101 ANOS DO ASSASSINATO DE ROSA LUXEMBURGO: NOSSA REVERÊNCIA
A MILITANTE COMUNISTA QUE ENFRENTOU O REFORMISMO E PAGOU COM A VIDA POR LUTAR
PELA REVOLUÇÃO PROLETÁRIA NA ALEMANHA!
Em 15 de janeiro de 1919, há exatos 101 anos, a coronhada do
rifle de um soldado a mando de um governo reformista esmagava a mais brilhante
e corajosa cabeça do movimento operário revolucionário alemão depois de Marx e
Engels. Este acontecimento trágico, por ter abortado a melhor oportunidade de
uma revolução socialista em uma nação capitalista avançada, foi como uma
tragédia de grandes proporções sobre o futuro da luta do proletariado mundial
até os nossos dias. Três dias após o assassinato de Rosa e Karl, Trotsky
escreveu: “De constituição pequena, débil e enferma, Rosa surpreendia por sua
poderosa mente. Já falei certa vez que estes dois líderes se complementam
mutuamente. A intransigência e a firmeza revolucionária de Liebknecht se
combinam com uma doçura e meiguice femininas, e Rosa, apesar de sua
fragilidade, era dotada de um intelecto poderoso e viril. Ferdinand Lasalle já
escreveu sobre o esforço físico do pensamento e a tensão sobrenatural de que é
capaz o espírito humano para vencer e superar obstáculos materiais. Esta era a
energia que comunicava Rosa Luxemburgo quando falava da tribuna, rodeada de
inimigos. E tinha muitos. Apesar de ser de estatura pequena e aspecto frágil,
Rosa Luxemburgo sabia dominar e manter a atenção de grandes auditórios,
inclusive quando eram hostis as suas ideias. Era capaz de reduzir ao silêncio
aos seus mais irascíveis inimigos mediante o rigor de sua lógica, sobretudo
quando suas palavras se dirigiam as massas operárias.” (Karl Liebknecht - Rosa
Luxemburgo, 18/01/1919). Rosa Luxemburgo viveu no período compreendido entre a
Comuna de Paris e o primeiro ano de existência do governo bolchevique. Nasceu
em 05 de março de 1871 num vilarejo perto de Lublin, na Polônia controlada pelo
Império Russo. Era a quinta filha de Eliasz Luxemburg III, um judeu comerciante
de madeira, e Line Löwenstein. Uma artrose no quadril a prostrou na cama até os
cinco anos de idade, ocasionando que tivesse uma perna menor que a outra,
fazendo-a mancar por toda a vida. Muda-se para Varsóvia para estudar e conclui
os estudos secundários numa escola feminina em 1887. Aos 15 anos, ainda como
secundarista, inicia sua militância política fazendo parte de uma célula do
Partido Proletário (PP), fundado em 1882 e aliado do movimento populista russo
na luta contra a opressão czarista. Mas logo o partido é massacrado e quatro de
seus líderes são condenados à morte. Para escapar do cerco policial, Rosa foge
para a Suíça em 1889. Ingressa na Universidade de Zurique juntamente com outros
exilados socialistas como Anatoli Lunacharsky e Leo Jogiches, que viria a ser
seu companheiro por mais de 15 anos. Assim começa a militância revolucionária
de Rosa Luxemburgo que viria a ser assassinada em 1919 pela socialdemocracia
alemã, convertida a guardiã da ordem capitalista contra o proletariado.
Em 1892, Rosa funda com alguns ex-companheiros do antigo PP
o Partido Socialista Polaco (PSP), que passa a ser dominado pelo nacionalismo,
de onde sairia o general Pilsudsky, futuro ditador da Polônia. Em 1893, junto a
Leo Jogiches e Julian Marchlewski (alias Julius Karski), funda o jornal “A
causa dos trabalhadores” (Sprawa Robotnicza), para opor-se à ala nacionalista
do PSP. Rosa acreditava que a luta pela independência nacional da Polônia,
despossuída de um conteúdo de classe, levaria o proletariado a reboque da
burguesia sob o canto de sereia nacionalista. O que é correto. No entanto, para
ela, uma Polônia independente só poderia surgir através de uma revolução na
Alemanha ou Rússia, discordando assim da luta pelo direito de autodeterminação
dos povos, posição que acarretaria futuras divergências com Lenin. No ano
seguinte rompe com o PSP para fundar junto com Jogiches o Partido Social
Democrata da Polônia e Lituânia (PSDPeL). Em 1897, foi uma das primeiras
mulheres a concluir o doutorado em Ciência Política. Em abril deste ano,
casou-se com Gustav Lueck, filho de um amigo alemão, a fim de conquistar a
cidadania alemã. O casamento arrumado durou apenas cinco anos, que era o tempo
mínimo estabelecido pela legislação do país para tal caso. Depois os dois se
divorciaram.
Na Polônia dominada pelo czarismo, Rosa tomou parte ativa da
revolução russa de 1905. Este movimento foi resultado espontâneo do
descontentamento social provocado pela guerra russo-japonesa e o despotismo
czarista. Culminou na greve geral em outubro, derrotada pelo czar em dezembro.
Foi a partir desta experiência que Rosa passou a contrapor mais apaixonadamente
a espontaneidade da ação direta das massas à política conservadora
"coroada pela vitória" da social democracia alemã. Nasceu daí o
folheto "Greve de massas, partido e sindicato", no qual Rosa tratou
de explicar as lições dos acontecimentos russos ao proletariado alemão,
aplicando-as na luta de classes deste país. Quando todos os jornais socialistas
haviam sido suprimidos, o de Rosa continuava sendo publicado diariamente de
forma clandestina, o que fez com que em quatro de março de 1906 ela fosse presa
por vários meses. Devido a sua saúde frágil, sua nacionalidade alemã e o
pagamento de uma fiança altíssima, foi liberada e expulsa da Polônia,
dirigindo-se a Finlândia para encontrar-se com Lenin, Zinoviev e Kamenev. Este
episódio aproximou profundamente o PSDPeL da fração bolchevique do Partido
Operário Social Democrata Russo (POSDR).
Em 1907, Rosa participou como delegada do Congresso de Londres do POSDR, onde apoiou os bolcheviques em todas as questões fundamentais concernentes a revolução russa. Chegou a declarar na tribuna do Congresso "Eu sei que também os bolcheviques cometem alguns erros, tem suas excepcionalidades, excessiva intransigência, mas eu os compreendo plenamente e os justifico: no mínimo é necessário ser firme como uma rocha frente a essa massa disforme e gelatinosa que é o oportunismo menchevique" (Discurso de Rosa no V Congresso de Londres do POSDR, 1907).
1871-1914, O AUGE DO OPORTUNISMO REFORMISTA, O MAIS ESTÁVEL
E DURADOURO MECANISMO CONTRARREVOLUCIONÁRIO DA BURGUESIA
A partir de 1873, a Alemanha atravessou um período de grande
prosperidade graças à unificação dos vários reinos da região em torno da
Prússia para derrotar a França de Napoleão III. A burguesia francesa impôs a
conta da derrota sobre sua própria população, mas não sem antes ter que esmagar
a resistência oferecida pela Comuna de Paris que constituiu o primeiro governo
operário da história. O império alemão também conquistou colônias na África
(Camarões, Ruanda, Burundi e Namíbia), norte da China e no Oceano Pacífico
(Nova Guiné e outras ilhas). Esta poderosa máquina de acumulação capitalista
precisava ser azeitada com a colaboração de classes, necessitava de
estabilidade política doméstica e poderia consegui-la a um custo insignificante
diante do que arrecadava. Assim, o império teve que recuar diante das demandas
do movimento operário por elevar o nível de vida dos trabalhadores e do
fortalecimento dos sindicatos e cooperativas. Em 1890, para cooptar o movimento
socialista à institucionalidade burguesa, o governo Bismark revoga a lei que
proibia os partidos socialistas de disputarem o Reichstag. A partir de então a
burocracia sindical passou a conquistar gradativamente sua representação
parlamentar através do Partido Social Democrata (PSD, SPD em alemão), fundado
em 1863.
Estas condições favoráveis à luta econômica e parlamentar
somadas ao refluxo ideológico imposto ao movimento operário revolucionário com
a ofensiva burguesa pós-Comuna propiciou a que os líderes do PSD cada vez mais
substituíssem o programa marxista pela crença de que o capitalismo poderia ser
reformado gradualmente até se transformar em socialismo. O porta-voz desta
tendência e dirigente do partido foi Eduard Bernstein, principal sucessor de
Engels na II Internacional, que escreveu uma série de artigos reunidos em
"Problemas do Socialismo" atacando cada vez mais abertamente os
princípios do marxismo.
O "papa" do socialismo internacional em nome da
"liberdade de crítica" e em uma cruzada contra o
"dogmatismo" negou a possibilidade de que o socialismo fosse fundamentado
cientificamente e de provar sob o ponto de vista da concepção materialista da
história a sua necessidade e sua inevitabilidade. Negou a miséria crescente e o
agravamento das contradições capitalistas. A estratégia comunista foi renegada
e substituída pela máxima "o movimento é tudo, o objetivo final é
nada". Foi negada a oposição de princípios entre o liberalismo e
socialismo, a teoria da luta de classes, pretensamente inaplicável a uma
sociedade democrática, governada de acordo com a vontade da maioria. E,
principalmente, foi categoricamente rechaçada a ideia da ditadura do
proletariado. Assim como a primeira vítima de toda guerra é a verdade, a
concepção da ditadura do proletariado converte-se em inimiga número um de todo
aquele que se passa para o oportunismo reformista. Não por acaso é a principal
contribuição de Marx, definida por ele mesmo.
"Muito antes de mim, alguns historiadores burgueses
tinham exposto o desenvolvimento histórico desta luta de classes. O que fiz e
novo foi demonstrar: 1) que a existência das classes está ligada apenas a
determinadas fases da produção; 2) que a luta de classes conduz necessariamente
à ditadura do proletariado; 3) que esta mesma ditadura constitui tão somente a
transição para a abolição de todas as classes" (Carta de Marx a
Weydemeyer, Londres, 5/3/1852). Bernstein e todos seus discípulos declarados ou
envergonhados no último século romperam com o ABC do marxismo.
Rosa Luxemburgo, que acabara de fugir da Polônia ingressara
na social democracia alemã já combatendo a ala direita do partido representada
pelo deputado Wolfgang Heine que justificava assim o revisionismo
contrarrevolucionário: "De fato, eu pergunto a todos os homens racionais,
uma política deveria tentar alcançar o que é impossível sob determinadas
circunstâncias?" Combatendo duramente a arte de só lutar pelo que é
possível Rosa argumentava: "Oportunismo, a propósito, é um jogo político o
qual pode ser perdido de duas maneiras: não apenas princípios básicos, mas
também sucesso prático podem ser perdidos. A suposição de que alguém pode
alcançar o maior número de sucessos fazendo concessões é um completo erro.
(...) Em nosso não, em nossa atitude intransigente, encontra-se toda nossa
força. É esta atitude que nos ganha o medo e respeito do nosso inimigo e a
confiança e apoio do povo. Precisamente porque nós não concedemos nem um
centímetro de nossa posição, nós forçamos o governo e os partidos burgueses a
nos conceder os poucos sucessos imediatos que podem ser ganhos. Mas se nós
começamos a perseguir o que é 'possível' de acordo com os princípios do
oportunismo, sem nos preocupar com nossos próprios princípios, e por meios de
troca como fazem os estadistas, então nós iremos logo nos encontrar na mesma
situação que o caçador que não só falhou em matar o veado, mas também perdeu
sua arma no processo." (O Oportunismo e a Arte do Possível, Rosa
Luxemburgo, 30 de Setembro de 1898). Depois da revolução de Novembro de 1918 na
Alemanha, Heine ocupou uma série de lugares no governo capitalista da Prússia.
A LUTA CONTRA AS IGREJAS
Rosa também se preocupou em polemizar com outros inimigos da
revolução que entorpecem a consciência do proletariado em relação à luta política
contra as classes dominantes, como o clero. Em "O Socialismo e as
Igrejas" ela desmascara os interesses terrenos do Vaticano: "as
enormes riquezas acumuladas pela Igreja, sem qualquer esforço da sua parte, vêm
da exploração e da pobreza do povo trabalhador. A riqueza dos arcebispos e
bispos, dos conventos e paróquias, a riqueza dos donos das fábricas, e dos
comerciantes e dos proprietários de terras, é comprada ao preço de esforços
desumanos dos trabalhadores da cidade e do campo. Qual é a única origem das
dádivas e dos legados que os ricos senhores fazem à Igreja? Obviamente que não
é o trabalho das suas mãos e o suor dos seus rostos, mas a exploração dos
trabalhadores que trabalham sem descanso para eles; servos ontem, assalariados
hoje...".
Mais uma vez Rosa mostra sua coragem combatendo o clero na
Polônia, o país onde a igreja católica historicamente tem uma força imensa.
Força esta que associada a uma burocracia sindical corrompida pela CIA serviu
de apoio inclusive para a restauração capitalista naquele país no final da
década de 1980, quando Karol Wojtyla, aliou-se ao arqui-burocrata, Lech
Walessa, para orientar as massas organizadas no Solidariedade sob a política do
imperialismo.
Rosa entendia que o culto religioso era um assunto privado o
qual o Estado não tinha direito de intrometer-se e diferenciava seu ateísmo
militante, no campo da luta teórico-ideológica, do combate a igreja como
instituição auxiliar da classe dominante: "A Social Democracia de modo
algum combate os sentimentos religiosos. Ao contrário, procura completa
liberdade de consciência para todo o indivíduo e a mais ampla tolerância
possível para qualquer fé e qualquer opinião. Mas desde o momento que os padres
usam púlpito como um meio de luta contra as classes trabalhadoras, os trabalhadores
devem lutar contra os inimigos dos seus direitos e da sua libertação. Porque o
que defende os exploradores e o que ajuda a prolongar este regime presente de
miséria, esse é que é o inimigo mortal do proletariado, quer esteja de batina
ou de uniforme de polícia." (Rosa Luxemburgo, O Socialismo e as Igrejas,
1905).
A TEORIA DO COLAPSO CAPITALISTA EM ROSA
Em 1913, Rosa elaborou suas concepções sobre o imperialismo
em "A Acumulação do Capital". Na visão da revolucionária, a posição
de Bernstein foi equivalente a um abandono do ponto de vista de classe, e seu
desprezo pela dialética correspondia a sua falha para negociar com o
capitalismo como um todo, como um organismo vivo.
Em oposição à ideia dos que haviam se convencido que o
capitalismo havia se livrado de suas contradições, Rosa desenvolve conceitos
chaves sobre as fases de "ascenso" e "declínio" do
capitalismo refutados por Bernstein. Ela argumenta que a formação de cartéis da
indústria, crescimento da influência do capital financeiro, tentativas de
cooptar o estrato superior dos trabalhadores organizados, a militarização do
Estado e sua burocracia encarregada são todos fenômenos interligados a um mal
geral, a decadência imperialista. Para a revolucionária o desenvolvimento do
capital se daria sobre a base da expansão da venda de mercadorias sobre novos
mercados não capitalistas de desenvolvimento mais atrasado. Ao conquistar este
mercado, o capitalismo atingiria um limite em que não pode mais gerar as
condições necessárias para o seu desenvolvimento, pois o próprio dinamismo de
seu processo produtivo estaria esgotado.
Mas, longe de compreender as concepções da própria Rosa,
alguns luxemburguistas "modernos" se apoiam na teoria do colapso da
revolucionária para justificar sua própria prostração política e afirmar que o
"capitalismo vai se autodestuir". A recessão, a destruição das
condições de vida das massas, a pauperização antes mesmo da proletarização das
camadas médias da população, o crescimento do exército industrial de reserva, a
megaespeculação financeira, os investimentos maciços em forças destrutivas, a
crise ambiental,... expressam o apodrecimento do capitalismo em direção à
barbárie, mas de modo algum autodestruição do mesmo, cuja derrubada só pode ser
produto da ação consciente do proletariado guiado por seu partido de vanguarda
comunista e internacionalista.
A DEGENERAÇÃO DO SOCIALISMO QUE ROSA COMBATEU TORNOU-SE
HEGEMÔNICO NA AMÉRICA LATINA E ACABOU PAVIMENTANDO O CAMINHO PARA A ATUAL
ASCENSÃO DO FASCISMO
O câncer já havia se alastrado na Internacional. Em 1899, o
"socialista" francês Millerand ingressou no governo de coalizão,
empregando na prática as revisões teóricas de Bernstein, inaugurando o
"ministerialismo" e a fórmula dos governos e colaboração de classes,
onde os representantes "socialistas" do movimento de massas ingressam
em ministérios, tornam-se presidentes ou primeiro-ministros auxiliam a
burguesia a desarmar o movimento operário. A partir de então, quanto mais
atravessa crises e ingressa em sua fase senil a estabilidade da ordem social
burguesa requer a colaboração de classes passando. Os governos de colaboração
de classes foram criando uma tradição contra-revolucionária desde Millerand,
seguido por Macdonald na Inglaterra, passando por Kerensky na Rússia, pela República
de Weimar na Alemanha (que nasceu exatamente executando Rosa e Karl), pelos
governos de frente popular (França, Espanha, Indonésia, Chile,...) ou
nacionalistas burgueses (Bolívia), as coalizões com socialistas e comunistas na
Europa no pós-guerra até chegar aos dias atuais onde os governos da
centro-esquerda burguesa no continente acabaram, um a um, pavimentando a
ascensão da direita e da extrema-direita como no Brasil de Bolsonaro.... A
degenerescência burguesa da burocracia operária que dirige, integra ou apoia
estas direções tornou-se o principal obstáculo à vitória da revolução
proletária, ainda que hoje tenham chegado a um alto grau de isolamento.
Enquanto uma legião de oportunistas tentou vender na última
década como novidade a gestão "popular" do Estado burguês, o chamado
"Socialismo do século XXI" hoje completamente esgotado tanto que
abriu caminho atualmente para o fascismo na América Latina, Rosa já assinalava
o quão era reacionária a ideia de reformar o capitalismo mesmo quando fora
proposta de forma honesta pelos socialistas utópicos pré-marxistas. "Hoje,
lendo os livros de Bernstein, a expressão teórica máxima dessa tendência,
grita-se com estupefacção: Como? É tudo o que têm para dizer? Nem sombra de
pensamento original! Nem uma ideia que o marxismo já não tivesse, há dezenas de
anos, refutado, esmagado, ridicularizado, reduzido a pó! Bastou que o
oportunismo começasse a falar para demonstrar que nada tinha para dizer."
(Reforma ou Revolução, 1900).
Foi a primeira socialista do planeta a levantar-se contra a
degeneração oportunista do socialismo. E não era fácil no raiar do século XX
aquela pequena e fisicamente frágil mulher, que nem sequer tinham direito ao
voto e menos ainda a eleger-se nas eleições burguesas, combater o revisionismo
onde justamente ele era mais forte, oferecia reformas reais e dispunha de uma
imensa máquina de propaganda, demolindo impiedosamente seu maior representante:
"Expondo a sua teoria, Bernstein começa por exprimir simplesmente o receio
de que o proletariado conquistasse excessivamente cedo o poder. Se isso
acontecesse, uma tal ação, segundo Bernstein, conduziria a deixar a sociedade
burguesa na situação em que está, e o proletariado sofreria uma terrível
derrota. Esse receio mostra ao que se confina praticamente, a teoria de
Bernstein: a aconselhar o proletariado, no caso das circunstâncias o levarem ao
poder, a ir-se deitar. Mas, mesmo aí, essa teoria julga-se a si própria,
revela-se como uma doutrina condenando o proletariado, nos momentos decisivos
da luta, à inação, a uma traição passiva da sua própria causa. (...) Depois de
ter abjurado de qualquer crítica socialista da sociedade capitalista,
contenta-se em considerar satisfatório o sistema atual, pelo menos no seu
conjunto. É um passo que Bernstein não hesita em dar; considera que na Alemanha
de hoje, a reação não é muito forte: 'nos países da Europa Ocidental não se
pode falar em reação política'; pensa que em todos os países do Ocidente a
'atitude das classes burguesas em relação ao movimento socialista é mais ou
menos uma atitude de defesa e não de opressão' (Vorwärts, 26 de Março de 1899).
Não existe pauperização, mas uma melhoria do nível de vida dos operários; a
burguesia é politicamente progressiva e mesmo moralmente sã. Não se pode falar
de reação ou de opressão. Tudo é feito para melhorar o melhor dos mundos...
Depois de ter dito o A, Bernstein é, lógica e conseqüentemente, levado a
recitar todo o alfabeto. Começou por abandonar o objetivo final do movimento.
Mas, como na prática não pode haver movimento socialista sem finalidade
socialista é obrigado a renunciar ao próprio movimento. (...) Pode definir-se e
resumir-se a teoria revisionista pelas seguintes palavras: É uma teoria do
afundamento do socialismo, fundamentada na teoria da economia vulgar do
afundamento do capitalismo." (Reforma ou Revolução, 1900). Até então foi
ela quem se projetou como a defesa mais articulada do Marxismo revolucionário
neste debate.
A era de ouro do reformismo durou até a primeira guerra
mundial, ganhou uma pequena sobrevida após a II Guerra, quando o imperialismo
entregou os anéis para não perder os dedos após a criação dos Estados operários
burocratizados do Leste Europeu, China, Cuba, Iugoslávia. Mas o ingresso da
humanidade na fase decadente do capitalismo inviabilizou as bases materiais de
uma política de concessões crescentes da burguesia para os trabalhadores. Em
todo o planeta, a burguesia toma o que concedeu no passado. Este saque as
conquistas dos trabalhadores se acentuaram nos últimos 30 anos, após a
restauração capitalista na URSS e no Leste Europeu, o que potenciou a atual
ofensiva imperialista em todos os terrenos. Para manter a estabilidade política
e gerir o Estado burguês, os governos de colaboração de classes com seu
“Socialismo do Século XXI” se converteram na última década na opção
preferencial do imperialismo, tornaram-se hegemônicos na América Latina e
acabaram pavimentando o caminho para a ascensão da direita, como vemos no
Brasil. Estes governos de centro-esquerda que acabaram se esgotando recorrem
assim como Bernstein, há mais de um século, ao canto de sereia de que é
possível reformar gradualmente o capitalismo em favor dos trabalhadores. Neste
quadro, ganha imensa vigência os escritos de quem primeiro soou o alarme do
combate ao reformismo como instrumento contrarrevolucionário da burguesia
contra o avanço da consciência revolucionária dos trabalhadores.
COMO O PARTIDO OPERÁRIO COM MAIOR INFLUÊNCIA DE MASSAS DA
HISTÓRIA DE TODOS OS PAÍSES CAPITALISTAS SE TRANSFORMOU EM UM "CADÁVER
MAU-CHEIROSO"
De todos os partidos já existentes na história do movimento
operário, o Partido Social-Democrata alemão (PSD) foi o maior e mais poderoso
partido em influência de massas dentro de um país capitalista. Antes da
primeira guerra mundial chegou a contar com um milhão de membros, mais de 15
mil profissionais operários, militantes de tempo integral e, 90 jornais
diários!
Assim como os outros partidos sociais democratas, o PSD
também votou nas resoluções contra a guerra em todos os congressos da II
Internacional. Mas, adotou na prática (assim como a maioria dos membros
social-chauvinitas da Internacional), uma posição oposta às resoluções
aprovadas, que significou trocar o lema mais popular do marxismo por
"trabalhadores de todo mundo matem-se uns aos outros". Na Alemanha,
para assegurar seus privilégios burocráticos junto ao Estado capitalista o PSD
se colocou a serviço da ganância da burguesia germânica comandada pelo kaiser
Guilherme II, a quem Lenin chamava de "bandido miserável". A
degeneração contrarrevolucionária do grande partido socialista alemão, deve
sempre servir de alerta contra todos aqueles que desprezam a rigorosa
delimitação programática e principista e medem a importância das organizações
pelo tamanho do aparato que controlam.
No dia 04 de agosto de 1914 o Império alemão aprova o
orçamento de guerra proposto pelo governo, por quase unanimidade no parlamento,
o Reichstag, tendo como o único voto contrário o de Liebknecht. Todos os demais
parlamentares do PSD votaram a favor dos chamados créditos de guerra. Além
disto, o partido estabeleceu uma trégua com o governo, prometendo evitar que se
realizasse toda e qualquer greve durante a guerra. Quando Lenin leu a capa do
Vorwärts, o principal jornal do PSD, com essa notícia, ficou tão escandalizado
inicialmente que acreditou tratar-se de uma falsificação do governo alemão para
comprometer o PSD mais do que sua direção oportunista se dispunha.
Desgraçadamente, não era uma fraude, mas a mais pura verdade. O Partido
Socialista Francês e vários outros fizeram o mesmo por suas burguesias. Após
esta traição Rosa Luxemburgo declarou que a social democracia a partir de então
não passava de um "cadáver mau-cheiroso".
No dia seguinte, Karl Liebk-necht, Rosa Luxemburgo, Clara
Zetkin e Franz Mehring fundam o Grupo Internacional, uma federação de grupos
que se opunham ao militarismo e ao oportunismo da direção social democrata. O
nome Espartaquistas derivou de que Liebknecht havia redigido uma série de
artigos convocando os trabalhadores a fazer oposição revolucionária a guerra
assinando-os com o pseudônimo de Espartaco, em homenagem ao escravo gladiador
que liderou a principal revolta de massas que encurralou o Império Romano entre
os anos de 71 e 74 A.C..
Foram expulsos do PSD em primeiro de janeiro de 1916 por
denunciarem o chauvinismo da direção do partido e chamarem os trabalhadores a
greve contra a guerra. Seus principais dirigentes Liebknecht e Luxemburgo,
acusados de alta traição, foram condenados a dois anos e meio de prisão e a
trabalhos forçados, enquanto continuaram a dirigir o grupo através de cartas
traficadas para fora clandestinamente. Em maio de 1915, Liebknecht escrevia de
sua cela um panfleto que foi amplamente divulgado nas fábricas e quartéis.
Dizia: "neste momento nossa tarefa é a luta proletária internacional. O
inimigo principal de cada povo se encontra em seu próprio país. O inimigo do
povo alemão é o imperialismo alemão".
POUCO DEPOIS DO REFORMISMO, NASCEU O SEU FIEL ESCUDEIRO, O
CENTRISMO
Embora ninguém possa duvidar do caráter genuíno do combate
de Rosa ao oportunismo reformista, o que retardou seu amadurecimento político e
organizativo foi à crença de que 1) por mais degenerado que pudesse estar o PSD
era "O" partido da classe; 2) fora dele não se poderia se constituir
mais do que seitas e 3) um futuro levante da classe regeneraria o partido. Por
isto em sua carta de fundação os espartaquistas bradavam "nem partido
novo, nem partido velho, mas reconquista do partido de baixo para cima por meio
de uma rebelião de massas" (30/03/1916). Por isto também Rosa se opôs a
cisão do próprio bloco centrista de Kautsky com o PSD em 1917, acreditando na
reconquista revolucionária do partido já abertamente contra-revolucionário e
que a própria Rosa acertadamente denominava de "cadáver mau-cheiroso"
desde o quatro de agosto de 1914.
Em abril de 1917, Kautsky e o próprio Bernstein saem do
partido e fundam o Partido Social Democrata Independente (PSDI, USPD em alemão).
Bernstein volta ao PSD depois da guerra, em 1919, e Kautsky, em 1922.
Juntaram-se ao PSDI a Liga Espartaquista e os Socialistas internacionalistas
(SI), dirigidos por Pannekoek, conformando assim o que Lênin viria a definir
como um partido centrista clássico que oscila entre o reformismo e o marxismo.
"Revolucionários apenas de palavra, mas reformistas de fato,
internacionalistas de palavras, mas na verdade cúmplices do
social-chauvinismo." (Lenin, A situação da internacional socialista, Teses
de Abril de 1917).
Para manter um pé no parlamento e com o outro controlar o
movimento, o PSDI possuía uma espécie de central sindical própria, a Associação
Operária ou do Trabalho (Arbeitsgemeinschaft), fundada em março pelos deputados
do Reichstag que se separaram do PSD, mas defendiam os social-chauvinistas e
sustentavam uma política de unidade com eles.
A Alemanha é parteira do marxismo assim como de suas duas
principais doenças degenerativas, o reformismo e o centrismo. A situação
objetiva do proletariado sob o regime imperialista provoca sua divisão política
subjetiva em três tendências principais: o reformismo (socialistas a serviço do
imperialismo ou social-imperialismo), o centrismo e o comunismo revolucionário.
Se inclusive no interior do movimento operário as ideias dominantes são as
ideias da classe dominante é fácil compreender que em situações não
revolucionárias o marxismo revolucionário seja a minoritária destas três
tendências. Dentre as contribuições de Lênin ao marxismo está a compreensão que
a vitória da revolução socialista requer como pré-requisito que os marxistas
rompam com o oportunismo no movimento operário. O centrismo é um dique de
contenção para que o movimento operário não crie um forte partido operário
revolucionário independente do oportunismo e do regime burguês. Em última
instância, é o responsável para que os as insurreições e levantes populares e
proletários não possuam a ferramenta apropriada para conduzir as massas à
tomada do poder.
"Enquanto o comunismo é o porta-voz da classe operária
e o reformismo representa os interesses da cúpula privilegiada da mesma, o
centrismo reflete o processo transicional no interior do proletariado, as
distintas ondas dentro de suas distintas camadas e as dificuldades que estorvam
o avanço a posições revolucionárias definitivas. sempre haverá na classe
operária uma camada de centristas crônicos, que não querem seguir com o
reformismo até as últimas conseqüências, mas que são organicamente incapazes de
se converter em revolucionários" (O que é o centrismo, Leon Trotsky,
28/05/1930).
O Morenismo que já foi mais forte em nosso continente é uma
corrente centrista por excelência. No Brasil, os melhores representantes do
kautskismo é o PSTU que, guardadas as proporções numéricas e conjunturais,
constrói a Conlutas sua Arbeitsgemeinschaft e que, completamente desprovido de
representação parlamentar, aspira a ter no PSOL sua cara metade de cretinismo
parlamentar. A grosso modo, o que na Alemanha de 1917 se expressava em um só
partido, no Brasil se expressa no PSTU-PSOL. Na Argentina, o centrismo é
representado pelo PO, PTS e IS (Frente de Esquerda). O PSDI teve curta duração,
desapareceu e seus militantes foram todos para o comunismo ou a
social-democracia. Mas épocas como a atual, marcada pela reação ideológica
pós-soviética sobre a consciência das massas, espasmos de resistência popular à
ofensiva capitalista e governos de colaboração de classe dirigidos pelos
oportunistas do século XXI, possibilitam uma longevidade maior às correntes
centristas.
Rosa Luxemburgo foi implacável e pioneira no combate não
apenas ao oportunismo de Bernstein, mas também contra as ilusões reformistas e
pacifistas de Kautsky (limitação do armamentismo, tribunal internacional,
etc.), seu "radicalismo formal" pedante e apodrecido desde o
nascimento do bolchevismo em 1903. Como relembra Lenin: "ódio e desprezo a
Kautsky, agora mais do que a todo o resto do rebanho hipócrita e vil (...).
Rosa Luxemburgo tem razão, ela já compreendeu isto há muito tempo, que Kautsky
possuía um alto grau de 'servilismo de um teórico', dito mais claramente, foi
sempre um lacaio, um lacaio da maioria do partido, um lacaio do
oportunismo" (Antologia leninista, vol. 2, Carta a A. Shliapnikov,
27/10/1914).
No entanto, a dirigente espartaquista não foi conseqüente na
ruptura política e organizativa com o kautskismo nem colocou o problema da luta
contra o centrismo em toda a amplidão necessária.O mesmo Lenin destaca este
problema com toda profundidade em 1916. "A maior falta de todo o marxismo
revolucionário na Alemanha é a falta de uma organização ilegal bem enlaçada,
que siga sistematicamente sua linha e que eduque as massas no espírito das
novas tarefas; tal organização devia ocupar uma posição clara, tanto em face do
oportunismo como em face do kautskismo" (Lenin: "Obras
Escolhidas", torno V, Sobre o folheto de Junius, 10/1916). O
revolucionário russo destaca a autenticidade do caráter revolucionário do
combate de Rosa contra os oportunistas, mas segue mais adiante a criticando por
deixar-se "asfixiar pela rede de hipocrisia kautskiana": "É
indubitável que 'Junius' [pseudônimo utilizado por Rosa] está decididamente
contra a guerra imperialista e decididamente pela tática revolucionária. Mas,
em primeiro lugar, 'Junius' não se libertou ainda per completo do ambiente dos
social-democratas alemães, inclusive dos de esquerda, que temem uma cisão, que
têm medo de levar até o fim as palavras de ordem revolucionárias. (...) No
folheto de 'Junius' percebe-se que o autor se ENCONTRA ISOLADO, que não tem
nenhum camarada numa organização ilegal que esteja acostumado a pensar em
palavras de ordem revolucionárias até o fim e que eduque as massas em seu
espírito. Mas esta falta não é uma falta pessoal de 'Junius', mas o resultado da
debilidade de TODAS as esquerdas alemãs, que em todas as partes estão
asfixiadas pela ignóbil rede da hipocrisia kautskiana, pelo pedantismo e o
'pacifismo' dos oportunistas" (idem).
Mesmo depois que Lênin levou a termo de forma cabal sua
ruptura com os oportunistas russos, forjando sua fração de forma completamente
independente e contra os mencheviques cinco anos antes da revolução de 1917,
durante a própria, teve que travar duas batalhas ainda mais duras contra a
direção do próprio partido bolchevique. Batalhas que se o autor do "O que
Fazer?" não tivesse vencido, não existiria revolução soviética, a saber: a
ruptura com a política de apoio crítico ao governo burguês provisório, prestado
por Kamenev, Zinoviev e Stalin, os principais dirigentes do partido antes que
Lênin chegasse do exílio com suas famosas teses de abril e a organização
militar da tomada do poder, contra a qual resistiu à maioria da direção por
quase dois meses cruciais.
O combate pelo legado de Rosa Luxemburgo, pressupõe uma luta
sem quartel contra os oportunistas e revisionistas de hoje que utilizam da
autoridade da revolucionária para cultuar o pacifismo, o antipartidarismo e o
oportunismo, que ela tanto combateu, como é o caso do partido alemão Die Linke
(A esquerda), que ostenta um programa tão contrarrevolucionário quanto o do
PSOL e PSTU brasileiro.
A TRAGÉDIA DA REVOLUÇÃO ALEMÃ
Apesar da firme disposição de Lenin e Trotsky, os
bolcheviques não poderiam fazer muito pela revolução alemã. Enquanto ainda
enfrentavam as forças lideradas pelos generais brancos Deninkin, Wrangel,
Yudenich e Kolchak foram obrigados a estabelecer a um custo altíssimo um acordo
de paz com o império Alemão, contra quem a Rússia lutava desde início da I
Guerra Mundial. Assim que se livraram dos invasores germânicos, os bolcheviques
viram os brancos contrarrevolucionários serem turbinados com o apoio militar
maciço dos exércitos que antes estavam do lado da Rússia contra a Alemanha. 50
mil soldados da Inglaterra, EUA, Itália, Sérvia, França, Tchecoslováquia, Polônia,
Japão que se juntaram numa cruzada para trucidar o primeiro estado operário do
mundo como tinha sido feito com a Comuna de Paris em 1871.
O Tratado de paz com o bloco alemão (Alemanha,
Áustria-Hungria, Bulgária e Turquia), foi assinado em três de Março de 1918, em
Brest (antigamente Brest-Litovsk). Foi motivo de intensas disputas dentro do
partido bolchevique e entre os socialistas, particularmente os alemães. As
condições de paz eram extremamente pesadas para a URSS. Segundo o tratado,
deveriam ficar sob controle da Alemanha e da Áustria-Hungria a Polônia, a quase
totalidade da região do Báltico e uma parte da Bielorrússia; a Ucrânia
separava-se da Rússia soviética e tornava-se um Estado dependente da Alemanha.
Uma parte de território iria para a Turquia. Para a URSS significou perder 27%
de sua superfície cultivável, de 26% de suas vias férreas e de 75% de sua
produção de aço e ferro. Em Agosto de 1918 a Alemanha impôs ao Estado operário
um tratado adicional e um acordo financeiro, nos quais eram apresentadas novas
exigências espoliadoras. Depois da revolução de Novembro de 1918 na Alemanha,
que derrubou o regime monárquico, foi anulado o tratado de Brest-Litovsk.
Com os bolcheviques ocupados em defender a URSS da maior
cruzada imperialista até então constituída a revolução alemã só podia contar
com suas próprias forças. Que por sua vez, não eram débeis. A Alemanha era o
país capitalista avançado por excelência, sua base industrial era imensamente
mais ampla e o seu proletariado era muito mais numeroso que o russo.
Contrariando o pacto antigreve estabelecido pelo PSD, desde o início da guerra
o movimento de massas alemão crescia em força e coesão rumo à construção de
organismos de duplo poder. Outubro de 1915 motins de fome, seguidos de saques
em Chemnitz. Maio de 1916 manifestações massivas em várias cidades contra a
prisão de Liebknecht. Março de 1917, onda de greves contra a intervenção nos
sindicatos que não cumpriam a trégua social imposta pelo PSD. 16 de abril de
1917 nasce em Leipzig o primeiro conselho operário alemão, conhecido por
"Comissão". 16 a 23 de abril de 1917, 250 mil operários marcharam em
Berlim. 19 de abril de 1917, a fábrica Knorr-Bremse elege um conselho operário
de tendência espartaquista.
Ao final da guerra a classe dominante alemã encontrava-se em
uma situação quase desesperadora. O "quase" reside em poder apoiar-se
no PSD contra a revolução proletária. Toda denuncia feita pelos espartaquistas
nos últimos anos, e particularmente por seus principais líderes encarcerados,
se confirmara. O país estava colapsado, econômica e militarmente, os soldados e
o proletariado avançavam sobre os culpados. A situação exigia um partido capaz
de galvanizar este amplo descontentamento.
A partir de um motim na marinha contra a continuidade da
guerra, os marinheiros da base de Kiel desarmaram seus oficiais, tomaram os
barcos, elegeram um conselho de soldados e se uniram aos trabalhadores
metalúrgicos. A revolta acabou definitivamente com a primeira guerra mundial,
se alastrou por todo país, com greves de massa, motins, assaltos as prisões e
paióis. Em Hamburgo, Lubek, Brunswick e na Baviera formaram-se conselhos
populares e soldados e operários que destituíam os governadores proclamaram
repúblicas socialistas nos estados federados. Para conter a revolta, em
Outubro, anunciou-se uma anistia para presos políticos, inclusive Liebknecht.
Tal medida foi saudada por milhares de operários berlinenses, mas Rosa
Luxemburgo foi mantida na prisão, depois liberada em oito de novembro.
A Alemanha foi tomada por 10 mil conselhos operários que a
parte Oeste da Alemanha dando lugar a uma república de conselhos (Räterepublik)
similares aos sovietes russos de 1905 e 1917. Mas, sem alternativas
revolucionárias os sovietes alemães votaram no velho PSD. Em Kiel, por exemplo,
foi eleito presidente do Conselho o deputado "socialista" Noske que
viria a entrar para a história como o "cão sanguinário" da revolução
alemã. De forma semelhante, a maioria dos outros conselhos elegeu dirigentes do
PDS e do PDSI. Os organismos revolucionários delegaram poder aos
contra-revolucionários social-imperialistas que por sua vez pactuaram o enterro
da revolução com a burguesia germânica. Hintze, um secretário de estado
declarou: "É necessário evitar uma sublevação de baixo para cima por meio
de uma revolução de cima para baixo". A burguesia desesperada deixou que o
confiável PSD fizesse tudo que ela precisava para não perder o controle da
situação para o proletariado. Foi então que em nove de novembro de 1918 ocorre
a Novemberrevolution, em nome dos soldados e operários sublevados os
socialistas substituíram o kaiser Guilherme II por um governo provisório
"parlamentar" encabeçado pe-lo príncipe Max von Baden, primo do
Kaiser, do qual faziam parte Scheidermann, Ebert e Noske.
A república foi duplamente proclamada. Enquanto Scheidemann
proclamava a república de uma sacada do Reichstag, em Berlim, ao meio-dia do 9
de novembro de 1918, às 16 horas, uma multidão tão grande quanto aquela que
aplaudia Scheidemann se aglomerava no castelo de Berlim (Stadtschloss), onde
Karl Liebknecht também proclamava a república. Seu discurso culminou com a
proclamação da "República livre e socialista da Alemanha", que poria
um fim à hegemonia dos Hohenzollern. No lugar do odiado estandarte imperial,
deveria ser desfraldada a "bandeira vermelha da República Livre Alemã.
O PSD legitimou o governo provisório burguês aos olhos do
conjunto das classes, convocando em dezembro uma assembléia constituinte e de
organismos de poder local através do sufrágio universal, erradicando a recém
nascida democracia soviética pela velha e clássica democracia parlamentar
burguesa. O conjunto da esquerda alemã compartilhava com a fantasia burguesa de
que a partir do momento em que o PDS havia se adonado do poder apoiado pelos
conselhos operários, a transformação das relações sociais capitalistas era só
uma questão de tempo em um processo progressivo, gradual e passivo. Em seu
livro "Ditadura do Proletariado", Kautsky deturpa o conceito
primordial do marxismo, esconde o caráter de classe da democracia burguesa,
apresentando-a como "democracia pura" e desaparece com a violência
revolucionária, sem a qual é impossível a tomada do poder pelos trabalhadores
das mãos da burguesia de forma gradual e pacífica. Não por acaso, por esta faceta,
Lenin declara que o "O renegado Bernstein não passa de um fedelho em
comparação com o renegado Kautsky" (A revolução proletária e o renegado
Kautsky, 1918). Bebendo da fonte dos ideólogos do oportunismo, Bernstein e
Kautsky, o PDS explica a população trabalhadora que é preciso desenvolver o
capitalismo até seu último estágio para só então socializá-lo. Para tanto, é
preciso fazer reinar a ordem, esmagando os espartaquistas.
De 16 a 20 de dezembro de 1918 reuniu-se o Congresso
Pan-Alemão dos Conselhos de operários e soldados que conferiu plenos poderes ao
Conselho do Comissariado do Povo constituído por uma executiva de seis membros
(três membros do PSD e três do PSDI). Dos 485 delegados do Congresso, os
espartaquistas possuíam 10 delegados. A oposição mais a esquerda com
significativo peso político dentro do Conselho a política imperialista do PSD
era realizada pelos Arbeitsgemeinschaft.
A vanguarda armada revolucionária da revolução alemã era
representada pelos marinheiros de Kiel, a Divisão de Marinheiros do Povo
(Volksmarinendivisión, VMD) que foram transferidos para Berlin para proteger a
principal cidade da revolução. Após o Congresso Pan Alemão dos Conselhos, o
governo social democrata os provocou, cortando seus soldos. Em 24 de dezembro
três mil marinheiros ocuparam o Palácio Imperial, sede do governo de Berlin,
sitiando o chanceler Ebert. O PSD invocou o general monarquista Arnold Lequis a
defender o chanceler reagrupando a odiada Guarda Imperial que se encontrava
fora da cidade a espera de ser dissolvida. A Guarda cercou a chancelaria para
encurralar a VMD, dando início uma batalha campal. No entanto a população
trabalhadora cerca as tropas de Lequis que só escapou do linchamento pela
intervenção direta de Ebert no conflito. Depois deste episódio, no dia 29 de
dezembro o PSDI retira-se com seus três comissários do governo.
Em função da tumultuada disputa pelo controle de Berlim
entre a revolução e a contrarrevolução, o governo provisório transferiu sua
sede para a vizinha cidade de Weimar, que deu nome a nascente República
contrarrevolucionária. Paralelamente a burguesia foi obrigada a fazer algumas
concessões até então inexistentes no país como o voto universal, a jornada de
oito horas e o reconhecimento do contrato coletivo de trabalho.
A FUNDAÇÃO DO PARTIDO COMUNISTA E O MASSACRE DE JANEIRO
Em primeiro de janeiro de 1919 os espartaquistas e
Socialistas internacionalistas deixam o PSDI para fundar o Partido Comunista Alemão
(PCA, KPD em alemão), exatamente três anos depois de terem sido expulsos do
PSD. No dia 04 de janeiro Noske destituiu Emil Eichorn, membro da PSDI, da
chefia da polícia de Berlim. O PSDI invoca o PCA para mobilizar as massas a fim
de retomar seu posto repressivo de volta e de destituir o PSD do governo. No
dia 05, uma manifestação de 700 mil pessoas protesta contra a medida de Noske.
Formou-se um Comitê Insurrecional ao qual se uniram os espartaquistas
(Liebknecht e Pieck) para organizar a derrubada imediata do governo socialista
contra a posição minoritária de Rosa Luxemburgo e P. Levi. Vale destacar que
Rosa estava certa sobre a posição da maioria da direção espartaquista, ainda
não era o momento do assalto ao poder. Era necessário preservar o Estado maior
da revolução para ampliar sua influência política e programática sobre as bases
proletárias ainda fiéis ao PSD e ao PSDI.
No dia 06 as forças da insurreição ocuparam pontos
estratégicos de Berlim, chegando a controlar o centro da capital. O movimento
se estende a Baviera, Bremen, Hamburgo, Saxonia, Magdeburgo e Sarre. Apesar
disto, o vacilante e indeciso CI perdeu horas discutindo se devia ou não
negociar com o governo PSD antes de destituí-lo. Enquanto isto Noske teve tempo
e margem para organizar a reação bairro por bairro. Os ocupantes da sede do PCA
foram assassinados quando saíram para pedir um armistício.
Tendo aprendido com as experiências anteriores, a clareza do
que fazer diante da revolução alemã estava com os representantes da burguesia e
não com os do proletariado. O carniceiro "socialista" Gustav Noske
tripudiou depois do massacre: "Se esta multidão, ao invés de ser liderada
por tagarelas, tivesse uma liderança resoluta, consciente do que estava
fazendo, teria se tornado dona de Berlim".
No dia 9 de janeiro de 1919, Noske e companhia impõem um
estado de sítio em Berlim. Com o aparato repressivo do Estado decomposto e
grande parte dos soldados tendo confusamente se passado à defesa dos conselhos,
a social democracia precisava organizar tomar a iniciativa para realizar uma
guerra civil preventiva e trucidar fisicamente com o processo revolucionário.
Foi então que Noske, ministro da Defesa, organizou uma milícia paramilitar
fascista composta por veteranos da guerra, os Freikorps, que viriam a servir de
modelo para Hitler na organização das futuras falanges nazistas. Rosa e
Liebknecht mudaram constantemente de esconderijo e vários empresários ofereciam
recompensas a quem os denunciasse. A mando do governo social democrata, os dois
revolucionários, ambos com 47 anos, foram sequestrados pelos Freikorps e
levados ao Hotel Eden e lá insultados, torturados e espancados até ficarem
inconscientes. Nesta condição foram postos em um automóvel e assassinados. Ela
recebeu coronhadas e um tiro na cabeça. Para simular uma fuga, Karl foi
metralhado pelas costas à queima roupa e seu corpo jogado no Neuen See, há uns
cem metros do hotel. Rosa foi jogada nas águas geladas de um córrego conhecido
como Canal do Exército (Landwehrkanal). Seu corpo só foi achado cinco meses
depois, quando o lago descongelou. Seu túmulo foi depredado e saqueado por
nazistas em 1935.
Pacificada Berlim a contrr-revolução enfrenta uma
resistência desorganizada em Brema, Hamburgo, Leipzig, Dresden até março de
1919 onde todos os Conselhos são dissolvidos, foi restabelecida a autoridade de
mando hierárquico dos oficiais e a população trabalhadora civil foi desarmada.
Jogiches, ex-companheiro de Rosa e membro da direção do PCA, também foi
assassinado em março de 1919, quando investigava o assassinato de Luxemburgo e
Liebknecht. Nestes três meses, os mortos da revolução alemã superam de longe os
da revolução russa de fevereiro a outubro de 1917.
Neste clima de ofensiva contrarrevolucionária dirigida pelo
PSD, no dia 05 de janeiro de 1919 se constituiu o Partido Operário Alemão,
fundado por Anton Drexler e Karl Harrer que passou completamente desapercebido
dos acontecimentos, com suas ideias nacionalistas, anti-semitas e
anti-socialistas e sua insignificância numérica, mesmo após o ingresso de um
tal Adolf Hitler, ex-recruta do exército e que no momento era informante da
polícia alemã (Verbindungsmann), em outubro daquele mesmo ano. Possuía 40
membros que se reuniam numa cervejaria. Hitler assumiu a direção do partido
pouco mais tarde quando ele foi rebatizado de Partido Nacional Socialista
Alemão dos Trabalhadores Alemães, abreviado como Nazi.
Vários membros dos Frei-Korps que foram o braço direito de
Noske nos massacres aos espartaquistas e depois a incipiente República
Soviética da Baviera, viriam a se tornarem futuros líderes do partido Nazi,
Ernst Röhm, futuro chefe das tropas de assalto (Sturmabteilung, SA), também
conhecidas no país como a "escória parda", precursora da SS,
responsáveis por reprimir as manifestações socialistas e comunistas, e Rudolf
Höb, futuro comandante do campo de concentração de Auschwitz. Até que este
movimento macabro viesse a tomar maiores proporções, foi a social democracia
quem chocou o ovo da serpente, como fez a Frente Popular aqui no Brasil.
Aqueles que buscam na República de Weimar um meio termo
entre a ditadura revolucionária bolchevique e o a ditadura capitalista tratam e
ocultar o papel hediondo deste governo socialista, precursor das futuras
frentes populares que com o sangue dos revolucionários espartaquistas
pavimentou o caminho do regime mais sanguinário e escravocrata que a humanidade
já conheceu, o nazismo.
ROSA LUXEMBURGO E O BOLCHEVISMO
Pouco tempo depois do II Congresso do POSDR de 1903, quando
ficou evidente as diferenças organizativas entre bolcheviques e mencheviques,
Rosa Luxemburgo publicou um polêmico ataque à concepção de Lênin denominado
"Problemas Organizacionais da Social Democracia Russa". Foi neste
panfleto que as idéias de Rosa sobre a questão estiveram mais distantes das de
Lenin. Até então, ela não compreendia o caráter desigual e inevitável da
consciência da classe trabalhadora sob o capitalismo, nem que a luta contra o
oportunismo deveria se traduzir na questão organizativa. Rosa veio a adotar uma
posição bastante distinta ao participar pessoalmente do V Congresso do POSDR em
1907.
O que se critica erroneamente como espontaneísmo em Rosa
Luxemburgo não passa de uma combinação de dois elementos que caracterizaram a
vida e a morte da revolucionária: a aversão de Rosa ao burocratismo da direção
do SPD, uma trava contra-revolucionária a ação direta das massas e a superação
dialética e lamentavelmente incompleta de seus preconceitos antibolcheviques
durante seus últimos meses de vida. Preconceitos estes também partilhados por
Trotsky até julho de 1917, quando ele ingressa ao partido bolchevique e Lenin
caracteriza que a partir de então não houve melhor bolchevique que Trotsky.
O fundador da IV Internacional explica de forma categórica o
modo de pensar da revolucionária sobre a questão da espontaneidade: "Rosa
Luxemburgo opôs com paixão a espontaneidade das ações das massas à política
conservadora da direção social-democrata, particularmente depois da revolução
de 1905. Esta oposição era do começo ao fim, revolucionária e
progressiva." (Luxemburgo e a IV Internacional, Observações superficiais
sobre um assunto importante, 24/06/1935).
Os últimos escritos de Rosa revelavam sua aproximação
paulatina em direção aos métodos leninistas. Quando esta corrente era duramente
atacada pela grande imprensa burguesa imperialista, pelo PSD e por Kautsky, Rosa
escudava o partido de Lenin e Trotsky com textos de grande preocupação didática
como o "O que é o bolchevismo?", editado em dezembro de 1918.
Muitos militantes hoje conhecem Rosa por uma das suas mais
populares frases que viria a entrar para a história como símbolo da luta contra
o burocratismo partidário "Liberdade só é a liberdade para quem pensa
diferente" (Revolução Russa, 1918) proferida contra o partido bolchevique
de Lenin e muito antes que Stalin viesse a tomar o poder. É uma bela frase, mas
de certo modo a crítica foi influenciada pela imprensa do PSD que fazia eco as
calúnias de seus pares russos, os mencheviques.
Mesmo o folheto "A Revolução russa", a obra mais
usada pelos revisionistas como Ernest Mandel para contrapor Rosa ao
bolchevismo, a revolucionária conclui fazendo uma brilhante ode ao partido de
Lenin e Trotsky: "Tudo que um partido pode fazer no terreno da valentia,
da ação firme, previsão e coerência revolucionarias: tudo isto fizeram Lenin,
Trotsky e seus camaradas. Toda a honra revolucionária e a capacidade de ação
que tanto faltam a socialdemocracia ocidental, os bolcheviques demonstraram
possuir. Sua insurreição de outubro salvou não apenas a Revolução Russa, mas
também a honra do socialismo internacional (...) Neste sentido, Lenin, Trotsky
e seus companheiros foram os primeiros em dar o exemplo ao proletariado
mundial. Agora continuam sendo os únicos que podem gritar, com Huteen, [poeta
alemão do sec. XVI que conclamou a nobreza a se rebelar contra os príncipes e a
igreja] 'Eu ousei!'".
Mesmo assim, enquanto Rosa esteve viva "A revolução
russa" nunca foi publicada com sua autorização. Os dirigentes
espartaquistas adotaram uma política extremamente cautelosa em relação a
qualquer crítica aos bolcheviques, devido a dificuldade para obter informação
sem falsificações, e exata, e porque sua responsabilidade fundamental era
defender a Revolução Russa e explicar seu significado ao proletariado alemão.
Isto era o essencial e não queriam que houvesse nenhuma ambigüidade a respeito
sobre quem apoiava na Alemanha a Revolução Bolchevique. Quando o folheto de
Rosa, escrito na prisão, chegou à mão do editor da Liga Espartaco, Paul Levi,
este viajou especialmente à prisão de Breslau para dissuadi-la de publicar o
folheto. Ela foi convencida de não publicá-lo uma vez que este fornecia munição
aos inimigos da Revolução Russa aportando sua autoridade moral aos ataques
desferidos contra a política bolchevique. Curiosamente, "A revolução
russa" só vem a ser publicado em 1922, pelo próprio Levi depois que este
rompe com o PCA, ingressa no PSDI e depois no PSD.
Sobre este episódio Lênin escreveu: “Paul Levi quer agora
cair nas graças da burguesia e, consequentemente, de seus agentes, a II
Internacional e II ½ Internacional através da republicação precisamente
daqueles escritos de Rosa Luxemburgo em que ela se encontrava equivocada.
Devemos responder a isso, citando duas linhas de uma boa velha fábula russa:
‘As águias podem, às vezes, voar mais baixo do que as galinhas, porém as
galinhas não podem jamais subir às alturas das águias.’ [fábula do escritor
russo Ivan Krylov]. Rosa Luxemburgo equivocou-se na questão da independência da
Polônia. Equivocou-se, em 1903, em sua apreciação do menchevismo. Equivocou-se
na teoria da acumulação do capital. Equivocou-se quando, em julho de 1914,
juntamente com Plekhanov, Van der Veld, Kautsky e outros, defendeu a unificação
dos bolcheviques com os mencheviques. Equivocou-se em suas anotações redigidas
no cárcere de 1918 (nesse sentido, corrigiu a maioria de seus erros, depois de
abandonar o cárcere, no fim de 1918 e no início de 1919). Porém, apesar de
todos os seus erros, Rosa foi e permanece sendo uma águia. E não apenas os
comunistas de todo o mundo irão velar pela sua memória, senão ainda sua
biografia e suas obras completas servirão como úteis manuais para o treinamento
de muitas gerações de comunistas em todo o mundo (...) E, naturalmente, no
quintal do movimento operário, entre os montes de esterco, galinhas como Paul
Levi, Scheidemann, Kautsky e toda aquela sua fraternidade, vão piar sobre os
erros cometidos pela grande comunista." (Discurso de Abertura do I
Congresso da Internacional Comunista, 02/03/1919).
A evolução política "de Rosa permite assegurar que, dia
a dia, ela se aproximava da nítida concepção teórica de Lenin sobre a direção
consciente e a espontaneidade. Rosa era demasiadamente realista, no sentido
revolucionário, para desenvolver os elementos da teoria da espontaneidade até
convertê-los em um sistema metafísico consumado. Na prática, como já se disse,
ela minava esta teoria em cada passo (...). No máximo, poderíamos dizer que, na
concepção histórico-filosófica do movimento operário, a seleção preliminar da
vanguarda era deficiente em Rosa, em relação às ações de massa que deveríamos
esperar. Enquanto Lênin, sem se consolar com os milagres das ações que viriam,
unia sem cessar e infatigavelmente os operários de vanguarda em núcleos firmes
ilegais e legais, nas organizações de massa ou nas clandestinas, por meio de um
programa rigorosamente delimitado. (...) A obra de Rosa nos permite concluir
com certeza que ela se aproximava, cada dia mais, das ideias de Lênin
rigorosamente pesadas sobre a direção consciente e a espontaneidade"
(Luxemburgo e a IV Internacional, Observações superficiais sobre um assunto
importante, 24/06/1935).
Com vários elementos semelhantes (a revolução espontânea que
derrubou o antigo regime imperial, a formação de um governo provisório
socialista-burguês, um novo levante espontâneo das massas frustradas com o novo
governo burguês popular, o apelo à assembleia constituinte como organismo da
reação democrática, a caçada fascista preventiva a ala esquerda do marxismo
revolucionário) as etapas de fluxos e refluxos da situação revolucionária na
Alemanha foram curtíssimas quando comparamos com o processo russo.
A imaturidade da direção e a falta de tempo para preparar-se
foram implacáveis com os espartaquistas como lamenta Trotsky três dias após o
assassinato de Rosa e Karl: "Em Berlim, a vanguarda do Partido Comunista
ainda não dispunha de forças suficientemente organizadas para defender-se.
Ainda não tinha um Exército Vermelho, como tão poucos nós tínhamos durante as
jornadas de julho, quando a primeira onda de um movimento poderoso mas não
organizado foi quebrada por bandas organizadas ainda que pouco numerosas."
(León Trotsky, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, 18/01/1919).
As jornadas de julho russas terminaram com uma derrota para
o partido bolchevique "no sentido formal do termo" como assinalou
Trotsky. Muitos militantes foram presos, o jornal do partido foi fechado, o
soviete, reduzido a impotência, as tipografias operárias, saqueadas, as sedes
das organizações operárias, invadidas por bandos paramilitares da
extrema-direita. Lenin e Zinoviev tiveram que esconder-se. Em Petrogrado
ocorreu o mesmo que ocorreria um ano e meio depois em Berlim. Mas também nas
jornadas de julho os revolucionários puderam medir as suas forças e a do
inimigo, puseram em evidência para amplas massas proletárias que o governo
provisório estava a serviço dos capitalistas e da contrarrevolução.
Em que pese seu heroísmo, a imaturidade de Liebknecht no
trato da segurança, de certo modo derivada da formação legalista da social
democracia alemã, o impediram de ver que da sua vida dependia a sorte da
Revolução. O que foi claramente compreendido pela canalha social democrata
governante que não se ateve a qualquer melindre legal ou sequer julgamento
formal antes e executá-lo sumariamente e pelas costas. "Liebknecht tinha
progredido consideravelmente durante a guerra e aprendera em definitivo a por
entre si mesmo e a honesta falta de caráter de Haase (oportunista dirigente do
PSDI), um abismo intransponível. Seria supérfluo dizer que Liebknecht era um
revolucionário, intrépido e corajoso. Mas só naqueles dias ele começara a
elaborar qualidades de dirigente. Isto se via tanto quanto ele considerava a
questão do seu destino pessoal, como também na sua política revolucionária. Não
se preocupava absolutamente com a própria segurança. Quando foi preso, muitos
de seus amigos sacudiram a cabeça falando de sua abnegação e da sua temeridade.
Lenin, ao contrário, preocupou-se sempre com a segurança dos dirigentes. Era
como um chefe do estado-maior e nunca esquecia que, em tempo de guerra, se
devia salvaguardar o alto comando" (Leon Trotsky, Minha Vida, 14/09/1929).
Lenin já possuía uma clara delimitação na concepção de
partido desde 1903. Os bolcheviques se apartaram em definitivo dos mencheviques
em 1912 e dispuseram de oito meses, de fevereiro a outubro, para se alçarem
dirigentes do processo revolucionário aberto em fevereiro de 1917. Os
espartaquistas só vieram a se constituir como grupo independente em 1919. Nas
míseras semanas transcorridas da "Novemberrevolution" ao levante de 5
de janeiro em Berlim, a ausência de uma direção partidária mais experimentada
nos métodos bolcheviques completamente apartada do centrismo foi decisiva para
o trágico desfecho. E como ainda não havia sido criada tal direção, não se pode
esperar que ela se geste em uma ou duas semanas por mais veloz que seja o
amadurecimento da consciência da vanguarda e das massas no processo
revolucionário. Então, a tarefa do momento era de preservação do estado maior
da revolução, a contenção da insurreição prematura de Berlim para a
nacionalizar o processo revolucionário e ampliar a influência espartaquista
sobre os Conselhos como fizeram os bolcheviques a partir das "jornadas de
julho" sobre os sovietes.
Em todas as situações revolucionárias que se seguiram à
Revolução bolchevique, em que se manifestaram elementos de dualidade de poder,
como na Alemanha (1918-19), Itália (1920-1922), Espanha (1933-1936), Bolívia
(1952), Chile (1973), a revolução proletária foi derrotada exatamente por
faltar ao proletariado uma organização de combate de tipo leninista.
A enorme estatura histórica destes bravos combatentes da
classe trabalhadora deixou seus nomes marcados para sempre no livro de ouro da
revolução proletária. Morreram convictos que sem partido revolucionário não há
revolução vitoriosa. Foram a melhor expressão do bolchevismo em solo alemão.
Como quem suplica à impassível luta de classes um prazo maior para alçar seu
vôo de águia explicava da forma mais simples há cerca de um mês de seu
assassinato: "Não nos falta nada, minha mulher, meu filho, a não ser tudo que
cresce através de nós, para sermos livres como os pássaros: nada, a não ser
tempo! (Rosa Luxemburgo, A Socialização da Sociedade ou O que é bolchevismo
(12/1918). Se a luta de classes não concedeu a Rosa o tempo necessário para ela
completar a tarefa a qual dedicou a vida, a melhor forma de honrar sua memória
é reafirmar nesse começo de 2019, 100 anos após sua morte, a necessidade de se
preparar infatigavelmente um vigoroso partido revolucionário internacionalista
da classe operária. Os que depois de todas as tragédias de revoluções abortadas
pela falta de uma direção revolucionária se atrevem a afirmar que os operários
não necessitam de uma organização revolucionária de vanguarda, que a classe
operária é autosuficiente, que é madura o bastante para prescindir da direção
de sua vanguarda não passa de um miserável adulador, um demagogo e um cortesão
do proletariado, um adversário da revolução. Embelezar a realidade é um ato
criminoso. É obrigatório dizer a verdade aos operários por mais amarga que ela
seja, e eles devem se acostumar a amar a verdade. Por fim, fazemos nossas as
últimas palavras escritas por Rosa "A ordem reina em Berlim!... Ah!
Estúpidos e insensatos carrascos! Não perceberam que vossa 'ordem' está
construída sobre a areia. A revolução levantará sua cabeça novamente amanhã e,
para o horror estampado em vossos rostos, anunciará com todas suas trombetas:
'Eu fui. Eu sou. Eu serei!'"
101 ANOS DO ASSASSINATO DE ROSA PELA SOCIAL-DEMOCRACIA ALEMÃ
O assassinato de Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht há 101 anos atrás teve consequências desastrosas para a luta de classes, selando o
isolamento da revolução russa e todo refluxo posterior até a II Guerra Mundial.
Um ano após a tomada do poder pelos bolcheviques, o centro gravitacional da
luta de classes havia passado para a Alemanha. Certamente, se uma revolução
liderada por Luxemburgo e Liebknecht tivesse sido vitoriosa, o imperialismo
seria golpeado de morte, em um de seus bastiões centrais, logo ao ingressar em
sua fase decadente. A história da humanidade seria completamente diferente.
Figuras abjetas como Hitler não teriam desempenhado o papel que tiveram, o
stalinismo poderia ter sido barrado, para não falar em outros personagens
desprezíveis e acontecimentos reacionários que vieram depois, como a criação do
Estado nazi-sionista de Israel.
Apesar de todas as dificuldades do primeiro ano da Revolução
Bolchevique (que viriam a piorar depois), o otimismo revolucionário contagiava
a vanguarda marxista. Lenin e Trotsky orientavam grande parte de seus esforços
para impulsionar a revolução no restante da Europa. Trotsky empenhou-se em
demonstrar o apoio incondicional dos revolucionários russos à luta do
proletariado alemão: "Se o proletariado da Alemanha procura assumir a
ofensiva, o dever essencial da Rússia dos sovietes será o de ignorar, na luta
revolucionária, as fronteiras nacionais. A Rússia dos sovietes não é mais do
que a vanguarda da revolução alemã e européia (...). O proletariado alemão e
sua técnica por um lado e, por outro, nossa Rússia desorganizada, mas plena de
riquezas naturais e tão populosa, formarão um bloco formidável contra o qual
virão se quebrar todas as ondas do imperialismo (...). Liebknecht não precisa
firmar tratado algum conosco. Sem tratado algum nós o ajudaremos com todas as
nossas forças. Daremos tudo para a luta proletária mundial. A partir de então a
Alemanha atrairá para si, fortemente, a simpatia de todos os povos, a simpatia
das massas oprimidas do mundo todo e antes de mais nada da França (...) mais
sagrada do que outra qualquer, a classe operária francesa só espera, em seu
coração revolucionário, o primeiro sinal da Alemanha." (Discurso de
30/10/1918 no Vtsik, citado por Vitor Serge em O Ano I da Revolução Russa).
Lenin defendeu que para salvar a Revolução Alemã no momento
decisivo, seria obrigatório aos revolucionários empregar toda sua energia,
correndo inclusive o risco de sacrificar a revolução russa. Mas a
socialdemocracia representante do imperialismo alemão aprendeu com o erro
cometido pelo governo provisório de Kerensky de deixar escapar por entre os
dedos a chance de esmagar os dirigentes da futura revolução bolchevique. Em
meio ao refluxo da revolução russa, após as jornadas de julho de 1917, os
bolcheviques foram caçados pelas ruas de Petrogrado. Trotsky foi preso e Lenin
teve que escapar para a Finlândia.
Um ano e meio depois, após o refluxo que se seguiu ao
levante proletário espontâneo de 09 de janeiro de 1918 em Berlim, Karl e Rosa
tiveram suas cabeças postas a prêmio, a burguesia alemã ofereceu uma recompensa
por qualquer informação que levasse a detê-los. Os dirigentes da Liga
Espartaquista tinham acabado de receber documentos falsos, feitos na URSS para
fugir de Berlim, mas antes disto foram capturados e executados. Não se pode
deixar de destacar, que fez uma profunda diferença a concepção de partido de
revolucionários profissionais de Lenin e a imaturidade dos dirigentes
espartaquistas na defesa da vida dos membros do estado-maior da revolução alemã
e, portanto, da vida da revolução. Longe de descarregar todo o peso da
responsabilidade pelo destino da humanidade contra a barbárie nas costas de
quem mais alertou o proletariado sobre qual seria sua desgraça caso sua luta
não assegurasse um futuro socialista para o planeta, a LBI compreende quando se
completa os 101 anos do assassinato de Rosa Luxemburgo que é preciso clarificar
estrategicamente nossas tarefas no Século XXI, como nos ensinou a própria Rosa:
"Não estamos perdidos, nós venceremos desde que nós não tenhamos
desaprendido a aprender".