Em 29 de Dezembro de 1903 nascia Candido Portinari, um dos
grandes nomes das artes plásticas brasileira. Portinari teve em toda sua
trajetória como artista um forte apelo as questões sociais, ao cotidiano da
classe trabalhadora, seus dramas, suas dificuldades, suas lutas. As questões
sociais, sempre presentes em sua obra, o influenciaram em sua vida política.
Portinari foi simpatizante do PCB, onde inclusive foi candidato a deputado
federal e a senador no final dos anos 1940. Morreu em 1953 devido a
intoxicação pelas tintas que utilizava nas telas. Ele foi o grande arauto da
arte contemporânea brasileira na década de 1940, um titã da cultura nacional.
Conforme muito bem caracterizaria Ferreira Gullar em uma série de brilhantes
artigos escritos entre 1959 e 1960, Portinari era colocado pela crítica acima
de qualquer discussão teórica ou estética. Nomes como o de Alfredo Volpi e
Milton Da Costa eram praticamente ignorados naquele momento e os artistas mais
jovens sentiam-se ainda inseguros em seguir novos caminhos estéticos que não os
que Portinari traçara para a arte pictórica brasileira. Porém o ídolo da
intelectualidade stalinista precisava ser "derrubado" para que novos
caminhos se abrissem, e o jovem trotskista Mário Pedrosa sentiu visceralmente
esta necessidade quando finalmente decidiu-se a realizar o gesto inevitável que
remodelaria inteiramente o ambiente das vanguardas modernistas no Brasil. Seu
texto crítico sobre "O Painel Tiradentes" (Obra de Portinari de 1949)
produziu um verdadeiro terremoto no ambiente da esquerda brasileira, ao
polemizar frontalmente como a escola do realismo socialista.
A crítica sobre o "Painel Tiradentes",
eventualmente temperada com um tom respeitoso, é literalmente demolidora.
Talvez em nenhum outro momento de sua história a crítica brasileira tenha
produzido uma análise tão rigorosamente precisa, direcionando-se para um exame
de profundidade que não poupou nem as grandes linhas nem os pequenos detalhes.
Neste texto, Mário Pedrosa critica tanto as proporções da obra (um retângulo de
extrema largura que desfia as imagens numa narrativa superpovoada de imagens)
até a secundarização de cenas que teriam contribuído com mais força dramática à
obra. Contrapondo à obra uma digressão sobre a história dos murais narrativos,
Mário Pedrosa o avalia como uma realização inadequada, que não consegue se
"auto-explicar" para o observador e que diante de seu gigantismo
perde a noção do conjunto. Daí passa ao exame minucioso, pericial, dos detalhes,
das relações de espaço, da escolha de cores, do ambíguo confronto de massas e
zonas de luz, das falhas de continuidade, das gratuitas minúcias descritivas.
Não importa tanto avaliar se esta crítica faz jus a um pintor brasileiro que
alcançava sua projeção nacional no exterior. O que importa é que o gesto de
Mário Pedrosa, ousando criticar o grande ícone da pintura figurativa,
revelou-se profundamente fecundo, como parte da luta do Trotskysmo por superar
o “realismo socialista” patrocinado pela URSS stalinizada, escola que no Brasil
tinha Candido Portinari como seu maior representante.