Lavrenti Pavlovitch Beria, chefe da polícia política da URSS
entre 1929-1953 e o principal organizador do assassinato de Trotsky a mando de
Stálin, morreu em 23 de dezembro de 1953. Ele foi condenado à pena máxima como
traidor e executado nesta data como parte da disputa no interior da burocracia
soviética após a morte de Stálin. Por um decreto do Presidium do Soviete
Supremo, foi expulso desse órgão, do cargo de primeiro-vice-presidente do
Conselho de Ministros da URSS e de ministro do Interior da URSS, privado de
todas as patentes e processado pelo Supremo Tribunal da URSS. Em uma carta meses
antes de sua execução orquestrada pela ala comandada por Nikita Khrushchov, ele
pediu clemência “Caros camaradas, querem dar cabo de mim sem julgamento e
investigação, depois de cinco dias de reclusão, sem um único interrogatório;
suplico-vos a todos que isso é inadmissível, peço intervenção imediata, de
outro modo será tarde. É preciso prevenir pelo telefone. Queridos camaradas,
suplico-vos insistentemente que nomeiem a mais responsável e severa comissão
para que faça uma investigação rigorosa do meu caso, dirigida pelo camarada
Molotov ou pelo camarada Vorochilov. Será que um membro do Presidium do CC não
merece que o seu caso seja atentamente analisado, lhe seja feita a acusação,
lhe sejam exigidas explicações, que testemunhas sejam interrogadas? Isso é bom,
sob todos os pontos de vista, tanto para o processo, como para o CC. Caros
camaradas, será que a única solução é fuzilá-lo sem julgamento e sem o
esclarecimento do caso, tratando-se de um membro do CC e vosso camarada, após
cinco dias de prisão numa cave?... Peço aos camaradas Malenkov e Khrushchov que
não sejam teimosos, pois nada de mau acontecerá se um camarada for reabilitado.
Imploro mais e mais uma vez que se intrometam e não deixem morrer um velho
camarada.” Beria foi vítima da própria política que executou contra seus adversários nas pugnas no interior da burocracia soviética e no combate as diversas alas da oposição no PCUS.
ORGANIZADOR DO ASSASSINATO DE TROTSKY NO MÉXICO
Beria participou na Revolução de Outubro na Geórgia. Após a
vitória ingressou na Tcheka, a primeira polícia secreta da URSS, antecessora da
GPU, chegando a chefiar a NKVD na Geórgia. Em 1938, foi trazido por Stalin para
ser o adjunto do comissário do povo para o interior Nikolai Yezhov, a quem
sucedeu após a queda deste. Depois que Stálin nomeou Beria em 1938 como diretor
da polícia secreta NKVD desempenhou um papel-chave na repressão maciça à oposição
no interior do PCUS e supervisionou o sistema de campos de trabalhos forçados
onde milhões foram detidos e muitos morreram. Beria, um dos mais próximos
confidentes de Stálin, foi o homem a quem ele confiou tarefas políticas
importantes, como organizar o assassinato de Trotsky. Para dirigir a operação
Beria convocou Pavel Sudoplatov que recebeu pessoalmente de Stálin a ordem para
executar o dirigente da IV Internacional. No livro “Operações Especiais —
Memórias de uma Testemunha Indesejada” (Publicações Europa-América, 543
páginas, 1994) Sudoplatov conta que, em 1938, foi convocado ao Kremlin por Beria,
o chefe da NKVD. “Stálin estava diferente. Estava concentrado, equilibrado e
calmo.” Beria disse para Stálin: “Sugerimos que o camarada Sudoplatov seja
nomeado diretor-adjunto do Departamento de Informações Externas do NKVD”. A
indicação tinha o objetivo de destruir Trotsky, porque Sudoplatov era tido como
profissional do melhor quilate. “A minha missão seria mobilizar todos os
recursos disponíveis do NKVD para eliminar Trotsky, o pior inimigo do povo.”. Stálin
explicou o motivo pelo qual Trotsky deveria ser morto: “Não há figuras
políticas importantes no movimento trotskista, à exceção do próprio Trotsky. Se
este desaparecesse, a ameaça seria eliminada. (...) Trotsky deve ser eliminado
no prazo de um ano, antes do eclodir inevitável da guerra. Sem a eliminação de
Trotsky, não poderemos confiar nos nossos aliados do movimento comunista
internacional. Eles enfrentarão grandes dificuldades no cumprimento do dever
internacional de desestabilizar a retaguarda dos nossos inimigos através de
operações de sabotagem e atividades de guerrilha se tiverem de lidar com
infiltrações traidoras de trotskistas nas suas fileiras”. Stálin prometeu que
os assassinos de Trotsky seriam lembrados “para sempre” pelo Partido Comunista
e suas famílias seriam beneficiadas. Stálin cumpriu a promessa, mas com a
ascensão de Khrushchov, Sudoplatov acabou preso. Sudoplatov recrutou veteranos
soviéticos que atuaram na Guerra Civil Espanhola. Stálin disse que deveria se
reportar unicamente a Beria e destacou: “A responsabilidade completa pelo
cumprimento da missão pertence-lhe”. O experimentado Leonid Eitingon, que havia
lutado na Espanha, foi o primeiro recrutado por Sudoplatov. A operação contra
Trotsky recebeu o nome de Utka (Pato). Além do grupo chefiado pelo pintor
mexicano David Álvaro Siqueiros, que comandou a primeira tentativa de matar
Trotsky, Eitingon recrutou Caridad Mercader e seu filho, Jaime Ramón Mercader
del Rio Hernández, que acabou por assassinar o fundador da IV Internacional. Beria
informou Sudoplatov que não devia se preocupar com contenção de despesas, pois
a operação era de alta prioridade. Custasse o que custasse, Trotsky deveria ser
assassinado. Sudoplatov caiu em desgraça depois que Khrushchov anunciou, no XX Congresso
do Partido Comunista em 1956, os crimes stalinistas. Pavel Sudoplatov amargou
quinze anos na prisão. A condenação de Pavel Sudoplatov nada teve a ver com o
assassinato de Trotsky.
BERIA ENVENENA STÁLIN: A LUTA MORTAL NO INTERIOR DA
BUROCRACIA SOVIÉTICA
Beria pretendia assumir a Secretaria-Geral do PCUS com a
morte de Stálin. Ele foi que envenenou seu “chefe”. Vale registrar esse
episódio que demonstra como estava se desenvolvendo a luta no interior da
burocracia soviética. Beria foi informado que estava Stálin estava morrendo e
chegou algumas horas depois, mas os doutores só chegaram no início da manhã de
2 de março, mudando as roupas da cama e deitando-o. Nikita Khrushchev escreveu
em suas memórias que, imediatamente após a morte de Stalin, Beria teria
começado a “vomitar seu ódio (contra Stalin) e a zombá-lo”, e que quando Stalin
demonstrou sinais de consciência, Beria teria se colocado de joelhos e beijado
as mãos de Stalin. No entanto, assim que Stalin ficou novamente inconsciente,
Beria imediatamente teria se levantado e cuspido com nojo. Os meses de janeiro
e fevereiro daquele rigoroso inverno de 53 foram marcados por intensas
movimentações nos bastidores do partido, culminando com o anúncio da descoberta
do chamado “complô dos médicos” onde fora relatado que catedráticos da
Universidade de Moscou seriam membros de uma organização de espionagem
britânica empenhados em assassinar as mais altas lideranças soviéticas. Estava
dada a senha para um novo processo de expurgos no Politburo, onde Stalin
pretendia “depurar” a lista de seus mais prováveis sucessores. Mas, o temido
Lavrentiy Beria, comissário do povo para assuntos internos, teria agido mais
rápido e de forma “preventiva”. Beria, temendo a nova purga stalinista que
certamente o atingiria, tratou de envenenar o “Guia Genial dos Povos” e, por
ironia da história, com veneno para matar ratos, como ficou comprovado somente
em 2003 por uma equipe de legistas e historiadores russos absolutamente isenta.
Segundo o historiador Isaac Deutscher, a absurda preparação de mais um
“julgamento espetáculo” por Stalin às vésperas de sua morte, correspondia a sua
já deteriorada condição ideológica comunista (se mostrava cada vez mais
simpático às ideias de Mussolini) e, por consequência, em mudanças no caráter
do regime soviético.
Como afirmou Trotsky, a burocracia atua como uma casta que defende “até a morte” seus próprios privilégios materiais (que só podem sobreviver sobre as bases sociais do Estado operário), e nada mais coerente que diante da ameaça de Stalin de solapar os fundamentos do Estado soviético os próprios stalinistas dessem cabo de seu “chefe”. Da mesma forma... Beria teve o destino Stálin!
Como afirmou Trotsky, a burocracia atua como uma casta que defende “até a morte” seus próprios privilégios materiais (que só podem sobreviver sobre as bases sociais do Estado operário), e nada mais coerente que diante da ameaça de Stalin de solapar os fundamentos do Estado soviético os próprios stalinistas dessem cabo de seu “chefe”. Da mesma forma... Beria teve o destino Stálin!