DA SENZALA PARA A FAVELA: O “13 DE MAIO” COMO EXPRESSÃO DA
HIPOCRISIA DA CLASSE DOMINANTE FRENTE À OPRESSÃO AO POVO NEGRO
A chamada “Lei Áurea”, assinada pela Princesa Isabel em 13
de maio de 1888 formalmente aboliu a escravidão no Brasil. A decisão de “libertar
os escravos” não passou de uma formalidade baseada em uma necessidade econômica
capitalista, que manteve a terra nas mãos dos grandes proprietários que
conseguiram mão de obra assalariada barata face à inexistência para o escravo
de uma opção que não fosse vender sua força de trabalho aos antigos senhores.
Não por acaso, a mesma acumulação originária do capitalismo que aprisionou o
negro na África e o escravizou no Brasil, joga-o nas favelas e cortiços das
cidades, explorando-o nas indústrias, utilizando-o como exército de reserva
para pagar menores salários. Hoje, como ontem, os trabalhadores negros
continuam lutando ao lado de seus irmãos de classe pela verdadeira abolição da
escravidão, que só pode vir pela liquidação do modo de produção capitalista e
não pela via de sórdidas campanhas hipócritas patrocinadas pela classe
dominante e suas abjetas celebridades. Assim como a Lei Áurea foi uma farsa, a
tese de que o racismo como as diferenças de classe podem ser resolvidos no
marco do modo de produção burguês é um completo embuste. Em pleno século XXI,
os que comemoram o 13 de maio desejam nos fazer crer que a libertação dos
escravos foi uma dádiva da classe dominante. Nada mais falso! A lei foi uma
exigência do sistema capitalista, devido ao esgotamento do regime escravista (o
Brasil foi o último país a libertar seus escravos na América), a necessidade do
enfraquecimento da produção do açúcar brasileiro que competia com o açúcar do
imperialismo inglês produzido nas Antilhas (o que gerou o fim do tráfico), além
do medo constante de uma revolução comparável à do Haiti (1792). Portanto, não
é mera coincidência que a burguesia hoje use figuras de “negros cativos” para,
de uma forma modernosa, incutir nas massas o mesmo conceito do passado: o
racismo não é patrocinado pelo capitalismo e sim consiste em uma atitude
pessoal que deve ser questionada em seus “exageros”. Não por acaso, são os pobres e negros os que mais morrem no Brasil em meio a Pandemia, revelando o quadro mortal da escravidão que vivemos em nossos dias sob as correntes que aprosionam os trabalhadores ao modo de produçãp capitalista!
Os primeiros escravos começaram a chegar no Brasil a partir
de 1530, e eles iriam viabilizar a implantação da empresa açucareira,
estabelecida pelos portugueses como modelo para a colonização do Brasil,
associada ao monopólio português do tráfico negreiro que impunha seu contrato
de exclusividade na utilização de mão-de-obra negra. Os principais fatores que
contribuíram para a utilização da mão-de-obra negra foram econômicos já
vinculados ao estabelecimento de monopólios capitalistas e não étnicos. O papel
do Vaticano, instituição internacional sócia das metrópoles européias, foi
muito importante na construção da imagem do negro, como um ser sem alma. A bula
papal Romanus Pontifex, assinada por Nicolau V, outorgava poderes de captura
dos negros aos navegantes portugueses. A "santíssima" Igreja Católica
autorizou a tratá-lo como mera mercadoria. O tráfico negreiro instaurou
decisivamente na história o racismo negro que se expandiu continuamente durante
as primeiras décadas da colonização, englobando negros de diversas nações
africanas, que passaram a ser comercializados já no cais do porto. A
colonização do Brasil se deu no início da expansão comercial na Europa.
Criou-se o sistema de plantations, voltado para o comércio exterior,
tornando-se uma forma permanente de exploração do trabalho escravo. Sequestrado
para o Brasil pela grande indústria do tráfico de escravos, passando pelas
piores torturas nos navios negreiros, os africanos começaram as revoltas de
maior proporção quando se encontraram reunidos coletivamente sob o tacão do
trabalho escravo. A revolta se expressou inicialmente pela sabotagem da
produção, depois, vieram as fugas e com elas a criação dos quilombos. Os
quilombos se constituíram não somente como forma de luta contra o sistema
escravista, mas também como propostas de uma nova sociedade, onde não havia
divisões de classe. Eles abrigavam não somente negros, mas também brancos
marginalizados, mestiços e indígenas.
O principal deles, formado no século XVI, foi o Quilombo dos
Palmares, na capitania de Pernambuco, que sobreviveu por mais tempo aos ataques
da repressão. Segundo o historiador Décio Freitas, do ponto de vista bélico,
foi o maior entrave já visto contra a colonização portuguesa, tendo os
colonizadores que empregar mais força do que contra os holandeses. Em 1678,
após vários confrontos, Ganga-Zumba, o primeiro grande chefe de Palmares,
pressionado, firmou um acordo de paz com o governador de Pernambuco que
concedia a liberdade só para os nascidos em Palmares, a deposição de armas em
troca de terra e da entrega de negros fugitivos que fossem abrigar-se nessas
terras.
Zumbi tornou-se o líder da resistência ao acordo. O traidor
Ganga-Zumba e seus homens abandonaram o quilombo. Sob o comando de Zumbi,
desenvolveu-se um forte esquema militar e continuou a resistência, sendo ele
denunciado por Antônio Soares, homem de sua confiança, capturado, torturado e
assassinado em 20 de novembro de 1695. Após a morte, sua cabeça foi decepada,
tratada em sal fino e enviada a Recife, onde fica exposta em praça pública para
servir de exemplo aos negros que quisessem fugir e também para acabar com o
mito popular de que Zumbi era imortal. No entanto, Zumbi permanece vivo, e sua
luta para manter livre a sociedade do Quilombo dos Palmares é um exemplo para
todos os trabalhadores. As revoltas dos negros continuaram nos séculos XVIII e
XIX. Em 1835, ocorreu, em Salvador, na Bahia, a revolta dos Malês, uma importante
rebelião urbana que culminou numa verdadeira guerra entre negros muçulmanos e
as autoridades da Bahia. A revolta foi reprimida duramente, sendo seus líderes
executados ou deportados para a África.
Para Marx, os "processos idílicos de acumulação primitiva"
(antigo sistema colonial), se assentavam na exploração da mão-de-obra escrava,
no tráfico negreiro e no saque das riquezas do Novo Mundo. O racismo, na
verdade, é a expressão ideológica dessas relações econômicas capitalistas,
obedecendo às necessidades do mercado, tendo o Estado brasileiro se organizado
sobre um rígido sistema de classes, capitaneado pelos senhores da terra.
A produção colonial brasileira foi, desde o início, dominada
pela necessidade do mercado externo. A dependência crescente da metrópole
portuguesa pela metrópole inglesa levou à superação do capitalismo português
pelo inglês, que era tecnologicamente mais avançado, devido à Revolução
Industrial. O alto custo da manutenção da escravidão devido à resistência
quilombola, por um lado, e aos obstáculos que lhe opunha a Inglaterra, por
outro, cuja expansão comercial esbarrava na arcaica economia açucareira de
plantation do Brasil, tornou-se um indicador da necessidade de extinção do
regime escravista. A escravidão tornava-se um empecilho à libertação das forças
produtivas e à formação de um mercado consumidor na colônia. A instituição do
trabalho "livre" fez-se necessária e começou a introdução do trabalho
assalariado nas lavouras paulistas. A imigração, principalmente européia e
asiática, foi uma verdadeira empresa substitutiva ao tráfico negreiro africano,
pela demanda do próprio modo de produção capitalista. A escravidão e o racismo
contra o povo negro, que perduram até nossos dias sob formas
"modernas" contra o proletariado enquanto classe é um dos pilares do
capitalismo no Brasil.
Como se observa, esta farsa vem de longe. Tanto que depois
que se “celebrou” a Lei Áurea a regra geral foi a desintegração do negro na
sociedade, não tendo condições de concorrer com o imigrante melhor qualificado
tecnicamente. A maioria negra deslocou-se para as cidades, onde os aguardavam o
desemprego e uma vida marginal. Hoje, “dados estatísticos comprovam que os
ramos de atividades agrícolas, das indústrias da construção civil e prestação
de serviços absorvem cerca de 68% de negros e mulatos, contra 32% de brancos;
54% dos trabalhadores negros recebem em média até 1 salário mínimo, 16% recebem
de 2 a 5 salários mínimos. Quanto à mulher negra, chega a receber até 50% dos
vencimentos da mulher branca, além de exercerem, em sua maioria, funções de
trabalhadora doméstica” (IBGE/2018). A mulher negra deixou as obrigações das
fazendas e os caprichos dos senhores para servir aos caprichos da “patroa”. Já
os homens negros configuram a maior população carcerária não só do país como
também uma das maiores do mundo, ficando atrás apenas dos EUA nesta questão.
A evolução capitalista aperfeiçoa as teorias racistas para
explicar o fracasso do sistema em proporcionar empregos para todos e condições
de vida adequadas. A pobreza do negro, consequência da incapacidade do
capitalismo em absorver sua força de trabalho assalariada, faz com que aspectos
inerentes às condições subumanas de vida sejam interpretados como devido à
raça. Por isso, o preconceito racial permanece até hoje, apesar da grande
miscigenação ocorrida no Brasil, onde estudos realizados por cálculos de
frequências gênicas demonstraram que a população do Nordeste e de parte do
Sudeste já atingiu 97% de panmixia, ou seja, de mistura total. Mesmo assim, o
racismo é uma realidade cotidiana. Fica fácil, então, compreender que o
problema do negro no Brasil não é simplesmente étnico. A raiz do problema é o
capitalismo que marginaliza e explora a sua força de trabalho, fortalecendo o
racismo.
Poucos são os negros que conseguiram acumular capital no
país. Estes se “aculturaram” e adotam a ideologia da classe dominante,
inclusive, com preconceitos contra sua própria raça. Figuras populares (antes
pobre e negras) como Pelé e tantos outros servem vergonhosamente a este fim. Não
por acaso o “rei do futebol” disse que era normal operários morrerem na
construção de estádios para a Copa do Mundo. Apesar disso, as atuais direções
do movimento negro, considerando a questão étnica como principal fator de
discriminação dos negros, pregam a unidade de todos os negros (inclusive os
burgueses) contra o racismo. No sistema capitalista, não podemos alcançar o
pleno emprego e a socialização dos meios de produção, que são as bases da
diferença de classe que em muito fortalecem o racismo. Atualmente não se pode
falar de libertação dos negros sem vinculá-la à luta de classes e à necessidade
de emancipação do proletariado. A consciência meramente étnica é uma falsa
consciência e o preconceito racial, uma ideologia da classe dominante. Para proporcionar a real libertação dos negros
de sua secular exploração e de todo tipo de preconceito é necessária a
destruição do sistema que o escraviza, humilha-o e explora-o até hoje: o
capitalismo. Definitivamente, essa luta não é apenas dos negros. O objetivo não
é somente a libertação de uma raça, mas de todo o proletariado, portanto,
devemos dar um basta ao capitalismo e sua elite racista!