107 ANOS DO NASCIMENTO DO “REI DO BAIÃO”: LUIZ GONZAGA O
TITÃ DA CULTURA NORDESTINA HOJE TEM SEU LEGADO AMEAÇADO PELO “LIXO DO FORRÓ DE
PLÁSTICO”...
Neste 13 de dezembro comemora-se os 107 anos de nascimento
de Luiz Gonzaga Nascimento, o genial “Gonzagão”, conclamado como o “Rei do
baião”. Em 1912, na pequena cidade de Exu, no Cariri pernambucano a 603 Km de
Recife, “viu o mundo a minha cara” ao falar de si mesmo. Desde criança
enterneceu-se pelos encantos que a sanfona de seu pai (Januário) carregava e
revezava com a enxada de pobre roçador. Sua mãe (Santana) repreendia-lhe
severamente com puxões de orelha quando dedilhava suas primeiras notas no instrumento.
Porém, com apenas oito anos tocou em uma festa ao lado do pai, o que lhe rendeu
a sua primeira sanfona, adquirindo fama na região. Um fato decisivo em sua vida
foi a paixão pela filha de um importante coronel da cidade, quem negou
peremptoriamente o namoro. Gonzaga, indignado, tomou umas “truacas” (cachaças)
e resolveu partir para cima do famigerado coronel com uma pequena peixeira, mas
acabou sendo impedido por sua mãe que lhe aplicou uma tremenda surra. Em razão
disto, triste, resolveu fugir para o mato e decidiu que iria se alistar no
Exército. Partiu para o Crato (região do Cariri) para vender sua sanfona e
comprar uma passagem de trem para Fortaleza onde se alistou. Graças à
desobediência a sua mãe, partiu para ganhar o mundo e uma vida rica em experiências
e conhecimento musical! No entanto, esta vasta lição de vida e musical vem
sendo completamente desfigurada pela grande mídia burguesa (TV e rádio) que
coloca as irritantes “bundas” de forró para “homenagearem” um dos mais
importantes ícones da música popular de raiz no Brasil de todos os tempos. Esta
é mais uma consequência nefasta da etapa contrarrevolucionária por que
passamos, a de reação ideológica imposta pelo imperialismo e o “mercado” da
indústria cultural bestializante que tem a finalidade de destruir qualquer
referência de resistência ainda existente para alimentar “novos” padrões de
consumo, tudo o que é descartável e superficial.
O début de Luiz Gonzaga começou durante o período da chamada
“Revolução de 30”. Quando soldado do Exército foi possível conhecer vários
estados até “montar acampamento” em Juiz de Fora (MG), ocasião em que conheceu
um exímio sanfoneiro, Domingos Ambrósio, que lhe introduziu as notas musicais
mais elaboradas de valsas, fados, tangos e sambas, deixando o jovem Gonzaga
fascinado. Resolve então ganhar a vida com a música, dando baixa no Exército em
1939, seguindo para São Paulo e Rio de Janeiro onde se estabeleceria por vários
anos. Seu “aprendizado” musical e de vida desenrolou-se perambulando pelos
bares frequentados por prostitutas, pelos cabarés da Lapa, nas ruas e vários
programas de calouros. Incongruentemente se apresentava tocando músicas
estrangeiras, vestindo terno e gravata... Entretanto, não demorou para que um
grupo de estudantes cearenses aconselhasse-o a voltar às suas origens musicais,
às da terra de seu pai. E foi nestas bases que se inscreveu num programa de
calouros no rádio apresentado por Ary Barroso, com uma música de sua autoria
“Vira e mexe”, a qual ficara em primeiro lugar e recebendo calorosos aplausos,
o que lhe valeu a abertura das portas para seu primeiro contrato com a Rádio
Nacional, pelas mãos do diretor Paulo Gracindo. Gonzagão passou a dividir o
palco da rádio com expoentes da MPB do quilate de Mario Lago e Ataulfo Alves,
as grandes sensações da época. Teve oportunidade de conhecer artistas de todo o
país, sendo que neste aspecto reside o conteúdo universal de sua obra expressa
na maturidade. Neste ínterim, trocou experiências com o “gaiteiro” gaúcho Pedro
Raimundo que, para surpresa de Gonzagão, se apresentava sempre de “pilcha”
(indumentária do gaúcho dos pampas), acendendo-lhe a ideia de também exibir-se
com roupas ligadas a sua terra: o chapéu inspirado no cangaceiro Virgulino
Ferreira (Lampião), a quem admirava, o gibão e outras peças características do
vaqueiro nordestino.
1946 foi o ano que Gonzagão voltou para Exu, cujo encontro
com o pai é celebremente detalhado na música “Respeita Januário”, em uma
parceria que se inicia com o cearense Humberto Teixeira (“Baião”, “Juazeiro”, “Légua
Tirana”, “Assum Preto”, “Paraíba”, etc.) e duraria até 1979 com a morte de
Humberto. Um ano depois, comporia juntamente com seu parceiro, já completamente
“enraizado” em suas origens, a bela e sofrida “Asa Branca”, o seu maior sucesso
(sendo gravada inclusive no exterior por diversos outros artistas dos EUA,
Itália, Japão). Neste período nasce também a parceria com Zé Dantas (Humberto
candidatou-se a deputado), um legítimo homem do campo. Gonzagão brincava
afirmando “Eu sentia até o cheiro de bode nele”! Juntos compuseram a lamentosa
“Vozes da seca”. Em 1950 ganha o apelido de “Rei do Baião” após uma
apresentação em São Paulo. Luiz Gonzaga desponta como um dos maiores vendedores
de disco, condição inédita até então para um artista no Brasil. Era popular e
reconhecido em todo o território nacional, docemente reverenciado por inúmeros
artistas de peso da MPB, como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque,
Gonzaguinha, Milton Nascimento, Geraldo Vandré, Clara Nunes etc.
O mais importante é como a mídia murdochiana, em especial a
Rede Globo, tratou de “homenagear” o “Rei do Baião apresentando como seus
“herdeiros” as “bundas” de forró eletrônico. Para a indústria cultural o que
vale é consumir “bunda”, dança tipo aeróbica e os corpos sarados dos dançarinos
“forrozeiros”, algo que não tem nada a ver com o genuíno baião, o que equivale
a legitimar o lixo cultural que o mercado impõe e repete à exaustão do jabá
para “viciar” os ouvidos da grande massa. Ao forró eletrônico corresponde a
mesma desvirtualização que aconteceu com a chamada música sertaneja, quando
valores incomensuráveis da qualidade de Pena Branca e Xavantinho foram
relegados por nomes como Zezé de Camargo e Luciano ou pela porcaria do
“sertanejo universitário” descartável atual (os Victor & Leo, João Bosco
& Vinicius) cada vez mais urbano, “pop” e desenraizado da autêntica cultura
popular.
Luiz Gonzaga, junto a seus parceiros, foi quem melhor cantou
a vida cotidiana do povo nordestino, suas agruras, a seca, seus amores muitas
vezes ingênuos, enfim a luta do sertanejo contra a exasperação da fome e do
latifúndio. Muito além de suas posições políticas, durante a ditadura militar e
suas relações com o coronelismo, que foram reais mas que soube romper no
momento exato, cabe destacar o seu relevante papel para a edificação de uma
autêntica cultura popular de raiz que vem lamentavelmente sendo destruída pela
mídia global permeada apenas pelo consumo fácil de mercado, a mentalidade do
descartável, da superficialidade das relações, a péssima qualidade musical e
estimulando a belicosidade e a idiotização das novas gerações. A
mercantilização da cultura transforma um gênero tipicamente rural, o forró de
raiz, em uma estilização completamente distinta, urbana e artificial, o chamado
“forró de plástico”. Cabe aos Marxistas Revolucionários o papel de resistir a
atual ofensiva neofascista, em todas as frentes de atuação às imposições
ideológicas e de mercado que visam a destruição da boa música nordestina e
brasileira, que não vacila em “homenagear” Luiz Gonzaga vilipendiando sua
magnífica obra poética e musical.