segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

EM 23 DE DEZEMBRO DE 1953 ERA EXECUTADO BERIA, O CHEFE DA POLÍCIA POLÍTICA DA URSS: MORRE O “BRAÇO DIREITO” DE STÁLIN, O HOMEM QUE ORGANIZOU O ASSASSINATO DE TROTSKY E ENVENENOU SEU “CHEFE” EM MEIO A PUGNA NO INTERIOR DA BUROCRACIA SOVIÉTICA


Lavrenti Pavlovitch Beria, chefe da polícia política da URSS entre 1929-1953 e o principal organizador do assassinato de Trotsky a mando de Stálin, morreu em 23 de dezembro de 1953. Ele foi condenado à pena máxima como traidor e executado nesta data como parte da disputa no interior da burocracia soviética após a morte de Stálin. Por um decreto do Presidium do Soviete Supremo, foi expulso desse órgão, do cargo de primeiro-vice-presidente do Conselho de Ministros da URSS e de ministro do Interior da URSS, privado de todas as patentes e processado pelo Supremo Tribunal da URSS. Em uma carta meses antes de sua execução orquestrada pela ala comandada por Nikita Khrushchov, ele pediu clemência “Caros camaradas, querem dar cabo de mim sem julgamento e investigação, depois de cinco dias de reclusão, sem um único interrogatório; suplico-vos a todos que isso é inadmissível, peço intervenção imediata, de outro modo será tarde. É preciso prevenir pelo telefone. Queridos camaradas, suplico-vos insistentemente que nomeiem a mais responsável e severa comissão para que faça uma investigação rigorosa do meu caso, dirigida pelo camarada Molotov ou pelo camarada Vorochilov. Será que um membro do Presidium do CC não merece que o seu caso seja atentamente analisado, lhe seja feita a acusação, lhe sejam exigidas explicações, que testemunhas sejam interrogadas? Isso é bom, sob todos os pontos de vista, tanto para o processo, como para o CC. Caros camaradas, será que a única solução é fuzilá-lo sem julgamento e sem o esclarecimento do caso, tratando-se de um membro do CC e vosso camarada, após cinco dias de prisão numa cave?... Peço aos camaradas Malenkov e Khrushchov que não sejam teimosos, pois nada de mau acontecerá se um camarada for reabilitado. Imploro mais e mais uma vez que se intrometam e não deixem morrer um velho camarada.” Beria foi vítima da própria política que executou contra seus adversários nas pugnas no interior da burocracia soviética e no combate as diversas alas da oposição no PCUS.


ORGANIZADOR DO ASSASSINATO DE TROTSKY NO MÉXICO

Beria participou na Revolução de Outubro na Geórgia. Após a vitória ingressou na Tcheka, a primeira polícia secreta da URSS, antecessora da GPU, chegando a chefiar a NKVD na Geórgia. Em 1938, foi trazido por Stalin para ser o adjunto do comissário do povo para o interior Nikolai Yezhov, a quem sucedeu após a queda deste. Depois que Stálin nomeou Beria em 1938 como diretor da polícia secreta NKVD desempenhou um papel-chave na repressão maciça à oposição no interior do PCUS e supervisionou o sistema de campos de trabalhos forçados onde milhões foram detidos e muitos morreram. Beria, um dos mais próximos confidentes de Stálin, foi o homem a quem ele confiou tarefas políticas importantes, como organizar o assassinato de Trotsky. Para dirigir a operação Beria convocou Pavel Sudoplatov que recebeu pessoalmente de Stálin a ordem para executar o dirigente da IV Internacional. No livro “Operações Especiais — Memórias de uma Testemunha Indesejada” (Publicações Europa-América, 543 páginas, 1994) Sudoplatov conta que, em 1938, foi convocado ao Kremlin por Beria, o chefe da NKVD. “Stálin estava diferente. Estava concentrado, equilibrado e calmo.” Beria disse para Stálin: “Sugerimos que o camarada Sudoplatov seja nomeado diretor-adjunto do Departamento de Informações Externas do NKVD”. A indicação tinha o objetivo de destruir Trotsky, porque Sudoplatov era tido como profissional do melhor quilate. “A minha missão seria mobilizar todos os recursos disponíveis do NKVD para eliminar Trotsky, o pior inimigo do povo.”. Stálin explicou o motivo pelo qual Trotsky deveria ser morto: “Não há figuras políticas importantes no movimento trotskista, à exceção do próprio Trotsky. Se este desaparecesse, a ameaça seria eliminada. (...) Trotsky deve ser eliminado no prazo de um ano, antes do eclodir inevitável da guerra. Sem a eliminação de Trotsky, não poderemos confiar nos nossos aliados do movimento comunista internacional. Eles enfrentarão grandes dificuldades no cumprimento do dever internacional de desestabilizar a retaguarda dos nossos inimigos através de operações de sabotagem e atividades de guerrilha se tiverem de lidar com infiltrações traidoras de trotskistas nas suas fileiras”. Stálin prometeu que os assassinos de Trotsky seriam lembrados “para sempre” pelo Partido Comunista e suas famílias seriam beneficiadas. Stálin cumpriu a promessa, mas com a ascensão de Khrushchov, Sudoplatov acabou preso. Sudoplatov recrutou veteranos soviéticos que atuaram na Guerra Civil Espanhola. Stálin disse que deveria se reportar unicamente a Beria e destacou: “A responsabilidade completa pelo cumprimento da missão pertence-lhe”. O experimentado Leonid Eitingon, que havia lutado na Espanha, foi o primeiro recrutado por Sudoplatov. A operação contra Trotsky recebeu o nome de Utka (Pato). Além do grupo chefiado pelo pintor mexicano David Álvaro Siqueiros, que comandou a primeira tentativa de matar Trotsky, Eitingon recrutou Caridad Mercader e seu filho, Jaime Ramón Mercader del Rio Hernández, que acabou por assassinar o fundador da IV Internacional. Beria informou Sudoplatov que não devia se preocupar com contenção de despesas, pois a operação era de alta prioridade. Custasse o que custasse, Trotsky deveria ser assassinado. Sudoplatov caiu em desgraça depois que Khrushchov anunciou, no XX Congresso do Partido Comunista em 1956, os crimes stalinistas. Pavel Sudoplatov amargou quinze anos na prisão. A condenação de Pavel Sudoplatov nada teve a ver com o assassinato de Trotsky.

BERIA ENVENENA STÁLIN: A LUTA MORTAL NO INTERIOR DA BUROCRACIA SOVIÉTICA

Beria pretendia assumir a Secretaria-Geral do PCUS com a morte de Stálin. Ele foi que envenenou seu “chefe”. Vale registrar esse episódio que demonstra como estava se desenvolvendo a luta no interior da burocracia soviética. Beria foi informado que estava Stálin estava morrendo e chegou algumas horas depois, mas os doutores só chegaram no início da manhã de 2 de março, mudando as roupas da cama e deitando-o. Nikita Khrushchev escreveu em suas memórias que, imediatamente após a morte de Stalin, Beria teria começado a “vomitar seu ódio (contra Stalin) e a zombá-lo”, e que quando Stalin demonstrou sinais de consciência, Beria teria se colocado de joelhos e beijado as mãos de Stalin. No entanto, assim que Stalin ficou novamente inconsciente, Beria imediatamente teria se levantado e cuspido com nojo. Os meses de janeiro e fevereiro daquele rigoroso inverno de 53 foram marcados por intensas movimentações nos bastidores do partido, culminando com o anúncio da descoberta do chamado “complô dos médicos” onde fora relatado que catedráticos da Universidade de Moscou seriam membros de uma organização de espionagem britânica empenhados em assassinar as mais altas lideranças soviéticas. Estava dada a senha para um novo processo de expurgos no Politburo, onde Stalin pretendia “depurar” a lista de seus mais prováveis sucessores. Mas, o temido Lavrentiy Beria, comissário do povo para assuntos internos, teria agido mais rápido e de forma “preventiva”. Beria, temendo a nova purga stalinista que certamente o atingiria, tratou de envenenar o “Guia Genial dos Povos” e, por ironia da história, com veneno para matar ratos, como ficou comprovado somente em 2003 por uma equipe de legistas e historiadores russos absolutamente isenta. Segundo o historiador Isaac Deutscher, a absurda preparação de mais um “julgamento espetáculo” por Stalin às vésperas de sua morte, correspondia a sua já deteriorada condição ideológica comunista (se mostrava cada vez mais simpático às ideias de Mussolini) e, por consequência, em mudanças no caráter do regime soviético.

Como afirmou Trotsky, a burocracia atua como uma casta que defende “até a morte” seus próprios privilégios materiais (que só podem sobreviver sobre as bases sociais do Estado operário), e nada mais coerente que diante da ameaça de Stalin de solapar os fundamentos do Estado soviético os próprios stalinistas dessem cabo de seu “chefe”. Da mesma forma... Beria teve o destino Stálin!