HÁ 85 ANOS: LEON TROTSKY ESCREVIA "STALINISMO E
BOLCHEVISMO" ASSENTANDO AS BASES HISTÓRICAS E TEÓRICAS DA IV INTERNACIONAL
O BLOG DA LBI reproduz o precioso
artigo de Trotsky elaborado há 85 anos (1937), explicando a origem do
Stalinismo como negação do Bolchevismo. Nesta polêmica ele combate as posições
de todo um setor da intelectualidade “progressista” e da esquerda em geral da
época, que influenciava elementos simpáticos à fundação da IV Internacional, que
criticavam o “autoritarismo” de Stálin e apontavam a gênese da burocratização
da URSS a partir do comando de Lenin no Partido Bolchevique. Trotsky, ao
contrário, denuncia a ascensão do Stalinismo como produto da derrota sofrida na
Alemanha em 1919 e do cerco das potências capitalistas à URSS, provocando um
amplo “cansaço” das massas que acabou facilitando a sedimentação da burocracia
despótica e sua teoria do "Socialismo em um só país". Por fim, ele
faz um vivo e ardente chamado à construção da IV Internacional para resgatar o
genuíno Bolchevismo diante das tendências reformistas e social-democratas no
interior do movimento operário!
STALINISMO E BOLCHEVISMO
Leon Trotsky (1937)
As épocas reacionárias como a que estamos vivendo não
somente desintegram e debilitam a classe operária e sua vanguarda, mas também
rebaixam o nível ideológico geral do movimento e retroage o pensamento político
a etapas já amplamente superadas. Nestas circunstâncias, a tarefa mais
importante da vanguarda é não se deixar arrastar pelo fluxo regressivo, e sim
nadar contra a corrente. Se a relação de forças desfavorável impede manter as
posições conquistas, ao menos se deve aferrar a suas posições ideológicas,
porque estas expressam as custosas experiências do passado. Os imbecis
qualificarão esta política de "sectária". Na realidade, é a única
maneira de preparar um novo e enorme avanço quando se produzir o próximo
ascenso da maré histórica.
A REAÇÃO CONTRA O BOLCHEVISMO E O MARXISMO
As grandes derrotas políticas provocam inevitavelmente uma
reconsideração dos valores, que geralmente procede de duas direções. Por um
lado, a verdadeira vanguarda, enriquecida pela experiência da derrota, defende
a herança do pensamento revolucionário com unhas e dentes e, sobre esta base,
trata de educar aos novos quadros para as próximas lutas de massas.
Distintamente, os rotineiros, os centristas e os diletantes fazem todo o
possível para destruir a autoridade da tradição revolucionária e se voltam à
busca do "novo verbo".
Poderíamos assinalar uma enorme quantidade de exemplos de
reação ideológica, a maioria dos quais assume a forma da prostração. Toda a
literatura das internacionais Segunda e Terceira e de seus satélites do Burô de
Londres consiste essencialmente em tais exemplos. Nem sombra de análise
marxista. Nenhuma tentativa séria de explicar as causas da derrota. Nem uma
palavra nova acerca do futuro. Nada mais que lugares-comuns, conformismo,
mentira e, acima de tudo, preocupação pela sobrevivência da burocracia. Basta
cheirar dez linhas de Hilferding ou de Otto Bauer para sentir o odor de
podridão. Quanto aos teóricos da Comintern, nem sequer vale a pena
mencioná-los. O célebre Dimitrov é tão ignorante e trivial como um vendeiro com
uma caneca de cerveja. Os intelectos desta gente são demasiado preguiçosos para
renunciar ao marxismo: o prostituem. Porém, estes não são os que nos interessam
aqui. Vamos aos "inovadores".
O ex-comunista austríaco Willi Shclamm publicou um folheto
sobre os processos de Moscou sob o título sugestivo de "A ditadura da
mentira". Schlamm é um jornalista de talento que se ocupa principalmente
dos acontecimentos políticos do momento. Sua crítica das fraudes judiciais de
Moscou, assim como sua denúncia do mecanismo psicológico das "confissões
voluntárias" é excelente. Entretanto, não se limita a isso: pretende criar
uma nova teoria do socialismo que nos imunize contra novas derrotas e fraudes,
no futuro. Porém, visto que Schlamm não é um teórico e, aparentemente, não
conhece bem a história do socialismo, retorna completamente ao socialismo
pré-marxista, principalmente à sua variante alemã, a mais atrasada, sentimental
e simplista de todas. Schlamm renuncia à dialética e à luta de classes, para
não falar da ditadura do proletariado. Para ele, a questão da transformação da
sociedade se reduz à realização de certas verdades morais "eternas",
com as quais quisera imbuir a humanidade, inclusive sob o capitalismo.
A tentativa de Willi Schlamm de salvar o socialismo mediante
o transplante de uma glândula moral foi recebido com alvoroço e orgulho na
revista Novaia Rossiia (velha revista provinciana russa que agora é publicada
em Paris) de Kerenski: como era de esperar, a chefia da redação proclama que
Schlamm chegou aos princípios do autêntico socialismo russo, o qual muito tempo
atrás contrapôs os sagrados preceitos de fé, esperança e caridade à austeridade
e rigor da luta de classes. A "nova" doutrina dos
social-revolucionários russos é, em suas premissas "teóricas", um
simples retorno ao socialismo alemão anterior a março... de 1848!Entretanto,
seria injusto exigir de Kerenski um conhecimento mais profundo que o de Schlamm
da história das idéias. É muito mais importante assinalar que este Kerenski, que
se solidariza com Schlamm, quando dirigiu o governo acusou os bolcheviques de
agentes do estado-maior alemão e os perseguiu. Vale dizer que organizou as
mesmas fraudes judiciais contra as quais Schlamm mobiliza seus gastos absolutos
metafísicos.
Não é difícil desentranhar o mecanismo psicológico da reação
ideológica representada por Schlamm e outros de sua espécie. É gente que
participou durante um tempo num movimento político que jurava fidelidade à luta
de classes e apelava, se não nos fatos ao menos nas palavras, ao materialismo
histórico. Tanto na Áustria quanto na Alemanha o assunto culminou numa
catástrofe. Schlamm tira uma conclusão global: eis aqui o resultado da
dialética e da luta de classes! E, dado que a eleição de revelações está
restrita pela experiência histórica e... pelo conhecimento pessoal, nosso
reformador e perseguidor do Verbo se encontra com uma trouxa de roupa velha e a
opõe valentemente ao bolchevismo e ao marxismo em seu conjunto.
À primeira vista, dir-se-ia que a reação ideológica tipo
Schlamm é muitíssimo grosseira (de Marx a... Kerenski!) para deter-se nela. Na
realidade, é muito instrutiva: pelo seu primitivismo, representa o denominador
comum da reação em todas suas formas, principalmente daquelas expressadas na
condenação total ao bolchevismo.
"DE VOLTA AO MARXISMO"?
O marxismo encontrou sua expressão histórica mais elevada no
bolchevismo. Sob a bandeira bolchevique se realizou a primeira vitória do
proletariado e se instaurou o primeiro estado operário. Contudo, visto que na
etapa atual a Revolução de Outubro conduziu ao triunfo da burocracia, com seu
sistema de repressão, pilhagem e fraude - a ditadura da mentira, na feliz
expressão de Schlamm -, muitas mentes formais e simplistas chegam à mesma
conclusão sumária: não se pode lutar contra o stalinismo sem renunciar ao
bolchevismo. Como vimos, Schlamm vai, todavia, mais longe: o bolchevismo, que
degenerou em stalinismo, surgiu do marxismo, por conseguinte, não se pode
combater o stalinismo com as bases assentadas pelo marxismo. Outros indivíduos,
menos conseqüentes porém mais numerosos, dizem o contrário: "devemos
retornar do bolchevismo ao marxismo". Como? A qual marxismo? Antes de cair
na "bancarrota", sob a forma de bolchevismo, o marxismo já havia
degenerado em social-democracia. Significa, então, que "o retorno ao
marxismo" é um salto por cima das Segunda e Terceira internacionais... à
Primeira Internacional? Porém, esta também se desmoronou em seu tempo.
Portanto, em última instância, trata-se de voltar... às obras completas de Marx
e Engels. Qualquer um pode realizar este salto mortal sem abandonar seu
escritório, sem sequer tirar os chinelos. Porém, como faremos para passar dos
nossos clássicos (Marx morreu em 1883, Engels em 1895) às tarefas do nosso
tempo, saltando várias décadas de lutas teóricas e políticas, incluído o
bolchevismo e a Revolução de Outubro? Nenhum dos que propõe renunciar ao
bolchevismo como tendência histórica "em bancarrota" mostrou outro
caminho. Conseqüentemente, o problema se reduz a estudar O Capital. De nossa
parte nenhuma objeção. Todavia, também os bolcheviques estudaram O Capital, e
não com os olhos fechados. O que não impediu a degeneração do estado soviético
e a realização dos processos de Moscou. Então, o que fazer?
O BOLCHEVISMO É O RESPONSÁVEL PELO STALINISMO?
É certo que o stalinismo é um produto legítimo do
bolchevismo, como sustentam todos os reacionários, como jura o próprio Stalin,
como crêem os mencheviques, anarquistas e certos doutrinários de esquerda que
se consideram marxistas? "Sempre previmos - afirmam - ... ao proibir os
demais partidos socialistas, reprimir os anarquistas e impor a ditadura
bolchevique nos soviets, a Revolução de Outubro somente podia culminar na
ditadura da burocracia. Stalin é a continuação e, por sua vez, a bancarrota do
leninismo".
A falha neste raciocínio está na tácita identificação do
bolchevismo, a Revolução de Outubro e a União Soviética. Substitui-se o
processo histórico do choque de forças hostis pela evolução do bolchevismo no
vazio. Entretanto, o bolchevismo é apenas uma tendência política, estreitamente
fundida com a classe operária, mas não idêntica à mesma. E na União Soviética,
ademais da classe operária, existem cem milhões de camponeses, várias
nacionalidades e uma herança de opressão, miséria e ignorância. O estado
construído pelos bolcheviques reflete não somente o pensamento e a vontade do
bolchevismo, mas também o nível cultural do país, a composição social da
população, a pressão de um passado bárbaro e um imperialismo mundial não menos
bárbaro. Apresentar o processo de degeneração do estado soviético como a
evolução do bolchevismo puro é ignorar a realidade social em nome de apenas um
elemento, isolado, mediante um ato de lógica pura. Basta chamar este erro
elementar por seu verdadeiro nome para destrui-lo sem deixar vestígios.
Seja como for, o bolchevismo jamais se identificou com a
Revolução de Outubro, nem com o estado surgido desta. O bolchevismo sempre se
considerou um fator da histórica, o fator "consciente", importante
mas de nenhuma maneira o decisivo. Jamais caímos no pecado do subjetivismo
histórico. Para nós, o fator decisivo - sobre a base das forças produtivas
existentes - era a luta de classes, não a escala nacional mas internacional.
Ao fazer concessões à propriedade privada camponesa,
estabelecer regras estritas para o ingresso e participação no partido, limpar o
partido dos elementos estranhos, proibir outros partidos, introduzir a NEP,
entregar a concessão de empresas a setores privados, firmar acordos
diplomáticos com os governos imperialistas, os bolcheviques tiravam conclusões
parciais de um fato que, no terreno teórico, lhes resultava claro desde o
começo: que a conquista do poder, por importante que seja, de nenhuma maneira
transforma o partido em soberano do processo histórico. O partido que se
apodera do estado pode, por certo, exercer sua influência sobre o
desenvolvimento da sociedade com um poder que antes lhe era inacessível, porém,
em troca, se decuplica a influência que os demais elementos da sociedade
exercem sobre ele. Um ataque direto das forças hostis pode retirá-lo do poder.
Se o ritmo do processo é mais lento pode degenerar internamente sem perder o
poder. Esta é precisamente a dialética do processo histórico que escapa aos
lógicos sectários para os quais a decadência do stalinismo constitui um argumento
aniquilador contra o bolchevismo.
Em essência, o que dizem esses cavalheiros é: o partido que
não contém em si mesmo a garantia contra sua própria degeneração é ruim. Com
esse critério, o bolchevismo está condenado, pois não tem talismãs. Porém, o
critério é errôneo. O pensamento científico exige uma análise concreta: como e
por que o partido degenerou? Até o momento, apenas os bolcheviques têm feito
esta análise. E não lhes foi necessário romper com o bolchevismo: seu arsenal
lhes supriu de todas as ferramentas necessárias para aclarar sua mente.
Chegaram à seguinte conclusão: é certo que o stalinismo "adveio" do
bolchevismo, mas não de maneira mecânica e sim dialética, não como afirmação
revolucionária, mas como negação termidoriana. Não é o mesmo.
O PROGNÓSTICO FUNDAMENTAL DO BOLCHEVISMO
Entretanto, os bolcheviques não tiveram que esperar os
processos de Moscou para explicar as razões da desintegração do partido
governante da URSS. Há muito tempo já previam e descreviam a possibilidade
teórica desse processo. Recordemos esse prognóstico que os bolcheviques
formularam não só nas vésperas como também muitos anos antes da Revolução de
Outubro. É possível que, em virtude de um determinado alinhamento de forças
nacionais e internacionais, o proletariado conquiste o poder em um país
atrasado como a Rússia. Porém, o mesmo alinhamento de forças demonstra de
antemão que, sem uma vitória mais ou menos rápida do proletariado nos países
adiantados, o governo russo não sobreviverá. O regime soviético abandonado a
sua própria sorte degenerará ou cairá. Mais precisamente, degenerará e depois
cairá. Eu mesmo escrevi a respeito, a partir de 1905. Em minha História da
revolução russa (veja-se o apêndice do último tomo: "O socialismo num só
país") estão as declarações formuladas pelos dirigentes bolcheviques entre
1917 e 1923. Todas levam à mesma conclusão: sem revolução no ocidente o
bolchevismo será liquidado pela contra-revolução interna, a intervenção
estrangeira ou uma combinação de ambas. Lênin sublinhou mais de uma vez que a
burocratização do estado soviético não era um problema teórico ou organizativo
mas o começo potencial da degeneração do estado operário.
No décimo primeiro congresso do partido (março de 1922)
Lênin falou do apoio que certos políticos burgueses, como o professor liberal
Ustrialov, ofereciam à Rússia soviética sob a NEP. "Estou a favor de
apoiar o governo soviético, disse Ustrialov, apesar de ter sido um democrata
constitucional, burguês e partidário da intervenção.Estou a favor de apoiar
o governo soviético porque tem tomado um rumo que o conduzirá ao estado burguês
comum". Lênin preferia a cínica voz do inimigo às "sentimentais
mentiras comunistas". Sóbria e asperamente, advertia o partido do perigo:
"Devemos dizer francamente que as coisas que disse Ustrialov são
possíveis. A histórica conhece todo tipo de metamorfoses. Confiar na firmeza
das convicções, na lealdade e em outras magníficas qualidades morais é tudo,
menos uma atitude séria em política. Alguns poucos possuirão qualidades morais
magníficas, porém os problemas históricos são resolvidos pelas grandes massas,
as quais tratam aos poucos sem considerar se estes não lhes gostam"
(Lênin, Obras completas, vol. 33, pp. 286-287). Enfim, o partido não é o único
fator do processo e, à escala histórica mais ampla, nem sequer é o fator
decisivo.
"Uma nação conquista a outra, prossegue Lênin no mesmo
congresso - o último a que assistiu. Isso é simples, qualquer um pode entender.
Porém, o que sucede com a cultura de ambas as nações? Isso não é tão simples.
Se a nação conquistadora é mais culta que a vencida, aquela impõe sua cultura a
esta; se sucede o contrário, os conquistados impõem sua cultura ao
conquistador. Não ocorreu algo parecido na capital (da República Russa)? Não
sucedeu que 4.700 comunistas (quase uma divisão do exército, e o melhor deste)
se encontram sob a influência de uma cultura alheia?" (Idem, p. 288)
Isso foi dito em princípios de 1922, e não pela primeira
vez. A história não é feita por poucos, nem sequer pelos "melhores".
Mais ainda: os "melhores" podem degenerar no espírito de uma cultura
alheia, isto é, burguesa. Assim como o estado soviético pôde abandonar o
socialismo, o Partido Bolchevique pôde, em condições históricas desfavoráveis,
perder seu bolchevismo.
A Oposição de Esquerda surgiu definitivamente em 1923, a
partir de uma compreensão clara deste perigo. Ao registrar os sintomas de
degeneração, dia a dia, tratou de opor a vontade consciente da vanguarda
proletária ao termidor crescente. Entretanto, o fator subjetivo se mostrou
insuficiente. As "grandes massas" que, segundo Lênin, definem o
resultado da luta, se cansaram das privações internas e de aguardar a revolução
mundial. Seu estado de ânimo decaiu. A burocracia se impôs. Atemorizou a
vanguarda proletária, pisoteou o marxismo, prostituiu o Partido Bolchevique. O
stalinismo triunfou. O bolchevismo, sob a forma da Oposição de Esquerda, rompeu
com a burocracia soviética e sua Comintern. Assim foi o verdadeiro processo.
É certo que, no sentido formal, o stalinismo surgiu do
bolchevismo. Até o dia de hoje a burocracia de Moscou continua se intitulando
Partido Bolchevique. Utiliza o velho rótulo do bolchevismo para melhor enganar
as massas. Ainda mais dignos de lástima são os teóricos que confundem a casca
com o miolo, a aparência com a realidade. Ao identificar o stalinismo com o
bolchevismo rendem os melhores préstimos aos termidorianos e, justamente por
isso, desempenham um papel evidentemente reacionário.
Eliminados todos os demais partidos da cena política, os
interesses e tendências políticas antagônicas dos diversos extratos da
população devem se expressar, em maior ou menor medida, no partido governante.
Na medida em que o centro de gravidade político se transferiu da vanguarda para
a burocracia, foi alterada tanto a estrutura social quanto a ideologia do
partido. Em quinze anos, o desenvolvimento precipitado do processo lhe provocou
uma degeneração muito mais radical que a sofrida pela social-democracia em meio
século. Depois das expulsões, a linha demarcatória entre o stalinismo e o
bolchevismo não é uma linha sangrenta e sim um rio de sangue. A aniquilação de
toda a velha geração bolchevique, de um setor importante da geração
intermediária - a que participou na guerra civil -, e do setor da juventude que
assumiu seriamente as tradições bolcheviques, demonstra que entre o bolchevismo
e o stalinismo existe uma incompatibilidade que não é apenas política mas
também diretamente física. Como ignorar isso?
STALINISMO E "SOCIALISMO DE ESTADO"
Por sua parte, os anarquistas querem ver no stalinismo um
produto orgânico não somente do bolchevismo e do marxismo mas também do
"socialismo de estado" em geral. Estão dispostos a trocar o conceito
patriarcal, de Bakunin, de "federação de comunas livres" pelo
conceito mais moderno de federação de soviets livres. Contudo, hoje como ontem,
se opõem ao poder estatal centralizado. Nos fatos, um setor do marxismo
"estatal" - a social-democracia -, chegou ao poder e se converteu num
franco agente do capitalismo. Do outro lado surgiu uma casta privilegiada. É
evidente que a raiz do mal seja o estado.
Desde um ponto de vista histórico amplo, este raciocínio
contém uma réstia de verdade. O estado, enquanto aparato de coerção é, sem
dúvida, uma fonte de degeneração política e moral. A experiência demonstra que
isto também sucede no caso do estado operário. Pode-se dizer, portanto, que o
stalinismo é produto de uma situação na qual a sociedade foi incapaz de
livrar-se da camisa-de-força do estado. Todavia, esta situação não serve para avaliar
o marxismo e o bolchevismo: caracteriza tão somente o nível cultural geral da
humanidade e, sobretudo, a relação de forças entre o proletariado e a
burguesia. Mesmo coincidindo com os anarquistas em que o estado, incluindo o
estado operário, é filho da barbárie de classe e que a verdadeira história da
humanidade começará com a abolição do estado, ainda resta, com todo vigor, o
seguinte questionamento: quais serão as "vias e métodos" que
conduzirão, por último, à abolição do estado? A experiência recente nos
demonstra que esses métodos não serão os dos anarquistas, com certeza.
No momento crítico, os dirigentes da CNT - a única
organização anarquista importante do mundo - entraram para a equipe ministerial
burguesa. Para justificar sua traição aos princípios do anarquismo invocaram a
pressão das "circunstâncias especiais". Porém, acaso os dirigentes
social-democratas alemães não invocaram o mesmo pretexto, em seu momento?
Logicamente, a guerra civil não é uma situação pacífica, nem comum, mas sim uma
"circunstância excepcional". Entretanto, as organizações revolucionárias
sérias se preparam para atuar, justamente, em "circunstâncias
excepcionais". A experiência da Espanha demonstrou mais uma vez que se
pode "negar" o estado em panfletos publicados em "circunstâncias
normais", com a permissão do estado burguês, mas que as circunstâncias da
revolução não permitem "negar" o estado; ao contrário, exigem a
conquista do estado. Não temos a menor intenção de condenar os anarquistas por
não ter abolido o estado "com um golpe de mão". A conquista do poder
(que os dirigentes anarquistas se mostraram incapazes de realizar, apesar do
heroísmo demonstrado pelos operários anarquistas) de maneira alguma converte o
partido revolucionário em senhor soberano da sociedade. Porém, condenamos sim,
severamente, a teoria anarquista que, mesmo aparentemente apta para épocas de
paz, teve que ser abandonada rapidamente quando apareceram as "condições
excepcionais" da... revolução. Existiam, nos velhos tempos, certos
generais - provavelmente, todavia, existem - que diziam que não há coisa mais
nociva para um exército que a guerra. A essa mesma categoria pertencem os
revolucionários cuja doutrina é destruída pela revolução.
Os marxistas coincidem plenamente com os anarquistas quanto
ao objetivo final: a abolição do estado. Os marxistas são
"estatistas" tão somente na medida em que se torna impossível abolir
o estado ignorando-o. A experiência do stalinismo não refuta as lições do
marxismo: as confirma, pela inversão. Evidentemente, a doutrina revolucionária
que ensina ao proletariado a encontrar a orientação justa e a aproveitar
ativamente cada situação não contém uma garantia automática de vitória.
Todavia, somente se pode alcançar a vitória mediante a aplicação dessa
doutrina. De outra parte, não se deve visualizar a vitória como um fato único.
Esta deve ser projetada sobre a perspectiva da época histórica. O primeiro
estado operário - montado sobre bases econômicas inferiores às do imperialismo
e cercado por este - se transformou na polícia do stalinismo. Porém, o
bolchevismo autêntico lançou uma luta de vida ou morte contra essa polícia.
Agora, o stalinismo, para se manter no poder, vê-se obrigado a lançar uma
guerra civil aberta contra o bolchevismo, sob o rótulo de
"trotskismo", não apenas na URSS mas também na Espanha. O velho
Partido Bolchevique está morto, mas o bolchevismo levanta a cabeça em todas as
partes.
Deduzir o stalinismo do bolchevismo ou do marxismo equivale,
num sentido mais amplo, a deduzir a contrarrevolução da revolução. Esta verdade
conhecida tem sido uma característica do pensamento liberal-conservador e
também do reformista. Devido à estrutura de classes da sociedade, as revoluções
sempre engendram contrarrevoluções. Isso não significa - diz o lógico - que o
método revolucionário tem uma falha intrínseca? Apesar disso, até o momento nem
os liberais nem os reformistas descobriram um método mais econômico. Mas, se
não é fácil racionalizar o processo histórico vivido, não é em absoluto difícil
encontrar uma interpretação racional de suas sucessivas ondas e deduzir, por
pura lógica, o stalinismo do "socialismo de estado", o fascismo do
marxismo, a reação da revolução, enfim, a antítese da tese. Neste terreno, como
em muitos outros, o pensamento anarquista cai no racionalismo liberal. Não pode
haver pensamento revolucionário autêntico sem dialética.
OS "PECADOS" POLÍTICOS DO BOLCHEVISMO: ORIGEM DO STALINISMO
Em certas ocasiões, os argumentos dos racionalistas assumem,
ao menos em sua forma externa, um caráter mais concreto. Não deduzem o
stalinismo do bolchevismo em sua totalidade, mas de seus pecados políticos. Os
bolcheviques - segundo Gorter, Pannekoek, certos "espartaquistas" e
outros sujeitos - substituíram a ditadura do proletariado pela ditadura do
partido; Stalin trocou a ditadura do partido pela ditadura de sua burocracia.
Os bolcheviques destruíram todos os partidos, menos o próprio; Stalin
estrangulou o Partido Bolchevique com o altar de sua camarilha bonapartista. Os
bolcheviques firmaram acordos com a burguesia; Stalin se converteu em aliado e
apoio da burguesia. Os bolcheviques sustentavam a necessidade de participar nos
velhos sindicatos e no parlamento burguês; Stalin buscou e conseguiu a amizade
da burocracia sindical e da democracia burguesa. Pode-se fazer comparações
semelhantes, à vontade. Com toda sua aparente contundência, seu valor é nulo.
O proletariado apenas pode conquistar o poder por intermédio
de sua vanguarda. A necessidade do poder estatal é, por si, um produto do
insuficiente nível cultural e da heterogeneidade das massas. A vanguarda
revolucionária, organizada em partido, cristaliza as aspirações de liberdade
das massas. Se a classe não confia na vanguarda, se a classe não apóia a
vanguarda, nem sequer se pode falar de conquista do poder. Neste sentido, a
revolução e a ditadura proletária é obra da classe em seu conjunto, porém sob a
direção da vanguarda. Os soviets são somente a forma organizada do vínculo
entre a vanguarda e a classe. Apenas o partido pode dar a esta forma o conteúdo
revolucionário, tal como demonstram a experiência da Revolução de Outubro e a
experiência negativa de outros países (Alemanha, Áustria, agora Espanha).
Ninguém tem demonstrado na prática, nem tratado de explicar, em forma
articulada sobre o papel, como o proletariado pode conquistar o poder sem a
direção política de um partido que sabe o que quer. A subordinação política dos
soviets aos dirigentes do partido, através do partido, não aboliu o sistema
soviético, da mesma maneira que a maioria conservadora não tem abolido o
sistema parlamentar britânico.
Quanto à proibição dos demais partidos soviéticos, esta não
é produto de uma "teoria" bolchevique, e sim uma medida de defesa da
ditadura de um país atrasado e devastado, rodeado de inimigos. Os bolcheviques
compreenderam claramente, desde o princípio, que esta medida, complementada
posteriormente com a proibição de frações no próprio partido governante,
indicava um perigo enorme. Entretanto, o perigo não estava na doutrina nem na
tática, mas sim na debilidade material da ditadura e nas dificuldades internas
e internacionais. Se a revolução houvesse triunfado tão-somente na Alemanha,
houvera desaparecido por completo a necessidade de proibir os partidos
soviéticos. É absolutamente indiscutível que a dominação do partido único
serviu como ponto de partida jurídico para o sistema totalitário stalinista.
Porém, a causa deste processo não está no bolchevismo nem na proibição dos
demais partidos, como medida transitória de guerra, mas sim nas derrotas do
proletariado na Europa e na Ásia.
O mesmo pode ser dito da luta contra o anarquismo. Durante o
período heroico da revolução os bolcheviques lutaram ombro a ombro com os
anarquistas autenticamente revolucionários. Muitos passaram para as fileiras do
partido. Mais de uma vez, Lênin e o autor destas linhas discutiram a
possibilidade de conceder aos anarquistas determinados territórios onde, com o
consentimento da população local, pudessem realizar a experiência de abolir o
estado. Porém, a guerra civil, o bloqueio e a fome não permitiram dar vazão a
tais planos. A insurreição de Kronstadt? Todavia, naturalmente, o governo
revolucionário não podia "presentear" a fortaleza que defendia a
capital aos marinheiros insurretos, simplesmente porque alguns anarquistas
vacilantes se uniram à rebelião reacionária dos soldados e dos camponeses. A
análise histórica concreta dos acontecimentos reduz a pó todas as lendas sobre
Kronstadt, Majno e outros episódios da revolução, baseadas na ignorância e no
sentimentalismo.
Resta apenas o fato de que, desde o começo, os bolcheviques
aplicaram não somente a convicção mas também a compulsão, freqüentemente da
maneira mais brutal. Também é indubitável que a burocracia que surgiu da
revolução posteriormente monopolizou o sistema coercitivo para seus próprios
fins. Cada etapa de um processo, inclusive quando se trata essencialmente da
casta de usurpadores, são hostis a qualquer teoria: não pode prestar contas de
seu papel de mudanças tão catastróficas como a revolução e a contrarrevolução,
parte do estado anterior, está enraizada nele e conserva algumas de suas
características. Os liberais, inclusive os Webb, têm dito sempre a ditadura
bolchevique é uma nova versão do czarismo. Fecham os olhos para
"detalhes" tais como a abolição da monarquia e da nobreza, a entrega
da terra aos camponeses, a expropriação do capital, a introdução da economia
planificada, a educação atéia etc. Assim mesmo, o pensamento liberal-anarquista
esquece que a revolução bolchevique, com toda sua coerção, significou um
revolver de todas as relações sociais a favor das massas, enquanto que a
reviravolta stalinista termidoriana acompanha a transformação da sociedade
soviética em favor dos interesses de uma minoria privilegiada. Evidentemente, o
pensamento que identifica o stalinismo com o bolchevismo não contém um grão de
critério socialista.
PROBLEMAS DE TEORIA
Uma das marcas mais visíveis do bolchevismo tem sido sua
atitude severa, exigente, inclusive irascível com respeito às questões
teóricas. Os 27 volumes das obras de Lênin permanecerão para sempre como um
exemplo da mais elevada seriedade teórica. Sem esta qualidade fundamental, o
bolchevismo jamais houvera realizado sua missão histórica. Nesta esfera, o
stalinismo, grosseiro, ignorante e totalmente empírico, se encontra no pólo
oposto.
Há mais de dez anos a Oposição declarou em seu programa:
"Desde a morte de Lênin se criou toda uma série de teorias novas, cuja
única finalidade é justificar o distanciamento dos stalinistas do caminho da
revolução proletária internacional.". Há poucos dias, o autor
norte-americano Liston M. Oak, que participou na revolução espanhola, escreveu
o seguinte: "Hoje em dia os stalinistas são os maiores revisionistas de
Marx e Lênin: Bernstein não se atreveu a recorrer nem à metade do caminho que
Stalin recorreu na revisão de Marx." É totalmente certo. Somente falta acrescentar
que Bernstein devia satisfazer certas necessidades teóricas: tratou
conscientemente de estabelecer a relação entre a prática reformista e o
programa da social-democracia. A burocracia stalinista, ao contrário, é alheia
não só ao marxismo mas também a qualquer doutrina ou sistema. Sua
"ideologia" está imbuída de subjetivismo policialesco; sua prática é
o empirismo da violência desnudada. Pela natureza mesma de seus interesses
essenciais, esta casta dos usurpadores é hostil a toda teoria: ela não pode
prestar contas de seu papel social nem a si mesma nem a ninguém. Stalin revisa
a Marx e a Lênin não com a pena do teórico mas sim com a bota da GPU.
O PROBLEMA MORAL
Os que mais se queixam da "imoralidade" dos
bolcheviques são essas nulidades presunçosas a quem o bolchevismo arrancou as
máscaras baratas. Os círculos pequeno-burgueses, intelectuais, democráticos,
"socialistas", literários, parlamentares e outros do mesmo calão
conservam os valores convencionais, ou empregam uma linguagem convencional para
ocultar sua falta de valores. Essa vasta e colorida cooperativa de proteção
mútua - "viver e deixar viver" - não pode suportar o roçar do bisturi
marxista em sua pele sensível. Esses teóricos, escritores e moralistas que
oscilam entre os distintos campos, pensavam e seguem pensando que os
bolcheviques exageram propositalmente as diferenças, que são incapazes de
colaborar de forma "leal" e que, com suas "intrigas",
rompem a unidade do movimento operário. Por sua parte, o centrista sensível e
melindroso sempre acreditou que os bolcheviques o "caluniavam"...
simplesmente porque desenvolviam os vagos pensamentos do centrista até o fim:
ele jamais pôde fazê-lo. Mas, é fato que somente a valorosa qualidade de manter
uma atitude intransigente contra tudo o que seja sofisma e evasão permitiu ao
partido revolucionário se educar e não ser surpreendido por
"circunstâncias excepcionais".
Em última instância, as qualidades morais de qualquer
partido derivam dos interesses históricos que este representa. As qualidades
morais bolcheviques de abnegação, desinteresse, audácia e desprezo por todo
ornamento e falsidade - as maiores qualidades do ser humano! - derivam de sua
intransigência revolucionária a serviço dos oprimidos. Neste terreno, a
burocracia stalinista imita os termos e gestos do bolchevismo. Porém, a
"intransigência" e a "inflexibilidade", aplicadas por um
aparato policial a serviço de uma minoria privilegiada, se convertem em fonte
de desmoralização e gangsterismo. Só nos resta sentir desprezo por esses
cavalheiros que identificam o heroísmo revolucionário dos bolcheviques com o
cinismo burocrático dos termidorianos.
Hoje em dia, apesar dos acontecimentos dramáticos do passado
recente, o filisteu comum quer crer que o choque entre o bolchevismo
("trotskismo") e o stalinismo é um mero choque de ambições pessoais
ou, no melhor dos casos, entre dois "matizes" do bolchevismo. Temos a
expressão mais grosseira desta opinião em Norman Thomas, dirigente do Partido
Socialista norte-americano: "Existem poucas razões para acreditar -
escreve (American Socialist Review, setembro de 1937, p. 6) - que se o ganhador
(!) houvesse sido Trotsky, no lugar de Stalin, teria terminado as intrigas,
conjuras e o reino do terror na Rússia." O homem que escreve isso se
considera ...marxista. Aplicando o mesmo critério, poderíamos dizer:
"Existem poucas razões para acreditar que se o titular da Santa Sé não
fosse Pio XI e sim Norman I, a igreja católica se transformaria num bastião do
socialismo."
Thomas se nega a compreender que não se trata de uma briga
entre Stalin e Trotsky, mas sim do antagonismo entre a burocracia e o
proletariado. É certo que a burocracia governante se vê obrigada, inclusive
hoje, a se adaptar à herança da revolução, ainda não totalmente liquidada, ao
mesmo tempo em que prepara uma mudança no regime social através da guerra civil
("limpeza" sangrenta: aniquilação em massa dos descontentes). Porém,
na Espanha a camarilha stalinista já atua abertamente como baluarte da ordem
burguesa contra o socialismo. Diante de nossos olhos, a luta contra a
burocracia bonapartista se transforma em luta de classes: dois mundos, dois
programas, duas morais. Se Thomas pensa que a vitória do proletariado
socialista sobre a infame casta de opressores não regeneraria política e
moralmente o regime soviético, então demonstra que, apesar de suas reservas,
evasões e suspiros piedosos, se encontra muito mais próximo da burocracia
stalinista que dos operários. Thomas, igual a todos os que se enfurecem com a
"imoralidade" bolchevique, não está à altura da moral revolucionária.
AS TRADIÇÕES BOLCHEVIQUES E A IV INTERNACIONAL
Os "esquerdistas" que trataram de
"retornar" ao marxismo passando ao largo do bolchevismo, geralmente
caíram em panacéias isoladas: boicote aos velhos sindicatos, boicote ao
parlamento, criação de soviets "autênticos". Tudo isso podia parecer
muito profundo ao calor dos primeiros dias do pós-guerra. Agora, depois das
experiências recentes, semelhantes "enfermidades infantis" nem sequer
se mostram interessantes objetos de estudo. Os holandeses Gorter e Pannekoek,
os "espartaquistas" alemães, os bordiguistas italianos, quiseram
demonstrar sua independência do bolchevismo: exaltaram artificialmente uma de
suas características e a opuseram às demais.Porém, nada resta destas
tendências de "esquerda", nem a teoria nem a prática; prova indireta
mas contundente de que o bolchevismo é o único marxismo possível para nossa
época.
O Partido Bolchevique mostrou na ação a combinação da maior
audácia revolucionária com o realismo político. Mostrou, pela primeira vez,
qual é a única relação entre vanguarda e classe capaz de garantir a vitória.
Demonstrou na experiência que a aliança entre o proletariado e as massas
oprimidas da pequena burguesia rural e urbana requer a prévia derrota política
dos partidos pequeno-burgueses tradicionais. O Partido Bolchevique mostrou ao
mundo inteiro como se deve realizar a insurreição armada e a conquista do
poder. Quem contrapõe a abstração dos soviets à ditadura do partido deve
compreender que somente graças à direção bolchevique os soviets puderam
elevar-se do lodo reformista e ascender à forma estatal proletária. Na guerra
civil o Partido Bolchevique conseguiu a justa combinação da arte militar e
política marxista. Se a burocracia stalinista conseguir destruir os alicerces
econômicos da nova sociedade, a experiência da economia planificada sob a
direção bolchevique passará igualmente à história como uma das maiores lições
da humanidade. Somente os sectários desgostosos e ofendidos, que deram as
costas ao processo histórico, podem ignorar isso.
Mas isso não é tudo. O Partido Bolchevique pôde realizar sua
magnífica obra "prática" porque iluminou todos seus passos com a
teoria. O bolchevismo não criou a teoria: essa foi propiciada pelo marxismo.
Porém, o marxismo é a teoria do movimento, não do estancamento. Somente os
acontecimentos de grande envergadura histórica poderiam enriquecer a própria
teoria. O bolchevismo fez aportes de grande valor ao marxismo: a análise da
época imperialista como época de guerras e revoluções; a democracia burguesa na
era da decadência capitalista; a relação recíproca entre greve geral e insurreição;
o papel do partido, os soviets e os sindicatos na época de decadência
capitalista; por último, a análise da degeneração do próprio Partido
Bolchevique e do estado soviético. Que se nomeie alguma tendência que haja
agregado algum aporte essencial às conclusões e generalizações do bolchevismo.
Nos terrenos teórico e político, Vandervelde, De Brouckere, Hilferding, Otto
Bauer, León Blum, Zyromsky, sem falar do grande Attlee e Norman Thomas, vivem
dos restos apodrecidos do passado.A expressão mais grosseira da
degeneração da Comintern é seu declínio ao nível teórico da Segunda
Internacional. Os grupos intermediários em todas suas variantes (Partido
Trabalhista Independente da Grã Bretanha, POUM e outros) adaptam fragmentos
tomados aleatoriamente de Marx e Lênin a suas necessidades de cada semana. Nada
podem ensinar aos operários.
Somente os fundadores da IV Internacional, que têm assumido
a tradição de Marx e Lênin, mantêm uma atitude séria com a teoria. Os filisteus
podem zombar dos revolucionários que, vinte anos depois da Revolução de
Outubro, voltam a se converter em modestos grupos de propaganda e preparação.
Neste terreno, como em tantos outros, os grandes capitalistas demonstram ser
muito mais perspicazes que os pequenos burgueses que se consideram
"socialistas" ou "comunistas". Não é casual que o tema da
IV Internacional não desapareça das colunas da imprensa mundial. A candente
necessidade histórica de construir uma direção revolucionária assegura à IV
Internacional um ritmo de crescimento excepcionalmente rápido. A maior garantia
de seu futuro êxito radica em que não tenha surgido separada do grande caminho
histórico, mas como produto orgânico do bolchevismo.