostas, gravou o primeiro CD da série Rio Arte Musical, produzido por Henrique Cazes, com quatro músicas inéditas e vários antigos sucessos. Ainda em 1996, em junho, o cantor Zé Renato (ex-Boca Livre) lançou o CD Natural do Rio de Janeiro, com 14 músicas suas. Em outubro desse mesmo ano, subiu ao palco junto com a cantora Marisa Monte e a Velha Guarda da Portela (Jair do Cavaquinho, Monarco, Casquinha e Argemiro) e interpretou com enorme sucesso alguns clássicos do samba, como A voz do morro e O mundo é um moinho (Cartola), entre outros. Em 1997 completou 60 anos de carreira e foi homenageado com o show Na Casa do Noca, na Gávea, Rio de Janeiro. Ainda em 1997, recebeu da Portela um troféu em reconhecimento por seu trabalho e participou da gravação do disco Casa da Mãe Joana. Em janeiro de 1999, recebeu a placa pelos 60 anos de carreira na roda de samba da Cobal do Humaitá. Muito abalado com a perda de Carlos Cachaça, há dois meses antes de falecer, o compositor vinha questionando a morte. "Por que ela existe?", perguntava. Cerca de 150 pessoas compareceram ao velório do compositor na capela Santa de Cássia, no cemitério de Inhaúma (zona norte), onde foi enterrado. Durante o velório, o caixão foi coberto com a bandeira azul e branca da sua escola de samba, a Portela. Na cerimônia, parentes, amigos e compositores da velha-guarda da Portela cantaram emocionados sucessos do compositor. Acompanharam o enterro o cineasta Nelson Pereira dos Santos e os compositores Zé Renato, Jards Macalé, Nelson Sargento, Walter Alfaiate e Noca da Portela. Zé Keti foi enterrado ao som de sua composição "Voz do Morro". O grande mestre do samba, Zé Keti, morreu a 14 de novembro de 1999, aos 78 anos, deixando saudade com suas composições engajadas que marcaram o samba politizado de “opinião”!