quarta-feira, 13 de maio de 2020

DA SENZALA PARA A FAVELA: O “13 DE MAIO” COMO EXPRESSÃO DA HIPOCRISIA DA CLASSE DOMINANTE FRENTE À OPRESSÃO AO POVO NEGRO


A chamada “Lei Áurea”, assinada pela Princesa Isabel em 13 de maio de 1888 formalmente aboliu a escravidão no Brasil. A decisão de “libertar os escravos” não passou de uma formalidade baseada em uma necessidade econômica capitalista, que manteve a terra nas mãos dos grandes proprietários que conseguiram mão de obra assalariada barata face à inexistência para o escravo de uma opção que não fosse vender sua força de trabalho aos antigos senhores. Não por acaso, a mesma acumulação originária do capitalismo que aprisionou o negro na África e o escravizou no Brasil, joga-o nas favelas e cortiços das cidades, explorando-o nas indústrias, utilizando-o como exército de reserva para pagar menores salários. Hoje, como ontem, os trabalhadores negros continuam lutando ao lado de seus irmãos de classe pela verdadeira abolição da escravidão, que só pode vir pela liquidação do modo de produção capitalista e não pela via de sórdidas campanhas hipócritas patrocinadas pela classe dominante e suas abjetas celebridades. Assim como a Lei Áurea foi uma farsa, a tese de que o racismo como as diferenças de classe podem ser resolvidos no marco do modo de produção burguês é um completo embuste. Em pleno século XXI, os que comemoram o 13 de maio desejam nos fazer crer que a libertação dos escravos foi uma dádiva da classe dominante. Nada mais falso! A lei foi uma exigência do sistema capitalista, devido ao esgotamento do regime escravista (o Brasil foi o último país a libertar seus escravos na América), a necessidade do enfraquecimento da produção do açúcar brasileiro que competia com o açúcar do imperialismo inglês produzido nas Antilhas (o que gerou o fim do tráfico), além do medo constante de uma revolução comparável à do Haiti (1792). Portanto, não é mera coincidência que a burguesia hoje use figuras de “negros cativos” para, de uma forma modernosa, incutir nas massas o mesmo conceito do passado: o racismo não é patrocinado pelo capitalismo e sim consiste em uma atitude pessoal que deve ser questionada em seus “exageros”. Não por acaso, são os pobres e negros os que mais morrem no Brasil em meio a Pandemia, revelando o quadro mortal da escravidão que vivemos em nossos dias sob as correntes que aprosionam os trabalhadores ao modo de produçãp capitalista!


Os primeiros escravos começaram a chegar no Brasil a partir de 1530, e eles iriam viabilizar a implantação da empresa açucareira, estabelecida pelos portugueses como modelo para a colonização do Brasil, associada ao monopólio português do tráfico negreiro que impunha seu contrato de exclusividade na utilização de mão-de-obra negra. Os principais fatores que contribuíram para a utilização da mão-de-obra negra foram econômicos já vinculados ao estabelecimento de monopólios capitalistas e não étnicos. O papel do Vaticano, instituição internacional sócia das metrópoles européias, foi muito importante na construção da imagem do negro, como um ser sem alma. A bula papal Romanus Pontifex, assinada por Nicolau V, outorgava poderes de captura dos negros aos navegantes portugueses. A "santíssima" Igreja Católica autorizou a tratá-lo como mera mercadoria. O tráfico negreiro instaurou decisivamente na história o racismo negro que se expandiu continuamente durante as primeiras décadas da colonização, englobando negros de diversas nações africanas, que passaram a ser comercializados já no cais do porto. A colonização do Brasil se deu no início da expansão comercial na Europa. Criou-se o sistema de plantations, voltado para o comércio exterior, tornando-se uma forma permanente de exploração do trabalho escravo. Sequestrado para o Brasil pela grande indústria do tráfico de escravos, passando pelas piores torturas nos navios negreiros, os africanos começaram as revoltas de maior proporção quando se encontraram reunidos coletivamente sob o tacão do trabalho escravo. A revolta se expressou inicialmente pela sabotagem da produção, depois, vieram as fugas e com elas a criação dos quilombos. Os quilombos se constituíram não somente como forma de luta contra o sistema escravista, mas também como propostas de uma nova sociedade, onde não havia divisões de classe. Eles abrigavam não somente negros, mas também brancos marginalizados, mestiços e indígenas.

O principal deles, formado no século XVI, foi o Quilombo dos Palmares, na capitania de Pernambuco, que sobreviveu por mais tempo aos ataques da repressão. Segundo o historiador Décio Freitas, do ponto de vista bélico, foi o maior entrave já visto contra a colonização portuguesa, tendo os colonizadores que empregar mais força do que contra os holandeses. Em 1678, após vários confrontos, Ganga-Zumba, o primeiro grande chefe de Palmares, pressionado, firmou um acordo de paz com o governador de Pernambuco que concedia a liberdade só para os nascidos em Palmares, a deposição de armas em troca de terra e da entrega de negros fugitivos que fossem abrigar-se nessas terras.

Zumbi tornou-se o líder da resistência ao acordo. O traidor Ganga-Zumba e seus homens abandonaram o quilombo. Sob o comando de Zumbi, desenvolveu-se um forte esquema militar e continuou a resistência, sendo ele denunciado por Antônio Soares, homem de sua confiança, capturado, torturado e assassinado em 20 de novembro de 1695. Após a morte, sua cabeça foi decepada, tratada em sal fino e enviada a Recife, onde fica exposta em praça pública para servir de exemplo aos negros que quisessem fugir e também para acabar com o mito popular de que Zumbi era imortal. No entanto, Zumbi permanece vivo, e sua luta para manter livre a sociedade do Quilombo dos Palmares é um exemplo para todos os trabalhadores. As revoltas dos negros continuaram nos séculos XVIII e XIX. Em 1835, ocorreu, em Salvador, na Bahia, a revolta dos Malês, uma importante rebelião urbana que culminou numa verdadeira guerra entre negros muçulmanos e as autoridades da Bahia. A revolta foi reprimida duramente, sendo seus líderes executados ou deportados para a África.

Para Marx, os "processos idílicos de acumulação primitiva" (antigo sistema colonial), se assentavam na exploração da mão-de-obra escrava, no tráfico negreiro e no saque das riquezas do Novo Mundo. O racismo, na verdade, é a expressão ideológica dessas relações econômicas capitalistas, obedecendo às necessidades do mercado, tendo o Estado brasileiro se organizado sobre um rígido sistema de classes, capitaneado pelos senhores da terra.

A produção colonial brasileira foi, desde o início, dominada pela necessidade do mercado externo. A dependência crescente da metrópole portuguesa pela metrópole inglesa levou à superação do capitalismo português pelo inglês, que era tecnologicamente mais avançado, devido à Revolução Industrial. O alto custo da manutenção da escravidão devido à resistência quilombola, por um lado, e aos obstáculos que lhe opunha a Inglaterra, por outro, cuja expansão comercial esbarrava na arcaica economia açucareira de plantation do Brasil, tornou-se um indicador da necessidade de extinção do regime escravista. A escravidão tornava-se um empecilho à libertação das forças produtivas e à formação de um mercado consumidor na colônia. A instituição do trabalho "livre" fez-se necessária e começou a introdução do trabalho assalariado nas lavouras paulistas. A imigração, principalmente européia e asiática, foi uma verdadeira empresa substitutiva ao tráfico negreiro africano, pela demanda do próprio modo de produção capitalista. A escravidão e o racismo contra o povo negro, que perduram até nossos dias sob formas "modernas" contra o proletariado enquanto classe é um dos pilares do capitalismo no Brasil.

Como se observa, esta farsa vem de longe. Tanto que depois que se “celebrou” a Lei Áurea a regra geral foi a desintegração do negro na sociedade, não tendo condições de concorrer com o imigrante melhor qualificado tecnicamente. A maioria negra deslocou-se para as cidades, onde os aguardavam o desemprego e uma vida marginal. Hoje, “dados estatísticos comprovam que os ramos de atividades agrícolas, das indústrias da construção civil e prestação de serviços absorvem cerca de 68% de negros e mulatos, contra 32% de brancos; 54% dos trabalhadores negros recebem em média até 1 salário mínimo, 16% recebem de 2 a 5 salários mínimos. Quanto à mulher negra, chega a receber até 50% dos vencimentos da mulher branca, além de exercerem, em sua maioria, funções de trabalhadora doméstica” (IBGE/2018). A mulher negra deixou as obrigações das fazendas e os caprichos dos senhores para servir aos caprichos da “patroa”. Já os homens negros configuram a maior população carcerária não só do país como também uma das maiores do mundo, ficando atrás apenas dos EUA nesta questão.

A evolução capitalista aperfeiçoa as teorias racistas para explicar o fracasso do sistema em proporcionar empregos para todos e condições de vida adequadas. A pobreza do negro, consequência da incapacidade do capitalismo em absorver sua força de trabalho assalariada, faz com que aspectos inerentes às condições subumanas de vida sejam interpretados como devido à raça. Por isso, o preconceito racial permanece até hoje, apesar da grande miscigenação ocorrida no Brasil, onde estudos realizados por cálculos de frequências gênicas demonstraram que a população do Nordeste e de parte do Sudeste já atingiu 97% de panmixia, ou seja, de mistura total. Mesmo assim, o racismo é uma realidade cotidiana. Fica fácil, então, compreender que o problema do negro no Brasil não é simplesmente étnico. A raiz do problema é o capitalismo que marginaliza e explora a sua força de trabalho, fortalecendo o racismo.

Poucos são os negros que conseguiram acumular capital no país. Estes se “aculturaram” e adotam a ideologia da classe dominante, inclusive, com preconceitos contra sua própria raça. Figuras populares (antes pobre e negras) como Pelé e tantos outros servem vergonhosamente a este fim. Não por acaso o “rei do futebol” disse que era normal operários morrerem na construção de estádios para a Copa do Mundo. Apesar disso, as atuais direções do movimento negro, considerando a questão étnica como principal fator de discriminação dos negros, pregam a unidade de todos os negros (inclusive os burgueses) contra o racismo. No sistema capitalista, não podemos alcançar o pleno emprego e a socialização dos meios de produção, que são as bases da diferença de classe que em muito fortalecem o racismo. Atualmente não se pode falar de libertação dos negros sem vinculá-la à luta de classes e à necessidade de emancipação do proletariado. A consciência meramente étnica é uma falsa consciência e o preconceito racial, uma ideologia da classe dominante. Para proporcionar a real libertação dos negros de sua secular exploração e de todo tipo de preconceito é necessária a destruição do sistema que o escraviza, humilha-o e explora-o até hoje: o capitalismo. Definitivamente, essa luta não é apenas dos negros. O objetivo não é somente a libertação de uma raça, mas de todo o proletariado, portanto, devemos dar um basta ao capitalismo e sua elite racista!